Aula 09 – Mulheres negras e indígenas na cultura visual
do Oitocentos.
Texto: Renata Bittencourt, Modos de Negra, modos de
branca: o retrato “Baiana” e a imagem da mulher negra
na arte do século XIX”. Dissertação, Unicamp. 2005.
Jorge Coli
Retrato “Baiana”, óleo sobre tela, de autoria não
identificada. Apresenta imagem de mulher negra,
desconhecida, adornada de belas joias, misturando
elementos de etilo comum aos hábitos das mulheres
brancas da época, e uma profusão de colares de outro
usualmente utilizados por mulheres negras.
Pintura é caso raro de retrato de mulher no XIX.
Objetivo do trabalho: investigar como a obra se
apresenta de maneira singular na retratística do
período, surgindo como imagem reveladora de seu
contexto histórico e cultural, bem como de relevantes
questões relacionadas a gênero e etnicidade.
Estética híbrida da obra: elementos de distinção social
habituais da elite e outros de herança africana. Quais
sentidos tem essa sobreposição?
MÉTODO:
Para entender o retrato: é preciso entender o que está
disponível para a leitura ao nosso olhar afastado
temporalmente. Entender a visualidade do período.
I – Retrato e representação e a obra “Baiana”
Singularidade: fato de se tratar de um retrato – havia
poucos retratos individuais de negros na iconografia do
XIX e mais raros, de mulheres. Exemplos mais números
são dos viajantes e fotografias. Poucos retratos a óleo.
Retrato – é estrutura narrativa para remeter à
identidade da pessoa representada. Existência física +
subjetiva. Vida e pensamento.
Perguntas à obra “Baiana”: que identidade se
apresenta através do retrato? Como a visão da imagem
daquela mulher traduz sua individualidade? Em
contexto marcado pela associação entre pele negra e
servidão, que significados sua imagem quer projetar?
Século XIX: supervalorizava o corpo em caracterizações
genéricas, em detrimento da representação de
aspectos subjetivos e individuais.
Retrato – é resultado de relações de poder – complexa
negociação entre artista e retratado
“Baiana”: retrato convencional do ponto de vista da
composição, pose e expressão facial. Mas diferente por
ser uma mulher negra e colares.
II – A pintura “Baiana” e as modas e modos femininos
do Brasil do século XIX
Sinais exteriores da posição social dos indivíduos
(vestuário e joias) – Indumentária: elemento simbólico.
Moda – visualização sistemática de valores e padrões
de comportamento.
Livro: Gilberto Freyre, Modos de homem e modas de
mulher – “mulher ornamental” – expressão de
feminilidade. Destacar encantos para homens.
Oposição entre gêneros: vulnerabilidade x força;
fragilidade x poder;
Opostos não se aplicam da mesma maneira quando a
equação é para mulheres negras. Sinhás brancas –
delicadeza das roupas, enfatizando ambiente
doméstico. Mulheres negras: trabalhos diferentes,
vestuários diferentes. Diferenças também pelos
elementos de grupos étnicos.
Beleza da menina franzina negra x senhora de figura
maternal com quadris e coxas largas. Mas senhoras
brancas evitam robustez de macho – vigor associado às
negras da senzala. (Freyre, Sobrados e Mucambos)
Viajantes notavam para senhoras brancas: contraste
entre simplicidade extrema dos trajes no âmbito
doméstico x ostentação da vestimenta na vida pública.
Escravas: jogo de ocultar/revelar o corpo pelas roupas.
Ao contrário dos negros das casas-grandes e sobrados,
ou dos negros de ganho, os da lavoura portavam trajes
precários ou quase nus. Nos mercados de escravos:
quase nus. Negros que circulavam pelas cidades,
vestidos. Vestido e identificado socialmente. Leis para
isso.
“Baiana”: mulher negra retratada estabelece para si
outro código de sensualidade pela exibição parcial e
comedida dos ombros – “código erótico da elite”. [33]
II.II – Opulência dos senhores, luxo das escravas
Escravas da casa vestindo-se como senhoras. Uso de
objetos de luxo nos escravos para reafirmar situação
social do indivíduo branco. “Adorno adicional do
senhor”. [36]
Sobre Leis da Metrópole sobre luxo exibido pelas
escravas. Evitar perigo da confusão na percepção
social. Leis para controlar: “exibicionista opulência
senhorial”.
Texto: Lara, Silvia. Sob o signo da cor: trajes femininos
e relações raciais nas cidades de Salvador e do Rio de
Janeiro, 1750-1815.
Luxo também associado à luxúria das escravas ou
libertas, ou de mulheres solitárias.
Tentativas de estabelecer exclusividade do luxo a
indivíduos brancos. Porém, prática de exibição de
riqueza e poder não foram controladas pelas leis.
Senhores continuaram a exibir grupos de escravos
ricamente paramentados a carregar cadeirinhas
douradas. Hábitos ostentatórios resistentes à lei.
Mas luxo era para minoria de escravos. Regra: roupas
simples. Camisas, ceroulas de algodão, calças e camisas
de estopa, calças de canga. Vestidos de pano da costa e
de chita. Proibição de sapato.
Vestuário das baianas: um dos conjuntos de
indumentária afro-brasileira mais conhecidos. Padrão
de indumentária de combinação de influências diversas
– cultura nigeriana (braceletes e argolões), muçulmana
(rodilha ou turbante) e angolano-congolenses
(miçangas e balangandãs)
“Baiana”: colares lembram africanidade, mas
indumentária se distancia da tipologia tradicional de
pano da costa e torso. A riqueza não é para projetar
outrem (senhor, por exemplo), já que se trata de
retrato individual. Projeção da auto-imagem.
