Professional Documents
Culture Documents
3. Tomando como base o texto acima, produza um ensaio dando conta da relação
estabelecida por Ginzburg entre a obra de Hobbes, a formação do Estado Moderno e suas
raízes na atualidade.
Temendo por sua segurança, Hobbes fugiu da Inglaterra para Paris já em 1640,
com medo das possíveis represarias por parte do Parlamento, pois havia exaltado a
autoridade monárquica em seu livro Os elementos da lei. Nessa obra, já se verificam
alguns dos elementos que constituem a essencial da filosofia hobbesiana, dentre os quais
um é particularmente importante, a presença do medo. Tal presença, é ainda mais
justificável ao levar-se em conta que Hobbes nascera justamente quando a frota espanhola,
a Invencível Armada, ameaçava desembarcar na costa inglesa.
Por isso, Hobbes tem uma visão pessimista e negativa sobre a natureza do ser
humano, um ser cuja condição natural seria agressiva e belicosa, muito diferente da
percepção de outros filósofos contratualistas, tais como Jean-Jacques Rousseau, para
quem o homem no estado de natureza é originalmente bom, sendo justamente a sociedade
1
GINZBURG, 2014, p. 3.
quem o corrompe, como exposto em suas palavras: “ O homem nasce bom, a sociedade
o corrompe”2
Como pode ser percebido, o Estado é fruto de um pacto nascido através do medo,
um tema tão recorrente na vida de Hobbes, oriundo das rebeliões que assolavam a Europa
em sua época e que atingiam principalmente a Inglaterra, em função das lutas
sanguinárias entre rei e Parlamento. Portanto, para a filosofia hobbesiana, a paz constitui-
se como um bem supremo merecedor de qualquer sacrifício, já que a própria formação da
instituição estatal e a sujeição dos indivíduos a essa mesma, decorre da necessidade do
ser humano em sobreviver.
2
(contrato social, livro 1, cap.1), citado por MARCONDEZ, 2002, p. 200, grifo do autor.
3
GINZBURG, 2014, p. 3.
4
GINZBURG, 2014, p. 3.
Torna-se evidente, o uso do medo como uma ferramenta de consolidação do
próprio Estado. Por conseguinte, Hobbes diverge de Aristóteles, atribuindo a origem do
Estado como algo divergente a própria natureza do ser humano. Esmiuçando essa ideia,
enquanto que para Aristóteles “o homem é um animal cívico”5; logo, a polis, entendida
como o Estado, constitui-se em um fenômeno natural. Inversamente, Hobbes como
anteriormente evidenciado, atribui como característica inerente do estado de natureza a
guerra de todos contra todos, enxergando no medo o mecanismo responsável pela
renúncia por parte dos sujeitos aos seus direitos naturais. Sendo assim, o Estado para o
filósofo contratualista diferentemente de Aristóteles, não é algo natural, mas sim uma
construção artificial.
Uma vez que o Estado se estabelece por meio de um pacto, alguém deve ser o
responsável por salvaguardar os termos prescritos de comum acordo. Para tanto, faz-se
necessário que alguma instituição exerça o poder, que na visão hobbesiana pode ser
exercído tanto por uma assembleia, por um parlamento quanto por um único soberano,
nesse último caso, o rei. Porém, sua visão filosófica adverte: “as assembleias tendem,
contudo, a reviver o conflito, devido às disputas entre várias facções ou partidos. Hobbes
dá assim preferência a monarquia” 6. A própria postura do autor frente ao conflito da
Revolução Inglesa comprova seu pensamento, já que durante a guerra civil inglesa
defendeu o partido monárquico contra Cromwell, tendo suas obras censuras e vendo-se
pressionado a exilar-se para a França Esboçando sua concepção de Estado como consta
em sua obra Leviatã, sua percepção sobre legitimidade do poder torna-se mais clara:
5
ARISTÓTELES, 2006, p. 12.
6
MARCONDEZ, 2002, p. 198.
7
(Leviatã, parte II, cap. XVII), citado por MARCONDEZ, 2002, p. 199, grifo do autor.
