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‘Smart houses’

moçambique
Como As nossas casas estão
cada vez mais inteligentes

dívidas ocultas
Apesar de tudo, os sinais
macroeconómicos são positivos

ENTREVISTA
José Reino da Costa, PCE
do millennium bim

cannabis
Um novo mega mercado
global em ascensão

Como Formar
o Futuro?
A formação de quadros é um tema
estruturante da economia e do país
MARÇO 2019 • ano 02
no 12 • Preço 200 MZN
Sumário

6
67 ócio
Observação

Celebração
Uma das imagens do ano acontece na Índia,
a 21 de Março, no Holi, a festividade da Primavera 68 Escape A magia das Quirimbas 70 Gourmet Uma
escapada ao espaço criativo ‘Deal’ 71 Adega A história
única dos Vinhos Verdes 72 Agenda Música, livros, filmes
8 Radar 73 Arte A inauguração do maior museu das civilizações
negras 74 Ao volante O que tem o novo Porsche 911
Panorama Economia, Banca, Finanças,
Infra-estruturas, Investimento, Lá Fora

12 Macro

ENQUADRAMENTO
12 Dívida Como a economia está a reagir bem
ao escândalo judicial que se arrasta
16 Smart houses O segmento da habitação
inteligente tem vindo a crescer, em Moçambique

26 nação
Formação de Quadros
26 Como formar o futuro Como Moçambique
está, ou não, a formar as novas gerações para
os grandes desafios económicos que se avizinham
34 Conteúdo Local... O bom e mau exemplo
de Angola, ao nível do oil & gas
38 Na voz de... Narciso Matos, reitor
da Universidade Politécnica

42 provÍncia
Tete
Na Província do carvão teme-se, agora, a descida
anunciada dos preços do mineral nos mercados

46 mercado e FinanÇas 54 figura do mÊS


Millennium bim CIP
José Reino da Costa, PCE do banco, fala do Fátima Mimbire, investigadora do Centro de
presente e do futuro da instituição financeira Integridade Pública fala sobre as dívidas ocultas

50 empresas 56 sociedade
PME Erva
Arco Investimentos Uma empresa cotada O mercado da cannabis é um novo nicho
em Bolsa, com o foco no turismo nacional multimilionário para as grandes marcas

52 Megafone 60 lÁ fora
Marketing Brasil
O que está a acontecer no mundo das Como Bolsonaro vê o Brasil na CPLP, com quem
marcas, em Moçambique e lá por fora sempre teve uma relação fria? Eis a questão

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Editorial

Mega projectos vs
formação de quadros
Iacumba Ali Aiuba

moçambique está empolgado, há mais de uma década, com o desenvolvimento Março 2019 • Nº 12
de projectos ligados aos hidrocarbonetos, mas sem um alinhamento claro com PROPRIEDADE Executive Moçambique
um plano prospectivo de formação de quadros para responder às necessida- DIRECTOR Iacumba Ali Aiuba
DIRECTOR EXECUTIVO Pedro Cativelos
des previsíveis dos grandes empreendimentos em curso em particular, e para conselho EDITORIAL
o desenvolvimento do país, em geral, num contexto de contribuição relevante Alda Salomão; António Souto;
dos recursos naturais na conta geral do Estado. Narciso Matos; Rogério Samo Gudo
JORNALISTAS Celso Chambisso;
O primeiro Governo de Moçambique, consciente das limitações de recursos Hermenegildo Langa; Cristina Freire,
humanos qualificados para as necessidades de então e futuras do país, e peran- Elmano Madaíl, Rui Trindade;
PAGINAÇÃO José Mundundo
te limitações financeiras da época, foi capaz de se organizar e, de forma estru- FOTOGRAFIA Jay Garrido; Vasco Célio
turada, preparar quadros para diversas áreas, dentro e fora do país, contando, REVISÃO Manuela Rodrigues dos Santos
certamente, com apoios de países amigos. Esta experiência que correspondeu à PRODUÇÃO Executive Moçambique
PUBLICIDADE Ana Antunes (Gestora
visão estratégica dos dirigentes da época, como medida de antecipação ao seu Comercial - Moçambique) ana.antunes@
tempo, poderia ser seguida pelos decisores de hoje. executive-mozambique.com; iona@iona.
Há, no mundo, experiências bem-sucedidas de países sem muitos recursos na- pt/contacto@iona.pt (Portugal)
ADMINISTRAÇÃO, REDACÇÃO
turais, mas que, com base na visão holística dos seus dirigentes, definiram o E PUBLICIDADE Executive Moçambique;
desafio da educação e formação de talentos em diversas áreas como motor Av. Salvador Allende, nº 1039, Bairro Polana
Cimento, Maputo – Moçambique; Tel.:
impulsionador do desenvolvimento económico e social. O Governo é que deve lide- +258 21 485 652; Tlm.: +258 84 311 9150;
rar o processo em parceria com outros actores do sector de dentro e do exterior. geral@executive-mozambique.com
DELEGAÇÃO EM LISBOA Telheiras, Rua
Nesta edição, publicamos em exclusivo a entrevista com o Professor Narci- Poeta Bocage, Nº 2 – 1º Escritório D • 1600-
so Matos, Reitor da Universidade Politécnica e membro do Conselho Editorial 233 Lisboa • Portugal; Tel. +351 21 381 3566;
desta revista, onde, mais uma vez, chama a atenção para a necessidade de se iona@iona.pt
IMPRESSÃO E ACABAMENTO
levar a sério a formação de quadros, alertando para o risco de ficarmos cada Minerva Print - Maputo - Moçambique
vez mais atrasados se não apostarmos também na formação de moçambica- Tiragem 4 500 exemplares
Número de Registo
nos no exterior. Faz algumas revelações da sua rica experiência nesta maté- 01/GABINFO-DEPC/2018
ria e apresenta a sua visão para as diversas vertentes, versus, oportunidades,
que poderá, quiçá, ajudar a mudar o paradigma da eduçação e formação de
talentos em Mocambique.
A E&M fornece este tipo de informação para que o estimado leitor possa es-
tar informado da realidade moçambicana e pretende também contribuir pa-
ra a tomada de decisões de quem de direito, com impacto positivo na esfera
económica, política e social do país, pois ‘quem lê sabe mais’.

Director da revista Economia & Mercado

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observação

Índia, MarçO de 2019


A festa das cores
Realiza-se, anualmente, na Índia, uma das
mais peculiares e majestosas celebrações
de que há registo, em todo o mundo.
Durante o Holi, festividade que marca a
chegada da Primavera, homenageia-se
Krishna e celebra-se o triunfo do bem sobre
o mal. Através de uma majestosa alegoria,
pelo número de pessoas envovidas por todo
o mundo hindu, durante 24 horas, todas
as castas e classes sociais são, por um dia,
unificadas ao som da música e da dança.
submersas em cores pintadas pelos pós
que inundam a atmosfera e fazem deste
um retrato único de unicidade social.

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RADAR
Juros. O Banco de Moçam- Importações. O controlo e re-
FID da Anadarko entre Abril e Maio bique, através do Comité de dução dos benefícios fiscais e
Política Monetária, decidiu a evolução do volume de im-
manter a taxa de juro MIMO portações contribuíram para
em 14,25%. Mantêm-se tam- uma maior arrecadação na
bém as taxas da Facilidade cobrança interna e exter-
Permanente de Depósitos na do IVA. O Imposto sobre o
(FPC) em 11,25% e de Facilida- Valor Acrescentado bruto
de Permanente da Cedência chegou a 65 mil milhões de
em 17,25%. Segundo o BM, a meticais, com reembolso de
decisão “assenta na possibili- 10,7 mil milhões, o que resul-
dade de a inflação situar-se tou no IVA líquido de 54,3 mil
na ordem de um dígito até milhões de meticais. Nas Ope-
Dezembro.” rações Internas situou-se nos
As expectativas residem na 29,1 mil milhões de meticais
redução do preço dos com- (115,6% de realizações e 12,1%
bustíveis nos principais mer- de crescimento nominal face
cados internacionais e na a 2017) e nas Operações Exter-
estabilidade de preços nos nas arrecadaram-se 35,9 mil
principais parceiros comer- milhões de meticais (99,9% de
Investimento. O acordo de De acordo com o que a E&M ciais de Moçambique. realizações e 24,6% de cres-
compra e venda de gás apurou, alcançada a meta, cimento nominal face a 2017).
natural liquefeito (LNG na a Decisão Final de Investi- Receita. De acordo com os da-
sigla em inglês) entre a mento do projecto da Área dos do balanço de execução
Anadarko e a empresa in- 1 deverá ser anunciada orçamental do ano passado o
diana Bharat Petroleum ainda neste primeiro se- Estado angariou, em conces-
Corparation, de 1 milhão de mestre do ano, provavel- sões, 3 483,3 milhões de meti-
toneladas anuais, duran- mente em Abril ou Maio. cais, ou seja, 1,6% da receita
te os próximos 15 anos, dá De resto, e de acordo com total da colectada em 2018.
à Anadarko uma garan- o relatório anual da com- Estes números representam
tia de venda anual de 8,5 panhia petrolífera, ainda um crescimento de 74,3% em
mtpa (unidade de medição este ano vão ser investidos termos nominais, face ao pe-
de GNL) em compromissos 176 milhões de dólares, um ríodo homólogo, justificado
de offtake entretanto já as- investimento que “inclui a pelo aumento do volume de
sinados. A fasquia mínima parte do custo da Anadarko negócios das Empresas Ma- Logística. A empresa Cami-
para a decisão final de in- associado com a prepara- puto Port Development Com- nhos de Ferro de Moçambi-
vestimento (FID) do projecto ção em curso no local “para pany (MPDC) e do Corredor que (CFM) anunciou um in-
de 25 mil milhões de dóla- a instalação da central do Desenvolvimento do Norte vestimento de 37,5 milhões de
res avançar finalmente. A de transformação de gás (CDN). Do total das receitas de dólares para reforçar o ma-
capacidade do terminal de onshore”, pode ler-se no re- concessões, a Hidroeléctrica terial circulante com a aqui-
dois trens é de 12,88 mtpa. ferido documento. de Cahora Bassa (HCB) é, ainda sição de cinco locomotivas no-
assim, a maior contribuinte, vas e 300 vagões-plataforma.
com mais de mil mil milhões De acordo com uma fonte ci-
pelo facto de o volume total de meticais, seguida pela Vo- tada pela agência de notícias
Economia do serviço da dívida pública, dacom, com 24,3% (cerca de AIM, as locomotivas têm ca-
em percentagem dos recur- 847 milhões de meticais). pacidade para rebocar va-
sos próprios do Estado, ter O Corredor Logístico Integra- gões contendo 2 700 toneladas,
Crescimento. De acordo com o aumentado de 20,2% nos três do de Nacala (CLIN) fecha este face às 1 800 toneladas de ca-
relatório de execução do OE primeiros trimestres do ano pódio com o equivalente a pacidade dos equipamentos
de 2018, avaliado pelo CIP, o para 25,1% face ao período 22,7%, que representa cerca actuais. As novas máquinas
crescimento da economia mo- homólogo de 2017. de 791,4 milhões de meticais. foram adquiridas aos Estados
çambicana abaixo da meta Unidos da América, enquanto
inicialmente prevista (ape- Moody´s. De acordo com a os vagões provêm da Áfri-
nas 3,5%, menos 1,8% do que a agência norte-americana ca do Sul, esperando-se que
previsão do governo de 5,3%) de notação financeira numa cheguem a Moçambique nas
teve impacto em todas as va- nota emitida a 16 de Feve- próximas semanas.
riáveis fiscais, “sobretudo nas reiro as Perspectivas de Evo-
receitas do Estado”, bem como lução, de Moçambique pas- Emprego. O Subcomité Ma-
“ao nível da redução do volu- saram de “negativas” para croeconómico do Comité dos
me de investimento interno.“ “estáveis” (Caa3). Ainda assim, Governadores dos Bancos
No mesmo documento, o CIP a economia nacional continua Centrais da Comunidade para
reiterou ainda “preocupação” em default. o Desenvolvimento da África

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Austral (CCGB) debateu o es- rar cerca de três anos, para a
tágio da convergência macro primeira fase de desenvolvi-
económica e “a necessidade mento. Para isso, a Anadarko
de fortalecimento dos meca- lançou já um concurso para a
nismos e instrumentos de coo- entrega de propostas para o
peração dos países-membros, fornecimento de equipamen-
para acelerar a integração tos e serviços de abertura dos
comercial da região”. poços, e ainda fornecimento
Na abertura da reunião, o ad- de uma Unidade Móvel para
ministrador do pelouro de Es- Perfuração Offshore á pro-
tabilidade Monetária do Ban- fundidade de 1 200 metros.
co de Moçambique, Felisberto
Navalha, falou das condições
“favoráveis a uma maior es- AGRICULTURA
tabilidade macroeconómica”
e acrescentou que “as projec-
ções de curto e médio prazo Agricultura. Com cerca da 40%
relativas à inflação indicam de terra arável do mundo
que esta vai manter-se baixa “África ainda não explora
e estável, nos níveis compatí- todo seu potencial agrícola”.
veis com o critério de conver- No entanto, ao nível do conti-
gência de 6% estabelecido nente “a performance de Mo-
pela SADC, embora se espere çambique é boa”, e até está à
que o PIB continue a crescer frente dos outros PALOP, se-
abaixo do seu pleno potencial gundo a comissária para Eco-
de desenvolvimento. nomia Rural e Agricultura da
União Africana, Josefa Sacko
que diz ainda “que se perde
ENERGIA 40% da produção global devi-
do à falta de infra-estruturas,
ao escoamento da produção e
Combustíveis. O CIP estima à contaminação dos solos”. O
que, entre 2014 e 2018, dos grande desafio do continente
262,8 mil milhões de meticais continua a ser “a produção
destinados à compra de gasó- para o consumo interno”, diz.
leo, gasolina e gás de cozinha,
quase metade (118,6 mil mi-
lhões) irão ser destinados a
despesas de importação e dis-
tribuição. Entre 2014 e 2017,
relata o CIP, “devido à corrup-
ção e má gestão, a energia
consumida custou à EDM 21
mil milhões de meticais, che-
gando a ser três ou quatro
vezes mais cara do que a da
HCB”, diz o relatório.
Crédito. O ICM e a Gapi anun-
ciaram, em Fevereiro, a cria-
ção de uma linha de crédito
para comercialização agríco-
la (LCCA) que já disponibilizou
cerca de 10,5 milhões de me-
ticais a empresas produto-
ras de grãos de milho e seus
derivados em Tete, Nampula,
e Niassa. Este financiamento
irá beneficiar mais de 10 mil
famílias, residentes em comu-
Gás natural. A abertura de nidades como Cachere, Mara,
poços, desde a construção à Michone, Sabgomba, Manori-
conclusão, na Área 1, vai du- za, Missocossa e Thapo.

