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ENTREVISTA ALEXANDRE ANTONELLI y

À frente da

ciência dos
jardins reais
Biólogo brasileiro assumirá em
fevereiro o cargo de diretor científico
de Kew Gardens, no Reino Unido

Carlos Fioravanti

E
m 1996, aos 17 anos, Alexandre co da cidade, o maior da Escandinávia,
Antonelli, natural de Campinas, com 16 mil espécies de plantas. Cinco Antonelli: disposto a
entrou no curso de biologia na anos depois tornou-se professor de bio- aproximar os
pesquisadores entre si
Universidade Estadual de Campi- diversidade da Universidade de Gotem-
e com os jardineiros,
nas (Unicamp). Um chamado à aventura burgo. Em 2017, ele criou o Centro de como fez em Gotemburgo
foi irrecusável e seis meses depois ele Biodiversidade Global de Gotemburgo,
trancou a matrícula para passar um ano atualmente com cerca de 10 milhões de
e meio viajando pela Europa de carona exemplares de animais e plantas.
e mochila nas costas. Depois percorreu Aos 40 anos, casado com Anna, ge-
a América Central e conheceu a futura rente de uma clínica psiquiátrica, com
esposa, sueca, em Honduras, quando três filhos – Gabriel, de 14 anos, Clara
trabalhavam em uma escola de mergu- e Maria, de 12 – e cidadania brasileira,
lho. Foi com ela para Gotemburgo, na sueca e italiana, Antonelli estava na Uni- e um banco com 2 bilhões de sementes
Suécia, e lá ficou. Recomeçou o curso versidade Harvard no final de junho de de quase 40 mil espécies.
de biologia na Suécia e fincou raízes na 2018 como professor visitante quando Em outubro, ao comunicar publica-
biogeografia, para ver como plantas de recebeu um convite para se candidatar mente sua nomeação, o diretor de Kew,
regiões neotropicais como a Amazônia ao processo de seleção para o cargo de Richard Deverell, comentou: “A expe-
evoluíram e conquistaram seus espaços. diretor científico dos Jardins Botâni- riência e as especializações científicas
No doutorado, fez coletas na Amazônia cos Reais em Kew, ou Kew Gardens, em de Alex complementam e ampliam os
pela primeira vez, em 2003. Londres, um dos maiores do mundo. A pontos fortes de Kew. Estamos entusias-
Em 2010, após um pós-doutorado na instituição reúne 22 mil espécies de plan- mados por ele poder aplicar sua expe-
Suíça, voltou para Gotemburgo, contra- tas no jardim e 7 milhões nos herbários, riência e ambição para aumentar ainda
tado como curador do Jardim Botâni- além de 1,2 milhão de amostras de fungos mais a qualidade e o impacto global de

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nossa ciência. Estou confiante de que ro conhecer melhor as áreas de atuação, ideias e os desafios, como as mudanças
ele inspirará não apenas os cientistas e as necessidades e os planos de cada gru- climáticas. Temos de pensar não apenas
estudantes de Kew, mas também uma po do jardim botânico. São oito departa- as ameaças à biodiversidade, mas tam-
nova geração, através do engajamento mentos e cerca de 25 grupos de pesquisa. bém as possibilidades de trabalho, com
e da divulgação da ciência”. Uma das prioridades é ampliar e fortale- o estudo das coleções botânicas.
Antonelli assumirá em 4 de feverei- cer os cursos de mestrado e doutorado
ro com a tarefa de reforçar a integração em botânica e ecologia, aproveitando os Como pretende integrar a coleção viva,
entre os 320 pesquisadores e fortalecer recursos humanos de Kew, com mais de das plantas cultivadas no jardim botâ-
o prestígio, a visibilidade e a produção 320 pesquisadores, e as imensas cole- nico, e o herbário de Kew?
científica de Kew. Um de seus planos é ções. Com minha predecessora, Kathy Umas das coisas que pretendo lançar logo
intensificar a colaboração com pesqui- Willis, Kew fez um plano estratégico pa- depois de assumir é um projeto de digita-
ERIK THOR / YOUNG ACADEMY OF SWEDEN

sadores brasileiros – e não apenas de ra a pesquisa científica de 2015 até 2020. lização das coleções vivas e do herbário.
botânica –, como ele conta na entrevis- Agora uma das tarefas é esboçar e liderar Meu sonho é que qualquer visitante pos-
ta a seguir. o plano estratégico para os cinco anos sa abrir a câmera do smartphone e, com
seguintes, até 2025, e trabalhar o docu- uma seta, conhecer mais sobre qualquer
O que pretende fazer como diretor cien- mento lançado há alguns meses sobre a espécie de planta, fungo e microrganis-
tífico de Kew? estratégia de manutenção e expansão das mo que estiver vendo. Isso vai requerer
Ainda não consolidei os planos. Nos pri- coleções até 2030. Temos de consolidar cerca de 100 a 150 imagens de cada es-
meiros meses, a partir de fevereiro, que- esses planos antes de incorporar minhas pécie em diferentes níveis de desenvol-