A critério de comparação, Rousseau compreendendo o Estado como uma
instituição que deve prezar pelo bem-comum e pela justiça, atribui sua legitimidade
somente quando correspondente aos anseios da população, que pelo contrário, tem o
direito de substitui-lo.
Alicerceado a temática do Estado, tem-se a religião, que é parte dos elementos que
o constituem. Tendo isso em mente, Hobbes dedicou-se a estudar a origem da religião,
atribuindo-lhe uma origem semelhante ao do próprio Estado, sendo para ele: “oriunda do
medo nascido das causas naturais, substituídas por potências invisíveis.”9 Contudo, tal
concepção valeria somente para a religião pagã, pois o reconhecimento de um único Deus,
quer dizer, o Deus Cristão, que é eterno, infinito e onipotente, seria resultante da
curiosidade em conhecer as coisas e não originário do medo . Algo contraditório, ao levar-
8
VIEIRA; MENDES, 2009, p. 6.
9
GINZBURG, 2014, p. 6
se em conta que o filósofo atribui o desejo de conhecer como causa de ansiedade e do
“medo perene”.
Para tanto, na visão Hobbesiana, adverte que dentro do Estado a religião não
possuí autonomia nenhuma, funcionado como um mecanismo de controle estatal, levando
em conta que o controle do Estado não ocorre somente pela força, mas por outros
mecanismos de sujeição, cuja religião é um dos principais. Por isso, o mesmo Estado que
incute o terror, uma mistura de medo e sujeição, necessita para se legitimar das “armas
da religião”. Consequentemente, a concepção de Estado moderno para Hobbes, como
argumenta Ginzburg: “gira em torno de uma Teologia política: uma tradição inaugurada
por Hobbes”10
Na Modernidade, estes Estados passaram a competir entre si, e para isso, como
bem expõem Perry Anderson, os países desenvolveram mecanismos que viabilizem tal
competição, formando exércitos nacionais, desenvolvendo mecanismos burocráticos e
tributários mais eficientes, e estabelecendo a diplomacia.
10
GINZBURG, 2014, p. 9.
11
ROPER, 1975, p. 135.
Já na contemporaneidade, apesar da diferença contextual, é possível perceber que
o cerne do pacto social ainda se mantem, ou seja, o ideal de difusão do terror como forma
de se alcançar a sujeição. Mas agora, o terror se perpetua de maneira mais avançada, em
vista do crescimento tecnológico das últimas décadas. Durante a Guerra Fria, por exemplo,
o medo eminente de uma guerra de consequência globais gerava igualmente, um terror
psicológico difundido universalmente. Nesse mesmo contexto, há também a competição
entre duas potencias, Estados Unidos e União Soviética (os Leviatãs da época), cuja
rivalidade gerava a sujeição dos demais países, sobretudo dos países de Terceiro Mundo.
12
GINZBURG, 2014, p. 11, grifo do autor.
Referências
GINZBURG, Carlo. Medo, reverência, terror. Quatro ensaios de iconografia
política. São Paulo:Cia das Letras, 2014. pp. 13-32.
TREVOR-ROPER, H.R. – A crise geral do século XVII. In: SANTIAGO, T.A. (org)
História - Capitalismo –Transição. Rio de Janeiro:Eldorado. 1975. pp. 127-158.
VIEIRA, Esther Regina; MENDES Betina Souza. Democracia segundo Rousseau:
uma análise histórica sobre as principais ideias de Rousseau na obra “O Contrato
Social” e sua contribuição para a democracia na contemporaneidade. Revista
Direitos Fundamentais e Democracia, vol. 5 (2009). Disponível em:
<revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/>. Acesso em: 04 de junho de 2019.
MARCOMDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a
Wittgenstein. –7 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado Absolutista. 3. ed. 1ª reimpressão. São
Paulo: Brasiliense. 1998. Cap.1 e 2 pp.15-57
ARISTÓTELES. A Política - Volume 61. Aristóteles - Coleção a Obra-Prima de Cada
Autor. Lelivro, 2017. Disponível em: <http://lelivros.love/book/baixar-livro-a-politica-
aristoteles-em-pdf-epub-e-mobi/#tab-reviews>. Acesso em: 04 de junho de 2019.