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OPINIÃO

Globalização, Zonas Económicas Especiais


e a China: Podem as ZEE ser alavancas
do desenvolvimento económico?
Salim Cripton Valá • PCA da Bolsa de Valores de Moçambique

a globalização é um fenómeno multifacetado que pode ser “China: Estabilidade e Crescimento Económico”, os factores res-
entendido como uma inter-penetração, à escala global, de fac- ponsáveis pelo sucesso económico da China foram: (i) processo
tores económico-financeiros, em especial o capital, produção de liberalização do sistema de formação de preços; (ii) libera-
de bens e serviços e de elementos político-culturais através lização do comércio exterior; (iii) criação das ZEE´s, no litoral
do intercâmbio de ideias e valores da cultura dominante. sul, em zonas próximas de Hong Kong; (iv) existência de mão-
A volatilidade dos fluxos de capital, bens, mão-de-obra e infor- -de-obra rural com produtividade baixa, que possibilitou o seu
mação ditada, em primeira análise, por grupos empresariais deslocamento para as cidades, mantendo baixos os salários; (v)
transnacionais, cuja acção se baseia em princípios de vanta- ausência de protecção à propriedade intelectual; (vi) números
gem comparativa e maximização de dividendos, é uma das da população que favoreceram a existência de economias de
características do processo de globalização. Ao longo das duas escala, com impactos sobre o custo de produção; (vii) crescimen-
últimas décadas foi possível constatar a existência de factores to do Investimento Directo Estrangeiro (IDE) que, entre 1981 e
que têm facilitado esse processo. O mais significativo, segun- 2007, passou de 265 milhões de dólares para 138 mil milhões,
do José Manuel Plascencia (2009), baseado no documento “La e; (viii) políticas de incentivo à inovação e a tecnologia.
Creación de Zonas Económicas Especiales en China: Impactos Conceptualmente, as ZEE´s são áreas geográficas bem delimi-
positivos y negativos en su implementación”, parece ser o sur- tadas, cujas regras económicas são liberais em comparação
preendente desenvolvimento tecnológico comprovado pelo com as vigentes noutras zonas do país, nas quais as empresas
constante redobrar de capacidades ao nível das telecomu- estrangeiras e também nacionais podem investir e negociar
nicações, robótica e tecnologia de informação. Tal realidade sem estarem sujeitas ao controlo e regulamentação de outras
implica o reconhecimento de um novo paradigma tecno-eco- regiões, sendo áreas que têm como objectivo estimular o in-
nómico criador de uma nova geografia espacial, em particu- vestimento estrangeiro e acelerar o crescimento económico.
lar, de uma geografia do espaço electrónico onde a distância é Shenzhen, no litoral sul da China, perto da fronteira com Hong
gradualmente reduzida. Na verdade, a tecnologia revelou-se Kong, foi o primeiro local a ter o estatuto de ZEE, esta que há
a principal impulsionadora de produtividade ao mesmo tem- pouco mais de 50 anos era uma pobre aldeia de pescadores,
po que a competitividade se assume como uma poderosa de- hoje transformou-se num centro de comércio em expansão,
terminante da inovação tecnológica. e num pólo de inovação tecnológica, sendo uma das maiores
Nos finais da década de 1970, Deng Xiaoping, Presidente da Re- cidades do país. As outras três primeiras ZEE´s situam-se tam-
pública Popular da China entre 1978 e 1989, introduziu uma sé- bém no sul da China, em Guangdong (Shantou e Zhuhai, a últi-
rie de reformas económicas que permitiram a abertura para ma na fronteira de Macau) e Fujian em Xiamen.
o capital internacional, criando facilidades para as empresas A implementação das ZEE surge em decorrência das reformas
estrangeiras se implementarem na China, consolidando uma económicas estruturais procurando dar resposta à inserção da
política de modernização que, durante mais de três décadas, China no processo de globalização, mas de forma cuidadosa, ba-
permitiu alcançar taxas de crescimento superiores a 8%. seada no trinómio: experimentação, gradualismo, adaptação.
Essas políticas foram posteriormente chamadas de “po- Isto por forma a impulsionar o desenvolvimento de regiões
lítica de portas abertas”, cuja ideia central é “não inte- carentes de infra-estruturas, ambiente de negócios adequado
ressa a cor do gato, o que interessa é que ele cace o rato”. e desenvolvimento tecnológico. Nelas há uma legislação mais
Na óptica de Marcelo José Nonnenberg (2010), no seu artigo flexível para atrair capitais, tecnologias e experiências mais

Nos finais da década de 1970, Deng Xiaoping introduziu uma série de reformas económicas
que permitiram a abertura da China ao capital internacional criando facilidades ao investimento

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ZEE comparticiparam no crescimento sustentável da China e serão, também, fundamentais para desenvoler a economia nacional, atraindo investimento externo

avançadas, além de que 70% da produção dessas zonas vai reafirma que “a China não vai fechar as portas já abertas ao
para o mercado externo. Em suma, desenvolve-se uma políti- exterior” e enfatiza que está comprometida em manter um
ca de integração internacional, em detrimento do isolacionis- ambiente de negócios mais aberto, padronizado e previsível.
mo predominante nas décadas anteriores. Em virtude deste exemplo positivo, Moçambique decidiu im-
Entre os impactos positivos da implementação do modelo de plantar o modelo e criou o Gabinete das Zonas Económicas de
ZEE´s na China, segundo Hongbin Coi & Daniel Treisman (2006) Desenvolvimento Acelerado (GAZEDA), em 2007, tendo criado a
no seu livro “Did Government Descentralization Cause China`s primeira ZEE de Moçambique, em Nacala em 2007 (Nampula), e
Economic Miracle”, pode-se referir que foi o motor fundamen- mais tarde a ZEE de Manga-Mungassa em 2012 (Beira, Sofala),
tal para a modernização económica do país, expandiu o foco de Crusse & Jamali, no turismo, em 2013 (Nampula) e de Mocuba em
intervenção das PME e a geração significativa de empregos 2014 (Zambézia), hoje sob a gestão da Agência para a Promoção
na indústria e serviços registou-se uma atracção significativa de Investimento e Exportações (APIEX). Esse modelo de desen-
de capitais provenientes de Hong Kong, Macau, Taiwan e ou- volvimento económico funciona, mas requer uma autoridade
tras comunidades na diáspora, permitiu a criação de “clusters forte da instituição gestora, nas componentes de gestão e atri-
industriais” com “spillovers positivos”. As ZEE comparticipa- buição da terra, implantação de infra-estruturas essenciais
ram no crescimento sustentável da China, contribuindo para para facilitar negócios (energia, água, estradas, porto, aeropor-
o incremento da competitividade, do espírito empreendedor e to, linha férrea), desburocratização, simplificação de procedi-
para a geração de remessas que os trabalhadores passaram mentos para atrair empresas estrangeiras, incentivos fiscais
a enviar para as suas zonas de origem. e ter um foco orientado para a inovação, desenvolvimento
Importa reconhecer que a introdução de reformas económi- tecnológico e as exportações.
cas estruturais e a adopção do modelo de ZEE´s é um claro Não temos a capacidade financeira, técnica e gerencial, insti-
exemplo de que políticas públicas de índole regional podem tucional e organizacional para acolher investidores estran-
contribuir para o progresso das regiões e do país. geiros em muitos pontos do país, bem como para promover o
O actual Presidente Chinês, Xi Jinping, está empenhado em desenvolvimento económico inclusivo e acelerado em todo o
prosseguir com a abertura económica, promover firmemen- território nacional. Concentrando em certas zonas pré-defini-
te as reformas e acelerar a transformação do modelo de das, podemos fazer com que as políticas públicas de natureza
desenvolvimento, através de um melhor ambiente de negó- económica tenham um impacto mais significativo no desenvol-
cios e condições mais favoráveis às empresas estrangeiras. vimento regional e local, possam contrariar alguns dos efeitos
Apesar de a economia mundial continuar marcada por in- negativos da globalização e incrementem a produtividade, a
certezas e instabilidade, ele advoga uma aposta estratégica competitividade, promovam as exportações e permitam ge-
na industrialização, informatização, urbanização e moderni- rar emprego. É quando a roda da economia passar a girar em
zação agrícola. No seu livro “A Governança da China” (2014), Nacala, Beira, Mocuba e outros pontos de Moçambique, que o
o Presidente Xi insiste na economia de mercado socialista, progresso e a prosperidade se vão multiplicar.

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macro

Investigação às dívidas ocultas


ainda sem impacto na economia
Apesar dos desenvolvimentos judiciais do caso, os principais indicadores económicos do país continuam
a demonstrar estabilidade, um facto a que as agências de rating e os analistas económicos têm sublinhado

1
a economia moçambicana tem estado “não vai hesitar e tomará as medidas que
imune às revelações da justiça norte- estiverem ao seu alcance para garantir
-americana sobre as dívidas ocultas, a manutenção da estabilidade macroe-
segundo a avaliação do Banco de Moçam- conómica”, tal como já aconteceu em 2016.
bique (BM). “O Banco tem estado a fazer A economia pode estar imune, mas as
a devida monitoria da situação, através revelações vão causar impacto. Resta
dos nossos indicadores, e o que nós nota- saber de que forma. O primeiro-ministro
mos é que não há alterações de relevo”, Milhão moçambicano, Carlos Agostinho do Rosá-
referia Silvina de Abreu, nova directo- rio, já admitiu, por diversas vezes, que
ra de comunicação da instituição, no final
É o número de páginas as revelações “trazem novos elementos
de Janeiro. Os números garantem tran- que constam da acusação para o diálogo com os credores” dos 2,2
quilidade relativamente à estabilidade anunciou a procuradoria, mil milhões de dólares das dívidas ocul-
cambial, redução da inflação e das taxas tas, esperando “soluções no interesse dos
de juro. “Continuaremos atentos”, acres-
abrangendo transcrições moçambicanos”. O ministro da Economia
centou, ressalvando que o banco central e históricos bancários e Finanças, Adriano Maleiane, refere

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também que as revelações levam a dívida pública continua a ser um desafio. O que dizem os analistas
acreditar que os credores “também vão Por fim, também a Moody’s anunciou
ter de pensar”. uma melhoria da perspectiva de evo- Ao contrário do que seria de esperar, a
lução da economia nacional, revelando maioria das análises até apontam para
O que dizem os analistas ainda a intenção de melhorar o rating alguns benefícios macro-económicos na
As perspectivas do Governo pare- de Moçambique se, “depois de completar renegociação do pagamento da dívida
cem, desta forma, alinhar-se com as de a reestruturação, entrasse num progra-
vários analistas internacionais. A con- ma do FMI que lhe desse credibilidade
sultora Focus Economics considera que financeira e aumentasse a probabilidade
a acusação judicial norte-americana de reformas que melhorassem a eficácia
abre novos caminhos a Moçambique. “O política e governamental, assim limi-
caso é significativo porque pode abrir tando os riscos para os investidores de
a possibilidade de obter condições mais um futuro incumprimento financeiro”,
favoráveis nas negociações para a rees- diz a Moodys, no relatório que acompa- “O caso é significativo porque pode
truturação da dívida”, lê-se na análise nha a explicação da decisão de manter abrir a possibilidade de obter
às economias da África subsaariana, de o ‘rating’ do país em Caa3, ou seja, in- condições mais favoráveis
tal forma que Darias Jonker, director cumprimento financeiro (default), mas nas negociações para
para a África subsariana da consulto- melhorando a Perspetiva de Evolução a reestruturação da dívida.”
ra Eurásia, considera agora “altamente da Economia de ‘Negativa’ para ‘Estável’.
improvável” que a reestruturação dos tí- No entanto, também internamente, as
tulos de dívida siga ao ritmo anunciado. perspectivas sobre a economia nacional
Em Novembro, o Ministério das Finan- já foram mais desanimadoras. Recen-
ças anunciou um acordo preliminar com temente, o administrador delegado do
a maioria dos detentores de ‘eurobon- Standard Bank, Chuma Nwokocha, fa-
ds’ (que representam 40% das dívidas lava sobre isso mesmo, e reforçava o
ocultas), segundo o qual retomaria os pa- optimismo em relação “ao potencial fan-
gamentos já em Março deste ano. Jonker tástico de crescimento económico”. Para esta consultora sediada em Nova
diz que estes títulos “são menos suscep- Iorque, é “altamente improvável” que a
tíveis de serem declarados nulos ou A agenda do FMI e do Banco Mundial reestruturação dos títulos de dívida siga ao
odiosos”, do que os empréstimos do Cre- Aconteça o que acontecer no plano judicial, ritmo anunciado nos últimos meses.
dit Suisse e banco VTB à Proindicus e à uma coisa é certa: “a relação entre Mo-
Mozambique Asset Management (cer- çambique e o FMI em 2019 vai continuar
ca de 60% do total), porque são títulos no a desenrolar-se somente ao abrigo das
mercado, em vez de operações sindica- consultas do Artigo IV”, referiu Ari Aisen,
das. Seja como for, depois de revelada a representante do FMI em Moçambique,
acusação, com os riscos políticos que esta anunciando a deslocação de quadros do
implica, o Governo deverá “focar-se mais fundo a Maputo durante este primei-
nas eleições gerais” de 15 de outubro do ro trimestre para assistência técnica.
que na “credibilidade do país perante os O artigo IV requer consultas do FMI às
credores”, conclui. economias dos países membros, por for- Apesar do caso, a consultora classificou
Alex Vines, director para África do Ins- ma a exercer a sua monitorização e Moçambique como um dos cinco melhores
tituto Real de Relações Internacionais consequente aconselhamento com vista destinos para investir em África, no relatório
britânico, considera que não será tanto ao crescimento e estabilidade económi- ‘Africa Investiment Risk Report 2019’, mas
assim e acredita mesmo que o Gover- ca e não inclui ajuda financeira. ressalvou que a sustentabilidade da dívida
no continuará a “focar-se no pagamento A declaração de Ari Aisen está alinha- pública “continua a ser um desafio”.
dos títulos de dívida que estão em nego- da com as de Adriano Maleiane, ministro
ciação com os credores (os ‘eurobonds’), das Finanças, que anunciou que, este
deixando para segundo plano os ou- ano, ainda não haverá desembolsos do
tros dois empréstimos sindicados”. Até fundo, mas a relação poderá ser mais
porque tem sido o princípio de acordo próxima. Mesmo sem um programa de
anunciado em Novembro a sustentar apoio financeiro ou um programa mo-
perspectivas mais optimistas para o país, nitorado, Moçambique compromete-se
como as traçadas pela Capital Economics: a cumprir metas a que estaria sujeito
“o acordo colocou o país no caminho da naquelas modalidades, nomeadamente
recuperação gradual, apesar do fraco na área do combate à corrupção e rees-
crescimento”. É que a questão da dívida truturação do sector público. “Estamos
não vai desaparecer tão cedo. satisfeitos ao escutar que o ministro da
A EXX Africa classificou Moçambique Economia e Finanças decidiu, na ausência O Governo continuará a “focar-se no
como um dos cinco melhores destinos de um programa monitorado, imple- pagamento dos títulos de dívida que
para investir em África, no relatório mentar as sugestões do corpo técnico estão em negociação com os credores (os
‘Africa Investiment Risk Report 2019’, do FMI, apresentadas durante a visita a ‘eurobonds’), deixando para segundo plano
mas ressalvou que a sustentabilidade da Maputo, em Novembro passado”, referiu os outros dois empréstimos sindicados”.

