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'

CULTURA E PODER
NA EDUCAÇÃO

a,,
enl DS sexos e su rela~õescom a duc;eqa!

MENINAS, MENINOS ETC.:


PARA ALÉM DA DIVISAO
DOS PAPÉIS SEXUAIS I -
A FUNÇÁO DA ESCOLA
MEDIANTE OS CONFLITOS
DE SEXO E DE GÊNERO
FEMINILIDADES, MASCULINIDADES
E A DOC~NCIA:~DENTIDADE~
EM CONSTRUÇÁO
Gênero e Sexualidade
A Coleção Grandes Temas apresenta neste número uma temática
de inegável importância no debate contemporâneo: a reflexão acerca
da sexualidade e das relações sociais de gênero e, principalmente,
seus complexos desdobramentos para o campo educacional.
Os diferentes autores do fascículo comungam do pressuposto
de que aconstmção dos sentidos e dos significados relacionados hs
masculinidades e feminilidades depende de aspectos sociais, culturais,
políticos e históricos. Nas palavras de Jeffrey Weeks: "Os corpos
não têm sentido intrínseco, a sexualidade é um consbuto histórico".
Essa visão, também compartiihada pelos principais estudiosos
contemporâneos e respaldada por uma série de trabaihos acadêmicos
(de diferentes áreas do saber), traz uma multiplicidade de implicações
para a sociedade de um modo geral e, em especial, para a escola.
No Brasil, sabemos que, no senso comum e no ambiente escolar,
ainda são difundidas visões dogmáticas acerca do assunto. Muitos
ainda crêem que, por exemplo, as mulheres nascem aptas à submissão
e o homem ao mando, e que o comportamento homossexual é um
desvio da natureza. Essas visões, por sua vez, justificam e estimulam
uma série de práticas preconceituosas e até perversas.
Cláudia Vianna e Claudio Roberto da Silva, num dos textos a
seguir, fazem um interessante balanço dessa problemática no âmbito
educacional: "Desde a última década do século XX as escolas vêm
incorporando o debate sobre os direitos de cidadania estendidos aos
diferentes segmentos sociais. (...) No caso brasileiro, observamos
como essa dinâmica constituiu-se desde que o conceito de cidadania
abarcou diferentes categorias, identificadas por classe social, sexo,
raça, idade e orientação sexual. Nas escolas, contudo, circulam
discursos e práticas que propagam assimemias, colocando-as diante
de determinadas contradições. Judicialmente, as escolas públicas
não podem expulsar nenhum estudante, no entanto a pressão cultural
sobre qualquer tipo de manifestação de comportamento distinto dos
padrões de gênero pré-estabelecidos para cada sexo, ou do padrão
cultural que muitas vezes restringe h beterossexualidade o exercício
da sexualidade, pode levá-lo h exclusão".
Esperamos que a leitura deste fascículo represente uma boa
contribuição para a necessária transfonnação das mentalidades,
amando sobre os preconceitos e discriminações ainda tão frequentes
no ambiente escolar brasileiro.

Juüo Groppa Aquino e Teresa C r i s í i Rego


~
(professores da Faculdade de Educação da USP)
SEXUALIDADE

UMA INTRODUÇAO

6 Contribuiçóes para a análise da educação escolar


A cultura escolar está longe de ser neutra, pois reflete o modo
como as relações sociais de gênero são produzidas e configuradas socialmente

RECORTES
Sexualidade, gênero e educação: um panorama temático

UM OLHAR SOCIOLÓGICO
A educaçáo sexual
As lições do passado nos obrigam a ter cautela quanto aos conselhos e as prescrições cientificas,
alertando para o fato de que sua elaboração é marcada por valores morais e cuhrais

UM OLHAR HISTÓRICO
A profissão docente: igualdade e diferenças
O conceito de gênero é muito útil para iluminar e entender os mais diversos processos,
entre eles a presença majoritária de mulheres na categoria docente

UM OLHAR PSICOLÓGICO
O educador diante das diferenças
Os educadores preocupam-se com as diferenças de classe social, emia, aparênciafísica, mas muitas
vezes não relevam uma das diferenças mais marcantes para o ser humano: o ser homem ou ser mulher

ENSAIO
Jogos de gênero: o recreio numa escola de ensino fundamental
A prática de aproximação baseada em relações conflituosas surge da necessidade
de as crianças reelaborarem as relações de gênero no interior da cultura escolar

NO CINEMA
A viagem como metáfora da busca de identidade
A identidade está em constante reformulação, pois dialoga e se situa diante da matriz cultural
que, definindo masculinidades e feminilidades, prediswe os indivíduos a fazerem suas escolhas

PESOUISAS
Jogos infantis e garotas indisciplinadas: dois estudos de gênero
Educadores buscam novas explicações para os comportamentos de alunos e alunas, pois os
estereótipos de feminino e masculino não os ajudam a enfrentar as dificuldades de seu tempo
/-

BIBLIOGRAFIA COMENTADA
Relações de gênero, sexualidade e educaçáo
A ANALISE Ln

O filme l a n s @ rLe Ballon Rouge mostra uma histeria de amizade mhe um mnino a um bailo,
intercalada pelas suas relapóes som outras crianpas
sível registrar muitas dificulda- dos processos de desigualdade. um conjunto de teorias, pnncí-
des em se lidar com essas lingua- No ambiente escolar, também pios, normas e práticas docentes
gens e nomeações do mundo sob não podemos esquecer que o sedimentadas ao longo do tempo
a 6tica das relações de gênero no planejamento curricular ensina - estzí longe de ser neutra e refle-
espaço escolar e, especialmente, tanto em razão do que está repre- te o modo como as relações so-
no cunículo e nas práticas docen- sentado nele quanto em razão da- ciais de gênero são produzidas e
tes. Algumas escolas passaram a quilo que está silenciado. Nesse configuradas socialmente. Con-
assimilar o discurso relativo a caso, os sil€ncios definem o que vivemos com isso todos os dias
essas demandas em termos de é possível de ser abordado pelo e muitas vezes sem perceber. Ao
organização institucional, porém currículo, traçando os limites do observar o uso dos tempos em
essa assimilação ainda está mais que é considerado meihor, natu- uma escola municipal da cidade
ligada B formalidade de seus ral e certo em termos de sexuali- de São Paulo, Edna de Oliveira
documentos do que à transfor- dade. Nessa lógica, tudo que não Telles nos mostra o quanto ain-
mação das relações sociais. No aparece toma-se engraçado, ab- da se deve caminhar para rom-
caso do planejamento cumcular, surdo, anormal ou ininteligível. per com um modo excludente de
com seus duzentos dias letivos, O enfoque da sexualidade em gerenciar as relações de gênero
6 preciso verificar como a ques- termos biológicos, por exemplo, na escola e para interferir pe-
tão do respeito às diferenças é
desenvolvida. É comum nas es- É necessário compreender o corpo
colas a garantia de uma semana
específica para abordar a questão segundo o aparato cultural e as relações
da mulher sempre no mês março, de poder que o circunscrevem I> I

outra para a questão indígena em


abril e para a quesião racial em
novembro. Essa forma de plane- quando vincula o sexo B repro- dagogicamente na construção e
jamento elege as datas comerno- dução, pode reduzir o debate veiculação dos significados de
rativas para discutir o respeito a aos processos fisiológicos, tais masculinidades e feminilidades
diversidade que, passado o even- como o da possibilidade de se nas relações escolares. Edna Tel-
to, desaparecem do cotidiano es- identificar a filiação de crianças les revela cenas que reforçam
colar. Em coerência com essa 16- com base em fatores sanguíneos. uma única forma de ser menina e
gica de organização, as ciências, Nesse ponto, os discursos pau- que silencia outras feminilidades
os mapas, as narrativas históricas tados pela idéia de funcionali- possíveis dentro e fora da escola,
e os textos literfinos reforçam os dade sexual (enquanto elemento como neste caso: A professora
valores ligados h identidade do dado ao homem e à mulher para estava passando um texto sobre
homem, branco, heterossexual, a reprodução) levam vantagem o Segundo Imp6rio no Brasil.
cristão, classe-média, tomando- em relação a outras formas de O Bruno estava mexendo com a
os como referência central e man- manifestação da sexualidade. Jéssica, passando a mão em seu
tendo B margem as identidades As representações de alunos e cabelo e a chamando de carrapa-
da mulher, negra, homossexual, professores se limitam ao euten- to, entre outras coisas. Ela cha-
não-cristã; pobre. dimento da relação sexo-afetiva mou a professora, reclamou e a
Ao apagar esse leque de di- heterossexual, dando enfoque mesma disse: "Você está dando
ferenças nas representações cul- ao estabelecimento de uma con- confiança!". Jéssica: "Não estou,
turais que circulam com os con- duta sexual considerada padrão professora, ele está me provo-
te6dos. o planejamento, indire- e para questões de saúde. cando! Professora: "Você dá mo-
tamente a escola, opera na base A cultura escolar - enquanto tivo! Vou chamar a sua mãe para 1?
(;?hcRO E SEXUALIDADE

falar sobre seu comportamento AS REPRESENTAÇ~ES identidades e de diferenças,


com os meninos!". GULNAAIS EM XEQUE constituídas pelo modo como
Que tipo de relações de gê- seus membros apreendem e
nero as crianças dessa sala estão Temos de estar aptos para empregam o uso de diferentes
vivenciando? A professora, que olhar criticamente esses signifi- discursos.
na instituição escolar detém o co-cados de gênero que nos cercam, Nesse caso, as ações que fo-
nhecimento, reforça os estereóti- e com eles os de raça, geração, mentam o trabalho com a ques-
pos que podem justificar, no limi-etnia e classe social. Podemos re- tão da diversidade sexual e das
conhecer no cotidiano escolar um discriminações de gênero tam-
te, o assédio e a violência sexual.
Dessa forma a escola e as práticasmundo dinâmico e carregado de bém dependem da leitura que
docentes acabam por reproduzir valores que circulam nas falas das os membros da escola - pro-
a estrutura de poder e dominação pessoas que dele fazem parte. H& fessores, alunos e funcionários
presentes em nossa sociedade. uma convivência entre diferentes - possuem sobre as relações de
Um amplo diagnóstico sobre discursos que se rivalizam, pesso- gênero. A urgência de se traba-
como estudantes, pais, mães e as que ou condenam as práticas lhar as representações culturais
membros do corpo pedagógico sexuais (como pecado, perver- que circulam na escola tem a
tratam de temas relacionados à são, doença ou vício), ou partem ver com o reconhecimento de
sexualidade juvenil, fomentado na defesa do direito às diferentes sua responsabilidade pela pro-
pela Unesco e pelo governo fe- manifestações da sexualidade. dução e reprodução de referên-
cias e conhecimentos que rei-
teram discursos que justificam
e
Assédio, estupro discrirnlnãção as desigualdades, seja por meio
de gênero ou sexual chegam de preconceito ou do silêncio.
Essas posturas acabam por não
a 10% nas estatísticas da violência desconstruir práticas preconcei-
tuosas, que para Alice Itani não
existem de forma individualiza-
deral - tendo por base a aplica- Essas compreensões se ori- da, mas como algo que revela
ção de questionários a estudan- ginam dos alicerces culturais o imaginário social, enquanto
tes entre 10 e 24 anos, a pais e sobre o que se entende por se- comportamento que se manifes-
mães e pmfessores/as de escolas xualidade, ate então heterosse- ta nas unidades de ensino.
públicas e privadas de ensino xual e reprodutiva, e que ainda Assim, trabalhar com gêne-
fundamental e de ensino mé- alimentam a dinâmica das rela- ro e sexualidade nas políticas
dio em treze capitais brasileiras ções humanas presentes nas uni- e práticas educativas exige a
e no Distrito Federal -, revela dades escolares. Nelas, um dos reflexão sobre os símbolos cul-
que muitos jovens já foram alvo aspectos que mais se destacam turalmente disponíveis; sobre as
de violências e faz a conexão tem a ver com a organização atribuições relativas ao que é ser
explícita com as possíveis de- de um padrão binário que pro- mulher e homem em nossa so-
corrências de gênero nesse con- duz expectativas referentes ao ciedade; sobre o difícil proces-
texto. Entre as formas de vio- comportamento masculino e ao so de socialização de crianças;
lência destacadas pelas autoras, comportamento feminino. Esses sobre os conceitos normativos,
encontramos assédio, estupro e aspectos ajudam a compreender as regras e normas do campo
discriminação de gênero ou por a importância dos discursos que científico, político, jurídico e
orientação sexual, chegando a circulam na escola e de como educativo; sobre as concepções
10% em algumas localidades. estes operam na produção de políticas implantadas e difundi-
de ter precedência sobre todos
os outros compmmissos. Sentar-
se à mesa com 'estranhos', estar
em sua companhia nos mesmos
lugares, para não falar em ena-
morar-se ou casar-se fora da co-
munidade, são sinais de traição e
razões para ostracismo e degredo.
Comunidades assim constmídas
viram expedientes que objetivam
principalmente a perpetuação da
divisão, da separação e do isola-
mento" (Bauman, Zygmunt. Co-
munidade: A Busca por Seguran-
ça no Mundo Alual. Rio de Janei-
ro: Jorge Zahar, 2003, p 127).

T o d o [ser humano] necessi-


ta, inevitavelmente, de uma cer-
ta dose de conformidade. Essa
conformidade converte-se em
conformismo quando o indiví-
duo não aproveita as possibili-
-j dades individuais de movimento,
objetivamente presentes na vida
São Paulo, Goiânia, Porto Alegre mo e sexismo), mas é valorizada, cotidiana de sua sociedade, caso
e Fortaleza e mais de 44% em sugerindo um padrão de mascu- em que as motivações de con-
Maceió e Vitória I...];pais de estu- linidade por estereótipos e medo formidade [...I penetram nas for-
dantes de sexo masculino que não ao estranho próximo, o outro, que mas não cotidianas de atividade,
gostariam que homossexuais fos- não deve ser confundido consigo" sobretudo nas decisóes morais e
sem colegas de seus filhos: 17,4% (Idem, p. 280). políticas, fazendo com que essas
a, Distrito Federal, entre 35% e percam o seu caráter de decisões
39% em São Paulo, Rio de Janei- "[...I Diferenças culturais pm- individuais" (Heller, Agnes, op.
R> e Salvador, 47.9% em Belém, fundas ou irrisórias. visíveis ou cit., p. 46).
e entre 59% a 60% em Forialeza quase despercebidas, são usadas
e Recife [...I; estudantes de sexo na frenética construção de mura-
msrnilino, ao classificarem ações lhas defensivas e de platafomas
colocaram 'bater em ho- de lançamento de mísseis. 'Cul-
último lugar, em tura' vira sinônimo de fortaleza
exemplos de vio- sitiada, e numa rortaleza sitiada
-h. 277L304). os habitantes têm de manifestar
**
.. ~.. w:,: diariamente sua lealdade inque-
7-1 a discriminaçáo contra brantável e abster-se de quaisquer
..
I. 6 mais abertamente relaçóes cordiais com estranhos.
''
(ao cootrário do racis- A 'defesa da comunidade' tem
GÊNERO E SEXUALIDADE

A EDUCAÇÃOSEXUAL
As lições do passado nos obrigam a ter cautela
quanto aos conselhos e às prescrições científicas,
alertando para o fato de que sua elaboração
é marcada por valores morais e culturais
por Diana Gonçalves Vida1

F
m julho de 1933, nascia no Rio de Janeiro, a então capital
da República, o Círculo Brasileiro de Educação Sexual
(CBES), presidido pelo médico José de Albuquerque. Ti-
nha por objetivo promover a educação sexual do povo
brasileiro, "relegada ao abandono e tida como tarefa imo-
ral devido ao falso conceito em que é tida toda a função