Observação: perguntas e dúvidas que Sandra
Koutsoukos faz para retratos – cenário, roupas, pose,
quem são, objetos lhe pertencem ou não etc.
Parte II – Representação, Etnicidade e Gênero
Tradições de representação feminina: Corpo exposto e
Corpo ornamentado em Rafael e Ingres
Dois modelos: 1) versão sensualizada, nu,
representação da Vênus; 2) valorização da castidade e
da virtude feminina.
No século XIX: maior parte dos retratos de mulheres
negras refere-se à tradição 1, sensualidade, Afrodite;
brancas – privilegia elogio moral das senhoras em seus
espaços domésticos.
Rafael: A velada e A Fornarina, mesmo ano,
provavelmente mesma modelo (talvez amante do
pintor).
Velada: Uma figura suntuosa, discreta, casada e mãe.
Coberta, com adornos convencionais e discretos,
clássica simplicidade no rosto. Ambiente fechado,
doméstico.
Fornarina: sem pudor, revela parte superior, tecido
transparente, mão direita no seio. Cabelo semelhante
ao da Velada, mas colocado junto a um torso oriental
que ajuda a criar atmosfera erotizante. Ambiente
aberto (vegetação). Nome do pintor no braço (posse).
Contraste com fundo enfatiza brancura.
Ingres (1780-1867): aluno de David, figura central na
pintura francesa.
Retrato de Madame Sennones – amante e depois
esposa do Visconde. Vermelho do vestido, seda
dourada, xale indiano – intimidade suntuosa. Anéis,
colo com decote coberto por tecido levíssimo
transparente. Rosto de forma ovalada. Olhar altivo e
quase indiferente ao observador, EROTISMO
diferente do nu – está no vermelho apaixonado, na
lisura da pele. SENSUALIDADE SUBLIMADA – beleza da
mulher adornada. Ordem privada, restrita ao visconde.
Grande Odalisca: mesmo ano de Sennones. Outros
paradigmas de representação. Exótica sensualidade,
não é ninfa ou figura mitológica. Tradução erotizada da
visão romântica sobre oriente próximo. Sexualidade
feminina articulada com concepção de oriente exótico.
Realidade luxuosa, permissiva.
Análise:
a) Corpo bem próximo da tela.
b) Sensual e casta ao mesmo tempo. Revela
apenas as costas, mas olha diretamente para
observador.
c) Superfície suave do corpo em contato com
sedas e pele de anima. Lisura da pele x joias
detalhadas na cama. Pulso e cabelos
adornados.
d) Sensualidade “frígida”. Sensual e lânguida.
Texto: COLI, Jorge. “Pintura sem palavras ou os
paradoxos de Ingres”. In: NOVAES, Addauto (org.),
Artepensamento. São Paulo: Companhia das Letras,
1994.
No Brasil – Século XIX: é possível reconhecer a
presença das duas linhagens de representação que
observamos em Rafael e Ingres. [56]
Argumento: “Baiana” – relaciona-se mais àquela que
valoriza mulher em sua dócil domesticidade, onde
símbolos materiais de distinção nos informam sobre
sua posição e papeis sociais. Mulher coberta e apreço
pela ornamentação. [56-57]
Matriz constante: corpo em imagens de menor
individuação para mulheres negras. O nu é sempre o
outro – viajantes – interesse pelo corpo da mulher
negra. Construção de personagens de marcada
alteridade exótica, e nem sempre encontramos
dimensão alegórica ou espiritualizante. Olhar
documental. “Curiosidade antropológica”.
V – “O retrato de negra”, de Marie Guillemine Benoist
O “Retrato de negra” – uma das imagens de mulher
negra mais emblemáticas da história da arte. Pintura
do século XVIII par XIX. Louvre. Benoist foi discipula de
David.
Seio direito à mostra, mão segura tecido para evitar
maior desnudamento. Contraste entre alvura do tecido
e pele. Olha diretamente para observador. Expressão
enigmática. Interior doméstico, vulnerabilidade e
sensualidade. Diálogo entre elementos de beleza
clássica e o “exótico”, reforçado pelo tecido nos
cabelos.
Pintura feita pouco depois da emancipação, abolição
da escravidão nas colônias francesas em 1794.
Emancipação temporária [Napoleão cancela em 1802].
Recepção à obra: “Em quem poderemos confiar na
vida após tal horror! Foi uma branca e linda mão que
criou esta negritude”.
Circulava na França ideia de que se negros eram menos
do que humanos, certamente não mereciam ser
objetos de formas de arte elevadas. Indignação: quem
pode ser objeto de retrato?
Seio: alude a papel maternal, mas no contexto político
da França pós-revolução, significava LIBERDADE.
Amazonas – extirpavam seio direito para ganhar
agilidade para lanças e dardos, mantinham esquerdo
para amamentar filhos. Combinar atuação doméstica
com vida pública.
Mas imagem ainda reforça sexualidade acentuada,
associada às mulheres negras.
Conclusão: quadro é mistura entre vertente do nu
antigo, caráter alegórico, e nu intimista, atmosfera
exótico. Lenço na cabeça – associado às trabalhadoras
escravas e imagens do oriente.
SEMELHANÇA COM POSE DE FORNARIA, de Rafael.
Movimento das mãos que ocultam e revelam o seio.
