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ANGÚSTIA CONTEMPORÂNEA SEGUNDO A FENOMENOLOGIA

DE MARTIN HEIDEGGER

Antonio Reinaldo Morais

Ms. Carine Naldi Sawtschenko

RESUMO

Heidegger (2006) considera a velocidade dos tempos modernos como uma


possibilidade existencial própria da contemporaneidade, já que a pressa em se obter
resultados induzidos pela tecnologia ultrapassa o âmbito profissional causando angustias ao
ser-aí em todas as suas relações. Bauman (2004) acredita que este modo de existir
contemporâneo compromete as relações do homem, porque aquilo que poderia fortalecê-las,
ou seja, o tempo, é ignorado e trocado por quantidade. Diante das incertezas que o mundo
contemporâneo oferece ao ser-aí, o método fenomenológico de investigação abre a
possibilidade para uma nova forma de se compreender o fenômeno da existência buscando
apreender o ser do homem de forma originaria. Heidegger (2006) também aborda a
liberdade de existir como algo possível de ser conquistada somente com a aceitação de si
mesmo com todas as limitações existenciais, inclusive, vê como necessário a compreensão
do ser-para-a-morte. Compreender este existencial, a morte, é de suma importância para se
ter liberdade no existir, pois, tudo que o ser-ai conhece a este respeito é pela experiência do
outro. Ter a consciência de que todas as possibilidades estão em abertura no horizonte
existencial pode dar mais segurança e maior liberdade para se refletir sobre si mesmo.

PALAVRAS CHAVE: Fenomenologia, Heidegger, Angústia, Ser, Existência.

ABSTRACT

Heidegger (2006) considers the speed of modern times as an existential possibility


typical of contemporaneity, since the rush to obtain results induced by technology surpasses
the professional scope causing anguish to the being in all its relations. Bauman (2004)
believes that this contemporary mode of existence compromises man's relationships, because
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what could strengthen them that is time is ignored and exchanged for quantity. Faced with
the uncertainties that the contemporary world offers to the being, the phenomenological
method of investigation opens the possibility for a new way of understanding the
phenomenon of existence seeking to apprehend the being of man in an original way.
Heidegger (2006) also discusses the freedom to exist as something that can be achieved only
by accepting oneself, with all its existential limitations, including as necessary the
understanding of being-towards-death. Understanding death is of paramount importance in
order to have freedom in being, because the being is just aware of it through the experience
of others. Being aware that all possibilities are open in the existential horizon can give you
more security and greater freedom to reflect on yourself.

KEY WORDS: Phenomenology, Heidegger, Anguish, Being, Existence.

INTRODUÇÃO:
O presente artigo tem por objetivo investigar o tema da angústia contemporânea
dentro da abordagem fenomenológica, afeto este que se destaca pela importância na
constituição da estrutura do “Dasein como cura” e, que pode às vezes se manifestar através
de um retirar-se do mundo público pela ausência de sentido. O referido conceito será
abordado através do pensamento do filósofo alemão Martin Heidegger (2006) que no seu
livro Ser e Tempo, classifica a ‘angústia’ como “disposição privilegiada do ser-aí”. Esta
proposta busca através do método fenomenológico revisar bibliografias sobre o assunto e
propor reflexões acerca do mundo no nosso tempo. Será analisado alguns conflitos do existir
no mundo contemporâneo e buscar tanto na autenticidade como na inautenticidade
existencial aberturas apontando para as possibilidades de sedimentação do Ser. Nesta
expansão, pretende-se abarcar a angústia como privilégio existencial capaz de oferecer
possibilidades para que o ser-aí compreenda o mundo e si mesmo e, se fortaleça no
horizonte da existência. Sobre Bauman (2004), abordaremos de forma comparativa sua
visão do mundo atual onde a liquidez destrói qualquer possibilidade de aprofundamento das
relações o que provoca uma superficialidade e fragilidade.
O objetivo principal dessa reflexão é abordar somente um pequeno recorte do
conceito de angústia para Martin Heidegger, não pretende o autor de forma alguma limitar a
magnitude da compreensão de tal conceito.
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O MÉTODO FENOMENOLÓGICO DE INVESTIGAÇÃO:

(...) Não se pretende, de forma alguma, cumprir a tarefa de uma dada disciplina,
previamente dada [primeiro se cria a disciplina e vê onde ela se encaixa]. Ao contrário, é a
partir da necessidade real de determinadas questões [necessidade de se investigar algo] e do
modo de tratar imposto pelas “coisas ela mesmas” que, em todo caso, uma disciplina pode
ser elaborada. (...) A expressão “fenomenologia” significa antes de tudo, um conceito de
método (HEIDEGGER, 2006, p. 66).

Heidegger (2006) afirma que em uma investigação com rigor todos os passos a
serem percorridos precisam obedecer a uma ordem que faça sentido e contribua para que o
resultado buscado possa ser atingido. Ao criar a fenomenologia hermenêutica a partir da
obra “Ser e Tempo” para se investigar o ser dos entes, já de antemão, determinou a
importância do “logos” priorizando a seguinte ordem para “ser” e “método”: primeiro o
que já existia – “ser” – e posteriormente o que foi criado para fazer a investigação – “o
método fenomenológico hermenêutico”. Para se chegar ao ser dos entes escolheu para
estudo o homem porque, o mesmo tem consciência de si mesmo e do mundo. Sendo,
portanto, a fenomenologia um método de investigação do ser dos entes ela deve então se
comportar metodologicamente diferente dos métodos já existentes próprios das ciências
naturais. Naturalmente, a fenomenologia hermenêutica foi escolhida como método porque o
ser dos entes ultrapassa as ‘coisas’ que vem ao encontro na lida cotidiana e para apreende-
los e explicá-los seria necessário algo metodologicamente coerente. O método
fenomenológico se caracteriza por apreender de forma compreensiva o fenômeno e tudo que
o circunda, que o influencia de forma positiva ou negativa, e que seja coerente em todas as
etapas da investigação até mesmo o não mostrar-se deve ser considerado. O mostrar-se deve
ser em si mesmo, e radiante como a luz que ilumina o dia ou como a lua na noite,
desvelando assim o fenômeno em toda a sua plenitude e singularidade. Ser fiel ao método e
se posicionar de forma a não interferir negativamente ou positivamente no resultado é
postura necessária a uma investigação fenomenológica.
Na manifestação de um fenômeno a investigação deve atentar para o fato de não
haver confusão com a simples aparência, mas também se deve de antemão saber que o não
mostrar-se não significa que não existe algo para se mostrar. Pelo contrário, é através da
manifestação de algo que se sabe que existe um fenômeno escondido reclamando seu direito
querendo mostrar-se. A aparência deve indicar a direção em que se pode caminhar para
encontrar o que se apresenta ainda velado, de tal forma, que persistindo nesta busca e neste
norte, o método fenomenológico possa eliminar as possíveis aparências até que o fenômeno
se desvele. Pressupor determinado resultado de um fenômeno que esteja ainda oculto não é
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papel da fenomenologia, porque, este comportamento mostra interferências no método, que


na integra deveria eliminar os pressupostos abrindo o caminho para o desvelamento. A
ambiguidade da palavra “manifestação” se fortalece justamente na dúvida própria da
pressuposição e não na busca pelo fenômeno conforme o método propõe. Quando se
antecipa o prognóstico de uma investigação que ainda está em curso, principalmente, na
busca pelo ser dos entes, qualquer que seja o resultado não será positivo. O compromisso da
fenomenologia é com o ser dos entes, sendo assim, um resultado com pressuposições
desvirtua o objetivo do método e pode induzir a possíveis diagnósticos contaminados e
imprecisos.