I sexual". No primeiro ano de atividade, o Círculo promo-


veu o "Curso Popular de Sexologia", composto por quatro
palestras mensais, proferidas pelo próprio José de Albuquerque no Liceu de Artes
e Ofícios do Rio de Janeiro. No ano seguinte, a campanha pela educação sexual
prosseguiu com a realização, de 1 a 7 de setembro, também no Liceu carioca, da
"Semana da Educação Sexual". As palestras então proferidas foram transmitidas
pela rádio Cajuti, PRE2, do Rio. Graças ao sucesso alcançado, foi possível orga-
nizar um programa com quinze palestras radiofônicas semanais. Este não foi o
único. Em 1935, a PRAS, Rádio São Paulo, transmitiu uma série de seis palestras
diárias, com duração de cinco minutos sobre a temática. Em 1937, foi a vez de a
rádio Ipanema, PRH8, novamente no Rio de Janeiro, organizar com Albuquerque
24 uma série de 25 conferências radiofonicas.
O CBES promoveu outras
atividades como palestras gra-
tuitas, ilustradas com projeções
luminosas coloridas, em diversos
cinemas do subúrbio carioca; exi-
bição, também gratuita, do filme
de longa metragem, em 32 mm,
A Educação Sexual nos Diversos
Periodos da Vida, elaborado pelo
próprio CBES; inaugurapo da
Pinacoteca de Educação Sexual
e, em março de 1936, aberhira do ,
:.'<?&TSg;
Museu de Educação Sexual, am-
bos na sede do Círculo. I Na imagem de Ana Teixeira (19571, um olhar
sobre OS estereótipos da feminilidade e+
~

e,
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*2.
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No ano de 1935, foi organi-


zada a "Semana Paulista de Edu- o debate sobre educação sexual. Rio de Janeiro. De acordo com
cação Sexual". Era a vez de São Na década de 30, multiplicavam- o médico, dentre os 5 mil laudos
Paulo sediar, no salão Ramos de se as publicações sobre o tema, enviados as Caixas e Institutos de
Azevedo do Club Comercial, as dedicadas a pais, a professores e Aposentadorias até 1939,36% re-
conferências sobre educação se- professoras e aos próprios alunos feriam-se a doenças cardiovascu-
xual. Além de atuar no Rio de e alunas. Vários autores brasilei- lares, 20% a tuberculose, 11% a
Janeiro e em São Paulo, por in- ros escreveram sobre o assunto, doenças do sistema nervoso e 6%
termédio de delegados, o CBES entre eles Afrânio Peixoto, Carlos a sífilis.
realizava conferências em Recife. Siissekindde Mendonça, J. P. Por- A revista Careta, periódico
No ano de 1933, fizeram-se três to Carrero e Álvaro Negromonte. ilustrado carioca com foco nos
palestras na cidade. E, com os Autores estrangeiros, como Ha- costumes e noticias do dia-a-dia,
jornais colaboradores, o Círculo velock Ellis, tiveram suas obras em 1941, denunciava os riscos da
estendia sua ação a diversos mu- traduzidas para o português. doença para "própria pessoa, para
nicípios, abrangendo todos os es- A profusão das publicações e a família e para a raça", atingin-
tados brasileiros. palestras e o interesse dos jornais do preferencialmente os "vasos
A preocupação com o carhter deviam-se, em parte, a prolifera- (aneunsma e sistema newoso),
popular da campanha pela edu- ção da sífilis, considerada uma paralisias e loucura". E aconse-
ca* sexual levava o CBES a ameaça tanto ao operariado quan- lhava aos leitores: "tenha os obje-
mobilizar diferentes estratégias, to aos setores médios da popula- tos de seu próprio uso separados;
todas relacionadas aos meios de çâo. O médico Paula Câmara, em evite beijar as pessoas amigas".
mmunicação de massas: palestras entrevista ao jornal Comio da A preocupação ia ao encontro
diofõnicas, círculo jornalistico, Manhã, em 14 de abril, informa- dos preceitos eugenistas que cir-
@$6es e projeções. Essas va que a sífilis era a quarta cau- culavam na sociedade brasileim
Sõeg entretanto, não resumiam sa de invalide2 dos operários no no período. Nessa perspectiva, a 25
:ias privilegiadaspara a orientação
:exual de crianças e adolescentes.
luas estratégias eram mobilizadas
,ara sustentar um ou outro ponto
le vista: o ensino individual con-
rapondo-se ao ensino coletivo e o
lireito da família de auto-regu-
ar-se em oposição à intervenção
io Estado. O debate era recorta-
lo, ainda, por questões relativas
i gênero. A educação sexual da
ùtura mulher deveria diferen-
:iar-se da do futuro homem, fos-
se no lar ou na escola, em pales-

Iestereótipos sobre génems. No mesmo ano, Betty Fridman lanpava nos


EUAA Mistica Feminina, denunciando a opressão sobre a mulher
I' I

A IGREJA E A

educação sexual emergia como uma preocupação com a educa- A Igreja Católica não ficou
estratégia para preparar o homem ção sexual escolar, tambdm como fora da discussão. Ao contrário.
e amulher para constituir afamilia estratégia eugênica de aperfeiço- Preocupava-lhe a iniciação fisio-
sob bases seguras, garantindo não amento da raça. Em janeiro de lógica ou higiênica, de caráter
só o estado de sanidade da prole, 1922, Femando de Azevedo ao puramente profilático, sob pena
como a maior harmonia dos côn- responder a inquérito, promovi- de quebrar no indivíduo o equi-
juges. Na tentativa de aprimorar o do pelo Instituto de Higiene, da líbrio entre corpo e espírito, de-
tipo brasileiro, conformando-o ao Faculdade de Medicina e Cimr- terminando, segundo ela, verda-
tipo humano eugênico ou ideal, gia de São Paulo, sobre educação deiras anomalias ou precipitando
procurava-se impedir a procria- sexual, destacava a importkncia as crianças e os jovens no pecado
ção de tipos malformados, por do ensino da matkria para o "inte- e no vício. Para evitar o perigo,
meio do ensino, persuasão, leis resse moral e higiênico do indiví- prescrevia que a educação sexual
ou mesmo esterilização. Medidas duo" e para o "interesse da raça". científica se submetesse aos p ~ -
para coibir a procriação indeseja- As discussões realizadas du- cipios da espiritualidade. Critica-
da a saúde da raça, como a rea- rante a I1 Conferência Nacional va, também, a educação coletiva,
lização dos exames pré-nupciais, de Educação, owmda em Belo realçando, conformeargumentava
a esterilização de indivíduos com Horizonte, em 1928, iluminavam o padre Leonel Franca, o impres-
deficiência mental e o controle aspectos do debate sobre educação cindível respeito às diferenças
dos nascimentos eram propala- sexual e escola em curso na socie- individuais e o perigo das "con-
das; assim como condenada a dade brasileira. Alguns educado- versas obscenas e corrupção dos
união precoce dos cônjuges, por- res, médicos e juristas defendiam sadios pelos depravados".
que oferecia riscos à fecundidade a educação sexual apenas no lar, Colocando-se a favor da edu-
do casal e à vitalidade dos filhos. associada a educação moral, como cação sexual no lar, a Igreja afir-
No campo educacional, des- tarefa dos pais. Outros acredita- mava que deveria caber aos pais
26 de os anos de 1920, insinuava-se vam ser a escola uma das instân- a formação sexual da criança.
nal. (Leitura Reservada), de 1938,
&o exemplos desse movimento. I
hl9lbm*os do tiW 011. O iíiulo, A Noiva, mncte à iWa da "mulher tnmfomuda
em blbdei". segundo a artlc.ia
GÊNERO E SEXUALIDADE

Negromonte defendia que as turbação relaxava os músculos o padre pedia respeito a esposa,
quest6es formuladas por crianças constritores do pênis, provocando solicitando que a poupasse, pen-
ou jovens deveria o adulto res- ejaculações notumas. sando nela em lugar de pensar
ponder sempre com naturalidade. Para o educador, a pior conse- apenas em si mesmo.
A indistinção dos sexos no acon- qüência da masturbação, no en- Outra especificidade da mu-
selhamento da infância wntrasta- tanto, era a impotência no casa- lher era a menstnUição. A meni-
va com a distinção entre rapazes mento, "porque o organismo fica na deveria ser convenientemente
e moças a pariu da adolescência. esgotado". A única exceção, que preparada pela mâe sobre a perda
Duas questões basicamente de- concedia o autor ao jovem, era a de sangue, os cuidados que exige
marcavam essa diferença: a mas- ejaculaçâo durante o sono, perce- e os reflexos. patológicos, de for-
turbação e a menshuação. Assim, bida como "meio naiural, para o ma a aceitar essa mudança com
enquanto o pai era aleriado para aperfeiço&nento glandular, que alegria e honra, sem "indignar-
lidar com a masturbação no púbe- se processa nessa idade, o qual se" e sem "sentir-se inferior ao
re, a mãe aprendia como preparar porém não deve Ser artificializa- sexo masculino", "preferindo ser
a filha para a menstruação. Essa do, pois poderia predispor a psi- homem". Finalmente com respei-
divisão seria novamente encon- que a nevrose". Afirmava, ainda, to ao coito, propriamente dito, os
trada em outras publicações so- que a urina servia de ginástica ao autores católicos abstinham-se de
bre o tema, inclusive provindo de pênis, que assim nunca ficava em informaç6es mais detalhadas.
obras não religiosas, indicando estado de inatividade. Apesar de

-
OS MANUAIS UlCW EUGENIA,
IJ ~ de 1930, m~u~Hiplicavam
na década HIGIENE E PSICANhLISE
as publicaqóes e as palestras sobre o "" I Os manuais escritos sobre
tema da sexualidade educação sexual por pessoas não
ligadas iIgreja Católica ampara-
vam-se em preceitos eugênicos,
que a masturbação não fazia par- referir-se A masturbação para os higiênicos e, até, psicanalíticos.
te do universo sexual feminino. dois sexos, Oswaldo Silva pelo A cientificidade dada a maiéria
Mesmo nos livros em que ela era uso de palavras no masculino e pretendia revesti-la de um cará-
percebida como ocorrência para pela referência tão-somente aos ter neutro. Nesse sentido, vários
ambos os sexos, o tratamento no órgãos genitais masculinos, absti- livros alertavam para necessidade
masculino da questão sinalizava nha-se de discorrer sobre a mas- de manutenção de um compor-
para um recorte de gênero. turbação da mulher. tamento ético adequado ao tra-
Contrário A masturbação, acre- A adolescente, em compara- tamento do tema, evitando-se a
ditava o padre Negromonte que ção ao rapaz, teria outras carac- malícia. A tônica era a concepção
os órgãos sexuais masculinos, no terísticas. Além de mais fraca, de que a escola deveria vir em au-
período de formação, necessita- mais sentimental e menos racio- xílio aos pais na educação sexual
vam do "mais absoluto repouso, nal, a mulher ainda não possuiria da criança e do jovem.
[do] mais escrupuloso respeito a mesma freqüência de excitação No ensino primário, a profes-
para se poderem desenvolver nor- que o homem. Negromonte aler- sora, como a mãe, poderiam se
malmente e exercer no organismo tava as mães sobre a diversidade encarregar dos cuidados sexuais
a sua ação benéfica". Sua avalia- do impulso sexual masculino e infantis. Casos especiais indica-
ção era reforçada por Oswaldo feminino, pedindo a estas auxílio vam a necessidade da presença
38 Brandão Silva, para quem a mas- na educação das moças. Ao rapaz, do médico escolar somente para a
pelo Progresso Feminino em 1931.
Ao lado da defesa da emancipação
científica da mulher pelo conheci-
mento da anatomia e fisiologia ge-

b nitais, que, segundo a autora, não


prejudicaria "a doçura discreta que
embalsama as almas sãs", preco-
nizava Alzira Ferreira que a edu-
cação sexual infantil fosse tarefa
unicamente da mãe, dispensando
o papel da escola e colocando o
médico em plano auxiliar.
Quanto ao método, as palestras
r;:-
* . sobre educação sexual poderiam
ser coletivas, desde que sujeitas
às normas do discurso cientifico.
Aulas de "estudo da natureza", na
escola primária, e de biologia ou
história natural, história da civili-
zação e português, na secundária,
poderiam oferecer oportunidade
à discussão da reprodução animal
e vegetal. No ensino das ciências
naiurais, o aprendizado da edu-
cação sexual tomava-se mais sis-
$ temático. Deveria começar pelo
conhecimento da reproduçáo~dos
vegetais, passando aos animais,

us ,i=rv-ruv-, m p r e a b o w em seu trabmlini. .iiirii


eminina em diferentes sontextoo, subvertendo pad- d i i c o s e monk professores e professo-
ras, de maneira que coubesse à
mulher a instmção da menina, e
ÍnstniçHo do menino. Ao atingir a deveria ser complementada pela ao homem a do menino.
puberdade, no ensino secundário, orientação no lar, pais e mestres Especificamenteno tocante aos
os ensinamentos deveriam ser mi- sendo aliados na formação sexual conselhos sobre como agir quando
aisirados diferentemente por sexo. da criança e do adolescente. confrontado por uma quest8o so-
Pmfessores se ocupariam de alu- Dessa produção, destoava a bre sexo realizada por uma crian-
&professoras, de alunas Não se tese apresentada pela médica Alzi- ça, os autores não ligados a Igreja
entretanto, a responsabili- ra Reis Vieira Ferreira no 11 Con- indicavam, da mesma maneira que
&dos pais na educação sexual gresso Feminino Brasileiro, orga- os católicos, responder o mais di-
I* e filhas. A ação da escola nizado pela Federação Brasileira retamente possível, sem levantar 29
mistérios e procurando adequar o ções sexuais no casamento, findo é que damos nossa preferência".
discurso à idade mental do inqui- o ato poderia entregar-se ao sono. Já as mulheres não era indicada
ridor. Apesar de mais detalhados, Se a cópula fosse com prostitutas, nenhuma atividade anti-séptica
muitas vezes, nos exemplos práti- deveria submeter seus órgãos ge- posterior ao coito. Ao contrário,
cos, esses conselhos adquiriam um nitais a uma rigorosa limpeza, uti- a recomendação era não se lavar,
contorno pouco claro. lizando-se de um dos quatro anti- pois poderia correr o risco de des-
O recorte de gênero, entrem- sépticos "fenol, sublimado com- truir os espermatozóides, levando
to, permanecia como marca, se sivo, permanganato de potássio e à esterilidade, ou estimular pertur-
rito distinguindo a forma de abor- formol, sendo que a este último baçõesnervosas.
dar o assunto, diferenciando o
conteúdo das lições. A obra Edu-
cação Sexz~al(1934), do medico
José de Albuquerque, fundador e
presidente do CBES, é extrema-
mente interessante para a percep-
ção dessas diferenças. Foi toda
composta com base na divisão
entre homem e mulher, e entre an-
tes, durante e depois da cópula.
Albuquerque afirmava que,
na cópula, o apetite sexual mas-
culino era maior que o feminino
e que a mulher deveria ficar na
horizontal em posição inferior ao
homem. Recusava como método
contraceptivo o coito interrom-
pido, posto que causava pertur-
bações nervosas no homem e na
mulher. Mesmo se alcançado o
orgasmo feminino, dizia, o coito
interrompido era insatisfatório
porque não permitia que o esper-
ma fosse absorvido pela mucosa
vaginal, o que trazia um efeito
benéfico para todo o organismo
da mulher. Por essa mesma razão
condenava o uso de "condons",
de camisinhas, no ato sexual.
Apesar de grande defensor da
proteção as doenças venéreas,
Albuquerque não recomenda-
va o uso da "camisa-de-vênus",
preferindo valer-se da profilaxia
como forma de prevenção.
Caso o rapaz mantivesse rel- IAfamosa essulma de Rodin (i840-i9i7), do final do seculo XIX, exalta o beijo que,
m mil em 1930, wa solocado sob wispeita por ser banimissor de doenpas sexuais
I
Autor de diversos livros sobre Lúcia MagalhBes. No livra Psico- comum encontrar crianças que
educação sexual, utilizando-se do logia Pedagógica do Adolescente provoquem a punição; punidas
titulo de médico para proferir suas (1933), afinnava que os meninos serenam. Mas, na escola se en-
palestras, Albuquerque desenhava eram generosos, aventureiros e contra a punição-sadismo, como
um perfil de comportamento femi- "domquixotes"; as meninas imtá- a punição projeção".
nino normal em sua obra, que não veis, impacientes e inconstantes. A Para o médico, todo crime e
se distanciava muito do traçado masturbação aparecia, outra vez, toda confissão seriam libertação
pelo discurso católico, mesclan- como distintiva de gênero, tratada de impulsos de origem sexual,
do à abordagem científica valores apenas com relação ao rapaz ecom ligados ao complexo de Édipo.
morais e culturais. O tratamento recurso ao masculino genérico. Assim, o crime deixaria de existir
dado ao periodo menstnial reitera- Os excessos de masturbação, em uma sociedade reconstmida
va a perspectiva. Durante a mens- de acordo com a autora, poderiam "sobre novas bases, conhecida a
truação, a mulher não podia sentir levar à desorganização emotiva e trama sexual dos impulsos, var-
frio ou calor, nem sofrer incômo- perturbação instintiva, sonolência ridos os tabus milenares e arqui-
dos morais ou manter relações se- (a crian$a deitaria cedo e levanta- tetada sobre o fundamento da
xuais. Não deveria banhar-se, ape- ria tarde porque na cama "pratica- ciência. Enquanto isso, cabe à
nas lavar os órgãos genitais, duas ria os atos"), introversão, falta de educação norieada pela psicanáli-
vezes ao dia, com água simples ou concentração, falta de memória, se criar, desde o berço, os novos
boricada a 37°C. instabilidade emocional, depres- cidadãos que hão de dar à nova
O desafio de tratar da sexua-
lidade infantil e adolescente tor- 3 rnmuais l a h amparavam-çra
nava-se, ainda, mais complexo, à
medida que proliferavam publica- W eu*ics,
ções, em que o tema era analisado
a luz da psicologia e da psicanáli-
se. Conselhos como o do médico
inglês Stanford Read, veiculados são que poderia advir da culpa coletividade uma forma mais per-
na obra Luchas de la Adolescen- pela inasturbação. Dentre as-va- feita, pela sublimação consciente
cia- Masculina: Psicologia Sexu- riantes da depressão, encontra- dos instintos animais. A pedago-
al Educativa (193 I), colocavam riamos: angústia, irritabilidade, gia destiuirá a penologia".
os educadores e pais em alerta. cansaço e excessiva propensâo à Mas a psicanálise não era
"Quanto mais aprendamos da fadiga, perversão sexual, impo- uma referência aceita por todos
função do sexo em todas as suas tência e suicídio. os que se dispunham a tratar de
amplas ramificações, tanto mais A responsabilidade sobre o educação sexual. Para o educa-
veremos que está intimamente futuro desenvolvimento harmo- dor católico Oswaldo Brandão
relacionada a tudo que estimula nioso das esferas psíquicas da da Silva, mencionado anterior-
o crescimento espiritual. Muitas criança recaía, em parte, sobre mente, "a psicanálise com res-
coisas, que na vida posterior se a escola, colocando a prática peito à sexualidade é uma teoria
apresentamcom baixo desenvolvi- do magistkrio sob escmtinio~ falha e perigosa, já porque inver-
mcnto em várias esferas psíquicas, O rriédico e educador J. P. Porto te a ordem dos fatores psicológi-
têm sua raiz em alguma anomalia Carrero, em artigo publicado no cos, já porque destrói as bases do
na esfera da contenção emotiva." Boletim de Educavão Sexual, caráter, quando considera as im-
A "diferenciação psíquica dos em 1934, ao abordar o conceito posições da moral e, consequen-
sexos"na adolescênciafoi também psicanalitico de pena, afirma- temente a educação, como des-
objeto de interesse da educadora va: "Na escola, é relativamente virtuações da finalidade da vida
GÊNEROE SMUALIDADE