Argumento: Retrato feito por Benoist difere da maior
parte das imagens que vemos de indivíduos negros
porque não apresenta a bela negra em atividades
servis, limitadas a segundo plano, tendo sua inserção
justificada pela presença de sua senhora. [65]
Negra deixa de ser “figura de fundo”, ganha distinção
individual, pose adota nobre inspiração, representada
dentro dos grandes cânones. Oposto de Olympia, de
Manet [1863-1864].
Manet esteve no Brasil aos 17 anos. Fortes impressões
de uma cidade povoada de escravos. Fez “Retrato de
Laura” 14 anos depois. Talvez Laura servido como
exemplo para Olympia.
VI – Retratos individuais de negros na pintura e na
escultura: a poética das exceções
Retrato – um dos gêneros mais difundidos no Brasil do
XIX, mas ausência de retratados negros. Muitos artistas
estrangeiros viviam de fazer retratos no Brasil.
Negros se tornam um dos assuntos de preferência dos
viajantes, mas raramente aparecem na pintura, em
especial em retratos.
Alguns retratos são encontrados, a maioria de homens
negros – escravos ou livres.
“Horácio”, de Louis Rochet, provável único exemplo de
retrato escultórico de um escravo brasileiro. Escravo
que serviu ao artista francês quando esteve no Brasil.
Registro perene e dignificante. Rara representação
individualizada. Rosto expressa cansaço, dignidade.
“Retrato do Marinheiro Simão, o Carvoeiro”, de José
Correia de Lima, 1853, discípulo de Debret. Quadro
feito para homenagear negro responsável pelo
salvamento da tripulação de um barco que naufragou
no Rio. Retrato de cunho moralizante, exalta valentia,
modo dignificante, modo viril. Expressão serena e
plácida, de heroísmo modesto. [83]
A redenção de Cam, Brocos – “Obra traduz a
perspectiva das elites sobre o negro e a consequente
perspectiva da academia sobre sua imagem. [...]
ilustrar as teses de branqueamento”. [89]
Boime sobre o negro nas representações seguiam três
temas:
a) Desumanidade do sistema
b) Capacidade de o negro integrar-se à sociedade
c) Potencial para subir além do seu estado
selvagem.
Nos séculos XVII e XVIII, atividade artística era
exercida no Brasil sobretudo por negros. Artistas e
artífices dos negros “obreiros de todas as artes”.
Universo acadêmico possibilitou ascensão social
de diversos artistas negros
Texto: José Roberto Teixeira Leite. Pintores negros
do Oitocentos. São Paulo: MMM Motores Diesel,
1988.
Caráter conservador do meio artístico
oitocentista: Para Leite, incorporação de uma
filosofia de embranquecimento que garantiu
sucesso destes artistas. “fingir-se de brancos”.
Telas que exibiam imagens de artistas negros entre
pincéis e telas certamente impactava a
sensibilidade da época – NEGRO FORA DO
CONTEXTO. [92]
“Retrato de Arthur Timotheo da Costa” por
Chambelland: retratado mostrado como homem
misterioso, num ambiente luxuoso, portando
indícios de distinção: bengala, luvas, sapatos
brilhosos, tudo usado com desenvoltura. Registro
elegante, um “dândi”, observador.
Um “Dândi negro com olhar provocador”. Retrato
do modo como ele era percebido socialmente –
indicar sua posição social no retrato.
Obra rompe com convenção do uso do retrato para
relacionar poder e prestígio aos indivíduos brancos
de destaque. Faz isso com homem negro. Obra nos
traz um homem descrito em função de seus
atributos culturais.
“Mulata quitandeira”, de Antonio Ferrigno,
problematiza as possibilidades de integração negra
na sociedade pós-abolição.
Análise: mulher sentada no chão de terra, entrada
de habitação simples. Corpo antiacadêmico,
abandonado, decomposto, ombros curvados, olhos
cerrados, cachimbo, carteira de fumo no chão,
chinelos gastos, pés com solas grossas (escravidão),
ausência de delicadeza nas mãos. Formas pesadas.
Bandeja de ervas arrumadas para venda. Temas
humildes, “exuberância modesta”.
Supor que obra representa mulher liberta.
Detalhes pitorescos da vida rural. Abolição não
criou prosperidade. Realidade imutável, presa a
um tempo cuja passagem é árdua e lenta. [101]
VII – Mulheres negras e o olhar dos artistas viajantes:
exotismo, trabalho e beleza
Na obra de viajantes: observação de usos e costumes,
vestimentas típicas e retratística informal. Intenção
documental.
Maciça presença negra na paisagem retratada pelos
viajantes. Mulheres aparecem de duas formas:
a) Identificação de tipos
b) Identificação de atividades
Mundo exótico e seus personagens, catalogando
espécies, vegetais e tipos humanos, exemplificar
grupos étnicos e hábitos locais.
Objetivo: mostrar a distância entre “Baiana” e essas
perspectivas exotizantes. [106]
“Negras” – Debret
Registro das diferenças visíveis observáveis entre
população negra. Construir tipologia [marcas de
nações, etnia, portos de origem]
Negras, de Debret: não há nomes, apenas identidade
étnica e status social. Visão caleidoscópica de feminino,
em que se misturam o belo e o grotesco, o ocidental e
o africano. Investiga feições, a diversidade.
Sensualidade nos olhares castamente desviados e nos
leves sorrisos faceiros das mulheres à direita (Rebolo e
Benguela)
Especial atenção aos adornos, penteados,
indumentária, cabelos. Não olha estado natural dos
humanos, mas estado geral da sociedade,
transformação pela cultura.