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vimento, antes de florescer, com flores e há também 800 voluntários trabalhando
frutos. Estamos discutindo também um lá. É a maior instituição de pesquisa bo-
novo edifício para a renovação do herbá- tânica do mundo.
rio, que será um prédio muito grande, e
integrar os dois prédios de pesquisa de O Brexit, a saída do Reino Unido da
Kew. O laboratório ainda é separado do União Europeia, pode atrapalhar o tra-
herbário. Queremos unir, para aumentar Vou fazer o balho e o financiamento da pesquisa?
a sinergia entre os pesquisadores. Outro Existem ainda muitas questões não de-
objetivo é fortalecer o elo entre os jar- possível para que cididas, como o acesso aos programas
dineiros, que cuidam das coleções vivas europeus de financiamento à pesquisa,
de plantas, e os pesquisadores, que tra-
pesquisadores que sempre atraiu muito o Reino Unido.
balham principalmente com o herbário. brasileiros Há grande preocupação entre os pes-
Como curador científico das coleções quisadores para saber o que vai acon-
tropicais do Jardim Botânico de Gotem- possam usar as tecer a partir de março. Está bem caóti-
burgo, participei de uma viagem de coleta co. Quando assumir, vai ser um período
na África do Sul. Metade da equipe era coleções de Kew turbulento. Outro desafio é convencer
pesquisador e a outra metade jardineiro. a população e o governo de que Kew é
Foi ótimo. Pode haver uma troca muito
da forma menos muito importante para o país manter
rica de conhecimento entre quem pratica burocrática as metas de desenvolvimento susten-
o cultivo e quem estuda a planta na natu- táveis propostas pelas Nações Unidas.
reza. O botânico costuma pegar a planta possível Das 17 metas, pelo menos quatro estão
que seja representativa do padrão de uma diretamente ligadas à biodiversidade.
espécie, enquanto o jardineiro observa Trabalhamos com pesquisa, conserva-
outras caraterísticas que o botânico nem ção e preservação, mas a segurança ali-
se dá conta, como a variação de tamanho mentar também está muito relacionada
e cores entre plantas da mesma espécie. à pesquisa botânica. Fazer as pessoas
Também há diferenças. O pesquisador entenderem a importância da pesquisa
da universidade começa a trabalhar tar- e da produção científica é um trabalho
de, às vezes às 10h, e o jardineiro tem de achavam que eu poderia ser candidato e constante, que precisa de reforços. Em
começar às 6h30. ele me perguntou se eu estaria interes- 2019 vamos fazer dois festivais de ciência
sado. Havia outros, mas me senti muito para motivar estudantes e professores a
O que aprendeu em Gotemburgo que honrado, porque esse trabalho é o so- encontrar os pesquisadores e visitarem
pode ser útil agora? nho de qualquer biólogo. Mandei meu as coleções. São eventos simples, mas
Algo de que gosto muito na Escandiná- currículo e uma carta explicando por muito importantes para manter o elo
via é a falta de hierarquia nas organiza- que gostaria de trabalhar lá. Estou muito direto com a população.
ções. Tanto no meio universitário como feliz com o que fiz na Universidade de
no jardim botânico existe uma abertura Gotemburgo. Tenho um grupo de pes- A colaboração Kew-Brasil está um pou-
muito grande a diferenças de opiniões e quisa excelente, que formei nos últimos co desacelerada no momento, após o
aos processos de decisão. Minha impres- oito anos, depois que voltei de um pós- término do Projeto Reflora em Kew. Co-
são é de que na Inglaterra a formalidade -doutorado na Suíça. Essa é uma opor- mo pretende trabalhar essa área?
é muito maior e cada pessoa tem um lu- tunidade única de influenciar os estudos Kew tem colaborações com 110 países, a
gar bem definido no organograma. Vou sobre biodiversidade de uma forma que meu ver é essencial ampliá-las, com ga-
trabalhar para aumentar a colaboração seria muito rara em um cargo universi- nhos para todos, mas não poderia dizer,
entre grupos de pesquisa e departamen- tário. Em dezembro fui à festa de Natal sem uma discussão interna. Preciso en-
tos. É importante que os pesquisadores de Kew e no dia 11 dei uma palestra aos tender quais colaborações e áreas seriam
não se sintam infringidos mentalmente e 320 pesquisadores. Como não havia es- mais estratégicas para fortalecer. Como
na prática pela estrutura da organização. paço para todos no auditório, tiveram brasileiro e biólogo tropical, tenho muito
de alugar uma igreja. Apresentei meus interesse em fortalecer as colaborações
Como foi o processo de seleção para o objetivos, fui muito bem recebido e só com o Brasil. Vou fazer o possível para
cargo de diretor científico? tive comentários positivos. que pesquisadores brasileiros possam
No final de junho, Tomas Borsa, repre- usar as coleções e estabelecer vínculos
sentante da empresa Perrett Laver, de Como está Kew atualmente? individuais e institucionais com Kew
Londres, contratada para cuidar da se- Está muito melhor hoje do que há alguns da forma menos burocrática possível.
leção de candidatos para o cargo, me anos. Houve uma reestruturação – até
contatou. Eu nem sabia da vaga. Estava mesmo dramática – há quatro anos e mui- Com quem você colabora aqui no Brasil?
trabalhando como professor visitante ta gente perdeu o emprego. Kew nunca Tenho muitas colaborações e recebo
de [Universidade] Harvard, chamado fez tanta pesquisa e teve tantos pesqui- muitos alunos brasileiros de doutora-
pelo David Rockefeller Center for La- sadores como hoje. O número de funcio- do, pesquisadores em pós-doutorado e
tin American Studies. Segundo Tomas, nários do jardim botânico é mais de mil e professores visitantes. Estou trabalhan-

