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A Valoração de Serviços Ecossistêmicos como Instrumento do Desenvolvimento

Sustentável

Marcus Fabiano Praciano Santiago

Resumo
O presente estudo discute se a valoração econômica de recursos ambientais é uma forma válida
de aferir em casos concretos o ideário constitucional de desenvolvimento sustentável. Com este
fito são apresentados os conceitos de serviços ecossistêmicos à luz dos princípios constitucionais
ambientais do meio ambiente ecologicamente equilibrado, poluidor e usuário pagador e protetor
recebedor. Também é analisado se seu uso é capazes de provocar ressonância no enfrentamento
das questões ambientais, mormente face ao princípio do desenvolvimento sustentável.

Palavras-Chave: Direito, Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável, Princípio Protetor-


Recebedor, Pagamento Por Serviços Ambientais.

Introdução
Garantir o desenvolvimento nacional constitui um dos objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil, conforme expresso em nossa Carta Maior. Por outro lado, a
Constituição também assegura a todos o direito ao meio ambiente equilibrado, conferindo ao
Poder Público e à coletividade a atribuição de defendê-lo e equilibrá-lo para as presentes e as
futuras gerações.
A partir deste quadro, clara se torna a necessidade de se pensar formas de
compatibilização do direito ao desenvolvimento que não ponham em risco o meio ambiente. Com
este fito, o presente estudo se propõe a discutir o uso da valoração dos serviços ambientais no
contexto de sua aplicação a casos concretos.
Parte-se assim dos conceitos de desenvolvimento sustentável e sustentabilidade para
embasar a análise da dicotomia entre o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado e o
desenvolvimento. Em seguida são apresentados conceitos teóricos de valoração dos serviços
ambientais, os quais são discutidos na ótica dos princípios do poluidor e usuário pagador e do
protetor recebedor. Por fim, perquire-se se a valoração dos serviços ecossistêmicos pode ser
utilizada para aferir o alcance do ideário constitucional de desenvolvimento sustentável.
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2 Desenvolvimento Sustentável e Sustentabilidade


O surgimento da expressão desenvolvimento sustentável é relativamente recente, face à
sua ampla utilização atual. Conforme Sachs (2015), apesar de seu conceito ter sido discutido na
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano em Estocolmo no ano de 1972,
foi apenas em 1980 que foi introduzida formalmente. A expressão foi depois adotada e
popularizada no relatório da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento das
Nações Unidas, geralmente conhecido pelo nome de sua presidente como relatório Brundtland, e
onde encontra-se uma definição bastante conhecida: “o Desenvolvimento Sustentável é o
desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das
gerações futuras satisfazerem as próprias necessidades” (BRUNDTLAND et al, 1987,p.20).
Em complemento, também aduz Sachs (2015) que com o passar do tempo o conceito de
desenvolvimento sustentável evoluiu para uma abordagem mais prática, reduzindo a importância
da equidade intergeracional e aumentando a da abordagem holística, ligando o desenvolvimento
econômico, a inclusão social e a sustentabilidade ambiental. Com efeito, verificando-se as
declarações emitidas por ocasião das diversas conferências da Organização das Nações Unidas
com temas afetos ao desenvolvimento sustentável, pode-se observar uma gradativa ampliação de
seu significado.
Neste diapasão, no declaração referente à conferência sobre meio ambiente e
desenvolvimento ocorrida no Rio de Janeiro em 1992 , verifica-se que entre seus princípios se
encontram referências à erradicação da pobreza e à proteção do ambiental como requisitos do
desenvolvimento sustentável (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1992).
Posteriormente, em 2002, por ocasião da Cúpula sobre Desenvolvimento Sustentável realizada
em Joanesburgo, foram reconhecidos, no documento referente à implementação de seus
objetivos, três pilares interdependentes do desenvolvimento sustentável que se reforçam
mutuamente: o crescimento econômico, o desenvolvimento social e a proteção do meio ambiente
(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2002).
Um conceito ainda mais amplo foi adotado na conferência ocorrida no Rio de Janeiro em
2012, conhecida como Rio+20. No documento divulgado pelo encontro, define-se que para
atingir o desenvolvimento sustentável é necessário promover o crescimento econômico inclusivo
e equitativo, reduzir as desigualdades, elevar os padrões básicos de vida e promover a gestão
integrada e sustentável de recursos naturais e ecossistemas que apoiam, entre outros, os aspectos
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econômicos, sociais e desenvolvimento humano, facilitando a conservação do ecossistema,