Na tentativa de encontrarmos outra possibilidade de pensarmos a clínica psicológica por


meio a elementos que escapem as determinações das ciências naturais, buscamos nos
escritos de Heidegger esclarecimentos acerca de como podemos trilhar essa procura.
Primeiramente, em Ser e Tempo encontramos subsídios para pensar a existência
prescindindo da noção de psiquismo substancializado e assim passaremos a considerar a
existência como se constituindo em fluxo constante em meio ao horizonte histórico em que
ela se encontra (FEIJOO, 2012, p.23).

No método fenomenológico hermenêutico de investigação ao se analisar uma


dificuldade existencial é levado em consideração toda historicidade envolvida, portanto,
tudo que é conhecido deve ser apreendido nas entrelinhas. É muito importante analisar o
mundo em que se vive e com todos os movimentos em abertura, como a temporalidade,
corporeidade, o modo em que se está como sujeito inserido, tudo que se passa ou está
circundando a existência, e assim se fecha o cerco com todas as possibilidades dos possíveis
transtornos. Esta forma de investigar se dá pela compreensão dos fenômenos existenciais e
não por explicações pré-existentes, fato este que diferencia o método fenomenológico dos
métodos utilizados nas ciências naturais. CARDINALLI (2003) diz que “A fenomenologia
hermenêutica é um método que tem o papel de investigar o fenômeno do ser dos entes e
Heidegger ao escolher o homem para estudo, o fez devido este ente ter consciência da sua
existência e do mundo que o rodeia”. O homem está lançado no mundo e ligado a ele de tal
forma que um está no outro e não se pode romper esta relação, pois se isto ocorrer
descaracteriza o “ser-no-mundo”. A angústia existencial como encontro privilegiado
singulariza o homem proporcionando experiências libertadoras, algo necessário para se ter
um pouco de alento dentro do mundo que é tão incerto e inseguro. O compreender que todas
as possibilidades estão em abertura no horizonte existencial pode amenizar a angustia pela
morte e abrir novos horizontes para a consciência, pois, tudo é perfeitamente possível no
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“estar lançado no mundo”. Jaspers, Minkowski, Binswanger e Boss1 por acharem


inadequados os modelos das ciências da natureza para esclarecimento das ciências humanas,
buscaram em pensadores como Heidegger e Dhiltey entre outros, referencias mais
adequadas para se esclarecer as experiências humanas”.

A forma de abordar os fenômenos humanos disponibizada na obra “Ser e Tempo”


de Martin Heidegger (2006) não fica exclusivamente na visão teórica, pelo contrário,
permeia também as concepções do dia a dia na pratica da vida, fato observado nas
entrelinhas pelos médicos que participaram do movimento psiquiátrico fenomenológico.
Para a fenomenologia o método utilizado nas ciências naturais objetiva o corpo fortalecendo
a ideia que ele é uma máquina a disposição da porção não material do homem, criando assim
uma divisão que fragmenta em qualquer circunstância a realidade do todo que permeia a
existência. Heidegger (2006) vê uma distorção nesta visão, pois, as máquinas não pensam,
não sentem dor, não se emocionam, portanto, se se utilizar do método de mensuração das
coisas para analisar o homem, se corre o risco de sem querer, anular parte fundamental e
imprescindível humana.
Heidegger (2006) não questiona o método das ciências naturais para investigação
dos fenômenos da natureza nem seus resultados. CARDINALLI (2003), diz “para o filosofo
[Heidegger] método é o caminho que leva para algo, uma área, o caminho pelo qual
estudamos um assunto”. Para ele os objetos a serem estudados nas ciências naturais
precisam de mensuração, controle e objetivação, portanto, o método de investigação das
ciências naturais cumpre este papel o suficiente. Já na investigação do homem como “ser-
aí” é necessário que a fenomenologia hermenêutica seja disponibilizada como método
porque ela busca alcançar o ser dos entes e é justamente o ser do “ser-aí” que se busca.
“Deve-se manter, portanto, como significado da expressão “fenômeno” o que se
revela, o que se mostra em si mesmo” (HEIDEGGER, 2006, p. 67). Os fenômenos no
mundo representam tudo que se conhece e tudo que se desconhece e que estão presente ou
ausente nas trevas ou na luz. Portanto, fenômeno é tudo que existe e aqueles que
conhecemos se deve ao fato de terem sidos descobertos pela consciência humana ao
mostrarem por si mesmos. Já aqueles que não sabemos da sua existência se dá pelo fato de
continuarem velados para a nossa consciência. Numa investigação os fenômenos devem
mostrar-se por si mesmos para que o subjetivismo não interfira no resultado perseguido. No

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Médicos que participaram do movimento psiquiátrico fenomenológico que buscaram na filosofia suporte
para utilizarem um novo método de investigação para os problemas do homem, que fosse diferente dos
utilizados nas ciências naturais.
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decorrer da investigação um fenômeno também pode se ocultar temporariamente ou para


sempre e assim permanecer desconhecido. O modo de acesso escolhido sempre interfere
positivamente ou negativamente no resultado.

É muito corrente falar-se de “manifestações de uma doença”. Que se tem em mente são
ocorrências que se mostram no organismo e, ao se mostrarem, “são indícios” de algo que
em si mesmo não se mostra. O aparecimento destas ocorrências, o seu mostrar-se, está
ligado a perturbações e distúrbios que em si mesmos não se mostram. Em consequência,
enquanto manifestação de alguma coisa não significa um mostrar-se a si mesmo, mas um
anunciar-se de algo que não se mostra através de algo que se mostra (HEIDEGGER, 2006,
p. 68).