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13
Macro
As dívidas e as detenções:
um resumo
A acusação da justiça norte-
americana contém revelações
detalhadas sobre o caso das
dívidas garantidas pelo Estado
moçambicano, entre 2013 e 2014, a
favor das empresas públicas Ematum,
MAM e Proindicus, de pescas e
segurança marítima, concluindo
que terão servido para um esquema
de corrupção e branqueamento de
capitais com vista ao enriquecimento
de vários suspeitos. Em 2016, a
revelação de que o Estado tinha dado
garantias escondidas a empréstimos
que ascendiam a 2,2 mil milhões de
dólares levou à suspensão de vários
apoios internacionais, contribuindo
para a degradação das perspectivas
económicas do país.
A investigação norte-americana às
dívidas ocultas veio a público a 29
de Dezembro, quando o ex-ministro
das Finanças, Manuel Chang, foi Crise das dívidas ocultas parece, por agora, causar mais impactos no plano judicial do que na economia
detido de passagem pela África do
Sul, na sequência de um mandado
de captura internacional. Na semana Ari Aisen. É neste contexto que quadros junta-se agora o processo judicial em
seguinte foi a vez de Jean Boustani, técnicos dos departamentos legal e fis- curso nos Estados Unidos da América.
intermediário do estaleiro naval cal do FMI visitarão Maputo para dar
Privinvest (interceptado em Nova assistência técnica a um diagnóstico dos Presidente pede serenidade
Iorque) e três ex-banqueiros do desafios existentes nas áreas de gover- O Presidente Filipe Nyusi manifestou,
Credit Suisse: Andrew Pearse, Surjan nança e corrupção em Moçambique. entretanto “disponibilidade como Gover-
Singh e Detelina Subeva (detidos Do lado do Banco Mundial, há um refor- no para continuar a colaborar com as
em Londres). Estes três últimos ço de investimento em todos os países instituições de justiça para o desfecho
aguardam em liberdade a decisão africanos membros da Comunidade de do processo“. Ao mesmo tempo, exortou
sobre a extradição para os EUA - que Países de Língua Portuguesa (CPLP), in- “a todos os moçambicanos para continua-
pesa sobre todos -, enquanto Chang cluindo Moçambique, onde há vários rem a aguardar com serenidade pelo
e Boustani estão encarcerados e projectos em andamento. desfecho deste processo, respeitando a
têm visto recusados os pedidos de Ainda assim, a falta de transparência e ordem e tranquilidade públicas e distan-
libertação sob fiança. os elevados níveis de dívida externa são ciando-se de actos de agitação e violência
Em Nova Iorque, a defesa do motivo de preocupação, referiu a econo- capazes de perturbar o desenvolvimen-
empresário Jean Boustani vai recorrer mista da instituição, Franziska Ohnsorge. to do país e das próprias investigações”.
da decisão e a próxima audição do Actualmente considerado em situação Nyusi disse ainda que o Governo mo-
principal suspeito no caso ficou de sobreendividamento, Moçambique çambicano “continua firme no combate
marcada para 28 de Março. partilha da vulnerabilidade sentida à corrupção”, abrindo espaço para “re-
Em Maputo, três anos e meio depois por países de baixo rendimento face tirar qualquer elemento que seja uma
do início das investigações e na às condições dos mercados financeiros. obstrução” às investigações das dívidas
sequência das revelações feitas “O crescimento da dívida foi sustentado ocultas. “Notamos grande susto pelo flu-
pela justiça dos EUA, surgiram as pelo aumento dos défices fiscais numa xo de casos de corrupção registado nos
primeiras detenções: António do conjuntura de preços mais baixos das últimos tempos. Compreendemos. En-
Rosário, administrador-delegado matérias-primas e de um crescimen- caremos isto como resultado dos casos
das empresas públicas no centro do to moderado tendo sido agravado pela acumulados”, declarou o chefe de Estado
escândalo, Gregório Leão, ex-director inclusão de dívidas anteriormente não moçambicano, frisando a necessidade de
do SISE, Bruno Tandade, operativo do divulgadas em 2016”. o país respeitar a separação de poderes.
serviço de informações, Inês Moiane, Ou seja, mais uma vez, a gestão do dos-
secretária pessoal de Armando sier das dívidas ocultas parece ser
Guebuza, e Teófilo Nhangumele, um tema incontornável, seja qual for o texto Luís Fonseca,
alegado promotor do financiamento. ângulo de abordagem à economia mo- serviço especial da agência Lusa para a E&M
çambicana - e às variáveis em jogo, fotografia d.r.

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macro

O preço da inteligência lá em casa


A tecnologia veio proporcionar mais conforto na vida das pessoas, em vários domínios, e tornar mais ‘smart’
tudo o que nos rodeia. Telemóveis, relógios, automóveis e as nossas próprias casas. E, aqui mesmo, em Maputo,
a inteligência artificial já é utilizada em habitações, escritórios e negócios, tornando mais simples o dia a dia

em tempos, ligar a televisão, o ar condi- o seu funcionamento a partir do smart artificial, cada vez mais sofisticada… e
cionado, as luzes ou abrir a janela eram phone, mesmo se estiver distante de ca- customizada às nossas necessidades.
actividades que requeriam o toque hu- sa ou do escritório. Claro que tudo isto já é mais ou menos co-
mano. Mas, tal como todos sabemos, e já Este é um segmento que já existe há nhecido de todos mas, porventura o que
há alguns anos, nada isso é necessário, mais ou menos uma década no mundo, não imaginávamos tão claramente, pelo
bastando para tal um simples toque no pelo menos organizado enquanto mer- menos, é que isso já existe, e até nem é as-
telemóvel ou um comando de voz. cado aberto ao consumidor. sim tão incomum, aqui em Moçambique.
Diariamente, chegam-nos notícias que A nível global, a indústria de auto- Como seria de esperar, por cá, os nú-
nos falam de casas transformadas em mação residencial continua a crescer. meros (e as inovações) têm uma escala
gadgets onde, se estiver a ler o jornal Prova disso advém de um estudo da diferente, e este segmento do mercado
(só para ter algo dos tempos antigos Zion Market Research que prevê que residencial tecnológico está ainda nu-
neste artigo) não mais terá de cortar este segmento de mercado chegará a ma fase prematura. Porém, já existem
o seu fio de pensamento porque se es- 53,45 mil milhões de dólares até 2022, exemplos concretos de pessoas que têm
queceu de fechar a janela. Porque agora maioritariamente impulsionado pe- sistemas ‘inteligentes’ de gestão tecnoló-
é possível programar a hora de utiliza- la Google Home, o Alexa ou o Amazon gica nas suas residências, indústrias, ou
ção de qualquer acessório e monitorar Echo e pelos avanços da inteligência escritórios. E a E&M foi descobri-los.

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30
Pico do mercado já passou... mas voltará ras equipadas com sistemas de gestão
Existem, hoje, menos de uma dezena de inteligentes não deve ultrapassar os mil
empresas instaladoras deste tipo de em todo o território, estima a FPB.
tecnologias no país, essencialmente cons- “É um mercado que ainda está a regis-
tituídas antes de 2015, época em que o tar uma baixa procura, é um facto, e
mercado de automação residencial regis- provavelmente nunca será generalista
tou uma maior procura (entre 2012 a 2015). a esse respeito. Mas o facto é que tem
Claro que não é coincidência o sector imo- mil dólares crescido, sobretudo por parte de clien-
biliário ter estado em alta nessa altura. tes expatriados, que vêm de regiões
Foi aí que surgiu no mercado a FPB –
É o valor mínimo para se onde este tipo de sistemas já estão em
Future Proof Building, uma empresa instalar um sistema de voga há muitos anos, e que têm poder
especializada na montagem de sistemas automação numa residência, económico necessário para os imple-
de automação e segurança electrónica mentar”, assinala Mauro Cuber, gestor
em edifícios e residências. “Nesses anos,
em Moçambique, havendo da CUBE Enterprise, uma empresa re-
o mercado foi muito bom, montámos sis- casos em que esse montante cém-criada que se dedica à instalação
temas inteligentes em várias casas em pode chegar aos 70 mil de sistemas de automação residenciais.
Maputo e Matola, sobretudo nos bairros
Tchumene e Belo Horizonte”, diz Quincar-
dólares, dependo das Quanto custa a tecnologia
dete Lourenço, director-geral da FPB. necessidades do cliente Na verdade, o sistema é caro e o pre-
No entanto, com o “arrefecimento” da eco- ço, tal como as valências do serviço, é
nomia, a área do imobiliário ‘parou’, e o totalmente customizado. “Para uma pes-
mercado de automação também se res- soa automatizar a sua residência terá
sentiu disso, claro, registando-se uma de investir no mínimo 30 mil dólares”,
mudança na tendência da procura. aponta Quincardete Lourenço da FPB.
“Desde essa altura, o que temos feito é Tendo em conta a experiência que a em-
a instalação de segurança electrónica, presa já angariou neste mercado, visto
sistemas de detecção de incêndios, de que opera há nove anos, este é apenas
vídeo-vigilância em grandes superfícies um valor de referência para dotar
comerciais e em unidades hoteleiras. um espaço com “alguma inteligência”.
Ainda recentemente instalámos um No entanto, complementa, o preço final
sistema de vídeo no Baía Mall, por exem- irá depender “muito do que o utilizador
plo”, revela Quincardete. pretenda fazer e do sistema que qui-
Ainda assim e apesar do abrandamen- ser implementar”, explica, para depois
to dos últimos anos, para os próximos acrescentar que “há projectos que po-
tempos a expectativa é boa, dizem-nos. dem ir muito acima disto e que podem
“Esperamos que o mercado cresça mui- chegar aos 70 mil dólares. É um merca-
to porque o custo dos equipamentos tem do de luxo, porque estes investimentos
vindo a cair e a área imobiliária, como são também feitos em residências que
vemos, está em franca expansão, ago- custaram no mínimo 300 mil dólares”,
ra que a economia melhorou um pouco. revela o gestor.
Depois, há a necessidade de criar facto-
res diferenciais para atrair novos e cada Utilidade ainda prevalece sobre o luxo
vez mais exigentes clientes”, defende Pe- Se o luxo é ainda, muitas vezes, obrigato-
dro Titos, gestor da Smart Living, outra riamente dispensável, até porque a bolsa
das empresas de instalação de sistemas não dá para mais, questões mais práticas
de automação em residências no país. se levantam. Como as relacionadas com
Alinhando no mesmo diapasão, a CUBE segurança, um dos segmentos em for-
Enterprise também considera que “o fu- te crescimento no ramo da automação
turo parece ser promissor, uma vez que de infra-estruturas. “A componente de
as pessoas pretendem inovar nas suas segurança, nomeadamente através da
residências e querem também acompa- instalação de câmaras de vídeo-vigilân-
nhar a evolução tecnológica que vêem cia que funcionam de forma inteligente
lá por fora. Assim haja poder de compra, que, quando detectam um intruso numa
porque a capacidade instalada está cá, e área ou hora críticas, lançam um aler-
podemos dar resposta ao que se preten- ta por SMS ou uma fotografia do objecto
der” diz à reportagem da E&M. são, hoje, os meios de automação mais
À semelhança do que acontece em requisitados”, releva Quincardete.
qualquer canto do mundo, este é um Pedro Titos, da Smart Living, refor-
mercado caro e, claro, cada vez mais ça essa posição, argumentando que se
orientado para as necessidades ou capri- nota “uma grande preocupação dos
chos, de cada utente. No país, o número de clientes com a segurança, mais do que
habitações, escritórios ou infra-estrutu- com a luxúria que a automação lhes

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17
Macro

Sistemas de vídeo-vigilância ‘inteligentes’ predominam no mercado

“Hoje em dia, uma lâmpada, tal como todos os utensílios casa tenho conseguido reduzir consi-
deravelmente o consumo de energia”,
domésticos, funciona quando detecta a presença humana. complementa Guift que começa, assim, a
Mas quando não há ninguém por perto, tudo se desliga” amortizar o avultado investimento efec-
tuado, conta. E não é só em habitações
que este sistema tem sido implementado.
proporciona”, acrescentando mesmo maior atenção por parte de singulares Segundo a FPB, esta componente de redu-
que, “as pessoas, neste mercado, vêem e empresas tem a ver com a redução da ção de custos tem sido uma das razões
nas novas tecnologias uma forma factura energética, algo que é possível que tem levado grandes infra-estrutu-
de fazer aumentar a segurança nas com a gestão computorizada de utensí- ras a optarem por sistemas idênticos,
suas casas ou nos seus negócios, até lios domésticos. “Usando um sistema de como grandes superfícies e edifícios
pelas características do próprio país”. gestão energética automatizado irá, cer- residenciais. “O que fazemos nos shop-
Flávio Libombo será um dos poucos que tamente, poupar de forma considerável pings, por exemplo, está precisamente
já instalaram um sistema de automação na factura de energia”, revela a FPB. ligado a esta componente de economiza-
na sua residência, em Moçambique. A Smart Living também afirma, a esse ção de consumos energéticos”, assinala.
À E&M, explica que decidiu investir no respeito, que “hoje em dia, uma lâmpada, Podem ainda ser poucos os que vivem
sistema depois de ter constatado, numa tal como todos os utensílios domésticos, em casas inteligentes, que trabalham
busca pela internet, que em Moçam- funciona quando detecta a presença por nós, zelam pela nossa segurança e
bique já existia um sem número de humana, mas quando não há ninguém que até nos ajudam a poupar ao fim do
empresas para o efeito. “O kit básico por perto tudo se desliga gerando uma mês. Mas não há dúvidas de que o mer-
custou-me perto de 33 mil dólares, e grande poupança ao fim do mês.” cado está a crescer e promete mudar o
decidi apostar nele para poder garan- Com isto, Guift Zandamela, um outro entu- interior das nossas casas, e a maneira
tir a segurança da minha propriedade”, siasta das ‘smart houses’, já consegue como vivemos nelas.
argumenta, para depois acrescentar controlar e amenizar os custos de energia
que desde que instalou o sistema nun- na sua residência, localizada no bairro
ca mais teve problemas com intrusos. Belo Horizonte, na Matola, conta à E&M. texto hermenegildo langa
Outro dos segmentos que tem recolhido “Desde que instalei o sistema na minha fotografia jay garrido