regeneração e restauração e resiliência diante de desafios novos e emergentes (ORGANIZAÇÃO
DAS NAÇÕES UNIDAS, 2012).
Mais tarde e baseando-se nos princípios acordados no encontro realizado no Rio de
Janeiro, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou uma resolução com dezessete objetivos
de desenvolvimentos sustentável. Estes abrangem temas tão diversos como redução da
desigualdade de gênero; paz, justiça e instituições eficazes; infraestrutura e inovação; água limpa
e saneamento; energia limpa e acessível, erradicação da pobreza dentre outros, novamente
ampliando sua abrangência.
Cabe ser ressaltado que para muitos as diversas acepções do desenvolvimento sustentável
tornam esta expressão diferente do termo sustentabilidade. Conforme Veiga (2015), utilizar os
dois como sinônimos é bastante discutível. Apesar de entender que não há uma resposta concisa
simples e direta para indagações sobre o conceito de sustentabilidade, aduz que é o único valor a
dar atenção às futuras gerações, ou seja a evocar a responsabilidade contemporânea pelas
oportunidades, leques de escolha e direitos que nossos descendentes usufruirão.
Esta interpretação de que a sustentabilidade está ligada à responsabilidade das ações do
presente frente às consequências futuras também é partilhada por Canotilho (2010). O mestre
português divide o conceito de sustentabilidade em dois: o restrito e o amplo. O restrito aponta
para a proteção/manutenção a longo prazo de recursos através do planejamento, economização e
obrigações de condutas e de resultados. Já o amplo envolve os três pilares ecológico, econômico
e social, tornando-o próximo ao conceito de desenvolvimento sustentável.

3 Dos Princípios do Direito ao Meio Ambiente Equilibrado e do Direito ao Desenvolvimento


Como é cediço, a Constituição da República, alcunhada de cidadã, albergou diversas
direitos reconhecidos como fundamentais. Conforme Sarlet (2015), podem ser considerados
fundamentais por duas circunstâncias. A primeira é a material de conterem decisões fundamentais
sobre a estrutura do Estado e da sociedade, em especial, no que diz com a posição nestes ocupada
pela pessoa humana. A segunda é a formal ligada ao direito constitucional positivo, no sentido de
um regime jurídico definido a partir da própria constituição.
Rios de tinta já foram escritos sobre o tema, cabendo aqui apenas poucos apontamentos.
Aduz bem Mendes e Branco (2014) que os direitos fundamentais relacionados à qualidade do
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meio ambiente caracterizam-se como de titularidade difusa ou coletiva, uma vez que são
concebidos para a proteção não do homem isoladamente, mas de coletividades, de grupos e, por
isso, são classificados como de terceira geração. Em complemento, os autores anotam que os
direitos fundamentais possuem características específicas como a universalidade, sendo
titularizados por todos, inalienabilidade, não cabendo sua disposição, historicidade, necessitando
de um contexto histórico para sua compreensão e constitucionalização, devendo estar
consagrados em preceitos da ordem jurídica.
Cabe ainda uma deveras concisa explanação sobre o uso dos termos regras e princípios.
Conforme a bem difundida teoria de Alexy (2015), ambos são espécies de normas que se
diferenciam: enquanto os princípios possuem grau de abstração mais alto e se constituem em
mandamentos de otimização, satisfeitos de várias formas conforme as possibilidades fáticas ou
jurídicas, as regras são mais próximas do caso concreto e são sempre ou satisfeitas ou não
satisfeitas.
Este festejado doutrinador considera o direito ao meio ambiente como direito
fundamental, com uma estrutura muito diferente daquela de um direito como o direito à
assistência social, que essencialmente se esgota em um simples direito a uma prestação fática.
Aduz que esta diferença ocorre em virtude deste direito poder se consubstanciar em feixes de
posições de espécies bastante distintas como a abstenção da intervenção do Estado, a proteção do
titular do direito a intervenções lesivas ao meio ambiente, a inclusão do titular no rol de
procedimentos ambientalmente relevantes ou o direito a que o próprio Estado tome medidas
fáticas benéficas ao meio ambiente (ALEXY, 2015).
Neste sentido, conforme Benjamin (2007), os fundamentos dorsais do Direito Ambiental,
ao contrário do que se dava com as disciplinas jurídicas clássicas, encontram-se, em maior ou
menor medida, expressamente apresentados em um crescente número de Constituições modernas.
Para este colendo jurista, a doutrina, de forma geral, reconhece a existência de um direito
fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, mormente nos países que
modificaram suas Constituições após a Conferência de Estocolmo de 1972.
Na ordem jurídica pátria, este direito encontra-se alicerçado em um princípio
consubstanciado no caput do artigo 225 de nossa Carta Maior, o qual a este se refere diretamente
(grifos nossos): “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
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coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações” (BRASIL