e causa responsável de neuroses, a prescrição do sexo somente no ção do delinquente"; seja de ma-
aberrações e inversões sexuais". casamento, o repúdio a mastur- neira disfarçada no conteúdo das
Na construção das subjetivida- bação e a distinção de condutas aulas de ciências naturais.
des de gênero, os discursos apoia- sexuais femininas e masculinas, É interessante lembrar que, na
dos na psicanálise eram os mais va- condenando as ligações. década de 30, no Rio de Janeiro,
nados e incidiam inclusive sobre os passou-se a comemorar, em 20 de
manuais escolares. Gastão Pereira novembro, o Dia do Sexo. Os fes-
da Silva, no livro Educação Sexual tejos incluíam a execução do "Hino
da Criança, publicado em 1934, da Educação Sexual" e da sinfonia
oferece um exemplo de algumas "Ode ao Sexo" e a irradiação de
análises feitas no penodo: "Esses Como disciplina escolar, a discursos no programa radiofônico
livros crivados de 'Ia-Ia-16-ló-lu', educação sexual nâo alcançou a Hora do Brasil. Ao mesmo tempo,
de o 'gato comeu o rato', o 'rato rói sala de aula, até porque, na maio- o beijo era colocado sob suspei-
o queijo', o 'Juquinha achou duzen- ria dos textos divulgados nos ta , wnsiderado como importante
tos réis, como é um menino muito anos de 1930, náo era reivindi- bansmissor de doenças sexuais.
caridoso foi a igreja e deu para o al- cada tal alteração curricular. Pre- Nos anos de 1980, novamente
tm de N. Senhora', o 'Roberto era tendia-se, apenas, que, no ensino o tema da educaçâo sexual apa-
receu w m destaque na imprensa.
O interesse pela sexualidade nas
escolas despontou em razão do
os vegetais, passando
os animais. até o ser humano I crescimento da "gravidez indese-
jada" e do receio à proliferaçb da
Aids. Curiosamente, tal qual nos
anos de 1920 e 1930, circularam
conselhos nos meios de comuni-
um menino muito bonzinho. No de estudos da natureza, na escola cação de massa alertando para o
fim do ano o professor deu-lhe um primária, e de biologia, na secun- perigo do beijo como veiculo de
abraço e um prêmio. O Joâozinho, dária, o aluno e a aluna passas- disseminação do víms HIV. O
porque era muito travesso, foi para sem a receber lições sobre a re- debate então iniciado teve entre
o quarto escuro'!! Que santa igno- produção humana. A iniciação às suas repercussóes a introdução da
rância, nosso Deus! Como a pró- questões do sexo, propriamente orientação sexual nas escolas, na
pria pedagogia conduz os homens dita, ficaria a cargo de pais, mé- década de 90. Tratada (também
a homossexualidade!". dicos e professores e professoras nesse momento) não como disci-
A despeito das diferentes lei- em palestras individuais. plina, mas como wnteúdo esco-
turas que fizeram da sexualidade O fato de não ser nomeada lar, emergiu sob a forma de temas
infantil e adolescente e do modo explicitamente como disciplina tninsversais nos Parâmetros Cur-
como a constituíram como pro- não implica, no entanto, que a ncnlares Nacionais (PCNs).
blema social, padres, educadores educação sexual não estivesse Ao analisar os PCNs sob a 6tica
e médicos procuraram igualmen- presente no cotidiano das escolas das relações sociais de gênero, Cláu-
te normalizar o comportamento primárias e secundárias, seja nos dia Vianna e Sandra Unbehaum, em
sexual de crianças e jovens no cuidados higiênicos de preven- artigo publicado na revista Educa-
período. Apesar de enunciarem ção a sifilis, na preocupação em ção e Sociedade (2006), m n h e -
razões distintas, preceitos reli- vigiar banheiros, no controle dos ceram os esfops empreendidos na
giosos, higiêniws e eugênicos ou comportamentos sexuais infantis úitima década pelo governo federal,
2 psicanaiiticos, todos defenderam e púberes e na açáo de "recupera- mas manifestaram dois incomodes
com relação ao texto dos PCNs Se a abordagem acerca da crições veiculam? Como agimos
da educação infantil e fundamen- educação sexual se altero;, rei- no sentido de reforçar e promover
tal. O primeiro refere-se ao "uso terando a importância da escola tais identidades? E como essas
predominante do masculino ge- na discussão sobre a sexualidade identidades se constituem nas re-
nérico como limite a expansão de e revendo os paradigmas cienti- lações de poder esiabelecidas na
uma penpectiva de igualdade de ficos anteriores, permaneceram sociedade, produzindo ou reaíir-
gênero na educaçso brasileira". O praticamente fora de debate os mando desigualdades sociais?
segundo incômodo remete a res- padrões de conduta estabelecidos
trição dos conteúdos de gênero e culturalmente que regem as re-
suas conseqüências ao tópico de lações entre homens e mulheres.
orientação sexual. Para as autoras, As lições do passado nos obrigam
a estratégia associa gênem aos te- a ter cautela quanto aos conse-
mas de saúde e prevenção de doen- lhos e às prescrições científicas,
ças sexualmente üansmissiveis. alertando para o fato de que sua
Como nâo ver nessa crítica sirni- elaboração é atravessada por va-
liíudes no tratamento dado à sexu- lores morais e culturais, como foi
alidade infantil e adolescente pelos possível acompanhar no debate
PCNs e pelas publicações que cu- disseminado nos anos de 1920 e
cularam nos anos de 1930, seja na 1930. Fazem-nos também indagar
manutenção do masculino genérico constantemente: Que identidades
ou na preocupaçãopreventiva? de gênero os conselhos e as pres-
GÊNERO E SEXUALIDADE

A PROFISSÃO DOCENTE:
IGUALDADE E DIFERENÇAS
O conceito de gênero é muito útil para iluminar e
entender os maisdiversos processos, entre eles a
presença majoritária de mulheres na categoria docente

por Marilia Pinto de Carvalho

1
L
or tratar-se de uma relação social construída a partir de uma
liferença fisica - a diferença entre os corpos de homens e
nulheres o gênero muitas vezes é expulso do campo da
-

, ,iistória, da cultura e da sociedade e reduzido a uma dimensão


natural ou essencial, absolutamente imutável. Contudo,
nenhuma experiênciacorporalexiste forados processos sociais
e históricos de construção de significados, fora das relações
sociais. Os corpos de homens e mulheres não dão origem a
essências ou experiências que fundamentem uma pretensa natureza feminina ou
masculina. O gênero é, portanto, um objeto sociológico por excelência.
No interior do debate teórico sobre este conceito, as leituraspós-modernistas
têm contribuído especialmente para a compreensão do caráter artificial de
uma definição única de mulher e de feminilidade, enfatizando as diferenças e
as particularidades com base em urna percepção da historicidade e do caráter
"'socialmente produzido das linguagens e dos conceitos.
- v - -

Foto de 1947 m m m esiu<lmlr do c u m -i de uma e r c o i na interior do e.trdo de Sío R u L

Esse enfoque foi desenvol- especial na significação das re- de decodificar o sentido e com-
vido principalmente por estu- lações de poder. preender o universo natural e
diosas ligadas ao pós-estrutura- Para essas autoras, os sig- humano: "Estabelecidos como
lismo (corpo teórico desenvol- nificados seriam constmídos um conjunto objetivo de refe-
vido originalmente na crítica a partir da observação da di- rências, os conceitos de gênero
literhria e que pode ser útil i ferença e do contraste; e a di- estruturam a percepção e a or-
análise feminista, por meio de ferença sexual seria, como diz ganização concreta e simbólica
conceitos como linguagem, Scott, "um modo principal de de toda a vida social".
discurso, diferença e descons- dar significado à diferencia- Nesta direçáo, Scott cons-
trução), tais como Joan Scott ção". Com base na observaçáo truiu uma definição de gênero
e Linda Nicholson. Elas en- da diferença sexual na natureza que parece bastante pertinente
fatizam a necessidade de uma por sua vez, diversos significa- para as analises sociológicas:
atenção às linguagens e ao pa- dos culturais são elaborados, e "Gênero é a organização social
pel das diferenças percebidas as diferenças entre masculini- da diferença sexual percebida.
entre os sexos na construção dade e feminilidade passam a O que não significa que gênero
de todo sistema simbólico e em ser utilizadas como um meio reflita ou implemente diferenças 35
físicas fixas e naturais entre ho- de todo o universo observado, - sem perder a referência às prá-
mens e mulheres, mas sim que incluindo as relações sociais e, ticas sociais e às possibilidades
gênero 6 o saber que estabelece mais particularmente, as rela- de ação dos sujeitos.
significados para as diferenças ções entre homens e mulheres. Ao mesmo tempo, a distin-
corporais. Esses significados va- Esse código pode também ser- ção entre dois planos de análise
riam de acordo com as culturas, vir para interpretar e estabele- -as relações homemímulher, de
os grupos sociais e no tempo, já cer significados que não têm um lado, e masculinidade/fe-
que nada no corpo [...I determi- relação direta com o corpo, a minilidade, de outro - pennite
na univocamente como a divisão sexualidade, nem as relações perceber homens em espaços,
social será estabelecida". homem/mulher, categorizando relações e valores socialmente
Ao mostrar que nossa ma- em termos de masculino e fe- associados com o feminino ou o
neira de compreender as dife- minino as mais diversas rela- contrário, sem que o sexo do su-
renças entre homens e mulhe- ções e alteridades da natureza jeito seja o fator determinante;
res é histórica, essa abordagem (por exemplo, as cores rosa e permite perceber as referências
abre a possibilidade de pensá- azul, ou os astros sol e lua) e da e o poder explicativo do gênero
Ias de outras formas e chama a sociedade (por exemplo, traba- em contextos em que as questões
atenção para dois aspectos que lhos de homem e de mulher). da sexualidade e da reprodução
costumamos considerar eviden- As críticas mais pertinentes não são aparentemente centrais
tes e pressupor em todas as for- a essa abordagem, a meu ver, - como a arte, a política, o tra-
balho ou a escola, por exemplo.

-
tiorporal exisie
iuennbina experieritiia
fora dos processos sócio-históricos de
construcão de sinnificados
No âmbito da sociologia da
educação, esse conceito tem se
mas de compreensão do gêne- apontam os perigos de uma aná- mostrado muito útil para ilumi-
ro: seu caráter de polarização lise restrita as linguagens, inca- nar e entender os mais diversos
binária (homem versus mulher) paz de abranger também as prá- processos: as diferenças de tra-
e o enraizamento de todas as ticas sociais; e certa tendência a jetórias escolares entre meninos
explicações sobre as diferenças tomar as estruturas das lingua- e meninas; as relações entre es-
nos corpos, eles próprios vistos gens como um sistema de con- colas e famílias; as escolhas
como binários. trole preexistente, inacessível à de carreiras diferenciadas por
Para as autoras ligadas ao intervenção dos agentes: sería- sexo; a indisciplina de alunos
pós-estruturalismo, portanto, o mos dominados pelos termos da e alunas; as interações e brin-
gênero não é um conceito que linguagem, que já estão prontos cadeiras entre as crianças; ou a
apenas descreve as relações na sociedade e determinariam presença majoritária de mulhe-
entre homens e mulheres, mas nossa maneira de pensar. Creio, res na categoria docente.
uma categoria teórica referida contudo, que é possível absor- Este último fenômeno tem
a um conjunto de significados ver as contribuições postas em me preocupado especialmente.
e simbolos construidos sobre primeiro plano pelas feminis- No Brasil, a própria constitui-
a base da percepção da dife- tas pós-estruturalistas - como a ção do ensino primário leigo e
rença sexual. Esses símbolos atençZo ao gênero como cons- estatal, com a criação de redes
36 são utilizados na compreensão tmção mutante de significados públicas de ensino, fez-se por
eio do emprego de mão-de- ção infantil as mulheres che- tentemente nega essa presença
bra do sexo feminino, o que gam ii impressionante marca de mulheres, apresentando-se
levou a formar, entre o final do de 98,1%; nas séries iniciais do apenas como representantes
século XIX e o início do XX, ensino fundamental são 92,6% "dos professores", "dos traba-
uma maioria de mulheres entre e 84,3% nas séries finais; no lhadores em educação" etc. Es-
os docentes das séries iniciais, ensino médio, 69,9%; e 40,8% ses movimentos mantiveram-se
em praticamente todo o país, no ensino superior. sempre no campo da luta pe-
como verificou Luciano Faria No entanto, os sindicatos de los direitos individuais e pela
. Filho. Atualmente, de acordo docentes e a maioria dos mo- igualdade e nunca advogaram
- com informações fornecidas vimentos em defesa da educa- para as professoras a constmção
pelo Inep referentes a 2001, ção básica trabalham com uma de uma identidade coletiva que
entre os professores de educa- identidade coletiva que insis- as explicitasse como mulheres.
Assim, não apenas eximem-se
das lutas no campo das relações
de gênero, mas buscam reafir-
mar uma identidade profissio-
nal que nega as marcas femini-
nas ("diferenças") em face da
figura de um docente universal
definido no masculino; além de
criticarem, muitas vezes com
apoio na universidade, formas
de identidade profissional, pre-
sentes no seio da categoria, que
evocam essas marcas. Esse es-
força de negaçlo se apóia, com
freqiiência, numa polarização
entre profissionalismo - asso-
ciado a masculinidade, que é
a referência universal e valo-
rizada positivamente - e ama-
dorismo, associado e3 diferença,
isto é, ao feminino, valorizado
negativamente. São as já tradi-
cionais, mas infelizmente ainda
muito repetidas, oposições en-
tre "mestre" e "tia"; aquele que
ensina e aquela que cuida; dis-
ciplinador e mâezona.
Decerto essas imagens sâo
simplificações e circulam lado
a lado com muitas outras (como
as de trabalhador, sacerdote, vi-
tforpo miscuiino foi tem da fotopnfia de Aiair Gomes (1921-19üa
e s s i A t e r desciitirq imagem w e a m a asdbmn cusrlea tima, idealista etc.), de forma
contraditória e tensa, tanto nas
UM OLHAR SOGIOLÓGICO

negociações de identidades cole- passarmos para o ensino fun-


tivas quanto nas práticas de pro- damental. (Hoje, com a inten-
fessores e professoras. Contudo, sa escolarização da pré-esco-
a ênfase com que ainda ouço Ia, esse modelo de oposição
uma reiterada negação de qual- entre cuidado e educação tem
quer marca de feminilidade no penetrado de forma marcante
que deveriam ser a identidade e a também na educação infantil.)
prática docentes, em especial nos No âmbito da escola, defini o
debates sindicais e acadêmicos cuidado como uma atuação do
sobre formação de professores, professor ou professora sobre
levou-me a retomar esse debate. os aspectos extracognitivos do
Tratei dele com detalhe no desenvolvimento de seus alu-
livro No Coração da Sala de nos: aspectos físicos, emocio-
Aula, fruto de uma pesquisa nais, morais etc., o que exige
qualitativa feita com quatro dele ou dela uma postura de
professoras e um professor das
séries iniciais do ensino funda-
mental em São Paulo. Interes-
sava-me especialmente expli-
car a diferença que percebia em
envolvimento afetivo e com-
promisso com as crianças.
Esse aspecto foi ressaltado
por alguns autores no campo da
Sociologia da Educação, como
I
suas relações com alunos e alu- Philippe Perrenoud, por exem-
nas diante do tipo de trabalho plo, que enfatiza ser o ensino
desenvolvido, seja nas séries um trabalho com pessoas, uma
finais do ensino fundamental, "profissão relacional", em que
seja no ensino médio. O que, o principal "instrumento de
afinal, fazia tão diferente, mar- trabalho" é a nessoa do nrofes
cava de maneira tão específica
o trabalho das chamadas pro-
fessoras primárias? Ao buscar
construir mediações que me
permitissem compreender es-
sas especificidades, lancei mão chega a afirmar que, do ponto
da noção de cuidado infantil. de vista físico, o ensino pode