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Números em conta

Os números
bons e maus
das Pescas
é um dos subsectores económicos no
qual se tem registado crescimento ao nível
do impacto macro-económico mas, ainda
assim, pesa pouco (apenas 3%) nas con-
tas gerais do país. No entanto, como em
tantas outras áreas, se o potencial é tre-
mendo, ele é quase tão grande quanto as
ameaças. Por exemplo, a da pesca ilegal
nas águas territoriais de Moçambique, que
provoca ao Estado (e ao país) um prejuízo
de aproximadamente 60 milhões de dóla-
res por ano, quase tanto como a produção
global do sector (70 milhões de dólares).
Grande parte, destinada à exportação,
nomeadamente o camarão, que continua
a ser o rei das exportações e um dos pro-
dutos nobres de Moçambique no mundo.
Até por isso, o Ministério do Mar, Águas In-
teriores e Pescas e os grandes armadores
se têm mostrado preocupados com a pes-
caria de crustáceos na costa, sobretudo do
camarão de superfície e a gamba. “Há uma
sobre-exploração de alguns crustáceos
e outros invertebrados marinhos. Neste
momento regista-se a sobre-exploração
do camarão de profundidade e superfície
na zona sul do país e no banco de Sofala.
Outro motivo de preocupação são as espé-
cies de linha, aquelas que estão a ser cap-
turadas em fundos rochosos”.
Para a protecção dos recursos em causa,
a pescaria do camarão de superfície e de
profundidade está a ser praticada em re-
penta
gime fechado, ou seja, não há novos licen- ka
ciamentos de embarcações para a captura
gosta
das espécies marinhas.
la
atum
gostim
la
Produção aumentou desde 2014
Em apenas cinco anos, a produção 7,7
6,9
pesqueira nacional aumentou 56,2%

3,3
(1) Previsão
Em milhares de toneladas
402,3
0,9
397,2

340,2
290,9 303,3
254,3

2014 2015 2016 2017 2018 2019 (1)

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370 000 000
de meticais
Sector pesqueiro superou a média
dos últimos anos ao nível da
receita para o Estado, triplicando
a média anual de 120 milhões de
meticais até 2015. Em termos de
produção, o Plano Económico e
Social aponta para cerca de 400
mil toneladas de pescado. As
exportações registaram cerca
de 15 mil toneladas.

110 640 977


de meticais
É o volume de multas aplicadas a
partir dos 738 processos relativos
a infracções no sector das pescas
praticadas por operadores
artesanais, semi-industriais
e industriais, em 2018.

70 000 000
de meticais
Camarão é o rei da exportação É quanto o país exporta de camarão
de superfície e gamba anualmente.
No global, as exportações cresceram
20%, face a 2017, para 90,4 milhões de 60 000 000
dólares. Camarão continua a liderar, de dólares
destacado. Maiores mercados são a União
É o prejuízo com pesca ilegal nas
Europeia, China e Japão.
águas territoriais de Moçambique,
marão
Em milhões de dólares estimado pelo Ministério do Mar,
ca Águas Interiores e Pescas.

sca d o
pe 397 262
anguej toneladas
ar Foi o volume global da produção
gamba 32,3 pesqueira, em Moçambique, ao
o
c

longo de 2018.

17,2 200 000


11,6 pescadores
O número de pessoas que o sector

8 envolve, em Moçambique. No
entanto, 92% praticam pesca de
pequena escala e artesanal.

20%
melhor
Foi quanto as exportações de
pescado e mariscos cresceram,
só em 2018.

3%
do PIB
O subsector das pescas contribui
ainda de forma reduzida para o
PIB naquilo que é a balança de
pagamentos em Moçambique.

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21
OPINIÃO

A ameaça da 4ª revolução
industrial em Moçambique
Jaime Fernandes • Country Director da Ipsos Mozambique

e se descobrisse, amanhã, que no emprego para o qual estu- As profissões que desaparecerão relacionam-se, pois, com tra-
dou e adquiriu experiência durante anos a fio foi substituído balhos não especializados, que também ocupam a maioria da
por um robot ou software? Poderá pensar que tal apenas acon- população. Como tal, os salários poderão baixar e o desempre-
tecerá num futuro distante ou que será algo fruto de um filme go tenderá a aumentar para além dos actuais 27%. E até o sec-
de Hollywood, um livro do Aldous Huxley ou quiçá de Orson tor informal poderá igualmente ser afectado (pelo ‘e-commer-
Wells. Poderá até pensar que a sua profissão nunca será au- ce’, por exemplo), através de um serviço mais rápido, cómodo
tomatizada. Todavia, os mais recentes avanços tecnológicos e oferecendo preços mais competitivos. Tudo pode acontecer.
estão inclusivamente a automatizar profissões na área da jus- Que consequências sociais resultarão, futuramente, num país
tiça e no sector financeiro, através de sofisticados algoritmos. crescentemente populoso que corre o risco de ficar maiorita-
As profissões actualmente mais susceptíveis de desaparece- riamente desempregado? E o que fará a população maiorita-
rem nos próximos dez anos são: taxistas, pintores, empregados riamente jovem e desocupada?
fabris, agricultores, mas também contabilistas ou bancários. Alguns utópicos, diria, argumentam que, no futuro, o trabalho
No entanto, pode ficar descansado (por agora) se a sua profis- deverá deixar de existir e que o Homem viverá numa socie-
são envolver prestar assistência a outras pessoas, altos níveis dade onde atingirá a felicidade plena, similar à descrita por
de criatividade ou competências de liderança. As profissões Aristóteles, onde prevalecerá a “auto-suficiência, o lazer e a
que requerem interacção e empatia humanas terão, portanto, ausência de fadiga”. Mas, para tal acontecer, os donos dos ro-
menores riscos de desaparecer. Incluem-se neste lote: médicos, bots teriam de devolver à sociedade o fruto dos seus lucros.
psicólogos, músicos, artistas ou líderes políticos ou empresariais. Considerando a remota probabilidade de tal acontecer, é pro-
Num estudo publicado em 2017 (A Future that Works: Automa- vável que surjam convulsões sociais resultantes da eterna luta
tion, Employment, and Productivity), a Mckinsey estima que de classes que Karl Marx amplamente descreveu durante a
África será particularmente afectada pela automatização, 2ª revolução industrial. A história repete-se, como diria Hegel.
prevendo que uma percentagem elevada de empregos seja Há quem defenda que os Governos deveriam pagar um salá-
automatizada brevemente (41% na África do Sul, 52% no Qué- rio básico a toda a população que lhes permitisse viver acima
nia, 46% na Nigéria e 50% na Etiópia). Actualmente, existe uma do limiar da pobreza para, justamente, distribuir os benefícios
média de dois robots industriais por cada 100 mil trabalhado- tecnológicos e manter a paz social. Bill Gates e Warren Buffet
res no continente, segundo o World Bank. Mas apesar do ainda defendem, inclusivamente, que os Governos deveriam cobrar
reduzido número, será uma questão de tempo até que a 4ª re- impostos de automatização às empresas, para financiar tais
volução industrial seja sentida. A automação será progressiva benefícios sociais. Aqui relativamente perto, o Quénia tem da-
e inevitavelmente acontecerá quando for eficaz e o preço e cus- dos passos decisivos para digitalizar a economia, reconhecen-
to de operar um robot for menor do que contratar uma pessoa. do o papel estratégico das novas tecnologias plasmado na ‘Vi-
No caso do fabrico de mobiliário, um estudo prevê que, em 2023, são Governativa 2030’, estabelecendo planos para a expansão
nos Estados Unidos, os robots sejam menos dispendiosos do que da banda larga, assegurar a segurança cibernética e apoiar
a respectiva mão-de-obra. No Quénia, por exemplo, prevê-se hubs tecnológicos. Numa época em que muito se fala dos efei-
que o ponto de inflexão aconteça uma década depois. Esse é tos da exploração dos recursos naturais e das dívidas ocultas,
provavelmente o tempo que temos para nos prepararmos. deixo aqui o desafio: durante a próxima década, Moçambique
Os sectores mais visados serão a indústria e a agricultura, terá a oportunidade de se adaptar antes que a 4ª revolução
sendo este, de resto, quem mais emprega em Moçambique. industrial surja em pleno. O que deverá, até então, ser feito?

Bill Gates e Warren Buffet defendem, inclusivamente, que os Governos deveriam


cobrar impostos de automatização às empresas, para financiar tais benefícios sociais

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Nação formação

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Desenvolver (sem) competências,
pura sorte ou mera ilusão?
Se as evidências já provaram a relação directa entre desenvolvimento socio-
económico e a disponibilidade de Recursos Humanos competentes, porque é
que há quem acredite que Moçambique está a caminhar rumo à prosperidade,
mesmo sem preencher este requisito? A única resposta que parece conferir
algum sentido à contradição é que o tema da qualidade da força de trabalho,
embora seja conhecido de todos, está a ser, na prática, negligenciado

35
um estudo recentemente publicado vam a E&M a ouvir os entendidas em
no Fórum de Davos revela que Moçam- matéria de formação de capital humano,
bique é “o 3º pior país do mundo ao nível a actuarem no país. Narciso Matos, Reitor
da capacidade de produzir, atrair e re- da Universidade Politécnica, é um deles, e
ter força de trabalho qualificada.” o tom que usa é tão crítico quanto conciso:
Assim, de forma pura, dura e a seco. “Moçambique não está preparado pa-
É verdade que o ranking considera ape- ra ter capital humano a trabalhar nas
nas 125 países, e analisa menos de metade mil alunos áreas técnicas dos projectos de gás que
dos países africanos (24), mas os resulta- já arrancaram na Bacia do Rovuma”, de-
dos não deixam de suscitar preocupação é o número de jovens fendendo que a “mudança deve começar
em relação ao futuro, e uma análise mais moçambicanos nas pela definição de prioridades a todos os
aprofundada de uma realidade que, qua- Universidades públicas níveis de formação, com a criação de es-
se todos os que vivem e trabalham no país, colas-modelo com elevado padrão de
já perceberam: “É muito difícil encontrar de todo o país qualidade, que sirvam para orientar e
técnicos qualificados em Moçambique”. massificar a formação de ‘cérebros’”.
É esta a conclusão essencial da pesquisa. Igor Felice, representante da Organi-
O que não é propriamente novidade, zação Internacional do Trabalho (OIT),
mas é preocupante o suficiente para enaltece “os esforços na promoção do
suscitar uma reflexão de fundo. conhecimento através da formação
Moçambique mora, então, no 122º (ter- profissional”, mas não está convenci-
ceiro pior) lugar no ranking global e do que isso seja o “suficiente”. E propõe
fica também na cauda (22º posto) no a introdução da tecnologia na educa-
ranking regional da África subsaariana. ção, desde o nível primário, “para dotar
Motivos mais do que suficientes que le- os recursos humanos de habilidades em

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27
Nação formação

O QUE É O ÍNDICE
DE COMPETITIVIDADE
3 Crescer
GLOBAL DE TALENTOs? O QUE MEDE

2 Atrair
Como um país desenvolve o seu povo,
Produzido desde 2013 pela INSEAD, por exemplo, através de um bom
uma das mais importantes escolas sistema de educação que ofereça
de administração do mundo, em aprendizagem ao longo da vida.
parceria com o Grupo Adecco e
Human Capital Leadership Institute
da Singapura (HCLI), o índice mede O QUE MEDE Pontuação:
como os países capacitam, atraem O quão aberto um país é para atrair 14,86 (-3,82)
e retêm talentos, fornecendo um e reter talentos externos (pessoas ou Ranking mundial:
recurso importante para a tomada empresas), e de origens desfavorecidas 124.º (-7)
de decisões de modo a entender o sobretudo mulheres e pessoas idosas. Ranking África Subsaariana:
quadro global de competitividade 24.º
do capital humano e a desenvolver Pontuação: O melhor da região:
estratégias para aumentar a sua 39,65 (-0,36) África do Sul
competitividade. Ranking mundial: O pior da região:
O relatório analisa seis grandes 85.º (-12) Moçambique
indicadores, nomeadamente Ranking África Subsaariana:
habilitar, atrair, crescer, reter, 15.º
habilidades profissionais e O melhor da região:
técnicas e habilidades globais Namíbia
de conhecimento. O pior da região:
Estes desdobram-se em sub- Zimbabwe
indicadores que totalizam 68
variáveis analisadas.

Ranking Mundial de Moçambique:


122º lugar (entre 125 países)
Pontuação:
1 Habilitar
20,32 O QUE MEDE
Variação: O ambiente regulatório do mercado
(2018 - 2019): -5 lugares, empresarial e de trabalho e se estes
-2,53 pontos, +6 países ajudam ou não a atrair pessoas para
Ranking África o mercado laboral a nível interno.
Subsaariana:
22º lugar (entre 24 países) Pontuação:
Melhor da África 29,49 (-2,31)
Subsaariana: Maurícias (47.º) Ranking mundial:
Pior da África Subsaariana: 120.º (-9)
R.D. Congo (124.º) Ranking África Subsaariana:
Melhor indicador: 21.º
Atrair (85.º lugar com 39,65 pontos) O melhor da região:
Pior indicador: Maurícias
Habilidades globais O pior da região:
de conhecimento (116.º lugar R.D. Congo
com 7,80 pontos)

*A pontuação varia de 0 a 100 (quanto maior, melhor o


desempenho). A Suíça, com 81,82 pontos, é a economia
mais bem classificada no ranking global e o Yémen a pior,
com 11,97 pontos.