As manifestações de algum tipo de fenômeno psíquico ou físico, podem ou não


indicar, que exista exatamente no local manifestado um fenômeno reclamando seu direito. É
mais comum do que se pensa existir apenas um sintoma apontando para algum outro lugar.
Nestes casos, podemos dizer que algo que não está à vista quer se mostrar, mas se utilizou
de um mecanismo natural da corporeidade para dizer indiretamente que existe. Numa
investigação que se utiliza o método fenomenológico não se determina as características de
um fenômeno que está oculto e que pode se mostrar apoiando-se apenas na literatura, pois
isto é uma atitude arbitraria. Pelo contrário, o conhecimento do método faz com que nesta
busca se desconstrua tudo que já se sabe a respeito de algo através de experiência anterior
porque, um fenômeno sempre será novo e singular, principalmente quando está em jogo
questões humana.
“Neste caso, manifestação e manifestar-se exprimem o mesmo que produção e
produto, o que, no entanto, não constitui o ser próprio do que produz (...) (HEIDEGGER,
2006, p. 69). O que se mostra neste texto é que o termo “manifestação” é algo que pode
acorrer em qualquer lugar, mas que sempre é um sintoma daquilo que ‘pode ou não’ ser
desvelado e que se encontra em um outro lugar; já o termo “manifestar-se” se refere a algo
que acontece com um ente no momento do ‘encontro privilegiado do desvelamento’, que
somente se dá com a abertura da clareira próprio da revelação. E é somente na revelação que
se pode conhecer o fenômeno investigado na sua singularidade porque, durante todo o
processo que acontece desde a manifestação, o fenômeno ainda está oculto e somente se
abre para a consciência no momento da revelação. A liberação do fenômeno de conceitos
subjetivos livra o ‘ente em jogo’ da possibilidade de ser nivelado com algum tipo de
marionete da vontade própria de quem investiga. Outra postura fenomenológica na
investigação é a de não seguir predeterminações formadas por teorias puras, pois os entes
não obedecem a uma ordem determinada por homens já que eles possuem liberdade de
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serem si mesmos. Eles nunca se manifestarão e se revelarão do mesmo jeito como os livros
os descrevem, ao contrário, isto sempre será ultrapassado.
Para que a existência do ser-aí tenha sentido, uma das coisas que dão bases de
sustentação está nas realizações profissional e pessoal e, que se concretizam sempre por
novas descobertas do mundo. Estas descobertas somente acontecem com a abertura que as
possibilidades apresentam ao ser-aí, que por sua vez, sempre está atrás de algo novo ou indo
mais profundo na exploração de um fenômeno conhecido, mas que provavelmente ainda
oferece novidades a serem conhecidas. Toda abertura acontece de modo que existindo algo
ainda fechado possa se apresentar possibilidades de abertura deste ente. Ainda assim, uma
possível abertura que concretize em descoberta não pode de modo algum significar um
fechamento para outras possibilidades. Ao contrário, outras aberturas deverão surgir de
forma sequencial e sempre se apresentando como novidade no horizonte, ocupando assim o
cotidiano do homem.
Um ente desconhecido ou àquele que não está sendo procurado pode não
incomodar por várias circunstâncias, inclusive, podem existir no silencio temporariamente
ou para sempre. Mas àquele que mesmo desconhecido incomoda a ponto de reclamar sua
existência, precisa ser encontrado para se desvelar completamente porque, se permanecer
oprimido ou obstruído em seu caminho, incomodará até que seja escutado e, o ideal é que
esta atitude não demore. Se o ser-aí em questão deixar de lado negando existência e este ente
ou fingir que nada existe, as consequências dependerão do grau de importância deste ente
dentro do sistema. Para qualquer efeito, o sufocamento de um ente se transforma em alto
risco secundário e revela de certa forma, falta de compromisso com a verdade e com tudo
que está em jogo: o ser-aí.
Numa investigação que se busca o ser de um ente, se deve primeiramente tomar
ciência que o ser deste ente à ser apreendido é certamente ‘o alvo da investigação’, mas o
fenômeno em si se encontra, além disso. O fenômeno na sua integra é a atitude exercida
pela prática desencadeada na movimentação deste ente. Podemos exemplificar em uma
possível manifestação em que o ser-aí é acometido com dores e sintomas de referência
próprios da pressão alta. Ao ser examinado por um profissional da saúde os níveis da
pressão podem ou não confirmar o diagnóstico de pressão alta, caso positivo – pressão alta -,
ainda neste momento não se sabe o que causou o aumento da pressão, mas em outro
momento uma pesquisa deve ser feita para tal revelação. O procedimento ideal em princípio
é uma medicação apropriada e prescrita que altere o resultado padronizando os níveis para
uma pressão controlada e boa. O fenômeno que causou a alteração ainda permanecerá
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desconhecido e que se não for identificado pode voltar a reclamar a qualquer momento e
causar novamente todo o descontrole que provocou a patologia descrita. Percebe-se que o
fenômeno ainda oculto é o que precisa ser desvelado para que se corrijam possíveis
manifestações patológicas deste nível, portanto, chegar no cerne real que vela o fenômeno é
a conduta que se deve esperar em uma investigação com bases na fenomenologia
hermenêutica.

“A circunvisão desperta a referência a um especifico ser para isso (Dazu), tornando assim
visível não apenas tal ser, mas o contesto da obra, todo o “canteiro da obra” e, na verdade,
como aquilo em que a ocupação sempre se detém. O conjunto instrumental não se
evidencia como algo nunca visto e sim como um todo já sempre visto antecipadamente na
circunvisão. Com este todo, anuncia-se o mundo” (HEIDEGGER, 2006, p. 124).

Em fenomenologia é muito importante durante uma investigação se pensar na


visão do todo dentro da medida do possível, claro, pois, a deficiência de informação poderá
interferir de forma negativa no decorrer do processo. Uma visão mais abrangente poderá
oferecer maior possibilidade de se escolher o instrumento mais adequado na investigação. A
circunvisão (UMSICHT) mostra referencia (VERWEISUNG) que apontam para todos os
lados, para cima, para baixo, diagonal, vertical, enfim, irradia em todas as direções como
reflexo de luzes iluminando a noite que tranquilamente espera por iluminação. Desta forma,
todos os níveis de enraizamentos de um ente, até mesmo de um ente com outro ente, são
identificados possibilitando se conhecer a complexa estrutura corpórea que pode envolver
um simples fenômeno de uma dor de cabeça.

ANGÚSTIA HEIDEGGERIANA

A angústia, embora bastante conhecida como tema, parece não ser uma disposição
tão comum no dia a dia do ser-aí, visto que, do ponto de vista ontológico-existencial ela se
destaca como um retirar-se que somente é possível em momento privilegiado, do contrário,
ela permanece velada. Este velamento é por tempo indeterminado, porque no estar lançado
não se sabe em que momento esta disposição incomodará a ponto de se tornar visível na
clareira. Outra possiblidade que do ponto de vista fenomenológico pode ser remota, é da
disposição da angustia não incomodar mais e permanecer para sempre no velamento. A
interpretação coerente da angustia também não é tão comum porque se faz necessário uma
investigação e para este desfecho, em qualquer hipótese, é preciso uma análise existencial o
que é pouco comum no mundo da pressa. Nestes tempos, onde a força da tecnologia aponta
para várias direções exteriores ao homem, fortalece ainda mais a visão sobre o
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esquecimento do ser, assunto abordado nas entrelinhas de Ser e Tempo por Heidegger
(2006). A possível raridade do fenômeno da angústia no mundo contemporâneo aponta para
um fechamento do ser-aí para si mesmo, porque do contrário, esta disposição seria
encontrada com maior frequência neste ente.
Para Heidegger (2006), a ‘angústia’ é uma disposição afetiva privilegiada, pois a
partir da experiência dessa tonalidade é que são possíveis experimentar novos modos de
existência em abertura. O privilégio está implícito e explicito na possibilidade do ser-ai
pensar seu próprio modo de ser como ente dotado da consciência. Esta lhe permite saber da
sua existência, mas que também o alerta, pois, um dia certamente deixará de existir como
ser-aí. Esta possibilidade privilegiada singulariza o ser-aí despertando nele o compromisso
de assumir sua própria existência, fato que os outros estes intramundanos desconhecem.
Somente deixando de existir a responsabilidade delegada a si mesmo, provavelmente,
poderá ser anulada, pois Heidegger (2006) diz que “o fim e a totalidade do ser-ai não são
alcançados de forma definitiva com o finado da morte, porque esta experiência somente
pode ser alcançada por àquele que experimentou este existencial”. Quem ainda existe como
ser-ai somente sabe deste existencial pela experiência da morte dos outros, portanto,
desconhece a apropriação disto como experiência própria. O conhecimento desta forma
fenomenológica de apreender a totalidade do ser é libertadora, mas a angústia faz parte do
existir humano, portanto, acompanha o “ser-aí” em todo horizonte existencial de forma
velada ou se desvelando.
A ocupação diária do mundo na visão de Heidegger (2006) distrai e desvia a
atenção para longe não só de si mesmo, mas para o oposto da angústia. Na maioria das vezes
o ser-ai passa sua existência imerso neste existencial longe do angustiar-se, o que possibilita
o esquecimento que a existência como ser-ai é limitada com o esgotamento da corporeidade.
Este modo existencial evidencia uma fuga de si mesmo.

“Esse fenômeno da fuga de si mesmo e de sua propriedade parece ser, na verdade, o solo
fenomenal menos indicado para se investigar o que haverá de seguir, pois, nessa fuga, o
ser-ai não se coloca diante de si mesmo”. (HEIDEGGER, 2006, p.250).