. 1e
s
Esse conceito foi incorporado ser considerado como um tra-
intensamente nos debates so- balho leve, mas em termos de
bre a educação infantil no Bra- pressão emocional é um dos
sil, mas parece esquecido nas mais exigentes. As entrevistas 5
B
reflexões acadêmicas sobre o que realizou com professores ,"
i3
trabalho na escola (e desconhe- e professoras do ensino médio 7
cido no movimento docente), australiano revelam um uni-
- 1-
como se houvesse uma ruptura verso de emoções, vínculos e E
radical ao final da pré-esco- conflitos, uma
Ia e o cuidado deixasse de ter sala de aula absorventes e
relevância como ferramenta de mo sufocantes pela
38 análise do trabalho docente ao de fluxos emocionais e de re- b
lacionamentos. Connell chama do verdadeiro redemoinho de
a nossa atenção para o fato de pessoas, sentimentos e rela-
que essas relações, seja indivi- ções que caracteriza a sala de
dualmente, seja com a classe, aula, seja das múltiplas reações
não são alguma coisa que se possíveis do professor ou pro-
acrescenta ao ensino a critério fessora diante disso - reações
do professor ou da professora; que vão do encantamento ao
nem são problemas a serem su- desânimo, da gratificação ao
perados para depois se atingir distanciamento, do prazer a
a aprendizagem. Na verdade, exaustão. Quando o professor
para o professor, "essas rela- ou a professora não se envol-
ções emocionais sdo seu traba- viam diretarnente no turbilhão
lho e administrá-las constitui emocional, era perceptível seu
grande parte de seu processo de esforço exatamente para evi-
trabalho", diz Connell. tar esse envolvimento, evitar a
Com relação a escola primá- emergência de temas, apelos e
ria francesa, François Dubet e sentimentos que consideravam
Danilo Martuccelli destacam a inadequados ou indesejáveis. E
importância das interações face esse era também, sem dúvida,
a face e dos vínculos afetivos um esforço emocional. A capa-
com os alunos, seja na definição cidade de relacionamento com
do próprio trabalho e da própria as pessoas era colocada pela
identidade pelos professores, maioria de meus entrevistados
seja na maneira como percebem e entrevistadas como central
as crianças, obtêm disciplina e para o bom exercício da profis-
julgam seus colegas. Eles des- são, como expressou uma delas:

r-As mulheres na educaqão infantil:


98,1%; no fundamental: 84,3%;
no médio: 69,9%; no superior: 40,8%

crevem professores primários "Eu acho que a pessoa que vai


intensamente envolvidos em para o magistério, ela tem isso,
seu trabalho, que se declaram tem essa sensibilidade. Porque
conhecedores das crianças em senão ela não fica. Não agllen-
profundidade e responsabili- ta, cai fora". É tambbm essa
zam-se por elas até o limite do capacidade de se relacionar, de
esgotamento físico, da invasão se vincular e se envolver que
de sua privacidade e da criação aparece pelo avesso na fala de
de sentimentos de culpa. uma outra professora, sempre
Em minha pesquisa obtive um pouco distante, preocupa-
observações e entrevistas que da com sua difícil vida pessoal
oferecem fartos exemplos, seja e engolfada num cotidiano de
1
GÊNERO E SEXUALIDADE

muitas horas de trabalho diário. por muitas professoras da esco- lê na fala de uma delas: "Tem
Ela definiu uma professora ide- la. Entretanto, para a maioria muitas alegrias também, coisas
al como alguém tão disponível de nossos entrevistados, o forte boas, principalmente agora, no
que nem sequer tivesse vida envolvimento afetivo com as final do ano, que é uma emo-
pessoal: "Acho que ela precisa- crianças e a preocupação com ção muito grande. Você pega
ria estar totalmente desprovida sua aprendizagem eram também aquela criançada que chegou
dessas coisas, até da própria fonte de gratificaçgo, prazer, sem nada, náo estavam lendo,
vida dela, pessoal. Para poder realização e até mesmo de cer- não escreviam. De repente, ele
te traz uma redaçãozinha, uma
produção dele, um texto que ele
fez! E maravilhoso!".

:ó~:akpectos
~ ~ g s 6 - fextracognitivos
i v i ~ e , ~do
. Nessas condições, a docên-
~ ,
i ~ ò.dos cia, longe de ser uma ocupação
- emocionalmente perigosa ou
~.~
..
desgastante, pode ser enrique-
cedora e estimulante. Encontrar
se dedicar totalmente a sua pro- ta sensação de poder. Para três o equilíbrio entre desgaste e rea-
fissão. [...I Estaria assim bem das professoras ouvidas e ob- lização, porém, as formas e os
disponivel, estaria de corpo e servadas eram esses sentimen- limites de seu próprio envolvi-
alma dentro da profissão". tos que justificavam seu envol- mento com os alunos, parecia
Um dos efeitos mais eviden- vimento e sua permanência no ser uma das tarefas a serem
tes desse grau de solicitação magistério e pareciam compor aprendidas pelos professores in-
emocional era o esgotamento, o em parte até mesmo seu sig- dividualmente, um dos desafios
cansaço e o desgaste manifesto nificado existencial, como se de seu desempenho profissio-

Roda de pmfeuor a al- hmm~~


liáo ni& tnbr,08 docentes das sémies iniciais
Nada em suas condições de gica da maternida-
alho contribuía para ameni- de [motherhood].)
r o desgaste emocional e os Essa posição está
ocessos de formação inicial sintetizada na frase
ou continuada pouco pareciam de Guiomar Namo
F
contribuir em sua preparação de Mello sobre o
para relacionarem-se de forma trabalho das pro-
satisfatória e enriqnecedora fessoras primárias
com as dimensões afetivas de que investigou:
seu trabalho. Da mesma forma, "Quem não sabe o
não existiam espaços coletivos que fazer, ama". O
formais destinados a apoiá-los resultado seria uma
para enfrentar cotidianamente "contaminação de
as tristezas e alegrias inerentes práticas", nos ter-
ao trabalho com crianças. mos propostos por
Dois tipos. de abordagem Edith Piza, caracte-
têm predominado na literatura rizando claramente
educacional brasileira ao tentar um problema a ser
explicar esse relacionamento superado, uma con-
intensamente afetivo estabele- fusão de esferas por
cido entre professoras primá- parte das mulheres 'hilippePenenwd (19.53, para quem a doeência e uma
pmfksáo ielasional'~,em que o principal insmimento
rias e seus alunos. Ambos par- professoras que só e trabalho é a pessoa do Wokssorl~mfessora
tem da constatação de que se traria -prejuízos à
~

trata de uma maioria de docen- prática pedagógica, a profissio- apontar que em todos eles o
tes do sexo feminino e tendem nalização dos docentes e à sua feminino e tudo que a ele está
a atribuir essa marca a caracte- consciência política, conforme associado (afetividade, domes-
rísticas da feminilidade, con- a ênfase de cada autor ou auto- ticidade, intuição, cuidado etc.)
fundindo aspectos do trabalho ra. Essa abordagem opõe práti- é tomado como negativo.
docente com sexo do professor cas de cuidado a um ensino de Num segundo tipo de abor-
ou professora. Num primeiro qualidade, "eficiente" no que se dagem, no qual incluo alguns
caso, as mulheres são acusadas refere a aprendizagem. Embora de meus primeiros estudos,
por transferirem para a escola,
espaço profissional e público,
referências e práticas relati-
vas a família, espaço privado e
doméstico, elementos que elas
teriam adquirido por meio da
socialização primária e da con-
tinuidade do exercício do tra- devamos reconhecer o caráter fala-se ainda em uma "combi-
balho doméstico e da materna- pioneiro de alguns desses estu- nação entre casa e escola" ou,
gem. (Estc tcrmo i. uma tradu- dos, os primeiros a, ainda nos para Cynthia Pcrcira de Souza
ção do inglês "mothering", que anos de 1980, buscar compreen- e colaboradoras, numa "ética
busca enfatizar os aspectos so- der a presença das mulheres do desvelo", que seria caracte-
ciais d o cuidado com crianças, no magistério primário e seus risticamente feminina e trazida
em oposição i dimensão bioló- significados, devemos também de fora para dentro da escola.
UM OLHAR SOCIOLÓGICO

Mas, ao contrário da primeira de forma implícita, nas ênfases, nalismo -têm sido his-
abordagem, nesses casos tende- afirmações e priticas. Mesmo toricamente parte de um
se a tomar como vantagem essa quando falavam do "lado ma- esforço complexo das
presença de elementos associa- ternal" de seu trabalho, explici- mulheres para conquis-
dos 9s mulheres no interior das tavam em seguida que tentavam tar salários iguais aos
relações pedagógicas. Referên- evitar qualquer mistura ou inter- dos homens, controle
cias ao doméstico, num caso, e ferência. Muitas vezes percebi sobre o próprio trabalho
a uma ética feminina alternati- que a utilização de um vocabu- e condições de ascensão
va, no outro, sáo tidas como ca- lário referido A esfera doméstica na carreira, em diversas
racterísticas positivas introdu- decorria antes da inexistência de ocupações majoritaria-
zidas pelas mulheres no espaço outras formas de nomear o cui- mente femininas, entre
escolar e na prática pedagógica. dado, ainda que exercido de ma- elas o magistério. E par-
Nesses estudos, intensamente in- neira profissional e institucional. te das diferenças estabe-
fluenciados pela corrente que nos Por isso falávamos de "lado ma- lecidas pelas professo-
Estados Unidos ficou conhecida ternal", de "mãezonas", de "amor ras e pelo professor da
como "feminismo da diferença", e carinho pelos alunos", uma vez escola pesquisada entre
a bipolaridade, o essencialismo que a expressão cuidado infantil seu trabalho de ensino e
e a confusão entre sexo e gêne- não faz parte da linguagem coti- as relações maternais ou
ro permanecem, mas o feminino diana utilizada nas escolas. domésticas com crian-
e os elementos a ele associados Por outro lado, tanto o pro- ças certamente decorria
são tomados como positivos. fessor quanto as professoras ti- - como parece ocorrer
nos discursos sindicais

embora e'es se re-


ferissem a questão do
pmfissionalismo, ou
mostrassem interesse
em reivindicar-se como
nham consciência de que uma profissionais. 1
associação direta da docência no Enfim, pelo menos no âm-
primário com a maternidade sig- bito das práticas docentes na
Nenhuma dessas explicações nificaria uma desqualificação de escola de ensino fundamental é
era suficiente para dar conta das seu próprio trabalho, na medida possível identificar com bastan-
posições expressas pelas profes- em que as habilidades exigidas te clareza que profissionalismo
soras e professor que estudei. pela maternagem são considera- e cuidado não se opõem, pelo
Eles estabeleciam um certo dis- das naturais as mulheres e me- contrário, o segundo parece ser
tanciamento entre o doméstico nos valorizadas que o trabalho de elemento fundamental do pri-
e o institucional, seja de forma especialistas qualificados, cujos meiro, constituindo-se mesmo
mais explícita por meio de uma conhecimentos são reconhecidos em critério de avaliação entre
afirmação da especificidade do por meio de ceriificaçdes. As rei- pares. Marisa Vorraber Costa,
trabalho docente em relação, por vindicaçaes de reconhecimento em estudo qualitativo junto a
exemplo, às babás, a mães e ou- social de um campo de saberes professores e professoras das
tros profissionais (como psicó- próprio, cientifico e especializado séries finais do ensino funda-
42 logos e assistentes sociais), seja - associadas A idéia de profissio- mental de Porto Alegre, não
apenas ajuda a desmistificar as Por tudo isso creio que é profissionalismo e cuidado, a
idéias de profissão e profissio- hora de os cursos de formação fim de abrir espaço no seio das
nalismo presentes no senso co- de professores enfrentarem o lutas por justiça e igualdade e
mum, mostrando suas origens debate sobre a dimensão rela- abrigar a "diferença" que sua
históricas e seus vinculos com cional do trabalho docente e base majoritariamente compos-
privilégios e formas de corpo- dos sindicatos - e movimentos ta por mulheres carrega.
L rativismo. como tambkm revela de educadores darem um oasso
nas praticas dos docentes - de adiante na discussão das rela-
forma semelhante ao que pude ções de gênero, no que a auáli-
observar - uma reconstmção se sociológica tem muito a con-
do conceito de profissionalis- tribuir. Ela permitiria quebrar a
ao, de maneira a incorporar bipolaridade e a hierarquia pre-
dementos relacionais e de seus viamente estabelecidas entre
ideais de justiça. masculinidade e feminilidade,
nUM OLHAR PSICOLÓGICO
GÊNERO E SEXUAUDADE

O EDUCADOR
DIANTE DAS
DIFERENÇAS
Os educadores preocupam-se com as
diferenças de classe social, etnia, aparência
física, mas muitas vezes não relevam uma
das diferenças mais marcantes para o ser
humano: o ser homem ou ser mulher

por Yara Sayão


u
I Quadrinhos da sétie Calvin e Hamldo: pmblemas de emem biltldoo de maneira diwrtida

m (só?) olhar psicológico? Talvez muitos. A psicolo-


gia, enquanto área do conhecimento, comporta con-
cepções muito distintas entre si, todas agrupadas sob
o mesmo teto. Por isso, somos muitas vezes tentados
a buscar uma referência onde existem muitas. O co-
nhecimento psicológico espalha-se em muitas esco-
las ou teorias e sistemas que diferem bastante quanto
ao objeto e método de estudo. O campo psicológico
caracteriza-se, portanto, pela dispersão conceitual e metodológica. São conheci-
das algumas "escolas" psicológicas como o behaviorismo, o funcionalismo ou a
Gesta1t:Isso significa que várias áreas da atividade humana, tão diferentes entre
si quanto ao comportamento, à inteligência, à afetividade, são objeto de estudo
e intervenção de diferentes psicologias. Uma grande e especial contribuição ao
pensamento e às práticas psicológicas atuais vem da psicanálise.
.,....
,