Rugendas
Também fez representação de tipos, identificando
grupos e os associando a temperamentos
“Preparação Da raiz de mandioca”, Rugendas: corpos
mais fluidos, sem característica escultórica, mulheres
com seios cobertos.
Mulher no centro – Seios à mostra, observados pelo
feitor. Dimensão do corpo em “S”, sensual, adorno na
orelha, blusa que escorrega pelos ombros, olhar que
parece devolvido ao senhor. Chave da “sedução” e não
“violência” destacada por Rugendas.
Hercule Florence
“Negra rebolo”, 1828. / Hercule Florence, Negra
Cabinda (detalhe), 1828.
“Naked” diverso de “Nude” – “estar nu” (naked) é Livro: Cristina Costa, A imagem da mulher: um estudo
estar privado de roupas, com constrangimento e de arte brasileira. Rio de Janeiro: Senac, 2002.
vulnerabilidade. Nude – nu ligado à arte, não implica
em desconforto, corpo confiante e em equilíbrio. Texto: Tatiana H. P. Lotiero – Contornos do (in)visível: a
redenção de Cam, racismo e o estética na pintura
Imagens feitas pelos viajantes: “[...] tentam brasileira do último Oitocentos. [Dissertação – USP,
circunscrever a admiração da mulher negra á dimensão orientada por Lilia Schwarcz]
do material de seu corpo, visto como exemplar de um
coletivo definido pela cor da pele. No entanto, as
A tela: A redenção de Cam, Modestro Brocos (1852-
imagens que nos chegam oscilam entre a indiginidade
1936), 1895.
da objetificação e a poética homenagem à beleza
negra”. [Renata Bittencourt, Modos de negra, modos
1 - Senhora negra com mãos erguida ao céu, como se
de branca, p.126]
agradecesse um milagre. 2 – jovem ao centro da tela
tem pele mais clara, com ares de ensinamento, aponta
Frontalidade disponibiliza corpo para observação
a avó. 3 – A criança, ponto mais claro da tela – veste
curiosa.
roupa muito branca, está voltada para a velha e segura
uma laranja. Núcleo narrativo: presente e passado. 4 –
Posse momentânea e virtual do artista sobre seu
Homem cumpre papel de pai. Tem costas viradas para
modelo e o desejo de toque sublimado na superfície
mulher, mas olha de esgueiro para menino. Não se
da pintura. Mas no caso com mulheres negras:
tocam. Atrás dele, um varal de roupas brancas.
possibilidades reais de contato visual e até sexual.
Senhora está descalça, filha tem pés na terra e em
Corpos escravos e submissos.
parte no chão de pedra (transição) e uma aliança no
dedo. Apesar de não-brancas, nenhuma das mulheres
Florence:
usa trajes marcados por sinais étnicos evidentes.
Aquarelas criadas a partir de mulheres específicas, não
Variação dos tons de pele.
lançou mão de artifícios para tornar a nudez aceitável
aos padrões morais vigentes. Nãos e trata de arte para
O que é o quadro: alude às natividades e demais
salões. Objetivos documentais. Cenários reais de
imagens da Sagrada Família. A laranja faz as vezes da
mulheres anônimas.
maçã que inaugura o pecado original (mas agora com
caráter tropical) – Aclimatada. Roupas brancas:
Retrato da “Baiana” está na contramão das
purificação. Palmeira – aspecto tropical, mas também
perspectivas mostradas até aqui.
dendezeiro africano.
Nega dimensão erótica que se impõe às mulheres
Todos os elementos introduzidos na configuração
negras, recusa identidade generalizante, possui
estética da cena convergem para seu caráter alegórico,
dignidades únicas e diferenciadas. Mesmo sua
que se conclui com o título.
relação/origem com tradição africana ou afro-brasileira
é informada por elemento fora de seu corpo. Não são
Trajetória do quadro: A tela é bastante criticada por
cicatrizes, mas a profusão de colares que a conectam
estudiosos e críticos posteriores, sendo vista como
com uma estética negra. Não é uma evidência de local
preconceituosa, discriminatória e patética. Mas na
ou grupo de origem que a caracterizam, mas um
época em que foi lançada, 1895, foi muito elogiada.
elemento cultural crioulo, afro-brasileiro. [129]
Tela – Ganhou medalha de ouro da Exposição Geral de
Belas Artes em 1895. Parecia canalizar preocupações
correntes no pós-abolição – transformação da
Texto: “Algo além do moderno: a mulher negra na população de ascendência negra em branca.
pintura brasileira no início do século XX”, Maraliz de
Castro Vieira Christo. Tela pode ser lida como uma defesa da mescla racial,
orientada para o embranquecimento.

Contemporâneos: A tela, em 1911, foi usada por João

Batista de Lacerda, médico, antropólogo e diretor do
Museu Nacional, para ilustrar sua tese no I Congresso
Internacional das Raças, em Londres. Segundo o
cientista, tela mostrava que em três gerações, uma
“seleção sexual” permitiria alcançar o branqueamento
da raça negra em solo nacional.
Pergunta da dissertação: em que medida a tela se
revela capaz de produzir sua própria tese sobre o
embranquecimento?
Hipótese: A redenção de Cam de fato propõe um
modelo de reflexão pictográfica sobre o
embranquecimento, procurando demonstrar uma tese
acerca do tema.
Discussão bibliográfica
Não há trabalho dedicado só a ela. Embora seja a tela
mais citada de Brocos, ela é usada em trabalhos sobre
racismo, interracialidade e teorias raciais no Brasil e
EUA. Trabalho de Lacerda também é citado junto com
ela.