Ao não colocar-se diante de si mesmo o ser-aí se desloca para outras regiões


existenciais e nesta circunstância o acesso ao seu ‘ser mais próprio’ fica obstruído. Esse
fechamento revela uma privação temporária que o afastar-se de si mesmo lhe impõe, ou,
pode ser uma obstrução permanente onde não haverá outra oportunidade de desobstrução.
Neste modo que se caracteriza fuga de si mesmo ou decadência, outras possibilidades se
abrem, porque um velamento força uma abertura e um desvelamento. Assim, portanto, a
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investigação fenomenológica deve apreender os motivos específicos que provocaram esta


abertura na decadência, o que existe nela, e como ela pode ser fundamental para o
desvelamento possível do ser nesta região. Em um momento posterior e oportuno em que a
angústia levar o ser-aí para encontrar a si mesmo, a investigação deve ganhar o rumo de
abertura autentica, possibilitada pela historicidade colhida e mais abrangente em relação a
totalidade do ser investigado. Heidegger (2006) ainda afirma: “dizer que a angústia oferece
abertura desta ou daquela forma não passa de afirmação contraria ao pensamento da
fenomenologia, pois, para ela, o ente deve mostrar em si mesmo não permitindo
pressupostos, porque eles não condizem com este método”. Heidegger (2006) instrui que no
método fenomenológico de investigação não cabe ideia fixa sobre nenhum fenômeno
existencial, pois, mesmo a ‘angústia’ sendo ‘angústia’ em si mesma, é diferente para cada
indivíduo e também é diferente no horizonte existencial. A investigação deve, portanto,
buscar o ente na totalidade daquele existencial e isso somente acontecerá se a revelação do
fenômeno se realizar por atitude do próprio fenômeno investigado. Portanto, o modo de
acesso ao fenômeno é fundamental.
“Decerto, tanto o desviar-se como no aviar-se, próprios da decadência, não se
aprende aquilo de que se foge e nem se faz a sua experiência. No entanto, no desvio de si
mesma, descortina-se o “pré” da presença” (HEIDEGGER, 2006, p.251). No desviar-se ou
aviar-se próprios da decadência não é possível apreender a aquilo de que se foge exatamente
por caracterizar um existencial em que o ser-ai está distante de seus objetivos. No mundo ele
distrai se perdendo na ocupação que lhe é oferecida, porque seus projetos existenciais estão
esquecidos no velamento. Também por não conhecer, ou não saber de que se foge, não é
possível identificar, principalmente, quando lhe vem à mão em momentos em que a
decadência ocupa lugar. Mas é importante lembrar que o fechamento de possibilidades
também força a abertura de outras possibilidades, que pode ser, ou não ser, aquilo que se
espera. Outro motivo que pode deixar velado os projetos de singularização é a ‘distração’,
modo muito comum presente no desvio da decadência. Quando não se tem objetivos sólidos
projetados como meta a ser atingida, possivelmente, nunca se poderá saber a localização
temporal e espacial daquilo que se pretende. No entanto, de tudo que o ser-aí pode temer
durante sua existência, nada se compara ao desejo de fugir da possibilidade da não
existência, fato este que o força a distanciar em alguns momentos de seus projetos singulares
e se distrair na fuga da ocupação. Se perder no mundo e no esquecimento de que a existência
não é eterna é uma possibilidade de alivio deste medo. Mas a manifestação da angústia
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somente desvela aquilo que de mais sublime pode ser alcançado como possibilidade de
complemento total do Dasein: a morte.

“Para se compreender o que se quer dizer fuga decadente de si mesma, inerente à


presença, é preciso lembrar que a constituição fundamental da presença é ser no mundo.
Aquilo com que a angustia se angustia é o ser no mundo como tal” (HEIDEGGER, 2006, p.
252). Sendo a constituição fundamental do homem “ser-no-mundo e com-o-mundo”, de
antemão se determina que o homem já sempre esteja no mundo assim como o mundo
também está no homem. Enquanto que a corporeidade diz respeito à totalidade do ser-aí o
que engloba não só corpo e mente, mas também o espacial existencial em torno. Estar no-
mundo e com-o-mundo também é a oportunidade ideal e o local é o adequado para que o
ser-aí possa experimentar e expressar sua existência, mas ao mesmo tempo, a abertura que
pode mostrar exatamente o contrário, ou seja, a possibilidade de não existir, retira
completamente toda segurança do mundo. Ao tomar conhecimento desta possibilidade, que
à luz da razão coloca em cheque sua permanência, a incerteza do agora e do futuro se
instalam com tamanha força que a fuga de si mesmo parece

a única solução. O ser-aí então se vê diante de duas possibilidades, a fuga para o mundo no
modo de ser inautêntico ou encontrar si mesmo na singularização da angustia, é possível que
o mais forte neste existencial predomine.

Na angústia perde-se o que está à mão no mundo circundante, ou seja, o ente intramundano
em geral. O “mundo” não é mais capaz de oferecer alguma coisa, nem sequer a copresença
dos outros. A angústia retira, pois, da presença a possibilidade de, na decadência,
compreender a si mesma a partir do mundo e da interpretação pública. Ela remete a
presença para aquilo porque a angústia se angustia (...) (HEIDEGGER, 2006, p. 254).

Na angustia o sentido do mundo se perde e assim tudo que existe dentro dele
também perde o significado e se instala a completa fuga para si mesmo, que de certa forma,
coloca o ser-aí diante da sua insignificância perante o existir. Aquilo que sempre está à mão
dentro do mundo não tem mais importância porque a possiblidade de estar consigo mesmo
retira o apego pelas coisas do mundo. A fuga para o inautêntico não é mais a solução e nem
a copresença dos outros serve para aliviar ou diminuir o distanciamento do mundo. Nesta
abertura se mostra claramente a possibilidade temporal de existir na solidão onde a
companhia de si próprio se torna um aconchego tão nobre e diferente, que não se pode
encontrar melhor ou igual neste momento tão singular. Com a desmistificação e o
desmoronamento das verdades experimentadas até então, as certezas podem se misturar com
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as dúvidas, mas o encontro privilegiado que se dá neste horizonte mostra que certezas
absolutas inexistem e as dúvidas são motivos para se buscar algo novo quando necessário
diante deste provisório que é ‘o existir’.

A angústia singulariza e abre a presença como “solus ipse”. Esse “solipsismo” existencial,
porém, não dá lugar a uma coisa-sujeito isolada no vazio inofensivo de uma ocorrência
desprovida de mundo. Ao contrário, confere à presença justamente um sentido extremo em
que ela é trazida como mundo para seu mundo e, assim, como ser-no-mundo para si mesma
(HEIDEGGER, 2006, p. 255).

Em sua singularidade o ser-aí se depara com suas experiências fortalecidas por


conhecimentos adquiridos e que lhe dão base de sustentação para continuar a buscar novas
experiências e novos conhecimentos. Estas experiências não acontecem em um mundo
particular onde se pode existir isolado de tudo e de todos, ao contrário, o ser-no-mundo e
com-o-mundo é uma determinação ontológica em que o mundo e o ser-aí se encontram um
atrelado ao outro e numa relação de interdependência. Na angustia singular ao fugir do
mundo, o homem é levado a encontrar consigo mesmo em um encontro privilegiado, mas
passado, presente e futuro são inseparáveis porque são a constituição fundamental do ser.
Nesta singularização onde a solidão se torna necessária, o ser-aí ainda se encontra dentro do
mundo impossibilitado de jogar fora todas as experiências acumuladas e neste existencial
ainda continua a influenciar no mundo. O mundo no qual se existe é compartilhado com
todos os outros entes, sendo assim, onde o ser-ai estiver haverá entes sendo influenciado e
influenciando. Portanto, mesmo no isolamento, ainda existe a possibilidade de se influenciar
e ser influenciado porque no compartilhamento do mundo a solidão pura se torna algo difícil
de ser atingida. A angustia é uma abertura singular e privilegiada, porque, diante dela,
mesmo que se esteja dentro do mundo, o ser-aí pode se distanciar da ocupação diária e
prestar mais atenção em si mesmo e assim perceber aquilo que se abre dentro das
possiblidades existenciais.

