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Roland
Barthes
e o signo
fotográfico
Rodrigo Fontanari
Alexandre Camanho
rio de pesquisas indiferentes e indiferenciá- assinalar o signo e tentar indicar o que existe
veis. Esqueceram, principalmente, a lição além do mecanismo de construção de senti-
da palavra teoria. Tomemos a etimologia da do empregado no processo de enunciação.
palavra em francês, théorie, proveniente do Diante da linguagem, estamos ao mes-
grego thea, que significa um “modo de ver”; mo tempo perante uma luta contra duas faces
um “modo privilegiado de olhar próximo de linguísticas: de um lado, no plano dos signi-
Deus”; ou ainda uma “ação de observar”. ficados (problemas semânticos) e, de outro,
Nesse sentido, encontramos em Barthes uma na destruição dos significantes, depondo e
teoria, ainda que não de forma evidente, pois, opondo contra o signo.
se tomarmos alguns textos a partir do plano Cabe, a essa altura, uma ressalva: o século
da expressão, eles são considerados poéticos XX é notadamente marcado pelo apogeu do
demais para ser ciência. Já no plano do con- paradigma semiótico de cunho estruturalis-
teúdo, ficam mais evidentes a articulação e ta na obra de Roland Barthes. Como aponta
a construção de um pensamento. Na medida Winfried Nörth em A Semiótica no Século
em que podemos encontrar em seus textos XX, os termos “semiótica” ou “semiologia”
uma articulação de conceitos, é possível, por e “estruturalismo” são tomados praticamen-
consequência, depararmos com a constitui- te quase como sinônimos. Para todo efeito e
ção de uma teoria (visão) a respeito do objeto com a finalidade de desfazer a problemática
(corpus) tomado para análise. da nomenclatura “semiótica” ou “semiologia”,
podemos dizer que, para alguns autores, o ter-
O PROJETO SEMIOLÓGICO mo “semiologia” está a serviço dos objetos
OU SEMIÓTICO linguísticos fortemente marcados pela tradi-
ção dos estudos de Ferdinand Saussure (1857-
Parece necessário delinearmos, nesse ho- 1913), ao passo que a “semiótica” estaria para
rizonte, a unidade que liga toda a obra de Bar- aqueles não linguísticos, vinculados, sobretu-
thes, desde O Grau Zero da Escrita até seu do, à tradição anglo-saxã, que tem como figu-
derradeiro livro em vida, A Câmara Clara. ra-mestre Charles Senders Peirce (1839-1914).
A estrutura comum que parece unir a De maneira geral, para ambas as ciências, é
abertura e o fechamento dessa magistral obra o signo que importa em meio a esse jogo de
poderia ser resumida num projeto comum: nomenclatura, como elemento produtor de se-
a caça às falsas evidências. Havia em Bar- miose, processo inerente ao ser humano e no
thes essa vontade de desvendar e de revelar o qual se estabelece uma relação entre o signo,
compromisso histórico (político) de qualquer o seu objeto (conteúdo) e a sua interpretação.
discurso, tendo na linguagem o seu material Portanto, a semiótica barthesiana consis-
evidente, seja na forma de texto literário te num olhar político sobre os signos, que
ou então encontrado por debaixo, raspando nada mais é senão excitação do olhar crítico.
a crosta sígnica que recobre o discurso do Essa excitação é uma desconstrução do mun-
vestuário, do cartaz publicitário em outros do que nos rodeia, de tal forma que nele en-
objetos da cultura. contremos a função-signo, isto é, um mundo
O esforço de Barthes está para além de signo dele mesmo. Essa função-signo ocorre
compreender o signo, perpassa pelo meio em muitos sistemas semiológicos cuja subs-
ambiente quotidiano, pela cultura, na medida tância de expressão não é significar. São ob-
em que aí se encontram, ao mesmo tempo, jetos de uso sobre os quais a sociedade impôs
objeto e instrumento de comunicação. significação derivada pela finalidade de uso
O que é subversivo na semiótica barthe- no contexto social. Esforçamo-nos por en-
siana é a dissecação, que não consiste em contrar neles um desvio de significação que
opor os signos a outros signos, mas em escan- o código constrói por meio da linguagem.
cará-los, mostrar do que são feitos. Em outras O projeto semiótico de Barthes está nesse
palavras, a semiótica de Barthes consiste em imbricamento entre o explícito e o implíci-
Quando o autor analisa o mundo do signo e reconhecer o que está posto na superfície
fotográfico e o articula por meio desse par do registro fotográfico. Na esteira do pensa-
opositivo – studium/punctum –, é evidente mento barthesiano, a fotografia é considerada
que, sem ter o desejo de fazer uma teoria como suporte de sentimentalidade, onde há
do signo fotográfico, acaba por efetuá-la. um curto-circuito temporal, a ternura mani-
Roland Barthes coloca seu leitor em estado festa diante daquilo que não volta mais, da-
de meditação e o faz pensar, e sentir – como quilo que é inapreensível. Isso pertence ao
ele fez na tessitura do próprio texto do li- que poderíamos denominar de primeiro nível
vro – o signo fotográfico, e incita o leitor, de apreensão de uma foto. Num segundo ní-
o observador, o contemplador que se coloca vel, observamos uma foto, reconhecemos o
diante de uma foto, à difícil tarefa de escutar que nela (suporte) está registrado, seus moti-
o significante e de encontrar ou não, nesse vos. Por fim, há ainda um terceiro e instigante
processo, a pungência do fotográfico no li- nível de análise que opõe o simples ato de ver
mite da linguagem. fotos ao de lê-las. Ler requer um olhar aten-
O recorte metodológico que aparece em to que saiba decifrar uma linguagem visual
A Câmara Clara constitui uma leitura das e as suas especificidades. A chave do pen-
imagens técnicas através de um olhar – lente sar semiótico de Barthes está, antes, no sentir
fotográfica – que, embora um pouco mecâni- aquilo que está posto diante dos olhos. Pura
co, sabe, na retina do tempo, sentir, conhecer poética da imagem; puro deleite dos sentidos.
B I B LI O G R AFIA