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saber fazer”, diz. Mais um alerta
preocupante para Moçambique foi lan-
çado por Felipe Monteiro, professor

4
associado da instituição responsável
pela pesquisa (Insead), ao revelar, numa
Reter entrevista recente à Rádio France Inter-
Habilidades
5
nacional que “quando todos percebermos
realmente os efeitos da transformação
O QUE MEDE profissionais digital, das novas tecnologias, e das econo-
A qualidade de vida num
determinado mercado. É uma
e técnicas mias integradas por novos eco-sistemas
e plataformas, maior vai ser a exigência
das principais componentes para os talentos disponíveis. Por outro
da retenção de talentos. O QUE MEDE lado, mais competitiva será a dinâmica
A disponibilidade de trabalhadores global, porque os países que têm econo-
Pontuação: com habilidades vocacionais mias mais desenvolvidas vão estar a
21,39 (+2.78) e técnicas que confiram competir pelos mesmos talentos”.
Ranking mundial: competitividade ao país.
117.º (+1) A educação é, por isso, um Capacitar o capital
Ranking África Subsaariana: dos principais requisitos. Ou seja, é esta a única arma de que as
17.º economias, principalmente as menos de-
O melhor da região: Pontuação: senvolvidas, como a moçambicana, dis-
Maurícias 8,71 (-9,53) põem por forma a não sucumbirem pe-
O pior da região: Ranking mundial: rante a globalização: Formar qualidade.
R.D. Congo 125.º (-7) Internamente, e pela experiência que
Ranking África Subsaariana: têm, as empresas de recrutamento ou-
24.º vidas pela E&M entendem que a maior
O melhor da região: deficiência que o país apresenta é a pre-
Maurícias paração em áreas técnicas. Já lá vamos.
O pior da região: Comecemos pelo princípio, pela escola.
Moçambique Ao nível dos números, observamos que
existem claros progressos no Ensino
Primário, onde a participação de alunos
cresceu exponencialmente ao longo dos
Habilidades últimos anos, o número de escolas que

6 globais de
conhecimento
lecciona o Ensino Secundário quase tri-
plicou e a taxa bruta de escolarização re-
gistada anda em torno dos 50%, contra os
39% de 2008 e os 24,6% de 2005.
Resulta assim da leitura da posição de
O QUE MEDE Moçambique no relatório, que a questão
A disponibilidade de trabalhadores em é mais qualitativa (qualidade do que
cargos profissionais, gerenciais ou de se ensina logo na base escolar) do que
liderança. Ou seja, a capacidade de quantitativa (número de alunos que
produzir e manter novos líderes. têm acesso à escola). “As taxas de apro-
veitamento registaram uma quebra
Pontuação: a partir de 2008 em quase todos os níveis
7,16 (-1,96) de Ensino Geral. Existe ainda a percepção
Ranking mundial: de que um número considerável de crian-
116.º (-9) ças termina o primeiro ciclo sem as com-
Ranking África Subsaariana: petências de leitura e escrita, facto que
18.º interfere negativamente na aprendiza-
O melhor da região: gem nos ciclos e níveis de ensino subse-
África do Sul quentes.” A conclusão é do estudo de 2016
O pior da região: sobre o Ensino Básico em Moçambique,
Burundi elaborado pelas investigadoras Stela
Mithá Anrade e Hildizina Norberto Dias.
Torna-se assim difícil deixar de lado
a apreensão, com a possibilidade real
de grande parte das oportunidades
que, se prevê, advenham dos gran-
des projectos, e que criarão milhares
de novos postos de trabalho, poderem

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29
Nação formação

(De)méritos da Lei
de trabalho
Mesmo reconhecendo a fraca
capacidade técnica de muitos
profissionais, a legislação procura
proteger o cidadão nacional,
limitando a contratação de
estrangeiros. O resultado mais
visível disso é a ineficiência e a fraca
remuneração dos trabalhadores
nacionais, pouco competitivos,
visto que para contratar quadros
competentes, as empresas têm de
preencher determinadas quotas de
trabalhadores nacionais.
Segundo a Lei do Trabalho em vigor
(Lei nº 23/2007, de 01 de Agosto), nas
disposições combinadas do nº 5 do
artigo 31 com o nº 1 do artigo 34, fixa
as seguintes quotas para as empresas
admitirem trabalhadores estrangeiros:
5% da totalidade dos trabalhadores,
nas empresas que empregam mais de
100 trabalhadores; 8% nas empresas
que empregam entre 11 e 100
trabalhadores; e 10% nas empresas
que empregam até 10 trabalhadores.
Número de moçambicanos nas principais indústrias tem crescido, mas ainda é insuficiente

passar ao lado de toda uma geração. Sousa estudo destaca a fraca capacidade de
Mergulhando nos resultados do Índice de atracção de Investimento Directo Estran-
de Competitividade Global de Talentos, Directora-executiva geiro (que caiu acentuadamente nos últi-
Marlene

este reproduz a análise a 68 variáveis da Atittude mos quatro anos), com efeitos na redução
(agregadas em seis categorias princi- do pessoal qualificado nacional ou es-
pais), muitas delas interdependentes, trangeiro nesses empreendimentos.
dando uma medida exacta da realidade Outro obstáculo está relacionado com a
do país a este respeito, e fornecendo as dificuldade em compensar a qualidade do
ferramentas para uma correcção das capital humano melhorando a sua quali-
preocupações constatadas. “O grau académico já não é, em dade de vida, por exemplo, através de sa-
A começar pelo ambiente regulatório, si, suficiente. É preciso usar as lários competitivos ou outros incentivos.
avaliado no indicador “Habilitar”, que competências vocacionais como factor A grande e inconveniente realidade é
aponta a corrupção como “a principal diferenciador. Para ser um verdadeiro que os moçambicanos têm menos hipóte-
mancha do mercado”, e a razão que talento, a pessoa tem de identificar, ses de desenvolver competências profis-
provoca um “mau funcionamento das primeiro, o que mais gosta de fazer”. sionais ao longo da vida, revela o estudo
entidades responsáveis pela produção, no indicador “Crescer” (14,86 pontos, 124º
atracção e retenção de talentos”, lê-se. lugar, e penúltimo do ranking), apontan-
Um destaque ainda para a insuficiência do como ponto crítico “a fraca qualidade
de infra-estruturas do sector das Tec- da educação ao nível escolar, e a quase
nologias de Informação e Comunicação total ausência de instituições ou iniciati-
(10,81 pontos, e o 115º lugar a nível mun- vas que explorem a orientação vocacio-
dial), que influencia negativamente a nal das pessoas.”
evolução de competências. O relatório faz, ainda, menção à fraca
Quando não se tem bom ambiente ge- qualidade das escolas de formação de
ral, obviamente não se consegue atrair quadros (3,12 pontos na 124º posição, e no-
os melhores profissionais. Ainda que vamente penúltima do ranking), e à débil
se trate do indicador em que Moçam- capacidade de treinamento de recursos
bique tem o desempenho menos mau, o pelas empresas empregadoras (424,67
“Atrair” apresenta dados sobre os quais pontos, 70º lugar). Para agravar, “o país
vale a pena lançar um olhar mais atento. não tem um ambiente capaz de reter
Em relação à abertura ao exterior, o os “cérebros” que consegue produzir, ou

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os que vêm de fora”. E aqui, a responsa- as qualidades que têm e que podem be- Nem tudo vai mal
bilidade é, de acordo com o estudo, de neficiar a empresa em que pretendem
“problemas relacionados com falta de se- trabalhar”. E refere-se, entre outras, “a Apesar das dificuldades em capacitar,
gurança a vários níveis, nomeadamente valências básicas, como elaborar um cur- atrair e reter força de trabalho competente
riculum ou o comportamento apropria-
há alguns indicadores menos maus. Vale a
o facto de os recursos humanos estarem
pena lançar um breve olhar sobre eles
sujeitos a programas de protecção social do durante uma entrevista de emprego.”
relativamente frágeis e ineficientes.” Fabíola Vaz, directora da área de recru-
Aliado a isso, as condições de saneamen- tamento da Heading Moçambique, ou-
to e o acesso à saúde “são deficitários”, a tra empresa da área de RH, olha o mer-
avaliar pelo rácio de médico por habi- cado desde a base: “temos notado nos
tante (estimado pela ONU em um profis- processos de recrutamento de gran- Boas relações
sional para 25 mil pessoas). Todos estes
factores concorrem para que os recursos
des multinacionais que o foco é, primei-
ramente, procurar competências pes-
público-privadas
humanos mais competentes (nacionais ou soais (mesmo sem deixar de lado as O relatório destaca as “boas relações
estrangeiros) sejam atraídos por mer- técnicas), daí que a forma de promover entre o sector privado e o Governo”,
cados que oferecem melhores condições o talento devesse passar por aí, numa aspecto em que o país ocupa o 58º
de vida para si e para as suas famílias. fase inicial do processo de ensino”, de- lugar, com 60,04 pontos, resultado
fende. Sem esquecer as qualidades, da acção da CTA, “determinante” na
Baixa produtividade “essenciais para além da inteligência, melhoria do ambiente de negócios.
Uma avaliação detalhada do indicador como a criatividade, a análise crítica e a
“Habilidades Profissionais e Técnicas”, no capacidade de adaptação, atributos que
qual Moçambique é o último classificado serão cada vez mais decisivos no futuro
do ranking (125º lugar com 8,71 pontos), do mercado de trabalho”, sublinha. Igualdade de
revela uma realidade já conhecida
de muitos empresários, mas que nem Sem noção de competitividade oportunidades
por isso é menos preocupante: Mo- Existem hoje cerca de 35 mil jovens ins-
Moçambique é o 6º no ranking,
çambique é o país onde é mais difícil critos no ensino superior público e, tal
com 82,32 pontos, ao nível
encontrar funcionários qualificados, como na base da pirâmide, a questão co- da redução da diferença de
apresentando um enorme défice de com- loca-se mais ao nível da exigência e fia- oportunidades entre homens
petências ao nível médio de formação, bilidade dos conteúdos do que na oferta. e mulheres, uma das variáveis
incluindo os jovens formados em escolas E a percepção das próprias empresas de avaliadas pelo indicador “Atrair”.
técnico-profissionais (que têm sido apos- recrutamento em relação à postura de
ta do Governo através dos Centros de quem procura emprego confirma essa
Formação espalhados por todo o país). preocupação. Até por isso, Paulo Santos,
Com um comprovado défice de profissio- director-geral da Heading, nota uma
nais em áreas técnicas como as engenha- evolução a esse nível, assumindo que “co-
Menor custo de
rias ou a ciência, (engenheiros, médicos meça a existir alguma preocupação em formação
ou gestores), “o país explora muito pouco adquirir competências pessoais e tecno-
a ciência ao serviço do desenvolvimento.” lógicas por mote próprio. E, normalmen- Menos mal posicionado está,
Como atesta o indicador “Habilidades Glo- te, estas pessoas são mais bem-sucedidas também, o país em relação ao
bais de Conhecimento” (116º lugar com porque as suas qualidades ainda são um custo (relativamente baixo)
7,80 pontos), que incide sobre a formação bem muito escasso e o mercado está ávi- da educação terciária (nível
(ou falta dela) ao nível do ensino superior, do de pessoas assim”, assinala. superior), ocupando o 62º lugar
concluindo que “a inovação no processo
com 20,26 pontos.
produtivo é quase inexistente”. Priorizar a vocação
A par dos problemas estruturais, há Com um sistema de ensino limitado ao
questões de pormenor que determinam nível da transmissão de competências,
a performance técnica e intelectual do a solução (ou um princípio para lá che-
trabalhador moçambicano. São aspectos gar) pode passar por cultivar a vocação. Exportações de
aparentemente pequenos, que só quem
trabalha em sectores que lidam com
Para o representante da OIT em Moçam-
bique, Igor Felice, este caminho “está a
elevado valor
recursos humanos pode ajudar a enten- ser bem perseguido pelo Governo”, atra-
No indicador em que
der… e a resolver. vés da aposta na formação profissional
Moçambique apresenta pior
mas, assegura, “tem pecado por não es- performance (“Habilidades
Qualidades pessoais: a outra dimensão tar a ser acompanhado pela evolução Globais de Conhecimento”),
da competência tecnológica, sendo de notar a falta de equi- chama a atenção a variável que
Marlene de Sousa, directora-executiva pamentos ajustados às necessidades de diz respeito ao impacto do talento
da Atittude, empresa de recrutamento formação de quadros técnicos”, comple- na economia, mais precisamente
baseada em Maputo, entende que o pro- menta. Outra grande preocupação é a in- o facto de haver “Exportações
blema começa... precisamente na atitude, terferência dos pais nas escolhas dos filhos. de elevado valor” associadas ao
e no facto de muitos jovens, mesmo com Um estudo da Atittude revela que mais de talento na actividade empresarial
boas qualificações, “não saberem vender 70% dos candidatos de trabalho que lhe (41º lugar e 21,07 pontos).

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31
Nação formação

chegam formaram-se em áreas que fo-


ram sugeridas pelos pais ou outros fami-
liares, o que mostra, na sua opinião, “que
muitos destes jovens não pensaram bem
nas suas próprias competências e gostos
pessoais e profissionais.”

Pouco crédito no oil & gas


Narciso Matos afirma categoricamente
que “já não vamos a tempo de colocar
quadros em sectores-chave, como as in-
dústrias de gás que já se desenvolvem na
bacia do Rovuma pelas grandes petrolí-
feras, já que nem sequer há informação
disponível sobre quantos foram forma-
dos, onde, e em que estágio de evolução
estão os quadros nacionais desse sector.”
A Narciso Matos junta-se Paulo Santos,
da Heading, que avança que os projectos
do oil & gas “deveriam encontrar recur-
sos humanos com capacitação de base
para que, quando as empresas começa-
rem a desenvolver os seus trabalhos e a
partilharem as suas experiências, sejam
capazes de absorver esse know how.
Há uma franja de pessoas que já está
apta para o fazer, mas há ainda muitos
que não vão ser capazes de acompa-
nhar o ritmo e acabarão por perder esta
oportunidade”, lamenta.
Resultados bons poderão, de acordo com
Paulo Santos, advir da cooperação entre
empresas, sejam privadas ou do Estado,
no sentido de definir as competências
técnicas de que necessitam, e colocando
os institutos e universidades a formarem
de acordo com o plano estrategicamente
traçado para permitir que, em pouco
tempo, “possa haver mais gente forma-
da para áreas técnicas.” De resto, até ao
nível privado, parcerias do género têm
sido estabelecidas. A Heading é, de res-
to, um desses casos, tendo firmado uma
parceria com a Orion Group, uma multi- Cerca de 3 mil moçambicanos já passaram pela fábrica da Mozal
nacional especializada no recrutamento
de quadros para a indústria extractiva,
que recentemente adquiriu uma fatia Cassimo (IFPELAC), Adelino Novais, que
do capital desta empresa de RH moçam- az Directora de começa por explicar que os problemas
V

bicana, dotando-a assim de capacidade Recrutamento da levantados na pesquisa “estão há muito


Fabíola

para incorporar os grandes concursos Heading identificados” havendo um conjunto de


de recrutamento que se esperam para medidas em acção desde 2006, quando o
os próximos anos. “A verdade é que este Governo decidiu rever o quadro legal da
mercado está a mexer e empresas como formação profissional.
a nossa estão a posicionar-se”, dizem-nos. As alterações visavam então, explica,
Mas, se o mercado está a dimencionar-se, “uma reforma do ensino profissional cuja
porque é que permanece a ideia que a “É preciso explorar mais a componente primeira novidade foi a transição do mo-
formação de quadros não está a acom- turística cultural e das artes, porque as delo centrado no conteúdo teórico para
panhar esta tendência? pessoas mais competentes e talentosas um modelo que toma como prioridade a
A E&M conversou com o director da mais procuram ambientes que tenham estes transmissão de competências.”
importante instituição de formação pro- ingredientes. Elas escolhem os países Resultado desta nova abordagem, con-
fissional do país, o Instituto de Formação onde querem morar e vão procurar tinua, “é que o IFPELAC formou quadros
Profissional e Estudos Laborais Alberto emprego nessas geografias”. para quase todas as grandes indústrias

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cos para a actividade efectiva das em-
presas que temos em território nacional.”