“Só na angústia subsiste a possiblidade de uma abertura privilegiada uma vez que
ela singulariza. Essa singularização retira a presença de sua decadência, revelando-lhe a
propriedade e impropriedade como possibilidades de ser” (HEIDEGGER, 2006, p. 257).
Para Heidegger (2006) a abertura privilegiada somente se pode alcançar na angústia, porque
para se chegar até esta dimensão existencial é preciso se preparar e a fuga da ocupação se
faz necessário para recolher em si mesmo. Ao se encontrar neste momento singular o ser-aí
já distanciou do mundo público onde se encontrava na decadência. Na angústia também se
torna possível reconhecer que outras possibilidades existenciais que até então estavam
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adormecidas, se abrem. Heidegger (2006) afirma que a “decadência não se dá como uma
queda de um lugar superior para um lugar inferior, mas o ser-aí decai de si mesmo”.
Portanto, decadência é movimento de ser-no-mundo junto aos entes e neste movimento, o
ser decai de si mesmo existindo no impessoal se ocupando no mundo público.

2
“A primeira especulação de Martin Heidegger, puramente ontológica, é dirigida para a
solução do problema do ser. Embora já tenha sido estudada pela filosofia de todos os
tempos, jamais foi resolvido, porque em vez de estudarem o ser como tal os filósofos
sempre, estudaram um modo, particular de ser (Platão as idéias, Aristóteles a substância)”.

Para Heidegger (2006), o homem é a porta de acesso do ser, porque sendo ele o
ente dotado da consciência está habilitado, portanto, a identificar todos os fenômenos do
mundo, inclusive, os fenômenos do próprio “Dasein”. Afirma ainda que para apreender o ser
de um fenômeno é necessário deixar que este se manifeste claramente e tal maneira, que
aquilo que se procura se mostre sem nenhuma interferência subjetiva. Heidegger (2006)
também alerta para o horizonte existencial, que de certa forma, determina o presente,
passado e futuro do ser-ai, mas que somente ‘o agora é existir’ e carrega consigo toda
história do ser. O tempo, afirma ele, existe e está ligado de forma inseparável a este
existencial, de tal maneira, que as possibilidades de existir para o ser-aí estão amarradas e se
completando sempre. As três fazes temporais - passado, futuro e presente - correspondem,
no ser-ai, três modos de conhecer: o sentir, o entender e o discorrer. Pelo sentir está em
comunicação com o passado; pelo entender, está em comunicação com futuro, com as suas
possibilidades; pelo discorrer, ele está em comunicação com o presente. TERHORST (2016)
diz: “a filosofia de Heidegger é também filosofia de linguagem, uma vez que é no homem,
ser-em-situação, é através da linguagem que se dá a epifania do ser”. Heidegger (2006)
deixa evidente que através da linguagem se pode fazer ver aquilo de que se fala, e de tal
forma, que o ser-aí neste modo deixa que a linguagem se torne a morada do seu próprio ser.
Garaventa (2011) diz: ”as múltiplas formas de angústia [...]: a angústia da
liberdade ou do nada, que o indivíduo experimenta quando decide escolher a si mesmo; a
angústia do mal ou da fraqueza; a angústia do bem ou da obstinação; a angústia da
sexualidade; a angústia do amanhã; a angústia do finito [...]”. Em todas estas e em outras
possibilidades do ‘angustiar-se’ se percebe que é um assunto bastante conhecido do ser-ai
devido não ser uma escolha da consciência, mas uma experiência da existência. O

2
http://www.coladaweb.com/filosofia/o-existencialista-martin-heidegger - consulta em 11/11/2016
14

fenômeno da angústia tem sua singularidade pela variedade de formas de se manifestar e


ainda tem a peculiaridade de se manifestar no ser-aí que se diferenciam uns dos outros por
motivos de educação, culturais, econômicos, geográficos, familiares e tantas outras formas
que os tornam diferentes pela singularidade. Cada Dasein experimenta as diferentes formas
de angustiar-se conforme sua estrutura formada por todas as experiências adquiridas em seu
existir, portanto, este fenômeno jamais poderá ser investigado desconsiderando parte ou tudo
aquilo que o singulariza.

ANGÚSTIA COMO POSSIBILIDADE DE LIBERDADE

“Para a presença o fim é impendente. A morte não é algo simplesmente ainda-não


dado e nem o último pendente reduzido ao mínimo, mas muito ao contrário, algo
impendente, iminente” (HEIDEGGER, 2006, p. 325). Para o ser-aí no seu estar lançado no
mundo, a morte pode não ser o último acontecimento existencial determinado previamente,
porque o estar lançado significa abertura para todas as possibilidades, inclusive, para o pós-
morte. O que se sabe a respeito do fim da existência do homem é conhecido pela experiência
da morte dos outros, portanto, não se pode apropriar e dimensionar este ‘experimentar’ que é
somente do outro. Tudo que se pode dizer a este respeito é apenas opinião. A impedência da
morte pode causar temor ao ser-aí que diante desta possibilidade, pode também se
angustiar, e a forma mais comum de fugir deste temor é se perder na ocupação. Mas a
compreensão a respeito da finitude e de todas as possibilidades que podem se abrir neste
desconhecido, pode aliviar o sofrimento e levar o ser-aí ao encontro privilegiado da angustia
como liberdade. Neste compreender onde todas as possibilidades estão em plena abertura, o
findar do ser-no-mundo pode não ser pensado mais como um fim pré-determinado, ao
contrário, pode ser o início de uma nova caminhada repleta de possibilidades e em plena
abertura para serem experimentadas.
“No quadro da presente investigação, só é possível caracterizar ontologicamente
fim e totalidade de forma provisória” (Heidegger 2006, p.315). O fim e a totalidade do ser-aí
não podem ser alcançados de forma definitiva porque ontologicamente o ser se encontra em
constante processo de completude no estar lançado. Portanto, não existe possibilidade de
conclusão para este ente que tem em si mesmo o caráter de nunca se encontrar pronto diante
do mundo, tampouco, pronto para seu fim. Aquilo que se sabe a respeito do fim do ser-aí
não passa de especulação dentro da ocupação do mundo e não é o suficiente para fechar esta
conclusão, nem mesmo se pode afirmar que a totalidade deste ente foi alcançada em sua
15

máxima possibilidade. O que acontece no findar do ser-aí continua velado e não deve ser
considerado algo positivo nem negativo, pois, diante deste acontecimento que pode ser uma
abertura nesta região desconhecida, não cabe afirmação. “(...) Para o cumprimento desta
tarefa já se deve, de antemão, pressupor como conhecido e alcançado justamente aquilo que
se busca na investigação, o sentido de ser em geral)” (HEIDEGGER, 2006). Heidegger
(2006) ao afirmar que conclusões sobre este assunto somente pode ser considerado de forma
provisória, provavelmente, se deve ao motivo de novas conclusões futuras ainda serem
pensadas e anunciadas, aumentando assim as possibilidades de escolher. Entretanto, de
forma definitiva não se pode afirmar que esta ou aquela possui o sentido verdadeiro e
esclarecedor, pelo contrário, esta afirmação pode gerar mais confusão. Como ainda não foi
alcançado aquilo que se busca nesta direção, toda pressuposição pode conter em si uma
dúvida velada. A singularidade do ser-aí também o coloca diante do fenômeno da morte de
forma solitária, sendo este encontro considerado privilegiado, porque somente aquele de
passa por esta experiência pode relatar sua impressão a respeito. Se pode até compreender
este acontecimento na sua singularidade como ‘complemento do ser’, nunca como
totalidade.

Todo ente é independente de experiência, conhecimento e apreensão através do que ele se


abre, descobre e determina. O ser, no entanto apenas “é” no compreender dos entes a cujo
ser pertence uma compreensão de ser. (HEIDEGGER, 2006, p. 249).