1988).
Trata-se, segundo Benjamin (2010), de direito fundamental explícito, por estar
incorporado à legislação constitucional e que possui feições ora substantivas; por definir posições
jurídicas, qualificar o domínio ou restringir a exploração dos recursos naturais; ora
procedimentais, por se prestar à viabilização, execução ou implementação dos direitos e das
obrigações materiais. Possui também estrutura bifronte, a um só tempo negativa – associado a um
non facere – e positiva, isto é, um direito que comanda prestações positivas do Estado e da
sociedade ambas as modalidades. Um exemplo citado é o do empreendedor para o qual exige-se
que não degrade o meio ambiente (obrigação negativa) e que, na hipótese de fazê-lo ilegalmente,
mitigue o dano e o repare (obrigações positivas).
Também tece Benjamin (2010) considerações sobre a expressão meio ambiente
ecologicamente equilibrado. Segundo aduz, o equilíbrio ecológico se trata de um sistema
dinâmico, não sendo objetivo do Direito Ambiental fossilizar o meio ambiente e estancar suas
permanentes e comuns transformações e sim o de assegurar que tal estado dinâmico de
equilíbrio, em que se processam os fenômenos naturais, seja conservado, deixando que a natureza
siga seu próprio curso.
Noutro giro, Derani (2008) anota que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um
bem jurídico constitucionalmente protegido. Trata-se de um patrimônio coletivo, bem de uso
comum do povo. Como tal entende que não pode ser desmembrado em parcelas individuais e que
seu desfrute é claramente comunitário e reverte ao bem-estar individual.
Por vezes o direito ao meio ambiente equilibrado entra em confronto com normas que
visam a garantir o desenvolvimento. Conforme lembra Grau (2008), um dos objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil é o de garantir o desenvolvimento nacional
(artigo 3º, inciso II de nossa Carta Maior), o qual para o autor se trata de princípio constitucional
impositivo, dotado de caráter constitucionalmente conformador. Trata-se de realizar políticas
públicas cuja reivindicação, pela sociedade, neste encontra fundamentação.
Neste mesmo diapasão, afirma Tavares (2011) que na atual Constituição, é (deve ser) um
dos objetivos fundamentais do Estado brasileiro "garantir o desenvolvimento nacional". Também
anota Derani (2008) que os princípios de estímulo ao desenvolvimento econômico, traduzidos
pelo fortalecimento e expansão dos fatores de produção, pelo aumento do nível de emprego, pelo
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desenvolvimento da tecnologia e pelo aumento da quantidade e variedade dos produtos no


mercado, estão presentes na Constituição brasileira.
Por outro lado, afirma a insigne professora que um novo ângulo para se observar o
desenvolvimento econômico é conformado pela presença do capítulo sobre o meio ambiente na
Constituição: o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado se faz presente como
princípio a ser respeitado pela atividade econômica. Este não se trata apenas da sustentabilidade
no sentido de manutenção do modo de produção dominante, mas da introdução no rol de
benefícios da atividade econômica da melhoria de qualidade de vida. Aduz a autora que qualquer
política econômica deve zelar pelo desenvolvimento da atividade econômica e de seu
instrumental tecnológico ajustados com a conservação dos recursos naturais e com a melhoria da
qualidade de vida da população.
Neste mesmo diapasão, Wendy (2018) discorda da doutrina que entende ser o direito ao
desenvolvimento em sentido estrito, sem o elemento sustentabilidade, um direito fundamental a
integrar o ordenamento jurídico brasileiro. Para o autor, os objetivos fundamentais da
Constituição são pressupostos para o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, o que
seria o norte para balizar o desenvolvimento sustentável. Argui que o direito ao desenvolvimento
sustentável pressupõe o desenvolvimento do ser humano em toda sua plenitude, respeitando o
meio ambiente como valor juridicamente tutelado, com lastro no parágrafo 2º, do artigo 5º de
nossa Carta Maior, segundo o qual os direitos e garantias ali expressos não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a
República Federativa do Brasil seja parte.