Todos os autores que a usaram, acentuaram sua
importância documental para os debates que
desenvolvem.
Schwarcz – vincula a tela e as projeções sobre o futuro
racial do país, mas alerta sobre risco das leituras
unívocas. Diz que se enfatiza aspecto “científico” da
mescla, mas imagem também tem “tom milagreiro” –
filho [cristo na manjedoura], a avó rezando. O que a
ciência não dava conta, crendice resolveria.
A comparação com EUA: EUA viam mescla como
maldição, no Brasil ela surgirá como solução. Trabalhos
mostram como em determinados modelos
classificatórios, havia hesitação em chamar de brancos
descendentes de uniões inter-raciais.
Cita artigo Maraliz Christo: “Algo além do moderno: a
mulher negra na pintura brasileira no início do século
XX.” LER!!!!!
Maraliz CHRISTO: quadro seria “demonstrativo de uma
tese, mais do que interrogação sobre as condições de
incorporação da mulher negra na sociedade brasileira”
Cita Renata Bittencourt, “Modos de negra, modos de
branca” – para a autora, tela teria objetivo de ilustrar
as teses de branqueamento correntes na época e a
preocupação da capacidade do negro de integrar-se à
sociedade dominante.
Tela busca propor um modelo pictórico par o processo
branqueador.
Cita: Heloísa Lima “A presença negra nas telas: visita ás
exposições do circuito da Academia Imperial de Belas
Artes” (p30)
LOTIERZO: debates sobe embranquecimento não
convergiam para um consenso.
O que dissertação fará:
1 – ver crítica contemporânea a observar como esta
também esteve dividida diante da obra
2 – Adensar os sentidos do realismo no quadro.
3 – Fará análise da tela que, em diálogo com dados
biográficos e outros quadros – seja capaz de situar a
especificidade com relação ao branqueamento.
4 – Entender intenções a partir do modelo de
Baxandall. Ou seja: indaga-la não sobre os desígnios do
autor no momento de sua produção, mas sim sobre a
qualidade intencional que emerge do próprio objeto e
que, muitas vezes, independe da vontade do artista.
5 – Alargar discussões sobre estilo á luz de
interrogações envolvendo a tela – para compreender o
que o estilo pode revelar a respeito da intenção de A
Redenção de Cam, em contraposição com outros
quadros. [Capítulo 2]
Cita: R. Naves, Almeida Júnior: o sol no meio do
Caminho [Artigo] nota p.32.
Cita: Perutti, D. C. Considerações sobre a representação
do negro na obra de Almeida Júnior. E Almeida Júnior,
gestos feitos de tinta. Alameda, 2011.
LOTIERZO: diz que incluirá em suas análises Almeida
Júnior, Antonio Ferrigno, Antonio Rafael Pinto Bandeira
e Arthur Timotheo da Costa.
Sobre Brocos:
Espanhol, nasceu em 1852, naturalizou-se brasileiro
em 1890. De família de artistas. Vem para América do
Sul em 1871, aos 20 anos. Colaborou no Mequetrefe.
Teve aula com Victor Meirelles e Zeferino da Costa na
Academia Imperial de Belas Artes (AIBA);
Interesse pelas temáticas que combinavam narrativas
épicas ou bíblicas com a presença de tipos sociais locais
– o que impunha desafio de explorar distintas
tonalidades de tons terrosos na caracterização da pele
de personagens considerados tipicamente brasileiros.
Esteve na Europa entre 1877-1890, estudando nas
principais academias e ateliês. Na Escola de Belas Artes
de Paris, teve aulas com TAINE [determinismos, clima,
geografia; raça]
Retorna ao Brasil em 1891, vai ser professor de escolas
de 2º grau, a convite de Benjamin Constant. Depois
dará aulas na AIBA, a convite de Rodolpho Bernardelli.
Volta para Europa em 1897
Central: Brocos foi reconhecido pelos críticos do
período como um artista que se dedicou ao estudo e
pintura de personagens negras, de modo que a
temática parece ter feito parte de um projeto pictórico
maior, que abraçou no Brasil.
Branquitude e masculinidade.
Capítulo 3: “A tela, por seus esquemas”
Da mulher negra na pintura da Europa oitocentista:
alguns exemplos
1 – Olympia, de Manet (1863) – coloca lado a lado
uma mulher branca e uma negra. A primeira, uma
prostituta. A segunda, uma criada.
Inversão: geralmente mulher negra associada a
sexualidade.
Explora de modo original um topos caro da pintura ao
pensamento ocidental: oposição negro x branco; claro
x escuro.
Branco e negro: são categorias formais, mas que
ganham contornos ideológicos explícitos. Contexto do
imperialismo/colonialismo. Vinculação ideológica
entre “raça” e “cor”.
Outro exemplo tipo do colonialismo: associação entre
raça e sexualidade. GÊNERO + RAÇA + COR
Pintura orientalista:
Legitimação da empreitada colonialista – fantasias
brancas e masculinas. Mulheres vistas como
propriedades, espólios dessa empreitada.
DELACROIX (1798-1863): Femmes d’Algier dans leurs
appartements, 1834.
Tornou-se referência no sistema de cor empregado em
pinturas orientalistas.
Viagem para Norte da África, Marrocos, Cádiz, Sevilha
e finalmente Argélia. Lá visita harem de corsário turco,
que inspirou famosa pintura.