Heidegger (2006) afirma que todo ente existe na sua singularidade e que para isto
não é necessário que ele tenha alguma experiência conhecida pelo homem, pelo contrário,
mesmo no velamento para o homem ele pode existir porque para isso não se faz necessário
comprovação humana. Entretanto, aquele ente que vive no velamento, mas que de alguma
forma é procurado, possivelmente o homem já o pré-determine em ideias antes mesmo de tê-
lo apreendido. A imaginação se encarrega de criar imediatamente expectativas e cria um
projeto especulativo a respeito. Isto não significa que tal ente possua as características
determinadas na imaginação deste ser-aí, pode ser que ele seja totalmente diferente da
projeção, fato que somente no seu desvelamento pode ser apreendido. É importante atentar
que, em alguma das vezes, o ente procurado pode não existir, mas aquele que não está sendo
procurado e que existe pode se mostrar de forma surpreendente, por isso a fenomenologia
alerta para as projeções antecipadas, pois, podem interferir no resultado.
“A transcendência do ser-aí é privilegiada porque nela reside a possibilidade e a
necessidade da individuação mais radical. Toda e qualquer abertura de ser enquanto
transcendens é conhecimento transcendental” (HEIDEGGER, 2006, p.78.). A individuação,
16

diz respeito à fuga necessária do mundo e de suas ocupações em excesso, para acolher seu
próprio ser em suas necessidades fundamentais e originárias. No modo impessoal o ser não é
alcançado porque na ocupação a individuação se ausenta, devido a via de acesso se obstruir
na imensidão da mata fechada que vela a clareira.
O ser do Dasein, na visão fenomenológica de Heidegger (2006) está além de
qualquer outra coisa, seja ela reconhecida por sentidos ou por qualquer outra motivação.
Somente acolhendo a si mesmo, atitude esta que acontece no fenômeno da angústia se pode
atingir este existencial que possibilita a transcendência. Esta atitude é em si mesma solitária,
despretensiosa e ao mesmo tempo radical, por ser uma escolha que singulariza. Experiências
anteriores e conceitos pré-existentes não são trabalhos destinados à fenomenologia nesta
busca. Ao contrário, a experiência deve ser no existencial desta busca, pois, nela o ser-aí
pode encontrar com o desconhecido ou conhecido de si mesmo, mas que de alguma forma se
encontrava velado e agora se abre.

3
“Após uma profunda reflexão sobre a finitude, ao lado da angústia, também podemos
passar a ver a liberdade. A liberdade, evidentemente, não é total. Temos o limite dos nossos
corpos (por exemplo, não podemos voar sem ajuda de um avião), temos o limite de
circunstâncias externas (por exemplo, não ter dinheiro para adquirir isso ou aquilo ou não
conseguir um visto para ir para outro país), e muitos outros limites no que é chamado de
contingência.”

Na Psicologia existencial com fundamentação em Martin Heidegger (2006) o


significado do termo ‘ser autêntico’ se refere à busca incondicional para ser si mesmo, não
dependendo de aprovação alheia. Mas segundo este autor, as formas de existir não estão
presentes somente na autenticidade, pois, a inautenticidade também é um modo do existir
humano. É na autenticidade que as contingencias externas causada por vários fatores, como
por exemplo, a pressão, a necessidade de trabalhar muito para se ter bastante dinheiro, o
mergulho no consumo, a necessidade de se disputar tudo com o outro, a luta por direitos
desnecessários, entre outras atitudes contemporânea que instigam à luta por poder, deixam
de ter importância por se tratarem na verdade de um afastamento de si mesmo e mergulho no
mundo das ocupações. Na autenticidade, também se revela a fidelidade de nós com nosso
próprio ser, pois, na medida em que nos afastamos daquilo que o mundo oferece para nos
distrair e distanciar do nosso projeto de existência, abraçamos o modo autentico de ser.
Neste modo as forças externas desafiadoras perdem força e nosso sonho de existir no pessoal

3
http://www.psicologiamsn.com/2016/01/psicologia-existencial-angustia-e-liberdade.html
Acesso em 30/09/2016.
17

pode ser construído e fortalecido de forma verdadeira e com seus próprios valores.
Heidegger (2006), afirma que “somente a ‘angústia’ oferece possibilidade de existir com
liberdade e autenticidade, pois ela retira o ser-ai do mundo das ocupações e o coloca diante
de si mesmo para ser livre”. Mas a liberdade não é completa devido às contingencias do
existir: o corpo é limitado e vivemos compensando suas necessidades, não podemos voltar
ao tempo passado, não nos livramos da morte, as doenças são possibilidades, e do amanhã
nada podemos afirmar.

INAUTENTICIDADE E AUTENTICIDADE:

A angústia se manifesta como uma possibilidade original de desvelamento do homem em


seu ser. Ser que está continuamente se fazendo no mundo e, que, portanto, não é nada de
substancial. Pensado em sua radicalidade o ser do homem (ou do Dasein) é um projeto à
medida que está sempre projetado no mundo desde o qual deve vir a se realizar. Por sua
vez, o mundo nada mais é do que as diferentes possibilidades de ser desse homem (ser
junto às coisas, ser com os outros e ser em função de si mesmo). Sendo assim
compreendido, o homem e o mundo possuem um só e mesmo ser, que considerado em si
mesmo é nada (à medida que tal ser precisa continuamente ser realizado, concretizado num
fazer) (SANTOS, 2006, p. 1).

O ser do ser-aí permanece na maioria das vezes velado para si mesmo em


consequência da sua imersão na ocupação da lida diária do mundo, e neste movimento
característico do impessoal e na decadência, o mundo se ocupa de dar a identidade que lhe
for melhor e atribui então sua vontade a todos que se encontram nele. Nesta busca o ser-ai
distancia cada vez mais do seu próprio ser e abraça, querendo ou não querendo, aquilo que
escolheu para si mesmo dentre todas as escolhas apresentadas. Como o ser-aí permanece se
projetando o tempo todo, seu projeto existencial vai se desvelando pouco a pouco e nunca se
completará por inteiro, portanto, somente deixando de existir isto é possível. Heidegger
(2006) diz que “durante toda a existência o ser-aí passa se ocupando construindo si mesmo e
que nunca poderá esperar se completar existindo, pois, somente com o findar da existência
ele pode se completar”. O Mundo e tudo que nele habita contêm todas as oportunidades
existenciais possíveis para o existir do homem porque, sem mundo, não haveria
possibilidade alguma positiva nem negativa. Ser com os entes intramundanos somente é
possível com o estar lançado que de certa forma acolhe o homem durante todo horizonte
existencial, inclusive, no finado da morte existe um estar lançado desconhecido pela
experiência própria. O homem e o mundo estão unidos de tal forma que um está no outro na
medida certa para coexistirem e dividirem a história, que começa nos primórdios com a
consciência de que “o mundo existe”. O ser-aí durante toda sua existência vai tecendo e
18

modelando suas experiências sem nunca experimentar a possibilidade de ter realizado tudo
que fosse possível porque, lhe é atribuído o dever de sempre buscar algo que falta e que se
encontra logo ali (...).

É assim que, o mundo como mundo, nos lança num perigo constante. Seja o mundo
compreendido de forma inautêntica (qual seja, o mundo no qual tudo parece já está pronto
e acabado diante de nós); seja o mundo compreendido de forma autêntica (mundo que se
revela como o puro possível: o puro poder ser – ser com os outros, ser junto às coisas e ser
em função de si mesmo-; mundo que assim se revela como o puro nada à medida que,
enquanto pura possibilidade de ser, ele se abre apenas como um projeto a ser realizado)
(SANTOS, 2006, p. 5).