4 Serviços Ecossistêmicos e Pagamento


Com o fito de subsidiar a discussão jurídica será feita uma breve descrição de conceitos
sobre serviços ambientais e sua valoração. Cabe ser ressaltado que o tema é de grande amplitude
e envolve diversas áreas do conhecimento. Assim se encontra fora do escopo deste trabalho
qualquer análise aprofundada.
Inicialmente cabe ser definida a expressão serviços ecossistêmicos (ou ambientais) 1, a
1 Nem todos os autores consideram estes termos sinônimos. Conforme Wunder (2005), há diferença
entre o termo ambiental (“environmental”) e ecossistêmico (“ecosystem”), havendo no primeiro o
significado de que os serviços podem ser separados em componentes aditivos e no segundo não. Já
Peixoto (2011) tece conceitos diversos nos quais os serviços ecossistêmicos são fornecidos pelos
ecossistemas e os ambientais por agentes, públicos ou privados, com impacto nos ecossistêmicos. Esta
diferenciação não é relevante no contexto do presente trabalho.
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qual é em geral associada a uma visão antropocêntrica. De acordo com Boyle (2007), são
componentes da natureza, diretamente gozados, consumidos ou usados para gerar o bem-estar
humano. Por sua vez, Peixoto (2011) os define como os benefícios que as pessoas obtém dos
ecossistemas, sendo estes definidos como um complexo dinâmico de plantas, animais,
comunidades de microorganismos e meio ambiente, interagindo como um conjunto
funcional.
Neste mesmo diapasão, Daily (1997) os define como as condições e processos através dos
quais ecossistemas naturais e as espécies que os compõem ,sustentam e preenchem a vida
humana. Propõe ainda uma boa analogia para o conceito: imagine-se por um momento na Lua e
pense no que seria necessário para manter a vida neste satélite inóspito. A grande quantidade de
necessidades tais como água limpa, ar puro, tratamento de impurezas, estabilização do clima,
seriam os serviços ambientais a serem prestados por um grande número de espécies.
Conforme Contanza et al (1997), em razão dos serviços do ecossistema não serem
capturados em mercados comerciais ou adequadamente quantificados em termos comparados
com serviços econômicos e o capital manufaturado, a eles é dado um peso muito pequeno nas
decisões políticas, o que pode comprometer a sustentabilidade humana na biosfera. Faz-se assim
necessário que haja o pagamento por seu uso. Em um levantamento efetuado neste trabalho com
mais de 20 anos, chegou-se a uma estimativa de que os serviços prestados por 17 ecossistemas
tinham o valor de 33 bilhões de dólares por ano, cerca de 80% maior do que o produto nacional
bruto mundial na època.
Uma questão capital é a forma como a valoração econômica destes serviços é realizada 2.
Apesar de ser um tema de grande complexidade e afim à Economia, considera-se útil tecer alguns
comentários.
Segundo Daily (1997), uma ampla classe das abordagens de valoração é antropocêntrica e
utilitarista - as coisas da natureza só possuem valor na extensão em que conferem satisfação aos
humanos. Estas características estão ligadas às análises de custo-benefício, as quais são
prevalentes e quase sempre adotam que o valor de uma amenidade natural é dado pela quantidade
que as pessoas estariam dispostas a pagar (medida de satisfação) ou sacrificar para aproveitá-la.
De acordo com Mota (1997), é comum na literatura desagregar o valor econômico do