Invasão francesa da África do Norte, iniciada com
Bonaparte em 1801 no Egito, construiu novo
paradigma orientalista na pintura. Novos matizes para
elementos exóticos e exuberantes – topos central do
uso da cor.
Uso das CORES CONTRASTANTES: cores contrastantes
vistas sem mesclas, com sentido puro.
Problema encontrado nessas expedições: como
reproduzir luminosidade e TONS DE PELE dos nativos.
Na busca de SOLUÇÕES – SISTEMA DE NOTAÇÃO
“ETNOGRÁFICA” – para distinguir tipos puros de
miscigenados em solo colonial.
Delacroix – sua pintura era a “antítese damistura
característica da geografia racial” local, porque buscava
tipos puros e tinham olhos fechados para miscigenação
em curso. 191
REVISÃO DO CONCEITO DE “COR LOCAL”: deixava de
ser cor predominante de um corpo ou objeto, para
ganhar sentido de “assunto pitoresco”.
Além disso: “Cor local” agora queria dizer: APREENDER
A APARÊNCIA E TAMBÉM CARÁTER DAS COISAS.
Delacroix: em seu Dicionário de Belas Artes, associa
“cor local” a “localidade”.
Nomeia “cor local” como “cor primitiva”.
Uso de contrastes complementares nessa pintura:
verde e vermelho; amarelo e azul; laranja e violeta;
Isso tornou-se marca da pintura orientalista e
paradigma constitutivo do olhar europeu sobre os não-
brancos, carregando ideia de primitivismo, de raças
puras, e de uma superioridade racial dos brancos.
Paletas de tons em que predomina a visão contrastiva
entre verde, vermelho, amarelo, azul, laranja e roxo.
Como Delacroix lida com a articulação entre os
marcadores gênero/sexualidade/raça?
Delacroix – curiosidade particular pelas mulheres
muçulmanas. Chegando ao norte da África, impasse:
essas ou são inacessíveis ou não se deixam ver
(clausura doméstica).
Já as negras: aparecem nas páginas de seus diários
como criaturas servis, com tom pejorativo: traços
disformes, ríspidas que barram seu acesso ao harém.
Se as muçulmanas não se deixavam ver, as judias se
tornavam seu modelo feminino prioritário no oriente.
Se passaram por argelinas muçulmanas. Seu harém,
logo, é uma forma fabricada – produto de uma
operação imaginada do pintor.
“Fantasias colonialistas” – haréns emergiam como
lugares povoados de mulheres brancas e sempre
dispostas a realizar seus desejos sexuais.
Metamorfose do corpo masculino em feminino:
afirmação velada da superioridade do homem branco
em relação aos demais. Por sinal, homens argelinos
jamais apareciam nessas imagens, consideradas
eróticas, ao lado das mulheres, a não ser como
eunucos.
Tudo iria mudar, pois em 1834, o sultão da Argélia
seria deposto pelos franceses. Depois disso, visão do
harém de Delacroix seria ridicularizada. [Discursos
anticoloniais]
Delacroix: mulheres de pele mais clara – seios
pequenos, transparências e modos (e nudez)
sugestivos, nunca explícitos. Negras: seios grandes,
exagerados, volume nos quadris, nádegas.
No século XIX, a sexualidade do negro, mulher e
homem, tornou-se ícone de sexualidade desviante. Por
isso, em Olympia, de Manet, colocar a mulher branca
ao lado da negra, sugeria tais práticas. Jeito implícito
de sugerir similaridade sexual.
“Vênus Hotentote” – Sara Bartmaan – africana
escalada pela indústria do entretenimento colonial,
exposta em 1810 em Londres e depois em 1814 em
Paris. Atribuído a ela sexualidade patológica, cujos
sintomas seriam o tamanho (hipertrofia) das nádegas e
órgão genital.
Observação:
Sarah Baartman morreu em 29 de dezembro de 1815,
mas o show, sob uma perspectiva ainda mais macabra,
continuou. Seu cérebro, esqueleto e órgãos sexuais
continuaram sendo exibidos em um museu de Paris até
1974. Seus restos mortais só retornaram à África em
2002, após a França concordar com um pedido feito
por Nelson Mandela. Ela foi levada para a Europa,
aparentemente, sob promessas falsas por um médico
britânico. Recebeu o nome artístico de "A Vênus
Hotentote" e foi transformada em uma atração de circo
em Londres e Paris, onde multidões observavam seu
traseiro.
CIÊNCIA: Mulher negra sexualizada – não só em
imagens, mas com aval da ciência.
Série de pesquisas sobre prostituição – entre elas as
de Lombroso, que encontravam padrão fisionômico e
anatômico comum para essas mulheres – entre elas:
gordas, rostos assimétricos, narizes desfigurados,
hipertrofia do crânio na parte parietal, “orelha de
Darwin”. Cabelos escuros, grossos, mandíbulas fortes.
Gordas: quadris largos, nádegas grandes. Anomalia
sexual, tal como Sara.
Imagens da ciência vão parar nas representações
pictóricas.
Após vários exemplos – quadros em que coexistem
mulheres brancas (odaliscas, prostitutas, etc.) com
mulheres negras, autora conclui a predominância de
um olhar branco e masculino na representação destas.
FORMA VISUAL ASSUMIDA – ESPELHAM PADRÃO
DOMINANTE E SE CONVERTEM EM IMPOSIÇÕES DE
UM MODELO DE VISÃO SOBRE O PÚBLICO.
NATURALIZAM. (208).