O estar lançado no mundo é instigante, mas ao mesmo tempo, coloca o ser-aí


diante daquilo que ele teme: que é sua própria possibilidade de não existir mais e isso o faz
se sentir amedrontado e inseguro. Este confronto não cessará enquanto houver existência,
somente a possibilidade daquilo que se teme, acontecer, se apresentará como alternativa para
destruir o confronto. No modo da inautenticidade onde tudo parece resolvido, pronto e certo,
na verdade, se pode estar à beira de um abismo onde uma cortina esconde a realidade
distorcida e aparentemente normal. Neste modo é comum a fuga de si mesmo e mergulho na
decadência porque, quando mais afastado de si mesmo mais próximo do mundo. Existir
nesta dimensão, aparentemente, pode até se ter segurança, porém, isto não passa de
impressão. Todas as coisas que se apresentam neste modo podem ser uma armadilha
construída pela própria consciência e que, na verdade, pode ser uma acomodação até mesmo
naquilo que não se pretende para si mesmo. É muito comum na inautenticidade o ser-aí se
identificar com coisas que ele mesmo não se agrada, mas aceita porque o mundo determina
como regra. Quando mais se mergulha nesta direção maior pode ser as consequências
existências para o ‘ser’ que estará completamente afetado e contaminado com as verdades
que lhe são impostas. Nesta abertura a fragilidade do ser-aí diante do mundo fica evidente,
até porque, na maioria das vezes e na queda de braço entre ambos, o mundo se mostra mais
forte.
“A autenticidade é a singularização da existência, isto é, é a apropriação de si, é a
tomada de consciência do Ser-aí, é a sua real abertura às mais diversas possibilidades”
(GOLIN; PEREIRA; PIVETA, 2017). A autenticidade é, portanto, o momento fundamental
da compreensão mais apropriada e profunda em que o Ser-aí se abre ao mundo e se relaciona
de forma concretamente com as coisas. No modo autentico o perigo que se apresenta diante
da impossibilidade de se prever o futuro pode parecer menor porque ao escolher a si mesmo
já se determina que o mundo perde sua força deixando de ser tão amedrontador. Neste modo
19

de existir não se pretende atingir metas impostas, mas ‘ser si mesmo’, já é o bastante e o
suficiente. O mundo deixa seu status de pronto e acabado e passa a ser construído e
reconstruído em cada existir, sem comparações, mas também sem absolutismo e presunção.
Ao apropriar de suas próprias escolhas o ser-aí revela e deixa revelar a si mesmo o modo
pessoal, apensar de este modo não ser um processo continuo, a abertura a uma existência
mais completa se encontra neste modo de ser. Também a responsabilidade de cuidar de si
mesmo revela com propriedade a liberdade que se ganha neste existir.

O desvio da decadência [desviar-se do mundo e aviar-se em si mesmo] não é, por


conseguinte, um fugir que fundasse num medo de algo intramundano. Nesse sentido, o
desviar-se não possuiria o caráter de fuga, sobretudo quando se aviasse para o ente
intramundano no sentido de nele empenhar-se. Ao contrário, o desvio da decadência funda-
se na angústia que, por sua vez, torna possível o medo. (HEIDEGGER, 2006, p. 252).

Ao desviar-se da decadência e do mundo o ser-aí não foge de algo que lhe impõe
medo, mas de fato acolhe a si próprio e neste momento se encontra no modo autêntico. Todo
empenho que se dedicar a algum ente intramundano neste aviar-se se caracteriza como
escolha da consciência e não uma imposição advinda do mundo. No desviar próprio da
decadência não se pode apreender aquilo de que se foge porque na maioria das vezes é
desconhecido; mas no desviar ou fugir da decadência e do mundo não se foge de algo, pelo
contrário, se aproxima dele aviando-se para então apreende-lo na singularidade e totalidade
possível. Este desvio ou fuga da decadência conduz o ser-aí para sua singularidade, que por
sua vez, conduz à ‘angústia’, que põe este ente diante de um encontro privilegiado com sigo
mesmo.

RELAÇÕES CONTEMPORÂNEAS NA ÓTICA DE HEIDEGGER E BAUMAN

No mundo moderno onde a tecnologia ocupa um lugar de destaque e dita às regras


em quase todo o seguimento da sociedade, se pode observar tudo isto como
“desenvolvimento”, fato que sempre ocorreu normalmente em toda a trajetória do homem na
Terra. Por outro lado, não se pode ignorar a imposição imperialista que a tecnologia impõe
sem nenhum tipo de remorso, pois, se trata de uma criação do homem planejada e
programada para fazer exatamente aquilo que faz e, o faz de forma tão eficiente que
podemos descrever este fenômeno como: “economia de tempo e energia na melhora do
desempenho e aumento de produtividade”. Podemos pensar somente no lado positivo de
todo movimento tecnológico sem nos ocuparmos com o outro lado da moeda, àquele velado
que não vemos e nem pensamos. Em Heidegger (2006) este comportamento deixa evidente a
20

fuga na ocupação, lugar onde o ser-ai passa a maior parte da sua existência fugindo de si
mesmo. Bauman (2004) diz em seu livro “Amor Liquido” que “as relações do homem
moderno estão fragilizadas por motivos de cada vez mais se tornarem flexíveis”.
Evidentemente, isto acontece porque a adaptação às regras da tecnologia que exige
transformações rápidas tem seu preço e quem sofre as consequências é o ser-ai. O homem
agora se relaciona consigo mesmo dentro de um padrão determinado pela velocidade, fato
este, que adquire aos poucos um padrão de normalidade por consequência da imposição
articulada meticulosamente pelo poder econômico mundial.

Uma vez que damos prioridade a relacionamentos em “redes”, as quais podem ser tecidas
ou desmanchadas com igual facilidade – e frequentemente sem que isso envolva nenhum
contato além do virtual – não sabemos mais manter laços a longo prazo (BAUMAN, 2004,
p. 6).

Ao darmos prioridade para relacionamentos em rede o que se revela é a intenção


de encurtar um determinado tempo que seria necessário, em detrimento a um menor tempo,
mas com multiplicidade de membros na relação. Neste tipo de relacionamento no qual com
apenas uma mensagem se ter o poder de manter-se informado e informar todos os outros
membros imediatamente, evidentemente, o ser-aí não é considerado singular, mas apenas
número da rede. Existe também o lado positivo neste tipo de relacionamento, podemos
destacar, por exemplo, os cursos à distância onde alunos e professores dialogam conectados
em locais diferentes no país. No Mundo Contemporâneo é evidente que existem benefícios
neste modo de se relacionar, vai depender muito da intenção, tempo disponibilizado e o
porquê da escolha. Mas o que Bauman (2004) quer desvelar com seu pensamento é da
força desnecessária empenhada na tentativa velada do mundo moderno de enfraquecer as
relações presenciais onde se pode ver, cheirar, tocar, ouvir, enfim, estar diante de alguém e
poder sentir as sensações insubstituíveis do modo presencial. É neste tipo de relação que fica
mais forte tecer as teias que dão origem a segurança mutua, pois, olhar nos olhos de alguém
e sentir emoções juntos, nunca poderá ser substituído na mesma intensidade por outro tipo
de relação, por mais moderna que seja.

A “descrição” do mundo circundante mais próximo, por exemplo, do mundo do artesão,


mostrou que, com o instrumento em ação, também “vêm ao encontro” os outros, aos quais
a “obra” se destina (...) Do mesmo modo, junto com o material empregado também vem ao
encontro o seu produtor ou “fornecedor”, enquanto aquele que “serve” bem ou mal
(HEIDEGGER, 2006, p. 73)