2Cabe ser notado que a valoração econômica não é a única. Groot (2002), afirma que a valoração das
funções, bens e serviços ambientais, pode ser a grosso modo dividida em ecológica, sócio-cultural, além
da econômica.
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recurso ambiental em valor de uso e valor de não uso. Hacket (2006) define valor de uso como a
utilidade aproveitada pelas pessoas que utilizam diretamente algum aspecto do ambiente. Por
exemplo, a costa marinha possui valor de uso para surfistas e pescadores.
Ainda conforme Hacket (2006), por sua vez, o valor de não uso reflete aquele que as
pessoas atribuem a aspectos do meio ambiente natural com o qual se importam, mas não usam de
forma natural, comercial ou qualquer outra. Já para Mota (1997), representa o valor de existência
que está dissociado do uso e deriva-se de uma posição moral, cultural, ética ou altruística em
relação aos direitos de existência de espécies não-humanas ou preservação de outras riquezas
naturais, mesmo que estas não representem uso atual ou futuro para o indivíduo.
Para este autor, o valor de uso pode, por sua vez ser desagregado em: valor de uso direto,
valor de uso indireto e valor de opção. O primeiro seria aquele associado a quando o indivíduo se
utiliza atualmente de um recurso, por exemplo, na forma de extração, visitação ou outra atividade
de produção ou consumo direto. Já o valor de uso indireto seria aquele que ocorre quando o
benefício atual do recurso deriva-se das funções ecossistêmicas, como, por exemplo, a proteção
do solo e a estabilidade climática decorrente da preservação das florestas. Por fim, o valor de
opção ocorre quando o benefício atual do recurso deriva-se das funções ecossistêmicas, como,
por exemplo, a proteção do solo e a estabilidade climática decorrente da preservação das
florestas.
Cabe ser citado que conforme as características do serviço ecossistêmico há diferentes
métodos a serem utilizados para sua valoração, os quais não serão aqui descritos em virtude de
estar fora do escopo do presente trabalho.
Por fim, aduz Mota (1997) que o valor econômico do recurso ambiental seria
representado pela soma do valor de uso (em seus componentes direto, indireto e de opção) e pelo
de não uso, formando o valor estimado do recurso ambiental. Esta classificação não é a única,
mas é citada em trabalhos de instituições importantes como o Banco Mundial (PAGIOLA;
CANTREL, 2004) e permite uma visão, ainda que breve, sobre o tema. Outros autores, como
Groot (2002), apresentam propostas de classificação diferentes.
A valoração econômica dos serviços ecossistêmicos pode ser utilizada como um forte
argumento para o pagamento por estes serviços. Uma definição proposta por Wund (2006) para o
pagamento por serviços ambientais é a de que se trata de uma transação voluntária onde um
serviço ecossistêmico bem definido é comprado por um adquirente destes serviços de um
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provedor se e apenas se o provedor assegura sua provisão. Trata-se para o autor de uma estrutura
negociada, onde o provedor possui outras escolhas para o uso do serviço ecossistêmico e onde o
comprador deve ter a opção de resolver o contrato se a obrigação não for adimplida.