“... Mas não somos sustentáveis”


Apesar de algum optimismo, Adelino
Novais não deixa de lançar um olhar
desafiante sobre o futuro, nomeadamen-
te sobre a sustentabilidade dos prove-
dores do ensino técnico e profissional,
“exigente e, por isso mesmo, oneroso.”
E sustenta: “Para formar um soldador, por
exemplo, é preciso ter uma linha de solda-
dura que seja a réplica da que aquele jo-
vem irá encontrar quando se tornar pro-
fissional numa indústria. E na academia,
os custos podem ainda ser maiores, por-
que a máquina de soldar serve a várias
turmas e deve estar ligada durante todo
o dia. Depois, há o custo dos equipamentos
e dos materiais, adquiridos a preços de
mercado, geralmente muito caros, para
assegurar que os formandos saiam com
domínio das técnicas mais precisas de tra-
balho. E agora pergunto, que jovem está
em condições de arcar com os custos des-
sa formação?”, questiona Novais, que esti-
ma em 100 mil meticais o custo real de um
curso de soldadura que assegure a sus-
tentabilidade da instituição de formação.
Mas, actualmente, os formandos pagam
3,5% desse valor (precisamente 3,5 mil
meticais) o que coloca IFPELAC numa po-
sição de insustentabilidade financeira, e
com uma acção de resposta limitada, face
às necessidades formativas de que dispõe.
Em Moçambique ainda não há uma saí-
da óbvia para este e outros problemas.
“Este é um debate que se tem arrastado
e precisamos de encontrar a tal solução
milagrosa. Mas o que me parece mais
viável e equilibrado será a partilha de
responsabilidades entre o Estado, o sector
produtivo que deve, de alguma forma ter
de contribuir para a formação de qua-
dros locais que irá utilizar no seu pró-
prio funcionamento, e o próprio centro de
que se instalaram no país, ao longo dos trabalhadores da Vale, formados inter- formação.”
últimos anos. Dou o exemplo da Mozal, namente, em Tete”, revela. E o IFPELAC Por agora, enquanto não encontra a sus-
por onde passaram mais de 3 mil traba- também já formou técnicos para a Jindal tentabilidade, a formação vai sobrevi-
lhadores que participaram na fase de (carvão de Tete), a Kenmare Resources vendo do patrocínio de indústrias inte-
construção e, ainda hoje, na manutenção (mineradora a operar em Cabo Delgado), ressadas em formar pessoal qualificado
de equipamentos, muitos deles com ex- bem como, noutro sector, para a Coca- e da boa vontade de alguns parceiros de
periências no Qatar, como profissionais -Cola Moçambique, empresa em que os cooperação.
de qualidade”, reitera. moçambicanos representam cerca de De forma ainda desarticulada para o
Nessa sequência, em 2010, recorda, “o 95% do pessoal da área técnica. crescimento anunciado, o que nos faz
IFPELAC celebrou um memorando de “O novo modelo de formação teve, e tem, pensar como irá ser aproveitado pelo
entendimento com a Sasol para passar uma preocupação com as necessidades meio milhão de jovens que todos os anos
a formar os seus quadros. Com esta me- do mercado, no sentido de criar exac- entram no mercado de trabalho.
dida, a petrolífera deixou de enviar o tamente as competências que as indús-
seu pessoal para a África do Sul, onde trias estão à procura. Ou seja, os diferen-
os cursos eram mais onerosos e demora- tes provedores de formação tiveram de texto Celso Chambisso
dos. Outro exemplo é o dos primeiros 300 apostar nos cursos que eram estratégi- fotografia Jay Garrido, IStock Photo

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33
Nação Conteúdo local

Em angola, Conteúdo Local para os


petróleos precisa de investimento
As empresas angolanas participam com uma quota de apenas 10% no volume global de investimentos na indústria
de exploração de petróleo e gás, uma cifra que tem vindo a cair desde 2013, antes da quebra de receitas do sector

35%
No período de 2013 a 2014, as empresas Associada a ela, a falta de uma legislação
angolanas tiveram grande participação que se ajuste aos novos contextos do mer-
no sector em termos de Conteúdo Local, cado, questões de ordem geopolítica, téc-
por conta do elevado nível de facturação nica e financeira, que contribuem para o
registado e também de know-how, o que decréscimo do Conteúdo Local em Angola,
representou cerca de 3,5 mil milhões de segundo fontes contactadas pela E&M.
dólares de volume de negócios, informou Paulo Cardoso, CEO da All Brokerage So-
Pedro Godinho, o CEO da Prodiaman, uma Sector dos petróleos é lutions (ABS), empresa 100% angolana, de-
das empresas de prestação de serviços responsável por mais de um fende ser necessária uma “renovação”
do sector. Entretanto, lamentou que, “des- das políticas como primeiro passo “pa-
de então, os projectos foram engavetados”. terço de toda a actividade ra criar emprego localmente e parar de
Mesmo sendo o sector forte da econo- económica em angola, mas depender em demasia do petróleo e dos
mia angolana, como sabemos, (represen- a participação de empresas seus derivados do ponto de vista das re-
ta cerca de 35% do PIB e mais de 90% ceitas. Ainda estamos na fase de desenvol-
das exportações), depara-se com desa- angolanas fica-se pelos 10% vimento e por isso não podemos compa-
fios que impedem o seu crescimento, mui- rar as políticas proteccionistas de outros
to por conta da crise iniciada em 2014. países, porque precisamos da sua tecnolo-

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gia e know-how”, disse, defendendo uma rança e certeza jurídica aos operadores
protecção ao investidor nacional, “mas A evolução de um sector empresariais” e gerar “oportunidades
que não afugente os estrangeiros mais nacional... mas pouco de crescimento técnico, tecnológico, em-
experientes e que podem ajudar a dina- prego e do domínio da qualificação dos
mizar o sector.” recursos humanos e proporcionar o
Pedro Godinho, CEO da Prodiaman, acredita
que a criação de leis, por si só, não é su- 1910 desenvolvimento das indústrias de pe-
tróleo e gás no país”.
ficiente e considera mesmo que a Sonan- Início da actividade de prospecção Frederico Cardoso disse, por outro lado, que
gol (petrolífera estatal) deve acelerar a e pesquisa de Hidrocarbonetos. a crise provocada pela queda do preço do
aprovação dos projectos de exploração Nesse ano, foi concedida à barril petróleo no mercado internacional
para que haja avanços no sector. “As le- companhia Canha & Formigal uma “inviabilizou muitos projectos petrolíferos”
gislações não dizem nada quando não são
área de 114 000 km2 no Offshore e provocou “uma redução substancial na
nas bacias do Congo
cumpridas”, afirmou, salientando que “não actividade de muitas empresas fornece-
e do Kwanza.
basta criar leis, mas é preciso fazer cum- doras de serviços à indústria petrolífera”.
pri-las na íntegra.” Para o gestor, a ausên- Entretanto, continua, “a meta é começar a
cia de financiamentos no sector petrolí- participar na produção local de bens para
fero seria minimizada caso se criassem 1962 as indústrias de petróleos e gás, competir
“parcerias genuínas” entre as operadoras Foi efectuado o primeiro e alcançar a aceitação dos produtos e ser-
de petróleo e a concessionária nacional, levantamento sísmico do viços para outras regiões do mundo”.
que “deve começar a aprovar mais pro- Offshore de Cabinda, pela O ministro de Estado e Chefe da Casa Civil
jectos de forma a sustentar a economia, Cabinda Gulf Oil Company do Presidente da República recorda que “a
criar mais emprego e gerar maiores con- (CABGOC), e em Setembro situação de crise provocou despedimentos
tribuições fiscais e sustento às famílias”. desse ano surgiu a primeira massivos de trabalhadores, num sector
descoberta. fundamental da economia”. Porém, para
Estado deve intervir contrapor a esses dados, informou, o Exe-
Já a jurista Lurdes Caposso Fernandes, que cutivo aprovou um conjunto de medidas de
dissertou na II Conferência Africana Sobre
Conteúdo Local, também defendeu a cria-
1973 carácter macroeconómico e outras especí-
ficas, de modo a corrigir os procedimentos,
O petróleo tornou-
ção de leis para salvaguardar o interesse -se a principal matéria de eliminar constrangimentos, melhorar o
das empresas angolanas que investem exportação. Em 1974, a ambiente de negócios e o reajustamento
no sector. Para a especialista, é necessá- produção chegou aos 172 000 para manter a rentabilidade da activi-
rio que as empresas estrangeiras que barris por dia, o máximo do dade do sector petrolífero em Angola.
não dão oportunidades às nacionais sejam período colonial. Por fim, Frederico Cardoso garante que
penalizadas. “As empresas angolanas de “a criação e aprovação de uma legislação
conteúdo local estão a fechar e a despe- sobre o Conteúdo Local na indústria de
dir trabalhadores, porque as operadoras
não estão a dar oportunidades, devido à
1976 petróleo e gás vai evitar a dispersão nos
conceitos e princípios que a actividade
A produção total rondava os
inexistência de fiscalização e leis que as- 100 000 barris por dia e era requer e a competitividade em termos
segurem a actividade das nacionais”, proveniente de três áreas: de preços”.
afirmou, apelando ao Governo que tra- Offshore de Cabinda, Onshore
balhe junto das empresas locais que do Kwanza e Onshore do Congo. A experiência de Angola
prestam serviços à indústria de petróleo O país goza de hegemonia no sector do
e gás, para “avaliar o seu estado e a cria- Conteúdo Local em África, fruto da expe-
ção de soluções.” riência que acumulou com investimen-
Contudo, o ministro de Estado e Chefe da 1991 tos feitos na produção de bens e serviços
Casa Civil do Presidente da República, Fre- Início da exploração em águas internos com a instalação de bases de
derico Cardoso, afirmou, ao intervir na profundas com a adjudicação do apoio à produção petrolífera.
abertura na II Conferência Africana Sobre Bloco 16, a que se seguiram os Nesse sentido, a Organização de Produto-
Conteúdo Local na Indústria de Petróleo e Blocos 14, 15, 17, 18 e 20. Desde res de Petróleo Africano (APPO), através
Gás, que o Executivo vai aprovar uma lei 1990, foram perfurados em do Conselho de Ministro dos Países Afri-
para regular o sector e a “institucionaliza- Angola mais de 200 poços. canos Produtores de Petróleo, realizou
ção de procedimentos claros, exequíveis no país, pelo segundo ano, a Conferência
e pouco burocráticos”. Segundo o respon- Africana Sobre Conteúdo Local na Indús-
sável, o objectivo é tornar cada vez maior tria de Petróleo e Gás, que decorreu em
“a participação da indústria nacional na
exploração de petróleo”, até porque, pros-
1999 Luanda, no final do ano passado.
Para a jurista Lurdes Caposso Fernandes,
Entrada em funcionamento da
seguiu, “se torna imperioso acabar com a primeira plataforma do modelo os valores avultados que o sector petro-
dispersão normativa sobre a matéria de FPSO (Flutuante de Produção, lífero gera podem fazer com que empre-
Conteúdo Local em Angola, distribuída Armazenagem e Escoamento) no sas nacionais ganhem mais participação
em nove leis diferentes”, repudiou, as- projecto Kuito, do Bloco 14. Desde no sector e aumentem a empregabili-
segurando que a adopção do novo plano 2003 a maior plataforma do mundo é dade no país. Já Sérgio Silva, director
legislativo “vai permitir que haja segu- usada no Kizomba A no Bloco 15. de Marketing da Ametrade, assegurou

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35
Nação Conteúdo local

tivos ao Conteúdo Local dizem respeito.


A Nigéria destaca-se com uma repre-
sentação na economia local de cerca de
26% de investimentos, enquanto Angola
tem cerca de 10% de participação de in-
vestimentos nacionais num sector que,
em termos gerais, se debate com desa-
fios de ordem técnica, jurídica, financei-
ra, geopolítica e de falta de informação.
No que diz respeito à informação, a APPO
está a realizar conferências internacio-
nais com vista a recolher opiniões e ex-
periências, entre os players do sector a
nível local e não só, das quais resultaram
duas plenárias (2016 e 2018), ambas reali-
zadas em Angola, sendo que a primeira
analisou formas de alcançar uma taxa
média de 30% de Conteúdo Local nas di-
versas actividades do sector de petróleo
e gás, em países produtores de petróleo
até 2030. Ali estiveram mais de 250 parti-
cipantes, desde países membro da APPO
Conferência da OPEP, em Viena, Áustria a empresas petrolíferas internacionais.
De acordo com Sérgio Silva, da Ametra-
de, destes fóruns resultará a compilação
Conteúdo Local vai tornar os projectos mais acessíveis com a de relatórios que vão apresentar o pa-
norama dos países membros da orga-
cooperação regional, porque desta forma as indústrias locais nização e incluirão o estatuto de cada
passarão a fornecer bens e serviços acessíveis às empresas um deles em termos do Conteúdo Local.
Depois da sua publicação, “cada mem-
petrolíferas, que verão reduzidos os custos de produção bro vai preparar as suas próprias re-
comendações sobre o assunto”, anunciou,
salientando que se pretende criar um
que a experiência de Angola “pode ser que mais investimentos com a dimensão ambiente de debate e de transparência
usada para melhorar o Conteúdo Local do projecto Kaombo (o maior empreen- na indústria local.
e a cooperação regional em África, de dimento offshore profundo em Angola, Na visão de Sérgio Silva, esse “não será
modo a proporcionar uma política eficaz aprovado em 2013 e que está a ser ge- um trabalho fácil”, porque os distintos
que consiga satisfazer as necessidades rido pela Total Angola) ajudariam a re- contextos em que se insere cada merca-
da indústria petrolífera dos países.” O dinamizar o sector. “O último projecto do podem consituir-se como os grandes
responsável advoga, também, que o Con- aprovado gerou cerca de 16 mil milhões desafios a ultrapassar. “Este objectivo
teúdo Local pode ajudar “a gerar uma de dólares. Se um quarto deste valor parece ser pouco ambicioso, mas não
indústria forte” em Angola que vai im- fosse investido em Conteúdo Local, tería- nos devemos esquecer que ainda existe
pulsionar as exportações para outros mos mais capital a circular na economia muito trabalho pela frente e acredita-
países da região Austral, em particular. nacional, o que ajudaria a fortalecer as mos que precisamos de definir objecti-
“Não há conflito entre as iniciativas do empresas e a sustentar muitas famílias”, vos mais ambiciosos, mas que sejam, ao
Governo angolano sobre a diversificação defendeu, tendo lamentado ainda que mesmo tempo, realistas”, destacou.
da economia e as perspectivas de desen- “muitas multinacionais continuem a im- De resto, o director de marketing da
volvimento do Conteúdo Local do sector portar bens e serviços e, no final, expa- Ametrade reconheceu que, entre os vá-
petrolífero”, frisou, defendendo, antes, triem os dividendos.” rios obstáculos, está a fraca cooperação
uma “harmonização das medidas”. Para Pedro Godinho, as empresas nacio- regional, que resulta na ausência de
Entretanto, na visão de Paulo Cardoso, nais de Conteúdo Local que se dedicam harmonização de políticas. “O importan-
CEO da All Brokerage Solutions (ABS), ao fabrico de estruturas de apoio a pla- te é criar uma política que funcione não
ainda existem poucas empresas nacio- taformas de produção petrolífera “de- só para incentivar a criação de empre-
nais a investirem no sector de Conteúdo vem crescer e posicionar-se ao mesmo sas a nível nacional, mas também para
Local, sendo que estas “têm grande de- nível das empresas sul-coreanas, ameri- criar uma estrutura que permita que as
pendência” de gestão estrangeira. canas e de outros países.” empresas privadas estrangeiras invis-
Por sua vez, o CEO da Prodiaman, Pedro tam no continente, para se desenvolver
Godinho, lembrava que o ano de 2018 Uma alternativa à industrialização de África uma indústria regional forte”, assinala.
“foi sofrível”, tendo resultado no encer- Na África Subsariana, Nigéria e Angola
ramento de quatro empresas do grupo detêm as rédeas do “jogo”, não por se-
que dirige, levando para o desemprego rem, apenas, os principais produtores, texto Cláudio Gomes
cerca de 200 jovens. O empresário acha mas sim no que a casos de sucesso rela- fotografia Isidoro Suka e D.R.