“Se Delacroix e boa parte dos pintores orientalistas
estão mais imediatamente próximos – porque à serviço
– da empreitada colonial francesa, colocando os corpos
das mulheres brancas e das personagens não-brancas
(de ambos os sexos) na posição de objetos de desejo
(as primeiras) e dominação (todos), o naturalismo de
Manet aponta para uma tendência crescente à
patologização, em chave científica, da modernidade,
em que a anomalia encontra a sua forma ideal no
corpo negro e no corpo feminino. Manet renuncia a
oposição claro x escuro. [209]
BROCOS – se ele queria abordar problema do
embranquecimento, se queria fazer um elogio à mescla
racial – implicaria em escolhas distintas de Delacroix e
orientalistas + construção de corpos dotados de
qualidades diferentes daquelas de Sara Baartman.
Da mulher negra nas telas de Brocos: algumas
observações
Engenho de Mandioca:
1 - desejo de particularizar cada personagem (cada
uma com uma feição);
2 – As duas da frente: uma de costas, não deixa
contorno de nádegas e quadris evidentes – saia
volumosa. A outra, de perfil, orelha darwinica,
evidencia-se mais os contornos.
3 – Mas outras, nem todas, tem traços redondos.
Outras são magras, algumas com braços fortes. Uma
parece estar grávida, outra amamenta.
Ou seja: Brocos foge a associações obrigatórias de
negras com a prostituição e ou sexualidade patológica;
e ao uso de cores que pudessem remeter ao
primitivismo. A presença de duas crianças aponta
desfaziam atribuições de infertilidade.
4 – todas possuem mesmo tom de pele, privilegia
harmonia dos tons terrosos.
Possível referência às fotos de Victor Frond (Brazil
pitoresco). Esses álbuns se tornam referência nos anos
de 1880.
Em Brocos – acentua tipo de postura feminina curvada,
sentada no chão, como aparece em litografias de
Frond. Também se inspira em desenhos de
camponesas, trabalhadoras, italianas.
EUGENIA: Brocos tinha projeto eugenista [em outra
parte do trabalho], explicitado no livro Viaje a Marte -
livro no qual via como lícita e central para mulheres
histéricas, de temperamento ardente e as
voluntariosas que se tornariam peças-chave em seu
projeto de “seleção sexual”. “Irmãs humanitárias” –
mulheres dedicadas à vida pública, prostituição, caso
não se casassem. (223)
[AMOSTRA DE IMAGENS DE SOLUÇÕES FORMAIS
DISTINTAS A PARTIR DAS QUAIS BROCOS PROCUROU
RESPONDER AO PROBLEMA DA INCORPORAÇÃO DA
POPULAÇÃO NÃO-BRANCA À SOCIEDADE
BRASILEIRA].
Da mulher negra, segundo a opinião pública nacional:
diálogos possíveis
A redenção de Cam – temática bíblica e emprego de
recursos formais – “sagrada família” interracial.
Gênese da história bíblica – maldição de Cam – a
persistência da história e como ela ganha conotações
raciais e depois científicas no XIX.
Pintura como alegoria – 227. Quadro pensado no
contexto da incorporação dos não brancos à sociedade
brasileira do futuro republicano. Para isso, Brocos
produziu “corporalidades”.
Viaje à Marte [1933], obra de ficção científica de
Brocos – elogiava políticas eugênicas, aperfeiçoamento
da raça. No livro, corpo feminino está sujeito à
intervenções – ali as mulheres tem o dever de se casar,
ou voluntariar-se numa irmandade, colocando-se a
serviço do prazer masculino e da reprodução da
espécie. Caso não correspondam aos modelos de
beleza e saúde, são submetidas à esterilização.
Argumento: “Buscamos argumentar que, ao afastar-se
dos modelos de representação da mulher negra
convencionais na Europa, o artista terá buscado
constituir padrões visuais capazes de aludir a processos
de “seleção sexual” condizentes com suas projeções
racistas de embranquecimento”. [228-229]
“Não se pode perder de vista que aquilo que
encaramos como o racialismo de Brocos pode ter
passado por diferentes etapas de amadurecimento
entre 1892 e 1933 – anos de lançamento de engenho
de mandioca e Viaje a Marte, e que isto serve de
explicação para possíveis variações. Entretanto, quadro
e livro correspondem ao mesmo problema, qual seja, o
de propor modelos para um suposto “aperfeiçoamento
da raça”.
Brocos percebeu que precisava explorar um MODELO
PRÓPRIO, voltado à ideia de embranquecimento, no
contexto do Brasil republicano, e isto dependia de
representações alternativas do corpo feminino, que
pudessem indicar preceitos morais distintos. (229)
Isso porque: o processo embranquecedor dependida
de um reconhecimento da mulher negra como uma
esposa em potencial e não apenas como objeto sexual
[230]
MODELOS VIGENTES no horizonte intelectual do XIX:
sexualidade destrutiva, que jamais seriam vistas com
mães de família.
Romances como: O Chromo (Horácio de Carvalho,
1888), A Carne (Júlio Ribeiro, 1888), - tinham
personagens condicionadas pelos princípios de Darwin
e Spencer, com conclusões pessimistas das teorias
raciais. Mas a Redenção de Cam ia em outro sentido.
Bertoleza – Cortiço: crioula trintona, gorda, de pernas
curtas e grossas, cachaço [pescoço] largo. Sempre suja,
cheirando a peixe e não tem filhos com o português. Se
mata.
Leonor – criada no mesmo romance – é negrinha
virgem, ligeira, viva, lisa e seca como um moleque,
obscenidade. Predisposição precoce à sexualidade.