5 Compensação Ambiental e os Princípios do Poluidor e Usuário Pagador e do Protetor


Recebedor
A valoração econômica dos serviços ecossistêmicos relaciona-se com princípios de nosso
ordenamento jurídico ambiental. Um deles é o do poluidor pagador o qual, conforme Derani
(2008), ao ser aplicado impõe ao sujeito econômico (produtor, consumidor, transportador), que
pode causar um dano ambiental, os custos da diminuição ou afastamento do dano .
Aduz Fiorillo (2012) que este princípio encontra-se contido no parágrafo terceiro do
artigo 225 de nossa Carta Maior, o qual afirma que “as condutas e atividades consideradas lesivas
ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e
administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.
Neste diapasão, o conceituado jurista anota que este princípio possui duas órbitas de
alcance: a) busca evitar a ocorrência de danos ambientais (caráter preventivo); e b) ocorrido o
dano, visa à sua reparação (caráter repressivo). Desse modo, num primeiro momento, impõe-se
ao poluidor o dever de arcar com as despesas de prevenção dos danos ao meio ambiente que a sua
atividade possa ocasionar. Numa segunda órbita de alcance, esclarece este princípio que,
ocorrendo danos ao meio ambiente em razão da atividade desenvolvida, o poluidor será
responsável pela sua reparação.
Anota Machado (2013) que há de se diferenciar dois momentos de aplicação da sanção ao
poluidor-pagador: um momento é de fixação das tarifas ou preços e/ou da exigência de
investimento na prevenção do uso do recurso natural e outro momento é o da responsabilização
integral ou residual do poluidor.
Por sua vez, o princípio do usuário pagador encontra-se em relação bastante próxima ao
do poluidor pagador, a ponto de alguns doutrinadores entenderem que um contém o outro ou
vice-versa. Para Sarlet (2015), o conteúdo do princípio do poluidor-pagador não se dirige única e
exclusivamente ao “fornecedor” de bens e serviços de consumo, mas também impõe
responsabilidades ao consumidor ou usuário de tais produtos ou serviços. Trata-se de um
princípio do Direito Ambiental, que orienta normativamente o usuário de recursos naturais no
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sentido de adequar as práticas de consumo ao uso racional e sustentável dos mesmos, bem como
à ampliação do uso de tecnologias limpas no âmbito dos produtos e serviços de consumo, a
exigência de certificação ambiental dos produtos e serviços, etc
Noutro giro, para Machado (2013), é o princípio do usuário-pagador que contém o
princípio poluidor-pagador. Ambos encontram-se expressos na Lei da Política Nacional do Meio
Ambiente (Lei n. 6.938/81) a qual dispõe, no seu art. 4º, inciso VII, que se visará “a imposição,
ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao
usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos”.
Aduz ainda este douto doutrinador que o princípio do usuário-pagador (o qual,
reforçamos, contém para este autor o do poluidor-pagador) não é uma punição, pois mesmo não
existindo qualquer ilicitude no comportamento do pagador ele pode ser implementado. Assim,
para tornar obrigatório o pagamento pelo uso do recurso ou pela sua poluição não há necessidade
de ser provado que o usuário e o poluidor estão cometendo faltas ou infrações. O órgão que
pretenda receber o pagamento deve provar o efetivo uso do recurso ambiental ou a sua poluição
(MACHADO, 2013).
Já o princípio do protetor-recebedor , conforme Sirvinskas (2013), é a obrigação que tem
aquele que receber verbas do Poder Público de proteger ou de não degradar o meio ambiente -
trata-se, em outras palavras, da compensação que o proprietário recebe para proteger determinado
recurso natural.
A valoração dos serviços ecossistêmicos pode ser utilizada como ferramenta para a
concretização destes princípios. Isto ocorre em virtude de estarem embasados na transferência
dos custos ecológicos aos seus responsáveis ou na premiação , evitando-se que os mesmos sejam
suportados de modo indiscriminado (poluidor/usuário pagador) ou na premiação econômica dos
que adotam condutas positivas (protetor recebedor). Nestes casos, faz-se necessário quantificar o
valor do dano causado pela poluição indevida, pelo consumo ou pela proteção, o que torna a
valoração dos serviços ecossistêmicos de inestimável valia.
Cabe aqui ser efetuado uma breve distinção entre compensação ambiental e de pagamento
(ou compensação) por serviços ambientais. Conforme Hupffer et al (2011), trata-se aquela de
situações onde o agente, de algum modo, está obrigado pela Lei a compensar um dano ou a não
observação de alguma norma ambiental. Já esta se trata de uma conduta adotada voluntariamente
pelo sujeito a que o Direito houve por bem compensar, como forma de incentivar sua realização.
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6 Da Valoração Econômica de Recursos Ambientais como Aferição do Ideário de