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Na voz de... formação

“Temos de formar mais


moçambicanos no exterior”
Narciso Matos
Reitor da Universidade Polítécnica e membro do Conselho Editorial da E&M

há experiências bem sucedidas que de- mar profissionais para qualquer sector
veriam inspirar os decisores de hoje a da economia. Ou seja, têm as bases para
solucionarem as insuficiências de sem- se adaptarem às exigências específicas
pre, em número e em qualidade, de ta- do ramo em que vão trabalhar, embo-
lentos ou falta deles, em Moçambique. ra seja difícil encontrar pessoas que, ao
Quando, para estimular o desenvolvi- Corremos o risco sair das universidades, estejam prontas
mento de novos quadros, o Governo de de ficar cada vez para trabalhar em determinadas em-
Samora Machel decidiu enviar para presas que têm de ser, elas próprias, a
Cuba milhares de jovens para serem for- mais atrasados. Não formar estas competências muito direc-
mados nas mais diversas áreas profissio- temos como dar o cionadas às suas exigências. A segunda é
nais, ter-se-á antecipado ao seu tempo.
Fazia uma leitura correcta que, even-
salto sozinhos. É que existem áreas onde não temos capa-
cidade e, pior, não estamos a fazer o que
tualmente, deveria ter sido continuada impossível! Temos deveríamos para mudar esta realida-
nos anos que se seguiram, por forma a de ir às melhores de, porque não sabemos tomar decisões.
melhor aproveitar as oportunidades na Há dez anos, dizíamos que Moçambique
indústria do petróleo e gás, do carvão,
escolas do mundo iria precisar de 4 mil técnicos da área
do alumínio, areias pesadas e de todas os para aprender e de geologia. Agora pergunto: qual foi o
sectores cuja força de trabalho é, ainda depois aplicar esse plano seguido para esse efeito? Mesmo
hoje, maioritariamente assegurada por agora, falamos em carvão e gás mais no
expatriados. Em exclusivo à E&M, Narci- ensinamento em sentido dos acordos que estão a ser ru-
so Matos, reitor da Universidade Politéc- Moçambique bricados do que no capital humano que
nica, explica que é tudo uma questão “de está a ser (ou já foi) formado para daqui
vontade e não de inventar a roda.” a cinco anos poder responder às exigên-
cias. Isto é desperdício de oportunidade.
A competitividade económica depen-
de, cada vez mais, da forma como os Então, é válido concluir que não acre-
países enfrentam o desafio da for- dita que estejamos preparados para
mação de quadros. Olhando para Mo- as novas oportunidades, é assim? Pre-
çambique, acredita ser possível que vê que os moçambicanos venham a
os grandes empreendimentos de que ser meros espectadores do processo
se fala, há quase uma década, encon- de produção de gás, por falta de mão-
trem os quadros necessários para po- -de-obra qualificada?
derem funcionar de acordo com pa- Se não tivermos juízo, é possível, e até
drões de exigência internacionais? provável, que o gás se transforme numa
Para esta questão são possíveis duas maldição em vez de uma bênção. Agora
respostas válidas: a primeira é que, em fala-se de carvão e gás como se estes pu-
algumas áreas, temos capacidade de for- dessem empregar toda a gente ou como se

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Na voz de... formação

o capital proveniente destes recursos ver como estão organizadas. Algumas,


fosse depois distribuído pelas pessoas. estavam cheias de chineses, numa al-
Acho que temos de ter cuidado. E infe- tura em que a China nem era uma po-
lizmente não estamos a ter. Tivemos tência económica. Eles levaram 30 ou 40
momentos de euforia, em que vivíamos anos a investir e hoje são uma “ameaça”
como se fossemos ricos. Depois entrámos até para as potências mais avançadas.
na fase em que deixámos de ser ricos e, Com isto quero dizer que é responsabi-
agora, estamos naquela em que dizemos lidade do Governo investir em formação.
que em 2023 vai haver gás outra vez.
Esta não é estratégia de coisa nenhu- É também fora onde podemos resol-
ma. Cerca de 80% da população vive da ver a questão do (não) “saber fazer”?
agricultura e isto leva-me a questionar: Há exemplos muito concretos disso. A
qual é a ligação entre o gás e a agricul- maior parte das pessoas que conheço,
tura? Para lhe responder, digo-lhe que que saem de Moçambique para fazer
não estou optimista em relação ao gás e mestrados e doutoramentos, brilham.
ao carvão porque não estou a ver planos E quando se pergunta qual foi a maior
de que vamos utilizar bem o dinheiro dificuldade que tiveram respondem que
destes recursos. foi o ‘mexer com as mãos’, ou seja, se for
engenheiro, a dificuldade foi ter a capa-
Falou em áreas de actividade em que cidade de perceber os mecanismos de
há menor pressão em obter compe- funcionamento das máquinas, na práti-
tências, quais são elas? ca, em laboratórios modernos. Não é por
Nas embaixadas e escritórios de repre- falta de inteligência, mas porque o nos-
sentações diplomáticas e de cooperação so país não tem esses meios. Duvido que
em Moçambique, notamos que a maior tenhamos, hoje, uma escola de mecânica
parte das pessoas que lá trabalham automóvel ou industrial em que possa-
são moçambicanas, formadas em Mo- mos encontrar um laboratório do século
çambique, e que têm capacidade. É um XXI. Então pergunto: como podemos “sa-
exemplo que se estende à área de me- ber fazer” se não há investimento nisso?
dicina e a outras. Mas não aproveita-
mos todas as pessoas dotadas de talento Como fazer num país em que o Orça-
que formamos no país. Há muitos jovens mento do Estado é “curto” para as inú-
que têm vocação e vontade de fazer e meras prioridades?
que acabam por se perder em sectores Defendo sempre que nós, como país, te-
que não estimulam a sua criatividade, mos de decidir se queremos ter, pelo me-
entram em burocracias em que é mais nos, uma ou duas universidades de refe- O futuro começa aqui, na escola. Os problemas, também
importante obedecer a normas antigas rência; duas ou três escolas secundárias
ou a chefias do que em serem criativos e de qualidade; duas ou três escolas indus-
usarem as suas aptidões. triais de relevo que sirvam de exemplo “existem áreas
e até de centros de formação para as de-
É consensual, e o Índice de Competitivi- mais. Dou-lhe exemplos: porque não in- onde não temos
dade Global de Talentos divulgado no vestir a sério para ter a melhor escola de capacidade e, pior,
fórum de Davos também o diz, que Mo- engenharia do país na UEM, a melhor de não estamos a fazer
çambique apresenta grande desfasa- medicina da Unilúrio? Parece que a nos-
mento entre a formação académica e sa opção, como país, é dividir o bocadinho o que deveríamos
a transferência de conhecimento. Na por todos. E aí ficamos todos medíocres. fazer para mudar
sua óptica, que acções devem ser adop-
tadas para mudar esta realidade? A tecnologia é uma exigência a ter
esta realidade, porque
A educação e a formação de talentos em conta no novo paradigma do de- não sabemos tomar
necessários para o desenvolvimento do senvolvimento. Que opções há, para decisões”
país é tarefa do Governo. Sem querer lá desse investimento de que fala,
dizer que deva fazê-lo sozinho, deve ser para dar a volta a esta, já conhecida,
este a liderar e investir nessa formação. fragilidade nacional?
Já o fez no passado, por exemplo, com Não temos escolha, se quisermos avan-
a geração que, há cerca de 30 anos, foi çar. É triste que não possamos, hoje, di-
estudar em Cuba onde chegámos a ter zer que há, por exemplo, milhares de
5 mil ou mais moçambicanos, que lá fica- moçambicanos fora do país, enviados
ram cinco ou dez anos, tendo regressado pelo Governo para se formarem em en-
como técnicos competentes em diversas genharias. Ainda que regressassem só
áreas. Só que nunca mais fizemos isso. alguns, os que ficam lá continuam a ser
Por exemplo, em 1990, fui convidado a moçambicanos e, directa ou indirecta-
visitar universidades americanas para mente, estão ligados ao país. Por isso,

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e trabalhem cá? Ou estamos à espera
que, ao acabarem a formação, voltem
à palhota de onde saíram para estu-
dar, andando a pé ou de “chapa”? Sem
querer apresentar fórmulas acabadas,
acho que devemos começar por questio-
nar qual é o mínimo que temos de fazer
para que as pessoas que têm capacida-
de e até oportunidades lá fora decidam
voltar. Houve épocas em que se fez isso.
Logo a seguir à independência, o Gover-
no decidiu que médicos e professores
universitários tinham um complemento
salarial que não tinha nada a ver com o
quadro salarial típico da função pública.
Ou seja, além do salário que era quase
igual para a tabela do sector público, ha-
via um quantitativo, pago em dólares,
porque se reconhecia a importância e
a vontade pública de reter esses pro-
fissionais qualificados. Até porque as
necessidades de uma pessoa com este
grau de formação são diferentes das de
uma pessoa mais modesta (sem querer
dizer que há quem seja menos humano),
mas porque aquele grupo já tem ou-
tros padrões de consumo. Isto já foi feito
em 1975 numa altura em que o país era
muito mais pobre sem perspectivas de
petróleo ou de gás.

Além do salário, que outras saídas se


colocam para tentar reter talentos?
Insisto na pergunta, sobretudo, por-
que as economias estão cada vez mais
preocupadas com a competitividade...
Logo a seguir à independência, trabalhei
na Universidade Eduardo Mondlane e,
corremos o risco de ficar cada vez mais Por exemplo: o acesso às bolsas para nessa altura, com apoio do fundo da anti-
atrasados. Não temos como dar o salto o exterior deve ser por mérito. E nes- ga RDA, construiu-se o Bairro Residencial
sozinhos. É impossível! Temos de ir às se processo a família desempenha um Universitário, ao qual os professores ti-
melhores escolas do mundo para apren- papel crucial. O estímulo muitas vezes nham acesso directo ao nível da habitação.
der e depois aplicar esse ensinamento começa na família. Falei do Governo por- Criou-se um privilégio para este grupo
em Moçambique. Penso que é assim que que este é que monta a matriz que per- de pessoas porque se compreendeu que,
deve funcionar também em relação à mite a formação. Mas não é o único com como professores universitários, tinham
evolução tecnológica, tal como fizeram responsabilidades em tudo isto. de ter condições diferenciadas. Se há 40
os chineses. E veja-se o resultado. anos já se pensava assim, será que é im-
A pesquisa também faz referência à possível criar fórmulas adequadas agora?
Parece indiscutível que é o Governo fraca capacidade de atrair e reter “cé- Não estou a dizer que tem de ser a mes-
que deve assumir a dianteira neste rebros”. Muitas vezes porque noutros ma coisa que se fez antes, longe disso.
processo, mas há que olhar também mercados há disponibilidade de infra- Mas é preciso interrogarmo-nos se há
para a postura de quem procura tra- -estruturas e melhor remuneração. sectores-chave em que queremos ter mo-
balho. Sente que no seio dos jovens Há como evitar esta desvantagem? çambicanos qualificados e como podemos
há sentido de busca pela excelência Não podemos pensar em reter as pes- reter essas pessoas. Um exemplo é o do
profissional? soas em Moçambique por via do apelo aparelho do Estado, onde há muitas pes-
A educação não se dá às pessoas. Tendo ao patriotismo. Houve épocas em que o soas que saíram para o privado porque,
oportunidades, elas têm de se esforçar apoio militante, por assim dizer, podia com aqueles salários e condições, não con-
também. Se é responsabilidade do Go- conduzir a esse tipo de resultado. Hoje, seguiam alimentar as suas famílias.
verno criar boas escolas, a obrigação nada é igual. Acho que a base do proble-
de quem tem acesso é fazer o máximo. ma é esta: será que, como país, queremos
O que o sistema faz é seleccionar os criar condições para que os que manda- texto Celso Chambisso
melhores para ir para essas escolas. mos para se formarem fora regressem fotografia Jay Garrido

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província Tete

à beira de um novo arrefecimento?