. ... . .,,*
JM OLHAR PSICOL6GlC&i:!';,q

Um olhar psicológico sobre o que pode ser obtido por meio das ou seja, a cada momento distin-
gênero e a sexualidade pode sig- diversas açdes, criações e com- to poderá ser algo diferente que
nificar, então, falar de uma área portamentos de cada sujeito e não proporciona prazer a um sujeito.
de conhecimento que abriga em apenas o prazer sensual que pode Isso significa que' a sexualidade
si conhecimentos de outras breas, ser obtido diretamente no corpo. 6 constitutiva do humano e pos-
como a filosofia, a sociologia, a A sexualidade pode se expres- sibilita que cada um seja singular
história, a psicanálise e outras, o sar de muitas formas e ter fins e único. Enquanto energia que
que por vezes toma dificil a dis- distintos e, assim, diferencia-se impulsiona para a vida terá, ne-
tinção mais preçisa de determina- das necessidades básicas que os cessariamente, suas expressões
das produçaes teórico-conceitu- seres humanos compartilham moldadas pela cultura, dado que
ais. Como ponto de partida, pen- com as outras espécies animais, é impossível imaginar a constitui-
semos em possíveis articulações como fome, sede ou necessidade ção de um sujeito de forma alheia
entre sexualidade e gênero e tam- de descanso. Uma característica á cultura que toma possível sua
b6m em suas decorrências práti- dessa energia é sua plasticidade, inscrição no mundo. Desde o nas-
cas no campo da educação hoje.
Se fizermos um levaniamen-
to de palavras que se relacio-
nam com sexualidade, podemos
chegar a uma lista táo extensa e
diversa que poderia incluir, por
exemplo, palavras como "prazer",
"corpo", "descoberta", "afeto",
"desejo", "necessidade", "sexo",
"libido", "sentimentos", "fanta-
sia", "proibiçdes", "procriação",
"abuso", "relacionamento", "po-
der". A partir das formulações de
Freud podemos afirmar que tanto
o conceito de sexualidade corno
suas expressões diferenciam-se
bastante do que costumamos cha-
mar de atividade sexual e não se
reduz a uma única atividade ou
comportamento. Sexualidade é
um conceito que, ampliado pela
psicanálise, significa energia que
pulsa e movimenta, relacionada
a viver, pensar, descobrir, sentir,
conhecer; constitui-se em campo
de força dos desejos. Estamos fa-
lando, portanto, de uma energia
que impulsiona todas as produ-
ções humanas desde o nascimento
e que busca o prazer Bm suas in-
46 finitas possibilidades, prazer esse
cimento, por meio dos cuidados desenvolvimento infantil, consi- mente os traços que tradicional-
que recebe de "alguém" que por deraram o desenvolvimento das mente têm definido o cuidado e
ele se responsabiliza, cada sujei- mulheres como desviante, quase a sensibilidade das mulheres as
to vai conhecer e se apropriar dos sempre em desvantagem ou infe- necessidades dos outros que as
valores constitutivos de sua cultu- rior ao esperado. assinalam como deficientes no
ra de um modo peculiar e único. E Gilligaii, entre outros autores, desenvolvimento moral.
o fato de ser uma criança do sexo aponta nos estudos de Kohlberg, Com base na revisão crítica de
feminino ou masculino implica conhecido estudioso que propõe estudos realizados por vários auto-
inserções sociais muito distintas, a existência de seis estágios para res que pesquisaram o desenvol-
dado que esse aspecto é central a descrição do deseiivolvimento vimento moral desde a infancia,
em nossa cultura. E é exatamen- moral desde a infância até a idade e também em estudos que levam
te essa questão que o conceito de adulta, o fato curioso de esse au- em conta os critérios utilizados
gênero, vindo da sociologia, ex- tor não incluir meninas na arnos- pelas mulheres em seus julgamen-
plica muito bem. tragem original de sua pesquisa tos morais (em especial nas situa-
- que foi baseada empiricamente ções de decisão frente a conflitos),

A ÉTICA DO CUIDADO
E A ÉTICA DA JUSTIÇA

Na nossa cultura a pessoa que


regularmente se ocupa de receber
e cuidar de um bebê é do sexo
feminino, quase sempre a mãe
ou, na sua ausência, uma outra no estudo e acompanhamento, por Gilligan vai desenhando uma con-
mulher. Será que isso confere um período de vinte anos, de 84 cepção moral para as mulheres
alguma especificidade a sociali- meninos. Curiosamente também, diferente das descritas por Freud,
zação diferenciada de meninos as mulheres raramente atingem os Piaget e Kohlberg, afirmando en-
e meninas? E em questões como estágios superiores do julgamen- tão que "o problema moral surge
a constituição subjetiva de cada to moral, cuja proposição tem o de responsabilidades coditantes e
sujeito, será que esse aspecto é caráter de universalidade. Nessa não de direitos em disputa, e exi-
relevante? Será que isso s e reflete pesquisa o julgamento inoral das ge para sua solução um modo de
na idade adulta? Para reunirmos mulheres parece exemplificar o pensar que é contextual e narrativo
mais elementos para responder a terceiro estágio, em que a morali- em vez de formal e abstrato. Essa
essas questões damos destaque as dade é igualada a ajudar e agradar concepção de moralidade como
idéias de Carol Gilligan, psicó- um outro; e essa concepção de envolvida com a atividade de cui-
loga norte-americana que desde bondade é considerada como fun- dado centra o desenvolvimento
meados de 1970 se dedicou a pes- cional na vida das mulheres uma moral em tomo da compreensão
quisar o desenvolvimento moral vez que suas vidas acontecem da responsabilidade e dos rela-
em crianças, jovens e adultos a dentro do lar. O quarto estágio é cionamentos, assim como a con-
partir do questionamento da rei- caracterizado pela subordinação cepção de moralidade como equi-
terada exclusão das mulheres em dos relacionamentos as regras e dade vincula o desenvolvimento
teorias e estudos críticos sobre nos estágios cinco e seis as regras moral a compreensão de direitos
esse tema. Muitos desses estu- estão subordinadas a princípios e regras". Trata-se de importante
dos, elegendo o desenvolvimento universais de justiça. A autora diferença, uma vez que a q u e s m
masculino como padrão para o aponta o paradoxo: são exata- do cuidado é muito importante na
GL. .- - .-.-.\DE

educação, em especial na educa- ções como essa de ~ r e u ddiscuti-


, meninas, por meio do mecanis-
ção infantil. É também uma dife- veis sem dúvida, foram o dispara-mo de identificação com a mãe
rença que, mais adiante, Gilligan dor para que muitos psicanalistasou sua substituta. .JB para os me-
aponta como a proposição de uma contemporâneos se dedicassem ninos o processo é diverso, pois
ética do cuidado, que poderia ser a entabular revisões e produzir estes separam suas mães de si
equacionada na educação de me- novos conhecimentos no campo mesmos para então se definirem
ninos e meninas. psicanalítico em tomo da questão como masculinos e diferentes da
Gilligan parte do trabalho de do suposto "mistério" feminino. mulher que deles cuida. Tem-se
Nancy Chodorow, psicanalis- Devemos considerar também que então que a masculinidade é defi-
ta que se contrapde ao que ela e trechos de um texto, quando reti-nida em termos da separação en-
muitos outros identificam como rados do contexto maior onde es- quanto a feminilidade 6 definida
preconceito masculino presente' tavam inseridos e do momento em pelo apego.
na teoria psicanalítica, e esta é que foram produzidos ou revistos, É nesse importante aspecto
uma questão polêmica. Há uma tendem a alterar significativamen-
que se assentam várias das obser-
afirmação de Freud, de "Algu- te o sentido que o autor buscava vações feitas por Gilligan em seus
nas Consecuencias Psíquicas de originalmente atribuir Aquele ex-estudos que analisam as diferentes
Ia Diferencia Sexual Anatómica" certo no interior da complexa tra-
respostas de meninos e meninas,
(1925), muito citada exatamente ma de conceitos que desenvolve. assim como de mulheres e ho-
mens diante de dilemas morais ou

I
quando solicitados a se auto deíi-
O desenvolvimento masculino nir. Para Gilligan, as mulheres não
B tido, muitas vezas, como padrão apenas se definem num contexto
de relacionamento humano, mas
ara o d1eaenvo1lvimrnZo1 infantil também se julgam em termos de
sua capacidade de cuidar. A supos-
para ser criticada, de que as mu- Ao revisitar as proposições ta "hqueza moral" das mulheres,
lheres "mostram menos senso de freudianas do desenvolvimento manifestada pela aparente difusão
justiça que os homens, que elas psicossexual, em especial as dife- e confusão de julgamento, é inse-
são menos prontas a sujeitar-se rentes formulações para o meni- parável de sua força moral, um in-
às grandes exigências da vida, no e para a menina em relação ao tenso interesse em relacionamen-
que elas são mais frequentemente Édipo, Chodorow usa o conceito tos e responsabilidades. Isso faz
influenciadas em seus julgamen- de identidade de gênero, que para com que os julgamentos morais
tos por sentimentos de afeição ou ela se estabelece irreversivelmen- das mulheres levem em considera-
hostilidade". A polêmica se cen- te e para ambos os sexos na época ção todo o contexto em que o con-
tra na questão de que uma aíir- em que uma criança tem em tomo flito se situa, em que a concepção
mação como esta se constitui em de 3 anos. Ela desenvolve a idéia de responsabilidade centra-se nas
expressão de preconceito Qu, por de que a dinâmica interpessoal da limitações de determinada decisão
outro lado, são limitações do au- formaçao da identidade de gênero e define os conflitos restantes uma
tor da teoria psicanalítica em face é diferente para meninos e me- vez que considera uma teia de re-
de seu contexto histórico, de sua ninas, dado que para as crianças lação entre todos. Muitas vezes a
cultura, valores e crenças - nota- o principal cuidador na primeira relutância da mulher em julgar de-
damente pamarcais - permeando infãncia é tipicamente feminino. wrre de seu temor em prejudicar
e iníiuenciando toda a produção Isso gera a diferença de maior o outro e também do reconheci-
intelectual que surgiu naquele apego fundido com o processo de mento da limitação de seu próprio
48 momento. O fato é que constata- formaç2lo da identidade para as julgamento. De forma diferente,
os homens, baseados na concep- sendo postas à parte pelo sucesso
ção de direitos, tendem a chegar serão deixadas sozinhas. "Assim,
a uma decisão objetivamentejusta parece que homens e mulheres
para o dilema moral e a raciocinar podem perceber apego e sepa-
em termos de um ordenamento ração de modos distintos, e que
hierárquico dos relacionamentos. cada sexo percebe o perigo onde
Isso se articula também com o uso o oposto não vê - os homens, na
diferenciado da linguagem por ho- conexão, as mulheres, na separa-
mens e mulheres e tem a ver com ção", afirma Gilligan. Quando as
a interpretaçãodo discurso femini- redes vislumbradas pelas muihe-
no, a que genericamente se atribui res são dissolvidas pelo ordena-
falta de objetividade, circulandade mento dos relacionamentos típi-
e repetiçáo. cos do pensamento masculino, e
Num estudo que Gilligan rea-
liza com jovens universitários,
se essas redes são retratadas como
perigosas por impedir a fuga ao I
I
utilizando-se do TAT (Teste de invés de oferecer proteção contra
Apercepção Temática), em que a queda, as mulheres podem se
algumas pranchas com figuras questionar se o que vêem existe
humanas são apresentadas ao su- mesmo e se o que sabem de sua
jeito e se solicita que conte uma própria experiência é verdadeiro.
história sobre o que vê, ela cons- Isto talvez se relacione com pro-
tata uma interessante diferença.
A partir da análise das histórias
duções discursivas que demons-
trem titubeaçóes, indagaçdes, re- 11

j',
contadas a respeito das mesmas ticências e diálogos que incluem
pranchas, observa-se que homens os outros e tambkm sua própria E
e mulheres percebem o perigo em voz, algo muito presente nas falasf
diferentes situações sociais. Os de mulheres.
homens tendem a ver perigo em Se as mulheres constroem um 5
relaçóes de inthidade, ao passo problema moral como um proble-
que as mulheres percebem o pe- ma de cuidado e responsabilidade
rigo em situaçóes de realização nos relacionamentos ao invés de d ... . . .
impessoal e constroem o perigo problemas de direitos e normas, I
como resultante do sucesso com- os homens adotam a concepção
petitivo (que pode implicar a ex- de moralidade como justiça e, corrigir a indiferença potencial da
clusão de alguém). O perigo que assim, ligam o desenvolvimento moralidade de não-interferência e
os homens relatam em suas histó- a Iógica da igualdade e reciproci- desvia a atenção da lógica para as
rias de intimidade é um perigo de dade. Dessa f o m , a lógica que consequências da escolha. Para as
armadilha ou traição, sendo fla- fundamenta a ética do cuidado é mulheres, a integração dos direitos
grados num relacionamento sufo- uma lógica psicológica dos rela- e responsabilidades acontece me-
cante ou humilhados por rejeição cionamentos, que contrasta com diante um entendimento da lógica
e engano. Contrastando com isso, a lógica formal da equanimidade, psicológica dos relacionamentos.
o perigo que as mulheres retratam que fortalece o enfoque dajustiça. A proposição de Gilligan de
em seus relatos de realização pro- Para os homens o reconhecimen- que a ética do cuidado seja tão
fissional é o perigo do isolamen- to da necessidade de responsabi- considerada quanto a ética dos
to, medo de que se destacando ou lidade mais ativa em cuidar pode direitos remete para uma comple-
mentaridade e não A oposição, na Falar das implicações da abor- ceitos e preceitos dirigidos em
medida em que as experiências dagem de sexualidade e gênero na boa parte a educadores, compro-
de desigualdade e interconexão educação hoje implica, primeiro, posições de maior liberdade e me-
inerentes a vários tipos de rela- constatar que especialmente em nos constrangimento&s crianças e
cionamento humano (como pais relação a esses temas, nos Últi- adolescentes em relação a mani-
e filhos ou alunos e professores) mos cinquenta anos, aconteceram festações ligadas à sexualidade.
ensejam tanto a ética da justiça mudanças qualitativas muito im- Foram décadas em que se deu a
como a ética do cuidado. portantes nas práticas educativas, passagem da abordagem da sexua-
tanto familiares e domésticas lidade exclusivamente nos âm-
quanto escolares e públicas. Des- bitos doméstico e familiar para,
A SEXUALIDADE E AS de 1960, a partir da chamada "re- cada vez mais, ser tratada pelos
RELAÇÕES DE GENERO volução sexual" e do movimento meios de comunicação de massa
WA EDUCAÇÃO ESCOLAR feminista, houve uma imensa vei- e em instituições educativas esco-
culação de idéias, imagens, con- lares. Isso significa uma mudança
radical na questão da intimidade
que é intrinsecamente ligada a se-
xualidade. Vimos inclusive como
em 1997, pela primeira vez na
política pública educacional do
pais, há a adoção dessas questões
nos Parâmetros Curriculares Na-
cionais (PCNs), na forma de tema
transversal. Essa proposição foi
intensamente discutida nos anos
seguintes a sua publicação, e até
hoje há muita polêinica tanto em
relaçâo a forma de se abordar a
sexualidade no espaço educativo
quanto à questão da formação
dos professores - em sua maioria,
mulheres (dados de 1998 indicam
que na América Latina a porcen-
tagem de mulheres que trabalham
na educaçklo infantil 6 de 97%; no
ensino fundamental, 77%; e no
ensino médio, 46%). O fato de os
PCNs não terem carhter de obri-
gatoriedade favorece a reflexão e
o debate dessas questões em con-
junto com os demais temas CN-
ciais que a educação vive hoje.
Um dos aspectos mais criti-
cados em relação A pmposição do
tema Orientação Sexual nos PCNs
foi o risco de a instituição escolar
Carum (1969). n t i brasileiro, a vulva se tnnsiomia em objeto de -1-e
la obra de ~ i n k l l n exibi+
I
assumir &ter controlador e adap- das relações de gênero em diferen- mente o tema Relações de Gêne-
tativo de expressões tão importan- tes períodos históricos e diferentes ro, passemos agora a olhar com
tes para a subjetividade como 15 a regiões do mundo ou país; infor- mais atenção para alguns aspec-
sexualidade. É então importante mações sobre contágio e prevenção tos dessa questão no interior das
resgatar alguns aspectos relativos de doenças sexualmente transmis- práticas educativas cotidianas
à essa questão, constitutivos dessa siveis e outras questões passiveis na escola.
proposta. Ao afirmar que há distin- de abordagem objetiva num espaço
tas dimensões do wmportamento - público e coletivo como a escola
aprendizagem, descoberta e inven- ou espaço de educação não-formal. O EDUCADOR DIANTE
ção - nas questões que & i res- Já as outras dimensões concemen- DAS DIFERENÇAS
peito As expressóes de sexualidade, tes ao exercício da sexualidade (a -- --