O Mulato – a mãe do protagonista Raimundo é velha
louca, requebros estranhos, vulto esquelético e
andrajoso, crise histérica.
Personagens negras não apareciam casadas ou
realizadas como mães nos romances.
Rita Baiana, do Cortiço, a mulata, que como Nana,
pintada por Manet, une no mesmo corpo atributos de
branca e de negra. Bela e perfumada, sensualidade
incontrolável, destrutiva, leva a tragédias. Jamais
engravida – infertilidade dos mestiços (teorias). Mulata
– “Depravado tipo brasileiro” (Nina Rodrigues) –
feitiços, luxúria, faceirice;
Vidinha, em Memórias de um Sargento de Milícias:
mulata x “beleza branca” de Isaura (embora seja uma
“não-branca”).
 A redenção de Cam, por suas particularidades
Numa era marcada pela disseminação de sistemas
científicos na esfera pública, Brocos recorreu à
iconografia cristã. Fé + Ciência.
Brocos mantém diálogo seletivo com convenções.
Quadro: lembra “madona que segura o filho”. José; e o
anjo que intermedeia (a avó), indicando que para o
embranquecimento dependia-se de um voluntarismo
dos próprios afro-descendentes que pretendia
extingui-los. “Auto sacrifício” (Coelho Neto).
Por conta da referência bíblica é que personagens
femininas do quadro escapam à modelagem então
vigente na representação de negras e mulatas.
Análise do quadro:
1 – vó com pose de estátua. Rigidez corporal. “Figura
de argila” – rosto é mancha de cor uniforme – santas
populares. [P240]
2 – Virgem Negra (cultuada) para refutar suspeitas de
infertilidade. Virgem negra, no Brasil, vista como
protetora dos escravos.
3 – Mulher ao centro – Madona.
4 – Avó magra. Filha com formas arredondadas e
cintura fina, quadril coberto (calculadamente) pelo xale
e pelo bebê. Mãos pequenas e delicadas. Rosto sem
deformações e exageros. Somente mão é exagerada,
para mostrar aliança – moral sexual vigente.
Extremamente vestidas, evitando trajes com sinais
étnicos; Não se mostram orelhas;
Argumento: transformação de Brocos dos modos
vigentes de representação não estava livre de
preconceitos -negros reduzidos a corpos reprodutores
x alma negra/existência intelectual. Vistos como
corporalidades puras.
Cita crônica de Coelho Netto na GN em 19 set, 1895,
pp.1-2. Autor escreveu Rei Negro, peça que conta a
história de um escravo que vendia escravos em nome
do dono.
Ideia de morte e incorporação espiritual.
Transformação corporal – branqueamento – atrelada à
descoberta da espiritualidade.
OU seja: “reconhecimento da espiritualidade ou
dimensão intelectual dos não-brancos passa a
depender de uma atestada capacidade corporal –
feminina – de geração de descendentes de pele mais
clara. Inscrição da capacidade no CORPO e não na
mente.
PESO DA MATERNIDADE ORIENTADA – sobre corpos
negros femininos. (246)
5 – dedo da mãe que aponta e não aponta para avó –
indicando anjos (dimensão do invisível – algo que se
encontra e não se encontra na imagem).
6 - Mão do bebê – benção do menino Jesus ou
reconhecimento da avó. A laranja que ele carrega:
frutas referências ao paraíso ou fertilidade
(Renascimento).
7 – Posicionamento do quadro: teleologia racialista –
desaparição progressiva da raça negra.
8 – Vó (para ser elemento primitivo) – incorpora
contrastes da pintura de Delacroix e do orientalismo.
9 – Mãe – simetria dos traços, harmônica, centro da
imagem – chão de pedra, alusivo ao trabalho humano
de pavimentação, modernidade. Avó no chão de terra.
Cores da mãe: contrastes complementares de azul,
violeta e rosa com amarelo e laranja. Jovem está a
meio do caminho.
10 – O pai: pele clara, não se vê envolvido em
esquemas de cores contrastantes. Bem desenhado,
traços nítidos, pisa no chão de pedra com os dois pés.
11 – Bebê – ponto mais alvo da cena: envolve
paradoxos – branco, mas envolto por contrastes (azul,
laranja, cores da mãe); está voltado para a avó, de
costas para o pai, parecendo contradizer o movimento
que caminha no sentido do branco, do pai. Coloca-o
num degrau antes do pai. Menino é espelho do pai –
branco e homem, afastando-se da linhagem materna.
Por outro lado, está no colo da mãe e compartilha com
ela lugar intermediário. Dúvida no seio do pensamento
tautológico: Será a criança branca???
Temores do atavismo e atinge problema da
classificação cromática no Brasil. Quem pode ser
branco?
CENTRAL: Criança é interrogação. Jornais discordam
sobre de que cor é a criança no quadro. Autora resgata
esses comentários. Ou seja, impasses quanto à
discussões sobre o tema. Quadro, então, é espécie de
indagação sobre a cor/raça no Brasil.
CRONICAS: Fantasio comenta o quadro. [250] Atribui a
responsabilidade pela transformação racial ao pai. Bilac
atribui ao pai. Coelho Netto elogia sacrifício da mulher
negra, como a responsável pelo processo de
branqueamento.

Conclusão: ao final, encontramos não uma criança

branca, mas uma incógnita, tanto por sua dimensão
formal, quanto em termos da recepção da tela. Queria:
questionar a própria indefinição de brancura que
percebia existir no Brasil. Era preciso saber quem era
ou não branco. [253-254]