Desenvolvimento Sustentável
Poderia a valoração de serviços ambientais ser utilizada como mecanismo para avaliar, no
caso concreto, o alcance do ideário constitucional de desenvolvimento sustentável? Entende-se
que em determinadas situações sim. No entanto, também vislumbram-se casos em que sua
aplicação pode trazer riscos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Nas situações em que a valoração pode ser corretamente aplicada, trata-se de um
instrumento de utilidade para a instrumentalização do desenvolvimento sustentável. Cabe ser
lembrado que, como já citado, o crescimento econômico é reconhecido um de seus pilares, sendo
necessário para a consecução do desenvolvimento social e devendo ser compatibilizado com a
proteção ao meio ambiente.
Corretamente aplicada, a valoração dos serviços ecossistêmicos permite a sanção prévia
ou posterior de agentes econômicos poluidores ou o correto pagamento por consumidores pelo
seu uso. Por outro lado, possibilita a correta premiação de incentivos aos que adotam condutas
positivas de proteção ambiental.
Neste diapasão, aduz Machado (2013), ao tratar da compensação ambiental que em
relação ao meio ambiente, importa saber se a compensação havida ou preconizada é suficiente e
justa para todas as partes envolvidas. Claro se pode perceber a necessidade da correta valoração
dos serviços ambientais para que este objetivo seja atingido.
No entanto, vislumbra-se que há dois fatores que podem trazer riscos ao uso
indiscriminado da valoração de serviços ecossistêmicos como instrumento a ser utilizado em
casos concretos para a sanção ou premiação de agentes econômicos: o foco no utilitarismo como
critério único ou principal para decisão e o antropocentrismo.
Conforme Hacket (2006), o utilitarismo trata-se de um sistema ético advogado por
filósofos como David Hume, Jeremy Bentham, e John Stuart Mill, no qual os méritos de uma
ação são avaliados considerando-se o benefício total (utilidade) e os custos totais (desutilidades)
criados por esta para a sociedade. Está ligada à avaliação de custo benefício propiciada pelo uso
da valoração de serviços ecossistêmicos.
Ora, com a valoração se passa a ter um critério objetivo para a decisão sobre o dano ou
benefício ao meio ambiente causado por determinada ação. Seu uso como único elemento
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decisório ou com importância demasiada pode acarretar grandes riscos ambientais.


Como já citado, há serviços ecossistêmicos que ou apresentam um valor de avaliação
econômico muito baixo ou não possuem um valor que possa ser diretamente avaliado. Devido à
complexidade das interações do meio ambiente, é fácil vislumbrar a ocorrência de situações onde
o valor da avaliação do serviço não reflete a importância do ecossistema, o que leva a um errôneo
julgamento do custo-benefício.
Um exemplo deste conflito se encontra no projeto de construção de um porto (conhecido
como “Porto das Lajes”) na orla da cidade de Manaus (BRASIL, 2010). O referido projeto de
importância econômica de fácil valoração ameaça o bem ambiental cultural do encontro das
águas entre o Rio Negro e o Rio Solimões, cujo valor econômico é de difícil avaliação. É fácil
vislumbrar que uma decisão baseada apenas em critérios utilitaristas de custo benefício levaria à
permissão para a construção do referido empreendimento. Felizmente outros critérios foram
levados em consideração.
Já o antropocentrismo intrínseco à valoração econômica, faz com que o destino de
espécies se torne muito precário se a valoração de seus serviços prestados for nula ou mesmo
muito baixa. Apesar de poder se argumentar que também se trata de uma consequência do uso
exacerbado do utilitarismo em decisões, aduz Daily et al (1997), que há muitos que propõem uma
perspectiva biocêntrica, onde espécies e outras coisas da natureza possuem direitos intrínsecos
para existir e prosperar, independentemente da satisfação que os humanos destes derivam.

Conclusões
São frequentes os conflitos entre a proteção ambiental e o desenvolvimento. Faz-se
necessário encontrar um ponto de equilíbrio, mormente face à evolução histórica do
desenvolvimento sustentável, que traz em seu conceito os pilares de compatibilização do
crescimento econômico com o desenvolvimento social e a proteção ambiental, e do princípio
constitucional do direito ao meio ambiente equilibrado, direito fundamental inalienável e
universal.
A valoração econômica de serviços ecossistêmicos pode ser usada como instrumento para
ajuda no processo decisório para solução destes conflitos. Situações como a de sanções a
poluidores com o uso de compensação ambiental, conforme o princípio do poluidor pagador, ou
de incentivos a condutas positivas por agentes econômicos podem fazer deste conceito um bom
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uso, por meio de uma análise objetiva do valor correto a ser pago ou premiado.
No entanto seu uso no processo decisório em casos concretos guarda armadilhas: bens
ambientais cujos serviços possuem baixo ou nenhum valor econômico podem ser desvalorizados
e assim serem prejudicados, em uma análise focada apenas no custo benefício de ações de
agentes econômicos.
Dessarte, o uso único ou extremamente proeminente da valoração dos serviços ambientais
e da análise utilitarista de custo benefício no processo decisório, pode acarretar riscos ao meio
ambiente. A solução passa pelo uso de critérios multidimensionais que possam refletir a
complexidade das relações ambientais.

REFERÊNCIAS

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