constata-se que deveria caber B ins- descoberta e a invenção de aspec- Dentre todas as difemnças que
tituição educativa apenas o que de tos subjetivos ou relativos B pn- estão presentes nos alunos, al-
tito compete A dimensão da apren- vacidade) devem wntinuar sendo gumas são mais visíveis e outras
dizagem. Isto significa serem per- questões de cada um em sua intimi- menos. Os educadores já estão
tinentes, por exemplo, discussão e dade, nilo devendo ser abordadas acostumados a wnsidem mais as
reflexão sobre o funcionamento do no espaço educativo por se correr o diferenças de classe social, etnia,
corpo humano; reconhecimento de risco de se nomatizar ou moralizar W c i a fisica, e muitas vezes não
atitudes de discriminação e precon- comportamentos que devem ser es- relevam uma das diferenças mais
ceito em rel@ a comportamentos colhas de cada aluno. marcantes para o ser humano: o ser
que fogem ao m; conhecimen- Uma vez que na proposta de homem ou ser mulher. Traía-sede
to e debate sobre os diferentes mé- trabalho com o tema sexualida- uma diferença radical, marcada no
todos wnüaceptivos; a importân- de na escola um dos blocos de corpo ao longo do desenvolvimen-
cia do autocuidado no aspecto da conteúdo (na verdade uma das to fisico diferenciado de meninos e
saúde individual; estudo e análise dimensões do trabalho) é exata- meninas. A grande questão 6 o sen-
tido que cada momento histórico e assim como de muitos outros paí-
cada cultura atribui a essas diferen- ses do mundo, é um corpo femi-
ças, e é exatamente neste impomn- nino em sua grande maioria, não?
te aspecto que o conceito de gênero Principalmente no ensino funda-
auxilia a compreensão e pode ins- mental. Será que isso imprime
tnunentar a ação educativa
I
certas características ao trabalho
A expressão "gênero" está sen- desenvolvido pela escola?
do utilizada justamente para mar- Há pesquisas que apontam que
car que não se eata apenas de uma nas séries iniciais do ensino funda-
diferença fisica, biológica. Como mental sempre são os meninos a
não existe natureza humana fora constituir a grande maioria dos que \ x,T
da cultura, a diferença sexual ana- supostamente têm "problemas de
tômica não pode mais ser pensada aprendizagem" ou a serem encami-
isolada do "caldo de cultura" no nhados para clínicas psicológicas, ,
qual sempre está Unem, ou seja, para diagnósticos e tratamentos, i
falar de relações de gênero é fa- a partir de queixas escolares. Ao

I
lar das características atribuídas a analisar este fato, algumas autoras
cada um dos sexos pela sociedade (Alicia Femandez entre elas) aten-
e sua cultura. A diferença bioló- tas à questão de gênero na escola
gica é apenas o ponto de partida levantam como hipótese o fato de
Qw mmi- e mnin=poown brnisar
e apmmk, sem qw es esbwdupo.
de gbmm inteninni em xu apnndludo

para a construção social do que é o modelo de ''bom aluno3'ajustar- Wâm muita facilidadepara as ativi-
ser homem ou ser mulher. se mais facilmente As meninas na dades de manipulação exigidas em
Esta distinção de conceitos medida em que as professoras as- Um experimento de laboratório. É
(biológico wrsus cultural) é impor- sociam, mesmo sem o perceber, o mais comum que OS meninos te-
tante de ser enfatizada porque, se bom aluno à cfiança obediente, or- nham a iniciativa de manusear o
não se trata de fenômeno puramen- ganizada e cuidadosa com o mate- microscópio ou outros materiais
te biológico, podemos pensar que ria1 e sem se opor ao que éproposto pelo professor~ouco
ocorrem mudanças na dehição (cara~teristicaspredomùiantem~nte familiares dos alunos. O mesmo
do que é ser homem ou mulher ao atribuídas ao feminino). Desta for- pode acontecer durante a aula de
longo do tempo e em diferentes re- ma, uma das hipóteses explicativas geografia (no trabalho com ma-
gi6es (culturas locais), e que essas é a de que haja uma possível discn- pa~),OU matemática (utilizando ou
mudanças sempre se relacionam minação inconsciente das profes- constniindo gráficos e tabelas). É
de alguma forma w m a educação. soras do comportamento conside- importante que nos perguntemos:
Algumas dessas mudanças são ne- rado ''mais agressivo" da maioria por que isso acontece?
cessárias quando as diferenças im- dos meninos. É uma questâo im- Em l-eiro lugar, 6 inegável
plicam discrllninaçâo (na nossa so- portante, pois também envolve a que há uma atribuição social, em
ciedade, quase sempre da mulher) patologização de comportamentos termos das profisdes, de ''coisa de
ou desigualdadesque prejudicam o diferentes que, muitas escolas, j& homem" e "coisa de mulher", e as
desenvolvimento das potencialida- têm trabalhado na direçb da com- "ançastendern a@uziressan'-
desde cada ser humano. plementaridade. São estudos ainda divisu de papéis. Aindspd*
Podemos então pensar na es- iniciais, mas o fato analisado mere. minaa idéiade que as áreas ligadas à
cola como um local onde as re- ce atenção e reflexão de todos. tecnologia e atividades relacionadas
lações de gênero estâo presentes, . . Durante a aula de ciências, por a elas sgo mais adequadas para os
inevitavelmente. Em primeiro exemplo, muitas vezes podemos meninos. Seaprofe~S~~(~upmfe~-
52 lugar, o corpo docente brasileiro, notar que as meninas não demons- ser) compartilha dessa visiio, decer-
geral, s%obrinquedos desmontáveis tempo para ensinar e incentivar as
(carrinhos), w m múltiplos usos, meninas a manipular os materiais
peças utilizadas para a construção de trabalho em sala de aula.
de casinhas ou outras edificações, É preciso enfrentar inclusive
bolas etc. O manuseio sistemático as barreiras que as próprias alunas
de brinquedos wmo esses, associa- apresentam, como: "na0 tenho jei-
dos ao pensamento racional desta topra isso", ou "não consigo", "te-
forma desenvolvido, possibilitam nho medo de quebrar", "não gosto
ao menino maior facilidade no ma- desse tipo de atividade", "é muito
nuseio de quaisquer outros equipa- dificii" etc. Aqui se faz necessário
mentos, mesmo os que nunca ex- o trabalho com os conteúdos atitu-
plorou diretamente. Alem disso, há dinais necessários ao investimento
quase sempre o incentivo do adulto de energia no aprendizado. Se as
para que o menino tente, experi- meninas se colocam dessa forma
mente, ajude, conserte, manipule os diante desses desaüos, é muito di-
mais diferentes objetos e materiais. ficil que possam de fato aprender
As meninas, em geral, são menos ou se dedicar ao enfrentamento de
solicitadas para essas atividades, suas dificuldades. A intervenção
menos incentivadas, brincam por do professor aqui é fundamental,
mais tempo comouims brinquedos, assim como, de forma inversa, in-
to irá traduzi-la em atitudes e aç6es que demandam mais consewaeo tervir junto aos meninos mais in-
que reforp% os estereótipos, em e cuidados (como as bonecas) do tensamente nas atividades de ler e
vez de wntribuir para o seu ques- que a exploração manipulativa do escrever poemas, por exemplo, no
tionamento. Essas atribuifles são montar-desmontar, experimentar estudo de língua portuguesa.
idéias aprisionantes para meninos montar de outro jeito etc., e inclusi- A idéia ceniral é a de que as
e meninas na medida em que não ve são advertidas quando quebram crianças possam superar as ini-
possibilitam que cadaum explore li- suas bonecas ou outros brinquedos. bições na aprendizagem devidas
vremente suas capacidades e prefe- As brincadek das meninas desen- aos estereótipos de gênero (e que
rências. Muitas v e m as professoras volvem mais outras capacidades, o o aluno ou a aluna supõem ser di-
não wncordam w m essas idéii, que é uma das possíveis explica- ficuldades naturais e, portanto, in-
mas suas ações ainda nâo acompa- ções (além dos salários menores) iransponiveis). É importante que os
nham o seu discurso, pois se trata de para a imensa wncentraç%ode mu- educadores estejam atentos a estas
valor muito arraigado na sociedade lheres em pmfiss6es que envolvem questões, principalmente pelo fato
de famageral, e os professores não cuidar de outras pessoas. de também serem atravessados por
sáo imunes a essas crenças. Asexperiências econhecimen- elas, pessoal e profissionalmente.
Mas como fazer para que me- tos prévios dos meninos são mui-
ninos e meninas manuseiem igual- to diferentes dos das meninas,
mente os equipamentos necessá- portanto. Esta constatação é im-
rios ao aprendizado de todas as portante, pois nos indica que, para
disciplinas e'ao desenvolvimento propiciar condiçaes de igualdade
de todas as capacidades? no aprendizado desses conteú-
Se observarmos w m atenção as dos procedimentais (que envol-
brincadeiras, assim wmo os brin- vem atividades manipulativas e
quedos acessíveis aos meninos em viso-espaciais), precisamos estar
idade prk-eswlar, veremos que, em atentos e, As vezes, dedicar mais
JOGOS DE GÊNERO:
O RECREIO NUMA
ESCOLA DE ENSINO
FUNDAMENTAL
A prática de
aproximação
baseada em relações,
conflituosas surge
- ar,,.,,:;.c:

da necessidade
de as crianças
3
reelaborarem as
relaqões de gênero
no interior da
cultura escolar

54 por liPnia Mara C r u e Marilia Pinto de Carvalho


('1 Este rewofoi~ublicudootigiralmente em Cad-os -
Wgu (26). NIeleo de Esludos de GPnem rnguNnicornp, 2006. p p , ~ ~ 3 . ~ 4 3 .
Aqui o mpmduzirnos em versão mlund<~, eni vis10 doswrdecs do colefão "GmndesTemas"
L
u m dos poucos momentos na escola em que a
criança tem uma relativa autonomia em rela-
ção ao mundo dos adultos, todos sabemos, é
a hora do recreio. Intervalo em que meninos e
meninas brincam e brigam, aproximam-se e se
distanciam ora de forma amistosa, ora de ma-
neira conflituosa. Hora e local propícios para
observarmos as relações de gênero entre elas.
Foi o que fizemos em uma escola pública da zona oeste da cidade de São
Paulo, com 240 alunos das 1" e 4" séries do Ensino Fundamental.
E o que se notou, em primeiro lugar, é que havia diferentes formas
de interação durante o recreio, tanto em grupos do mesmo sexo quanto
em grupos mistos, que apresentavam variabilidades no tocante às brin-
cadeiras e ações, assim como nos tipos de conflito permitidos e no grau
perceptível de harmonia ou confiito. A busca por uma compreensão mais
nuangada dessas diferentes formas de interação, em especial aquelas que
se davam em grupos mistos, levou-nos a priorizar o conceito de conflito.

Particularmente ao articular AGRESSIVIDADE E VIOL~NCIA:


esse conceito a possíveis signifi- FUGINDO DOS ABSOLUTOS
cados lúdicos e de agressividade,
L A ..
utilizando os conceitos de "jogo"
e "jogos de gênero", passamos a
Aqui utilizamos o conceito de
conflito como manifestaç80 de
compreender o conflito como um interesses diferentes elou contrá-
dos modos possíveis de sociabi- nos. em que um dos lados procu-
lidade nas relações de gênero, o ra superar a resistência do outro
que nos permitiu avançar na com- buscando a realização do seu in-
preensão das relações entre meni- teresse, quer por meio de coopta-
nos e meninas naquela escola. Foi ção e convencimento, quer pela
possível relativizar a aplicação do anulação do interesse do outro.
conceito de violência a quaisquer Todo conflito implica, portanto,
desses conflitos incorporando a oposição e luta, e vem carregado
I dimensão lúdica dessas intera- de agressividade.
r
j ções. Neste artigo foca.remos.es- Dentro de uma concepção his-
/ pecialmente as interações confli- tórico-cultural podemos conside-
f tuosas entre os sexos, buscando rar a agressividade como conco-
revelar as múltiplas nuances dos mitante ao desenvolvimento das
jogos de poder que ações aparen- relações sociais, nas quais indivi-
temente similares escondiam. duos e grnpos exercem ativamen-
IrO CINEMA
GENERO E SEXUALIDADE

:ena do filme com Toby e seu pai mree no meio da longa jornada que os aproximará e que,
1
de existência encontra-se no indi- que vivenciamos no cotidiano. tivamente, atribuir realidade ao
víduo? Para chegar a este entendi- Elias m r r e imagem proposta, indivíduo num momento e, mais
mento, seria suficiente examinar muitos séculos antes, por Aristó- tarde, tomar como concreto a so-
cada pessoa w m rigor e profundi- teles em sua tentativa de entender ciedade. É preciso refazer nossa
dade para captar quem e como ela esta ligação: as pedras e a caia. própria auto-imagem deixando
B? A cultura ocidental tende a en- Uma casa não pode ser explicada de insistir em entender a vida so-
carar a constituição do gênero e, pelo mero acúmulo ou junção das cial pelo exame detalhado de seus
dentro dele, a vivência e expres- pedras que a compõem. Ela pos- membros. É preciso, ao conirário,
são da sexualidade, pelo prisma sui uma estrutura que não pode diz ele, romper com tal antino-
das particularidades individuais. ser apreendida pela obsenração mia, desarticulando o que o so-
E aqui nos vemos às voltas com isolada de cada pedra. O todo é ciólogo chama de uma "antítese
um velho problema sociológico. qualitativamente diferente do so- cristalizada". Pois, se não existe
Segundo Norbert Elias em A So- matório de suas partes. Para de- sociedade sem indivíduos, tam-
ciedade dos Indivíduos (1994). cifrar a casa, é preciso investigar bém 6 verdade que não é possível
durante muito tempo fomos le- as relações das pedras entre si e entender os seres humanos sem
vados a crer na existência de um delas com a totalidade. O mesmo levar em conta os vínculos que os
abismo intransponível separando raciocínio ou método se aplica, ligam ao social.
o individual e o coletivo, como argumenta Elias, às pessoas e as Elias adverte, no entanto, que
se fossem duas coisas completa- coletividades humanas. a alusão a totalidade não é sufi-
mente distintas. Para o autor, essa Elias nos oferece uma solução ciente. Ela localiza o problema,
visão é fruto de nossa dificuldade para esse impasse, permitindo- mas não o resolve. Trata-se apenas
em reconstruir no pensamento o nos fugir a tentação de, altema- de um ponto de pariida. Consi-
derando especificamente as mas- estanques, eternos e imutáveis. do aberta no tempo e no espaço,
culinidades e feminilidades, será Faz parte desse processo, com sua está sujeita a transformações.
preciso enxergá-las como parte de lógica inexorável, buscar apagar Podemos assim ver as definições
um conjunto mais complexo, as já seus vestígios espaciais e tempo- e atributos do que 6 ser homem
aludidas relações de gênero. O es- rais. Ocorre que, nos tempos atu- ou mulher como um fluxo e não
tudo destas implica buscar a Iógica ais, por serem plurais, fragmen- como algo imóvel.
coletiva que, transcendendo os in- tados e dispersas os lugares e os
divíduos, os categoriza e os aloca momentos em que se desenrolam
como membros de um sexo, isto é, as relações sociais, sendo estas DIVERSIDADE
como homens e mulheres, sem ne- também múltiplas e intrincadas, SEXUAL E FAM~LIA
nhum - ou quase nenhum -espaço toma-se extremamente complexa
para a ambival&nciaA dominação ainserção individualdeseus mem- Na continuação do filme, de-
masculina sobre o sexo feminino, bros. E o argumento que expomos pois de descobrir que o padrasto
tal como a conhecemos atualmen- aqui é de que o gênero é um dos abusava sexualmente de Toby,
te, é resultado de um longo proces- pilares dessa construção social. Bree se dá conta de que não pode
so social e histórico. De acordo com as teorias fe- deixá-lo em sua cidade natal,
Surgem então pedras pontia- ministas, as relaçóes de gênero como pretendia. Seguem pela es-
gudas que parecem desencaixar- sofreram ao longo da história trada onde viverão novas averitt-
se da edificação: as alteridades de um processo contínuo de signi- ras. A convivência obriga Bree a
gênero (que tendem a ser vistas ficação e ressignificação que as impor limites ao comportamento
apenas como sexuais). São incô- naturalizou e, conseqüentemente, de Toby e o papel materno não
modas e altamente reveladoras as cristalizou. Entretanto, a socie- parece Uie agradar muito. Mais
de tensões e contradições que dade não é um todo monolítico adiante, têm o cano e o dinheiro
permeiam a sociedade, marcadas e imutável. O gênero constitui roubados por um caronista hippie
fortemente pelo conflito e pelo uma "camada" do social, é parte e são salvos por um rancheiro que
rigor como são tratadas. São, por de uma totalidade que é sempre os hospeda por uma noite. Ao can-
assim dizer, simultaneamente, incompleta e que, permanecen- tar músicas românticas para Bree,
indícios e reflexos de re-
sistência em uma das di-
mensões fundamentais a
estruturar a vida social,
funcionando segundo
uma Iógica própria e re-
lativamente autônoma: a
do gênero e, dentro dele,
a sexualidade. Nesta es-
fera, ora em consonância
com ela ora desafiando-
a, os indivíduos parecem
náo ter como escapar de
se localizarem e serem
localizados pela rígida
n-
demarcação que separa
e opõe o masculino e o
feminino como terrenos I uerer, d e x o de sua up.iiMicom a AIDS
~
Wra do arilsta eubano HIIiaonzalez-Tonu 11957-1996). Sua obra 6 considerada, muitas