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DILIFF / WIKIMEDIA COMMONS

Vista do jardim e do viveiro


de palmeiras de Kew Sim, e tem sido maravilhoso trabalhar ra medir biodiversidade. Como Josué
Gardens, uma das maiores
com geólogos, matemáticos e outros tem visto, métodos morfológicos e mo-
instituições de pesquisa
botânica do mundo profissionais, que veem o mesmo pro- leculares podem levar a respostas dife-
blema de forma diferente. Mas é um pro- rentes. Quantificar a biodiversidade é
cesso longo. Um artigo sobre a influência uma tarefa muito difícil. Uma aluna de
do clima e da geologia na biodiversidade doutorado, Camila Duarte Ritter, que
do com Rosane Collevatti, professora da de montanhas que saiu em outubro na terminou o trabalho há dois meses, es-
Universidade Federal de Goiás, que está Nature Geoscience reuniu climatólogos, tudou insetos e microrganismos de solo
aqui, em Gotemburgo, por um mês. Tra- geólogos, botânicos, ecólogos, um pou- do Amazonas. Quando se fala em bio-
balho com André Olmos Simões e Ma- co de tudo, e levou três anos para ser diversidade grande, as pessoas pensam
ria Fernanda Calió, da Unicamp, Lucia feito, porque as discussões eram muito muito em mamíferos e aves, mas a maior
Lohmann e José Rubens Pirani, da USP complexas. Sempre me interessei em parte é de microrganismos, fungos e in-
[Universidade de São Paulo], e Fernanda comparar as plantas com outros gru- setos. Estamos vendo uma biodiversida-
Werneck, do Inpa [Instituto Nacional de pos de seres vivos. Tenho vários traba- de muito maior e encontrando padrões
Pesquisas da Amazônia]. No início de ou- lhos sobre análise de biodiversidade de muito diferentes dos de plantas e aves.
tubro estive na Universidade Federal do serpentes com Thaís Barreto Guedes e
Rio Grande do Norte para dar um cur- Cristiano de Campos Nogueira, os dois Como foi seu trabalho na Suécia?
so de doutorado, com a professora Fer- da USP. Um dos alunos de doutorado Tive muita sorte com financiamento
nanda Antunes Carvalho. Tenho ido ao que está aqui em Gotemburgo é o Josué tanto na Suécia como na Comunidade
Brasil e à América Latina três ou quatro Anderson, também trabalhando com Europeia, o que permitiu criar um gru-
vezes por ano para trabalhos de campo serpentes. Em termos de metodologia, po forte de pesquisa e o centro de bio-
e conferências. A maior parte de minha o trabalho com plantas e com animais é diversidade de Gotemburgo, que reúne
pesquisa fiz no Amazonas e nos Andes. muito similar, porque fazemos análises 13 instituições da Suécia. O centro tem
moleculares e comparamos a evolução dois focos: avançar a pesquisa científica
Em um artigo de outubro na PeerJ, com e a história de grupos para encontrar e aumentar o contato entre os cientistas
outros autores, você propõe a biogeo- padrões de biodiversidade. Se encon- e a população. Temos trabalhado muito
grafia transdisciplinar, uma área que tramos padrões similares de diversida- com eventos públicos, para criar novas
poderia reunir não apenas biólogos, de de plantas e animais, isso sugere que ligações entre o público geral, empresas
mas também geólogos, climatólogos e há fatores ambientais influenciando. e pesquisadores. Há dois meses trouxe-
paleontólogos, para entender melhor De modo geral, quanto maior heteroge- mos o [naturalista e apresentador bri-
a evolução e a formação da paisagem. neidade de ambientes, maior o número tânico da rede de televisão BBC] David
Tem trabalhado com pesquisadores de de espécies numa mesma área. Mas há Attenborough e temos feito palestras e
outras áreas? muita diferença entre as métricas pa- exibido filmes que atraem muita gente. n

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