Heidegger (2006) ao analisar o mundo circundante o fez em relação ao mundo real,


ou seja, daquele onde podemos abusar das sensações, porque somente neste mundo elas
21

podem ser experimentadas de forma concreta. No mundo do artesão, mundo existencial,


existe a possibilidade de vir ao encontro tudo que o circunda, ou seja, os entes
intramundanos e o ser-aí. Também toda forma de energia inerente a estes entes estão em
abertura de forma positiva ou negativa e disponível neste existencial que é único. O mundo
circundante de uma feira de frutas, por exemplo, deixa vir ao encontro variações de cheiros;
cores; sons; carros; feirantes; as bancas da feira; todas as frutas expostas ou não; público
comprador; produtores mesmo ausentes; o transporte dos produtos; o dinheiro que circula; a
segurança; os impostos a serem pagos; a organização do evento; as ruas; a cidade; enfim,
todos os entes envolvidos direto e indiretamente neste cenário fazem parte da circunvisão e
estão disponíveis para vir ao encontro. O existencial, do ponto de vista ontológico, não fica
disponível em um ambiente armazenado para consultas e para que sensações objetivas
possam ser experimentadas a qualquer momento no futuro. A experiência de estar-com-o-
outro é única e num agora junto-com-o-outro de forma presencial. Aquilo que uma câmera
de vigilância pode armazenar deste evento supracitado é apenas mostrar repetidas vezes no
futuro uma gravação do passado, que não permite em circunstancia alguma experimentar as
sensações atualizadas, porque neste caso somente a visão pode ser considerada habilitada.
Numa investigação do mundo circundante que se abre ao se rever uma gravação de vídeo ou
uma fotografia, certamente, a única sensação possível é a visão delimitada no ponto
escolhido, por consequência, os recursos disponíveis se limitam somente nas imagens
oferecidas. Já a presença do ser-ai neste ambiente disponibiliza todas as sensações sem
delimitação de direção e nem oferece limitação sensorial. Portanto, a tecnologia aplicada
neste exemplo mostra que ela é incompleta e inconclusiva, além de que para Heidegger
(2006) o homem tem uma de suas constituições de ser no “ser-com-o-outro” e somente neste
modo presente de estar o ser-ai se constitui ontologicamente num existencial. Em Ser e
Tempo Heidegger (2006) faz uma reflexão sobre o horizonte existencial e, conclui que “o
tempo disponibiliza ao ser-ai tudo que se abre nele, e a tecnologia se abre ao homem no
agora contemporâneo”. Diz também que o “homem é o pastor de si mesmo”, portanto, cabe
a este ente fazer as escolhas que se apresentam, porque é inevitável não escolher e não ser
atingido positiva ou negativamente neste movimento. A responsabilidade de cuidar de si
mesmo está entregue a cada ser-aí e isto é uma determinação ontológico-existencial.

Podemos observar que tanto Heidegger (2006) quanto Bauman (2004) concordam
quando se referem “às relações humanas”, ou seja, quando se trata de contato entre o ser-ai
consigo mesmo, afirmam que as dificuldades de relacionamento tendem a aumentar com o
22

imediatismo contemporâneo. Segundo eles, a fragilidade das relações pode aumentar quando
se troca o encontro presencial por àquele possibilitado pela tecnologia e a distância, e tende
a diminuir e fortalecer quando o calor da proximidade se faz presente. Em Heidegger (2006)
isto é evidente em várias ocasiões e, em Ser e Tempo, diz que “a linguagem é a morada do
ser”, isto fica mais claro ao se buscar exemplos para fortalecimento desta ideia. As relações
humanas são construídas de vários modos e um deles é através da linguagem falada,
especificamente neste modo, àquele que fala tem a oportunidade de se desnudar por
completo e quem ouve pode apreender tudo que se abriu neste dialogo. Principalmente,
quando esta experiência se dá em um ambiente onde a familiaridade e a confiança estão
presentes, a abertura poderá conduzir para a transcendência do compreender. Conduzido à
este lugar, que não é um lugar qualquer, o ser-ai tem a oportunidade de se colocar diante da
interpretação do compreendido, que por sua vez abre a clareira do encontro privilegiado. A
apreensão da linguagem num encontro privilegiado revela que a relação foi construída com
bases sólidas, e com confiança tal, que nos orienta a refletir se a solidez destas bases também
pode ser possível em relacionamentos rápidos e à distância. Para Bauman (2004) “o
fortalecimento das relações se passa por um tipo de conhecimento possível somente pelo
querer”, pois, quando se quer, as barreiras oferecidas pelo impulso do imediatismo são
desconstruídas para dar lugar a serenidade da construção diária. Este modo de conhecimento
proposto por Bauman (2004) não possui ansiedade para ter resultado imediato, pelo
contrário, caminha serenamente em direção ao infinito das relações que ontologicamente
possuem o findar desconhecido.

Segundo Bauman (2004), “uma das angústias contemporânea é a curta expectativa


de duração das relações”, fato que se torna aparentemente normal na medida em que o
tempo se passa, mas que na realidade, vai criando aos poucos um vazio existencial já que o
homem tem necessidade de ter segurança em todos os âmbitos da existência. “A curta
expectativa de vida [das relações] é o triunfo dos impulsos, dando-lhes uma vantagem sobre
os desejos. Render-se aos impulsos, ao contrário de seguir um desejo, é algo se sabe ser
transitório” (BAUMAN, 2004). O desejo pode ser construído aos poucos no dia-a-dia, fato
que cria solidez na relação e por consequência pode livrar o ser-aí da dúvida que por sua
constituição é irmã da angustia. Já o impulso é constituído por pressa exacerbada, o que
torna um grande risco para um resultado positivo e, que na maioria das vezes se desenvolve
sem bases sólidas que garantem relações completas e maduras. As relações contemporâneas
tendem a ser rápidas por que o resultado esperado sempre é cobrado com pensamento
23

voltado para a liquidez. Mas tanto Heidegger (2006) quando Bauman (2004) alertam para as
relações rápidas direcionadas aos ser-ai, porque ao estar lançado no mundo com
possibilidades de sofrer ou se alegrar, este ente precisa ser compreendido no seu ser, fato
este essencial mesmo na possibilidade de uma indeterminada existência no transitório que é
a vida.

CONCLUSÃO:

O método fenomenológico de investigação deixa evidente que ao adota-lo Martin


Heidegger (2006) teve a intensão de se distanciar dos métodos atotados pelas ciências
naturais, porque quando o ente a ser abordado é o ser-aí o objetivo ultrapassa qualquer
resultado expressado por medidas. Em relação à angústia humana, acredita que ela não deve
ser mensurada de forma alguma, pois, trata-se se um sentimento único e singular, além de ter
a possibilidades de se modificar em cada manifestação, portanto, a fenomenologia tem o
papel não de mesurar, mas de provocar para que esta se desvele em si mesma. Heidegger
(2006) também alerta para a observação de que o existir acontece tanto no modo pessoal
quando no impessoal. Também diz que a angústia ao manifestar-se, coloca o ser-ai em um
encontro privilegiado, pois, este sentimento retira o homem da ocupação com o mundo e o
coloca diante de si mesmo. Sobre a morte, diz que para alcança-la, se faz necessária
experiência própria com este ente, fato que não acontece, pois, aquilo que se sabe a respeito
é com a morte dos outros. Portanto, não se pode afirmar que a morte seja o fim do homem,
tampouco pode descrevê-la em sua singularidade. Heidegger (2006) e Bauman (2004)
concordam sobre a aceleração do existir que a tecnologia impõe ao ser-aí, fato corriqueiro na
contemporaneidade até porque, uma grande quantidade de novidades são disponibilizadas
diariamente ao homem e para isso, se faz necessário rapidez. Para ambos, ao se tratar a
copresença como máquina ou produto, dispara uma cortina que distorce toda estrutura da
constituição do ser-ai, pois, para chegar neste ente com segurança a relação deve ser a mais
familiar possível. Sobre o ser, Heidegger alerta para o esquecimento que perpetua deste a
filosofia antiga, onde este ente foi colocado no esquecimento por séculos, ressurgindo então
posteriormente com a fenomenologia que o coloca como parte da estrutura total do ente
denominado “Dasein”. Por fim, concluímos que Martin Heidegger (2006) posiciona o
Dasein em um lugar de destaque diante dos outros entes do mundo, pois este além de ter
consciência de que existe, também é cura em sua constituição total. Portanto, Dasein é
aquele ente que procura o tempo todo se cuidar, se ocupar e preocupar, pois esta
determinação pertence somente a ele.
24

REFERÊNCIA BIBLIOGRAFIA:

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<https://pt.scribd.com/doc/314057977/Os-Modos-de-Existencia-Do-Dasein> acesso em
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