73
INO CINEMA
G ~ N E ERSEXUALIDADE
~

o simplório homem do campo fler- cristã, reage muito negativamen- ela. O sexo parece ser a única
ta abertamente, conferindo à trama te a transexualidade do filho. O linguagem que ele conhece para
uma leveza, traduzida naquilo que pai judeu dá de ombros e a irmã, expressar seus sentimentos. Afir-
importa de fato nas relações hu- rebelde e ex-alcoólatra, oscila ma que está disposto a se casar
manas: a maneira como as pessoas entre a perplexidade e a simpatia com ela. Neste momento, vem a
se comportam e se tratam umas às fraterna. Enquanto Bree t hostili- revelação bombástica da paterni-
outras. Intui-se que, se morassem zado, o rectm-descoberto neto é dade de Bree. O rapaz se enfure-
na mesma regiáo, o romance po- tratado com mimos. Chega a ser ce por ela não ter contado antes e
deria ter prosseguido. convidado para morar com eles. se decepciona, já que tinha mui-
O enredo pega fogo, entretan- Confuso, querendo rehibuir a tas fantasias de como seria seu
to, quando Bree decide bater à generosidade com que vem sen- pai, o que o leva a fugir.
porta da casa de sua família. No do tratado, Toby nutre um afeto Resignada, a família dá a
reencontro, a mãe, uma devota por Bree e quer se envolver com Bree o dinheiro que precisa para
voltar para casa. Ela retorna ao
emprego num restaurante mexi-
cano e finalmente realiza a tão
esperada cimrgia de transgeui-
talização. E o que era para ser o
dia mais feliz de sua vida acaba
em lágrimas, porque algumas
peças do intricado quebra-cabe-
ça de sua vida ainda não haviam
se encaixado plenamente. Toby,
que acabou indo para Los An-
geles, tingiu o cabelo de loiro e
virou ator de filmes pornô. Ele
visita Bree e finalmente se re-
conciliam, chegando a um nível
de respeito mútuo.

O ENIGMA DA IDENíiDADE
M GENERO

Ao acompanhar a trajetória
de Bree Osbourne, que retrata
de maneira fictícia a vida real
de milhares de transexuais, a
questão que fica diz respeito
ao processo de construção das
identidades de gênero. Se esta-
mos de acordo que estas não são
meras decorrências "naturais"
da anatomia dos corpos sexua-
dos, por outro lado, como enten-
Pintura de Feinand Khnopff 11858-19211, aitista belga: 'A identidade é ao mesmo tempo material e absbata
Corpo fiSiC0 pwoado por símbolos e signlfieados"
- ela est= nuum

der o sentimento interno de ser dão, tentando se comportar da testadores ou fiéis cumpridores
homem ou mulher? Entendemos maneira socialmente atribuída das regras de gênero, a resposta
a identidade como a mediação ao sexo com que se identifica que podemos dar a esta pergunta
entre os condicionamentos so- interiormente. Mas quando, por está intimamente ligada ao pon-
ciais e a subjetividade. Sendo exemplo, uma transexual femi- to em que estejamos em nossa
produto de uma relação, a iden- nina diz que, a despeito de ter própria jornada rumo h percep-
tidade está em constante refor- nascido com um pênis, sente-se ção e afirmação de nossas iden-
mulação, pois dialoga e se si- mulher, por onde passam essas tidades. Uma viagem que certa-
tua permanentemente diante da sensações? Não seriam elas o mente tem pistas, marcadores e
matriz .cultural que, definindo sinal de apego, adesão e cum- sinais (análogos aos de trânsito)
masculinidades e feminilidades, primento das normas culturais que ajudam a nos posicionar e
predispóe os indivíduos a faze- convencionalmente designadas orientar para seguir por uma
rem suas escolhas. A identida- a homens e mulheres? Enfim, rota, mas para a qual não há um
de, neste sentido, é ao mesmo poder-se-ia dizer que o caráter mapa pronto e acabado.
tempo material e abstrata: ela altamente transgressivo da tran-
está num corpo físico povoado sexualidade traz 'consigo uma
por símbolos e significados. boa dose de conformidade aos
A transexualidade pode ser estereótipos de gênero.
vista como revolucionária, por- Para cada um e cada uma de
que é a mais firme negação de nós, ao dizer que nos sentimos
uma suposta base biológica masculinos ou femininos, para
inequívoca para a identidade além de uma suposta certeza
de gênero. Por outro lado, a ex- anatomica, também não estamos
periência mostra que a maior mostrando o quanto esta ordem
parte das pessoas transexuais predefinida e preexistente B
procura, tanto quanto possível, nossa chegada ao mundo está
passar despercebida na multi- entranhada dentro de nós? Con-
L
GÊNERO E SEXUALIDADE

JOGOS INFANTIS E GAROTAS INDISCIPLINADAS


DOIS ESTUDOS DE GÊNERO

Educadores buscam novas explicações para os


comportamentos de alunos e alunas, pois os
estereótipos de feminino e masculino não os ajudam
a enfrentar as dificuldades de seu tempo
76 por Tatnara Grigorowitschs e Lilian Piorkowsky dos Santos
deparar w m esse novo fenômeno, significados eram atribuídos por diferentes ambientes da escola,
a indisciplina das garotas, como elas a seu comportamento de mp- como pátio, corredores, salas de
disse uma aluna: "elas eram sem- tura com as regras de disciplina? aula, quadra d e esportes e teatro
pre as mais quietinhas,.mas ago- Como esses significados se ar- nos peneriodosmatutino e notumo;
ra, elas estão se mostrando, estão ticulavam com suas idbias sobre entrevistas semi-estruturadas com
aparecendo". Com a indisciplina feminilidades e masculinidades? profissionais e moças e rapazes de
vem a punição, e assim novas É importante acrescentar que, ensino mbdio; e análise dos livros
wndutas e significados passam a ao se concentrar sobre estudantes de registros das ocorrências disci-
circular no ambiente escolar. Por do sexo feminino, a pesquisa não plinares de alunos e alunas desse
isso, esta pesquisa procurou partir incorporou uma visão dicotômica mesmo ciclo escolar.
de questóes como: quais os signi- das relações entre alunos e alunas, Vimos que as muitas e distintas
ficados da escola, da disciplina uma vez que esta lógica apontaria formas de disciplinamento eram
,]ma das maneiras pelas quais a
escola participava da construção
das relaçóes de gênero, ao mesmo
tempo em que as relações de gêne-
ro eram constitutivas das concep-
çóes de disciplina e indiscipiii ali
dominantes. Dessa forma, tornou-
escolar e das punições presentes para um lugar fixo para os sig- se necessária uma atenção a por-
sob a perspectiva das alunas con- nificados de gênero. Essa é uma menores e particularidades pouco
sideradas indisciplinadas pelos perspectiva contrária ao aspecto considerados pelos sujeitos obser-
profissionais? Como ocorrem os relacional do conceito de gênero, vados, mas que, ao mesmo tempo,
tratamentos e punições para alu- pois, segundo Joan Scott, "qual- estavam muito presentes no wti-
nos e alunas, no que se refere à quer informação sobre as mulhe- diano escolar. Assim, no trabalho
indisciplina? Por que começou a res é necessariamente informação de campo, foram observadas e
se criar na escola um verdadei- sobre os homens; [uma vez] que valorizadas as práticas cotidianas,
ro alarme em relação ao que era um implica o estudo do outro". rotineiras e comuns que envolviam
percebido como crescimento da Os instrumentos e objetos de a todos e que, em geral, acabavam
indisciplina das garotas? Quais pesquisa foram a observação nos sendo tomadas wmo naturais, sem

Punnnhoa d.série CDMn e Hamüb a EocialluFPo inhntil e wus percalpor, dentre der o conrhio entn meninos
I
importância ou sem conseqüências
para os diversos atores envolvidos
com o processo de ensino-apren-
dizagem. Assim, por esse estudo
se v€ como a produção e repr*
dução de padrões de gênero, que
não eram ensinados formalmente,
estavam presentes nas relações
interpessoais, nos códigos sutis,
naquilo que não era dito, assim
como nas falas, atitudes e práticas
cotidianas não intencionais dos
sujeitos. Segundo Guacira Lopes
Louro, são "as práticas rotineiras
e comuns, os gestos e as palawas
banalizados que precisam se tor-
nar alvos de atenção renovada, de
questionamentos e, em especial,
de desconfiança".
Tanto os sujeitos que foram
entrevistados como os que foram
ouvidos em conversas informais, e avaliavam esses comportamen- do-se aparentementenanirais, mes-
incluindo-se aí profissionais e tos como não sendo tão naturais mo que sejam fatos culturais, cons-
jovens, tinham práticas, atitu- nem generalizados assim. Des- tddos social e historicamente.
des e falas que significavam os sa forma, ao mesmo tempo que As bipolandades tSlo presen-
comportamentos de rapazes e de apontavam indícios da presença tes em nosso cotidiano parecem
moças do ensino médio como di- de alguns modelos de gênero no naturais, pois as pessoas pensam
ferentes entre si. Nos significados contexto em que estavam inse- e agem espontaneamente a partir
atribuídos a essas diferenças entre ridos, também indicavam pistas delas, hierarquizando, classifi-
os sexos estavam p s e n t e s mui- das rupturas e transformações em cando e homogeneizando. Na vi-
tas vezes associações dualistas, curso nesses modelos. são de Anne Fausto-Sterling, "os
que eram utilizadas na tentativa modos europeus e norte-amenca-
de explicar a indisciplina escolar, nos [eu incluiria tambkm o modo
considerada "o inimigo númen brasileiro] de entender como
um do educador atual", segundf funciona o mundo dependem em
Julio Groppa. Isto é, os significa grande parte do uso de dualismos
dos atribuídos à indisciplina das Quando meninos, meninas, - pares de conceitos, objetos ou
moças e dos rapazes articulavam- moços e moças chegam à escola,já sistemas de crenças opostos". To-
se com padrões de feminilidadese têm intenorizada parte dos padrões davia, as bipolaridades, em espe-
masculinidades. Apesar de muitas dos comportamentos discriminató- cial aquelas referidas ao genero,
vezes naturalizarem os comporta- rios, que podem ter origem numa sHo consiruções arbitrárias, nas
mentos que atribuíam a rapazes e f o m de pensar bipolar. Por meio y a i s os sujeitos classificam ins-
moças, tanto estudantes quanto de diversas instituições e ensina- tituições, conceitos e objetos ina-
profissionais da escola em diver- mentos, muitas concepções foram nimados e não sexuados, alem de
sas outras passagens abordavam aprendidas e assimiladas, toman- traços de caráter, personalidades, E
GÊNERO E SEXUALIDADE

comportamentos e corpos, como comporbmmtos pmhidos em


se todos fossem fixos, imutáveis e rapazes e moças. Pm outro lado e
atemporais. Além disso, "usamos ao mesmo tempo, surgiram nas en-
os dualismos em alguma forma trevistas com jovens de ambos os
de argumento hierárquico". sexos, assim como com educadores
Nas falas, depoimentos e prá- e educadoras, diversas oscilações e
ticas dos sujeitos analisados exis- nuances dessas dualidades e desses
tiam bipolaridades naturalizadas, entendimentos naturalizados, m s -
como, por exemplo, moça quieta hmdo que nem tudo era tãobipolar.
Muitas wezes, seguir 06 padme. e.perador
versus rapaz bagunceiro, moça de- Uma garota do 1"ano, C., registra mnipoitaniento é a Única possibilidade d e
licada versus rapaz bmto e moça esse aspecto: "sempre as meninas llelo mundo u i l t u n l

responsável versus rapaz irrespon- s8o mais quietas que os meninos...


sável - e esse era o modelo predo- O único problema das me- é
minante naquele local, assim como que a gente conversa, sempre con- zações dos compoaamentos consi-
também ainda é em muitos outros versamos bem mais que os mole- derados de meninas e de meninos:
contextos. Assim, nesse padrão ques. Os moleques é que ficam... 'Tem menino que bagunça e tem
de feminilidade, enfatizava-se um eles bagunçam mais, respondem menina que bagunça, e tem, claro,
comportamento disciplinado, liga- mais. Mas, vamos dizer que desde uns meninos que'são comportados,
do B responsabilidade, quietude e o ano passado até esse ano eu 'to' que estudam, fazem lição todo dia,
organização. Dessa forma, pude vendo bem mais as meninas se re- fazem tudo certinho, entregam tudo
observar que as moças eram mui- belarem contra os professores. Elas certinho e tem meninas tamgm
to mais cobradas que os rapazes eram sempre as mais quietinhas, [.. I que bagunçam. Tem menino
para terem comportamentos que mas agora, elas estão se mostrando, que faz lição, que bagunça, mas faz
se adequassem a essas caracteris- estão aparecendo agora". a lição todinha e tem menina que
ticas. Por outro lado, muitas vezes, A oscilação no depoimento de bagunça e não faz a liçâo".
os comportamentos indisciplina- C. é evidente. Ela começou dizen- Quando perguntei a A. se exis-
dos dos rapazes, embora incomo- do que as meninas sempre "são tiam diferenças entre os comporia-
dassem e fossem alvo de inúme- mais quietas" e que os "moleques" mentos de rapazes e de moças, ele,
ras reclamações dos professores, são muito mais hdisciplinados, ao invés de generalizar que todos os
acabavam também tomados como identificando a quietude das meni- rapazes faziam bagunça e deixavam
sendo mais toleráveis que os das nas e a bagunça dos meninos como de entregar as atividades,relativizou
moças, já que, de alguma fomia, condutas naturais para os respecti- tais comportamentos e aiirmou a
encaixavam-se no modelo de mas- vos sexos. Contudo, mais adiante, existência de especificidades indi-
culinidade ali predominante. a jovem notou modificaçóes: "des- viduais, dizendo que havia rapazes
No entanto, esse modelo não de o ano passado até esse ano", ela disciplinadosque faziam lição todos
era o único. Nem todas as meni- constatava a pmença de moças osdias, 'hidocertinho"egarotasque
nas correspondiam a esse padrão, muito mais agitadas e revoltadas não faziam nada, assim como exis
assim como nem todos os meninos com professores. Assim, havia tiam meninos e meninas que faziam
eram indisciplinados, inquietos e pwcepção de mudanças nos com- bagunça O jovem ainda combinou
agressivos. Havia muitas formas portamentos das gatoias: "[antiga- ambos os cmqmanmtos (respon-
de ser feminina e de ser masculino mente] elas eram se.mpre as mais sabilidade nos esaidos e disciplina),
no local investigado. Por um lado, quietinhas, mas agora.:'. remetendo-seaofatodeenstirem
fizeram-se presentes as compreen- De modo parecido, A., um alu- meninas dedicados e bagunceircs,
sões naturalizadas e muitas bipo- no da 1' &e, reconheceu que não merim indiscipiinadas e esaidie
larizações e generalizações dos era posslvel fazer grandes geneíaii- sas, meninos indisciplinados e ir-
reconhecessem a existência de
mudanças com o passar do tempo
nos comportamentos das meninas,
essas mudanças eram vistas de ma-
neira negativa. Conseqüentemente,
I algumas moças consideradas indis-
ciilinadas, que fugiam ao padrão
de feminilidade esperado, unham
muiro mais vi\ibilidade no dia-a-
dia escolar. .Apcsur de essas trans-
formaçòes hcrciii tistas de forma
negativa pelos profissionais, eles
e elas também estavam tentando
respons8veis. meninas bagunceiras te era completamente diferente". buscar outras explicações para os
e irresponsáveis e rapazes e moças Impressão que se repete na fala problemas de indisciplina na es-
com ambas as atitudes consideradas da professora: "Antigamente pa- cola, já que as compreensóes na-
adequadas no ambiente escolar. rece que sim, parece que as meni- turaiizadas do que era considerado
nas sempre eram mais recatadas, feminino e do que era considerado
mais comportadas, mas hoje... masculino não os estariam auxi-
não tenho visto, não ... não estou liando no enfrentamento das diíi-
.....-... ...- ~
sentindo muita diferença, não". culdades. Como a indisciplina das
A opinião de um professor, meninas significava a ruptura e a
As entrevistas realizadas com Osvaldo, tarnbem indica nuances: quebra do "natural" e do esperado,
profissionais da escola também "116s temos, hoje, moças que têm as falas estavam carregadas de ten-
indicaram a presença de nuan- atitudes de rapazes assim como são e de tentativas de compreensão
ces. Tanto a inspetora da escola temos rapazes que são retraídos do comportamento das moças que
quando uma professora conside- como aquelas menininhas". Aqui, não se adaptavam às regras e aos
raram a existência de mudanças além da oscilação percebida pelo ensinamentos construídos de for-
históticas e culturais nos com- professor, havia o reconhecimen- mas dicot6micas. Embora ainda se
portamentos das meninas e dos to da existência de diferentes 'yei- referissem positiva e saudosamen-
meninos, o que confirmaria uma tos de ser" de rapazes e de moças, te a esse modelo de feminilidade
noção de um movimento e não de diversas masculinidades e fe- ("recatada", "quieta", "estudiosa",
de uma mera naturalização. minilidades. No entanto, quando "responsável", "delicada" e "orga-
Segundo a inspetora, "antiga- o professor falava sobre "moças nizada"), eles estavam paebendo,
mente, a menina era compoaada, que tinham atitudes de rapazes", de alguma forma, a iusufici€ncia e
tinha nota alta, era aquela que ainda utilizava como demarca- as limitaçóes desse padrão.
gostava de. estudar. E os meninos ção comportamentos que seriam
sempre foram aqueles que fica- específicos de moças e compor-
vam mais aquem. Agora, agora tamentos que seriam específicos
de rapazes. Alem disso, "ser re- . - . . . ....Y L
não. Agora você vê menina tabu- 3cihloga e mestre
lando, agora, h vezes, você vai ao traído" não era uma atitude vista E-&, ambos pela USl
banheiro das meninas e está cheio com "bons olhos" em um rapaz,
de meninas. E o que elas estufa- diferentemente da timidez e do an Plorkowsky ilor Saidk
zendo? Estão cabulando, estão fa- recato em uma garota. edagoga pela UnW O M t m
zendo coisas erradas. Antigamen- Embora alguns profissionais
BIBUOGRAFIA COMENTADA

por Maria Clara Lopes Saboya

RELAÇÕES DE GÊNERO,
SEXUALIDADE E EDUCAÇÃO
Antes de comentar os textos mais signifi- Assim, podemos afirmar que o debate teóri-
cativos sobre gênero e sexualidade, é preci- co sobre sexo e gênero tem sido marcado pelo
so esclarecer alguns pontos a respeito desses contraste entre duas posições: o essencialismo
conceitos. Sua origem remonta aos estudos e o construtivismo social.
feministas da década de 60, que procuraram Os que adotam o essencialismo (bastante
denunciar a segregação política e social sofri- criticado atualmente) defendem que há algo
da pela mulher. Por um lado, o feminismo, por inerente A natureza humana, inscrito nos cor-
meio de suas lutas específicas, chamou a aten- pos, na forma de um instinto ou energia sexual,
ção para a desigualdade política, jurídica, so- que conduziria o comportamento de homens e
cial e econômica das mulheres; por outro, foi mulheres. Já os construtivistas sociais tentam
a fundo em suas reflexões sobre a desigualda- reconstmir as categorias de sexo e gênero des-
de, possibilitando o aparecimento de trabalhos vinculando-as de qualquer forma de essencia-
sobre as relações de gênero e a mulher, pondo lismo e apontando para a construção histórica e
em xeque argumentos historicamente tomados social desses conceitos. As diversas tendências
como naturais. constmtivistas variam de um culturalismo ex-
O principal deles, ancorado na idéia da di- tremo - que atribui ao corpo um papel secundá-
ferenciação biológica e sexual de homens e rio, sustentando que as diferenças sexuais são,
mulheres como justificadora das desigualdades na verdade, constmções culturais, e negando
sociais, foi, desde o início, refutado pelos estu- qualquer possibilidade de generalização de
dos feministas que procuraram demonstrar que conceitos, dado que as culturas são irredutí-
as identidades do masculino e do feminino se veis umas às outras - ate uma disposição teó-
constroem cotidianamente na esfera do social, rica que toma o corpo como sede das relações
e não pelas características sexuais, mas sim sociais de sexo, como um sexual somatizado,
pela forma como essas características são valo- ou seja, é da observação do corpo, das diferen-
rizadas e representadas em diferentes contextos ças entre o corpo masculino e o feminino, que
54 históricos. o próprio corpo, o sexo e as relações sociais
que constituem hierarquias entre os sexos - as
relações de gênero - foram pensadas e podem
ser repensadas.
De qualquer forma, para o construtivis-
mo 6 necessário problematizar não apenas a
universalidade de um suposto instinto sexual,
como também a atribuição de causas únicas
e naturais para as relações sociais. É neces-
sário observar os processos socioculturais no
interior dos quais se articulam sexo e gênero;
destacar tambem a multiplicidade de fatores, a
importância do discurso na construção dessas
mesmas articulações.
Por essas observações pode-se perceber que
tanto o conceito de gênero quanto o de sexua-
lidade são bastante controversos. Entretanto, a
maioria dos autores, na atualidade, aborda os
conceitos de sexo e gênero pela perspectiva de
que eles se constituem como construçoes histó-
rico-sociais a partir da percepção cultural das
distinções sexuais, opondo-se às id6ias essen-
cialistas de sexo e gênero. Ao mostrar a his-
toricidade destes conceitos, os estudiosos do
assunto descortinam a variação entre as cultu-
ras na prescrição do que seja mais adequado a
cada categoria de gênero, demonstrando que a
cultura 6 a chave para que se possa entender
não apenas as diferenças e semelhanças entre
os sexos, mas também como essas semelhanças
e diferenças se transformam em relações de do-
minação e poder, igualdade ou desigualdade e,
tamb6m como, a partir da construção das rela-
ções de poder dentro de cada sociedade, se es-
tabelece o que será aceitável ou não, em termos
Comportamentais.

Pin(un dm artista aureiaw hlm Schisls 11880-1918),


ieprrsmtmie do erpnp~ionia>o amldacm corpos
brnsfiglrad- por fortos sentimentoo, de emtismo
I
1. JOAN WALLACE SCOTT ca, j á que nada no corpo (incluídos ai os ór-
gãos sexuais) determina univocamente como
"Gênero: uma Categoria Útil de Análise a organização social será definida. A leitura é
Histórica". Educação e Realidade, Porto Ale- árida, mas obrigatória para quem quer se apro-
gre, v. 20, n. 2, jul.-dez. 1995. fundar nos estudos de gênero.

Em estudo clássico, Joan Wallace Scott, pro- A Cidadã Paradoxal: As Feministas Fran-
fessora do Institut for Advanced Study de Prin- cesas e os Diueitos do Homem. Florianópolis:
ceton (Estados Unidos), escreve sobre o gênero Mulheres, 2002.
como um elemento constitutivo das relações Nesse livro, estudando o feminismo francês
sociais, fundadas sobre as diferenças percebi- do século XIX, a autora dialoga com dois dos
das entre os sexos e como a primeira forma de principais conceitos produzidos pelas teóricas
dar significado as relações de poder. Segundo a norte-americanas sobre relações de gênero, des-
autora, o gênero permeia todas as experiências construindo a idéia de que haveria dois tipos an-
humanas e todas as relações sociais, e a catego- tagônicos de feminismo, o da igualdade e o da
ria relações de gênero permite vislumbrar que diferença, mostrando que ambos os conceitos são
as diferenças entre os sexos são socialmente duas estratégias discursivas utilizadas pelas femi-
construídas e não naturais, como muitos estere- nistas desde a Revoluçlo Francesa. Scott aborda,
ótipos podem fazer crer. Essa desmistificação nessa obra, a trajetória de importantes militantes
das diferenças entre os sexos exige também que feministas francesas: Olympe de Gouges, Jeanne
se enfatize o caráter relaciona1 dos conceitos de Deroin, Hubertine Auclert e Madeleine Pelletier,
gênero e de sexualidade. O conceito de gênero que contribuíram decisivamente para o debate a
foi descrito por Joan Scott como o saber ou a respeito da participação política das mulheres na
organização social da diferença sexual. Porém República Francesa, tanto no que se refere ao di-
o gênero, enquanto saber, não se constitui como reito ao voto quanto ao que impedia as mulheres
um conceito que descreva apenas as relações de votar e se elegerem. Assim, alem de levantar
entre homens e mulheres, mas como uma ca- questões a respeito do feminismo contemporâneo,
tegoria teórica que remete a um conjunto de articulando-o com as conquistas políticas obtidas
significados construídos culturalmente e que pelas mulheres ao longo de três séculos, ela apre-
são utilizados na compreensão de todo o uni- senta os argumentos atuais e os debates sobre a
verso social, mesmo na interpretaçlo de rea- representação política das mulheres na França e a
lidades que não tenham relação direta com o influência exercida por esse debate teórico sobre
corpo. Tal saber nlo é absoluto ou verdadeiro, os estudos de gênero no Brasil.
mas sempre relativo e, como modo de ordenar
o mundo, não antecede a organização social,
mas é inseparável dela. Isso não significa que
o gênero reflita ou implemente diferenças físi-
cas fixas e naturais entre homens e mulheres, História da Sexualidade I. A Vontade de Sa-
mas sim que gênero é o saber que estabelece ber. Trad.: M . T . da C. Albuquerque. Revisão
significados para as diferenças corporais. Para técnica J. A. G. de Albuquerque. Rio de Janei-
Jnan Scott, esses significados variam de acor- ro: Graal, 1977.
86 do com as culturas, os grupos sociais e a épo- Nessa obra, Foucault escreve que o corpo
não é uma dádiva da natureza: os corpos são A partir de práticas cotidianas, rotineiras e
construidos de acordo com as particularidades comuns, Guacira Lopes Louro, professora da
histórico-sociais. Na sua análise sobre a relação Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
da sexualidade com o poder, ele verifica que, aborda a produção, dentro da instituição es-
no século XIX, todo o processo de crescimento colar, de diferenças e desigualdades sexuais e
e estabelecimento da hegemonia da burguesia de gênero, em sua articulação com outros fa-
esteve assentado na valorização do corpo em tores, tais como: as redes de poder, raça, etnia,
detrimento da valorização do titulo de nobre- classe, a busca de diferenciação e identifica-
za ou do prestigio social da família, dado que ção pessoal e suas implicações com as práticas
ela pretendia opor-se à aristocracia e demarcar educativas. Para Guacira Louro, é por meio do
o seu peso social. Residindo a sexualidade no aprendizado da socialização que cada pessoa
corpo, ela é, por conseqüência, uma forma de conhece o que é social e culturalmente consi-
poder. Foucault afirma que a sexualidade, en- derado ser homem ou mulher numa determina-
tendida como uma construção histórica e so- da sociedade. Ela afirma que não são propria-
cial, faz parte dos mecanismos de dominação mente as características sexuais, mas a forma
do sujeito e dos grupos, através das relações de como essas caracteristicas são representadas
saber-poder. Para o autor, foi assim que nossa ou valorizadas, aquilo que se diz ou se pensa
cultura deu origem a um tipo de ciência sexu- sobre elas, que vai constituir, de fato, o que é
al que, afirmando tudo saber sobre sexo, criou feminino ou masculino em uma dada socieda-
normas para melhor controlá-lo. Nesse sentido, de e em um dado momento histórico. A autora
a sexualidade aparece como um dos mecanis- mostra que os gestos e as palavras banalizados
mos reguladores da verdade do sujeito. A temá- devem ser questionados, a fim de que não se-
tica central que, dessa maneira, está colocada jam tomados como naturais, ou seja, por essa
nos trabalhos de Foucault é a do intricado jogo perspectiva, currículos, normas, procedimentos
do poder e da sua importância para a constitui- de ensino, teorias, linguagens, materiais didáti-
ção dos saberes no dispositivo da sexualidade. cos, processos de avaliação, dentre outros com-
Assim, não podemos ver a diferença sexual a ponentes escolares, são postos em xeque, para
não ser como função de nosso próprio saber que se possa verificar como contribuem para
sobre o corpo e este não pode ser isolado de construir, reproduzir ou desconstruir desigual-
suas relações, numa ampla gama de contextos dades e representações homofóbicas e sexistas,
discursivos. A diferença sexual não é, portanto, por exemplo.
a causa original da qual a organização social
possa ser derivada em última instância - mas
sim uma organização social variada, que deve 4. MARY O U PRIORE
ser, ela mesma, explicada.
História das Mulheres no Brasil. São Paulo:
Contexto, 2000.
3. OUACIRA UI#S LOURO
Organizado pela historiadora e professora da
Gênero, Sexualidade e Educação: Uma Universidade Salgado de Oliveira (Niterói) Mary
Perspectiva Pós-Estrutziralisfa. Petrópolis: Vo- Del Priore, este livro reúne artigos de vários histo-
zes, 1997. riadores e descreve a situação das mulheres desde 87
GÊNERO E SEXUALIDADE

o Brasil Colônia até as últimas décadas do século


XX, demonstrando a presença feminina nos mais
diferentes contextos e épocas da história do pais,
por meio de uma profunda pesquisa em documen-
tos históricos. Se a história oficial sempre foi con-
tada por homens sobre outros homens, relegando à
atuação da mulher um papel coadjuvante e mesmo
irrelevante nessa constnição, esta obra pretende
romper com essa versão, desconstmindo mitos e
dando às mulheres sua real importância na histó-
ria do Brasil. Abordando temas que se referem as
mulheres de diferentes classes sociais, os artigos
descrevem as práticas e costumes tanto das senho-
ras de engenho, das desbravadoras, das filhas de
fazendeiros, quanto das nativas, das professoras,
das trabalhadoras pobres, das escravas, das pros-
titutas, sugerindo a classificaçâo das mulheres em
duas categorias: as abastadas e as desprovidas so-
cialmente. Porém, fossem elas ahastadas ou não,
tinham de enfrentar toda série de obstáculos im-
postos pela sociedade patriarcal, que impunha so-
bre as mulheres um jugo moralístico e, portanto,
uma opressão social, roubando-lhes o desejo, o
prazer sexual e a sensibilidade. Acoletânea de tex-
tos contribui, sobremaneira, tanto para a constru-
ção da auto-imagem histórica da mulher brasileira
quanto para a análise histórica de nossa sociedade
pela perspectiva de gênero, permitindo resgatar a
participação feminina na construção da história do
nosso pais, além de nos possibilitar conhecer e vi- professora da Universidade Federal do Rio de
venciar episódios de mulheres de fibra que não se Janeiro, Maria Luiza Heilhorn, foram reunidas
curvaram, nem se renderam ou se entregaram. O pesquisas com diferentes grupos populacionais,
liwo nos mostra que as conquistas obtidas pelas mas especialmente com jovens, pertencentes a
mulheres no século XX foram as mais significati- diferentes camadas sociais, demonstrando como
vas de todos os tempos. a sexualidade é, em grande medida, condicio-
nada pelas lógicas culturais e pelas práticas
5. MARIA U#ZP sociais. A heterogeneidade que caracteriza os
- -
diferentes capítulos do livro é um sinal da con-
Sexualidade: O Olhar das Ciências Sociais. trovérsia que permeia o debate sobre o tema. Os
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. artigos demonstram diferentes possibilidades de
construção de trajetórias sexuais e nos condu-
Neste livro organizado pela pesquisadora e zem a distintos cenários culturais, permeados

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