Um facto e uma previsão ocasionam o temor de um novo abrandamento da dinâmica económica numa das províncias
potencialmente mais ricas do país, gerando o suspense alimentado por memórias de um duro passado recente

subitamente, a rápida ascensão da acti-


vidade económica que a província de Tete
conheceu, com o surgimento de novos
empreendimentos nas áreas do turismo,
imobiliária e de serviços, deu lugar a um
abrandamento que retirou à província
o estatuto de El Dorado. Estávamos em
2014, o preço do carvão no mercado in-
ternacional caía a pique, e por via dis-
so, arrefeciam os grandes investimentos
das mineradoras e, com eles, as activida-
des que o carvão tinha, para ali, atraído.
Esse cenário permaneceria deprimi-
do, como esta descrição, durante os três
anos que se seguiram, até 2017, alavan-
cado pela valorização do preço do carvão
no mercado internacional, que trouxe a
estabilidade de volta. E o carvão passou,
então, a ser a principal commodity ex-
portada (ultrapassando o alumínio) e uma
das maiores fontes de receita do Estado.
No entanto, no início do ano, o seu preço
voltou a constituir um sinal de preocupa-
ção, porque se prevê uma nova redução,
em 12%, seguindo uma tendência do ano
passado em que essa quebra, ainda que
ligeira, já se fazia sentir.
Ao mesmo tempo, a Vale, empresa com
maior peso na produção e exportação
do carvão (também classificada como a
maior empresa de Moçambique na últi-
ma actualização do concurso da KPMG),
está a enfrentar vários processos que
podem afectar negativamente os seus
negócios, na sequência do rompimen- província No entanto, “os riscos de haver uma limi-
to de uma barragem em Brumadinho, Tete tação dos investimentos para mobiliza-
Brasil, cujos danos são considerados ‘cri- rem recursos em resposta àquele pro-
minais’ pelas autoridades daquele país blema são reais e podem ter resultados
(centenas de mortos e desaparecidos, negativos na nossa província”, diz Carlos
além de danos ambientais). Cardoso, presidente do Conselho Empre-
A E&M procurou ouvir a Vale, na quali- sarial de Tete, que teme nova redução
dade de empresa com maior peso na ex- do fluxo de investimentos na província,
ploração de carvão (apesar de haver ou- capital Cidade de tete sobretudo nos sectores do turismo, imo-
tros operadores com destaque para a ja- área 101 000 km² biliário e serviços, com impacto assinalá-
ponesa Mitsui e as indianas Jindal e ICVL), população 2,8 milhões vel ao nível das PME.
mas a assessoria de imprensa da em- região Centro-Norte E, sabe-se, há o perigo de, caso a
presa avisou que “é cedo para a mine- reestruturação da Vale se torne uma
radora se expressar, sobretudo em tor- realidade no Brasil, os gestores da em-
no do impacto da tragédia de Brumadi- presa reavaliem os activos que não
nho nos seus negócios em Moçambique”, são considerados cruciais para a em-
uma vez que a grande prioridade pas- presa. Não será o caso de Moçambique,
sa, agora, “por prestar apoio às vítimas.” pela dimensão da operação, mas o que

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é certo é que algumas sombras se le- Riquezas de Tete aumentar a procura e, por via disso,
vantam a este respeito, nesta altura. incentivar a uma maior produção e ven-
Para a economista e pesquisadora do Mais do que apenas o carvão, a das (podendo, assim, contrabalançar o
Centro de Integridade Pública (CIP) com província dispõe de uma extensa efeito do preço), o economista não acre-
foco na indústria extractiva, Inocência variedade de recursos minerais. Com dita que as empresas optem por manter
Mapisse, “empresas da dimensão da mais investimentos, Tete seria sem níveis elevados de produção de carvão,
Vale têm uma estrutura organizacional dúvidas um El Dorado nacional porque, analisa, “elas são geralmente con-
que permite lidar com eventos inespe- servadoras a este respeito, procurando
rados (através dos seguros) para evitar sempre evitar riscos de perda de lucros.
desinvestimentos”, daí que não antevê, a E a forma mais evidente de o fazer é bai-
possibilidade de Tete ser “muito afecta- Recursos minerais xando o nível da produção ou diminuindo
da” por esta situação. alguns custos, particularmente os da
É conhecida pelas reservas de carvão mão-de-obra”, explicou o economista que,
Incertezas do sector privado mineral de dimensão mundial, tendo além da redução da força de trabalho,
Carlos Cardoso descreve como “anima-
como grande concorrente a Austrália, antevê ainda a redução das compras
mas tem reservas de pedras preciosas,
dora” a retoma do crescimento do sector que as multinacionais fazem localmente,
de ornamentação e semipreciosas,
imobiliário, do turismo e dos serviços, que lembrando que “só a Vale gastou cerca de
ouro, grafites, urânio, ferro, cobre,
havia adormecido com a redução de in- granito-negro, calcário, 800 milhões de dólares na contratação de
vestimentos há mais de quatro anos, re- vanádio e fluorite. Pequenas e Médias Empresas que pres-
tirando emprego a centenas de pessoas. tam diversos tipos de serviços o que, com
Mesmo assim, mostra “preocupação” com menor previsão de lucro, deverá deixar
a crescente queda do carvão no mercado de acontecer, pelo menos a essa escala.”
internacional, que “coloca o empresário Energia
sem saber se deve ou não continuar a in- Tete não carbonífero… e as vias de acesso
vestir, visto que o cenário pode mudar a Também é ali que está uma das Tete confunde-se com carvão… e é justo,
qualquer momento e voltar a trazer pre- maiores barragens hidroeléctricas e mais do que compreensível que assim
juízos”, assume.
de África, a HCB, a 18º mais seja. É a matéria-prima que mobiliza a
importante do mundo, com uma
Apesar da incerteza, não acredita que a economia local (e nacional). Mas há tam-
capacidade de produção máxima
redução prevista de 12% no preço do car- bém uma série de outros recursos que
anual de 18 mil GWh, e que
vão possa ser tão severa como o fenóme- merecem especial atenção.
abastece o país e vizinhos como a
no de 2014, em que o preço caiu para me- África do Sul, Malawi, Zâmbia. Por exemplo, é uma das províncias com
nos de metade, factor que foi agravado mais minérios (ver caixa das potencia-
pelos ataques que obrigaram ao encer- lidades), muitos deles ainda não devida-
ramento de muitos empreendimentos. mente explorados, apesar de já existirem
Posição similar é assumida pela econo- Agricultura projectos nesse sentido. Depois, é uma
mista Inocência Mapisse. “É possível que das regiões do país com maior potencial
a Vale e outros operadores do mercado Conhecida pela vasta extensão agrícola. No entanto, há um claro défice
abrandem as suas operações, mas não de terras férteis, Tete produz na rede de estradas, um dos maiores cla-
tomarão esta decisão com tanta flexibi- principalmente o tabaco, mores do empresariado local, de há anos
lidade. Terão de estudar cenários futu-
algodão, a batata reno e doce, e a esta parte.
uma grande variedade de cereais
ros antes de decidir, mesmo porque uma Ao nível do investimento, é também ali
(feijão, milho, amendoim,
redução de 12% ainda é comportável e que vai nascer a maior siderúrgica na-
soja entre outros).
pode ser que a recuperação do preço Tem ainda a maior mancha cional, um empreendimento com poten-
aconteça também num curto espaço de florestal do país. cial “para ser o pilar da indústria de aço
tempo”, argumentou a economista, para nacional e regional nos próximos 100 anos,
quem Tete “não deverá assistir à sus- dando retornos robustos aos investidores
pensão de investimentos em sectores e benefícios sócio-económicos ao país”;
de apoio às extractivas, e que têm im- dizia o ministro Max Tonela, aquando da
pacto no crescimento económico local”, Turismo assinatura do contrato com a australia-
adverte. na Capitol Resources, num investimento
Em sentido inverso, também o economis- A província tem um potencial de 770 milhões de dólares. Segundo o go-
ta e docente universitário Constantino assinalável para o turismo de vernador local, a implantação da fábrica
Marrengula não demonstra optimismo interior. Na albufeira de Cahora dará origem a outras actividade, como
quanto aos efeitos da prevista redução
Bassa, a actividade está em a produção de cimento, betão reforçado,
franco desenvolvimento. Ainda
dos preços do carvão. “Agora estamos cabos metálicos e, sobretudo, gerará mais
há a destacar as águas termais
diante de uma previsão que faz temer postos de emprego e ocasionará o cresci-
de Boroma, as fontes de água
o cenário de 2015. O efeito directo des- da Angónia, Macanga, Chiúta mento de novas PME, de que a província
te fenómeno é a redução da produção e Zumbu, e outros locais de (e o país) tanto necessitam.
para evitar maiores perdas de re- interesse turístico, incluindo
ceitas”, avançou o economista. Mesmo atractivos paisagísticos, com
admitindo a hipótese de a quebra do destaque para o Vale texto Celso Chambisso
preço no mercado internacional fazer do Zambeze. fotografia D.R.

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OPINIÃO

Nómadas digitais
Cristina Simón • Professora de RH da IE Business School e directora do MBA IE-BROWN

como tem vindo a acontecer nos últimos anos, as possibilida- uma leitura histórica do mundo do trabalho tal como o conhe-
des que abre a tecnologia permitem uma nova concepção do cemos no mundo ocidental actual. Ainda seguimos o modelo
trabalho: as comunidades dos chamados nómadas digitais. São gerado durante a Revolução Industrial do século XIX e deve-
basicamente profissionais da geração millenial que decidem mos recordar o choque que representou em seu momento. Os
prescindir dos laços espaço-temporais marcados pelas formas operários suicidavam-se por não poderem passar a cada dia
de relação laboral tradicionais e trabalham enquanto viajam. um número de horas fixas dentro de um edifício com luz ar-
Iniciativas como a Selina.com organizam espaços físicos em tificial quando a sua forma de vida, essencialmente agrícola,
destinos de interesse turístico para que estes jovens nómadas tinha estado vinculada ao movimento do sol e ao ritmo do cli-
digitais disponham de conexão e lugares adequados para de- ma e das estações. A nossa forma de trabalho não é tão antiga
senvolver a sua actividade. nem inerente à nossa espécie. Não quero dizer com isso que
Obviamente esta opção não é para toda a gente, nem para tenhamos de voltar ao campo ou que devamos tornar-nos lu-
todos os postos de trabalho. Aquelas actividades que reque- ditas, senão simplesmente que não é a primeira vez que acon-
rem atenção próxima ao cliente ou presença física (indústria tecem mudanças na concepção que temos do trabalho e que
ou determinados serviços) não são susceptíveis de noma- não deveríamos escandalizar-nos por isso. Sim, é certo que
dismo em geral. Contudo, é interessante analisar o que esta estes nómadas digitais nos recordam estes tempos anteriores,
forma de trabalho representa. Uma vez superado o “onde onde não existiam as amarras que actualmente marcam o
vamos parar” inicial - uma primeira análise a estas comu- nosso sistema produtivo.
nidades de nómadas digitais gera a sensação de qualquer Como em tantos fenómenos socio-económicos gerados pela
coisa menos produtividade ao estilo clássico –, o certo é que tecnologia, ainda está por ver a extensão deste nomadismo
há muitos trabalhos que, ao não requererem presença física, digital e se irá além de ser outra moda efémera. Cada vez são
podem realmente ser desempenhados a partir de qualquer mais os jovens que decidem romper com o sistema durante
sítio. E inclusive podemos pensar em muitos que requerem uma temporada e viajar sem amarras, com trabalhos pre-
inspiração e renovação (como o desenho ou as tarefas cria- cários mas que lhes permitem ter experiências diferentes e
tivas), para os quais sair da rotina diária pode ser um estí- aprender com outras culturas, o que pode ser também uma
mulo importante para a eficácia pessoal. E devemos espe- valiosa fonte de talento para as organizações.
rar que este tipo de trabalhos venha a aumentar no futuro, Esperemos que os departamentos de selecção se adaptem
visto que a robotização absorve as tarefas mais rotineiras, também a esta nova visão do mundo e saibam ver nos cur-
físicas e que requerem presença num posto de trabalho. rículos dos nativos digitais o maior valor que podem trazer
O fenómeno do nomadismo digital permite-nos também fazer às novas gerações.

O certo é que há muitos trabalhos que, ao não requererem presença física, podem
realmente ser desempenhados a partir de qualquer sítio. E inclusive podemos pensar
em muitos que requerem inspiração e renovação como o desenho ou as tarefas criativas

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mercado e finanças

“Somos o banco mais capitalizado


e robusto em Moçambique”
Ao longo dos últimos três anos, os mais conturbados da década a nível económico, o Millennium bim apresentou
sempre resultados que apontam num único sentido: solidez. Em entrevista à E&M, José Reino da Costa, o PCE
da instituição, fala das “dificuldades” de 2018, lançando os grandes desafios deste e dos próximos anos

a actuação do Millennium bim pode crescimento do resultado líquido da ins- Como é que podemos olhar para o ano
definir-se em poucas palavras: consis- tituição, com um rácio de capital acima de 2018 do Millennium bim?
tência, sobriedade e crescimento. dos 30% (bem para lá dos 9% mandató- Continuou a ser um ano em que hou-
E há resultados palpáveis dessa rea- rios por parte do Banco de Moçambique). ve evolução de crédito, fruto, ainda,
lidade ao nível da base de clientes (1,8 No entanto, ao nível do crédito malpa- obviamente de um crescimento da eco-
milhões), da expansão da utilização de rado, que se terá agravado nos últimos nomia fraco e do nível de taxa de juro
canais remotos (Millennium IZI, Inter- anos, a situação ainda é delicada, mas, que, apesar de já ter descido significa-
net Banking e redes de ATM e TPA), ou assinala, “prosseguem os esforços de tivamente, ainda foi bastante elevado.
por ser o primeiro banco a estar presen- aperfeiçoamento dos mecanismos de Portanto, o mercado como um todo ain-
te em todos os distritos do país, chegando monitorização de risco e de uma políti- da decresceu a sua carteira de crédito.
aos 193 balcões. ca de provisionamento prudente, com Nós decrescemos mais do que o merca-
Ainda sem o relatório de contas referen- vista à eficiência e robustez do balan- do, simplesmente, porque houve dois
te ao ano de 2018, José Reino da Costa fala, ço”, assume o gestor, para quem a saúde ou três clientes que tiveram liquidez e
em exclusivo à E&M, de um crescimen- financeira do bim é hoje “assinalável”. aproveitaram para liquidar crédito pa-
to de 10% ao nível do número de clientes O que provoca reflexos na “grande ca- ra reduzir os seus encargos financeiros,
e dos depósitos, sendo que os valores fi- pacidade de concessão de crédito... assim e isso afectou a nossa carteira ain-
nais apontam, por essa via, para um que a economia puxe por nós”, assume. da de uma forma mais significativa.

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Depois, foi um ano com muitos desafios. O que se passou (blackout retorno de mais mão-de-obra estrangei-
Já começámos a decrescer o nível de ra que virá, necessariamente, apoiar o
crédito malparado, e, portanto, tivemos da rede SIMO) foi muito mau desenvolvimento destes projectos o que
um ano em que a nossa estratégia se fo- para o sistema financeiro. vai criar as condições para que, a partir
cou na eficiência e na robustez do balanço. de 2020, comecemos a sentir que o Inves-
Toda a gente perdeu. Os timento Directo Estrangeiro (IDE) comece
Há uma noção clara já sobre os prin- bancos e fundamentalmente a aumentar e que, no fundo, a economia
cipais resultados operacionais do cresça perto dos valores que todos dese-
banco no ano passado?
os clientes, particulares, jamos, que serão à volta desses 7% ou 8%,
Os números finais apontam para um mas também empresas, sendo que só a partir de 2022 é que te-
crescimento do resultado líquido, face que não conseguiram fazer remos então crescimento a dois dígitos. É
ao anterior, para uma forte liquidez do por tudo isto que eu digo que 2019 pode-
balanço, que tem muito que ver com o as transacções de que rá ser o ano de viragem.
facto de termos crescido nos depósitos. necessitavam. No final do dia,
Temos neste momento uma taxa de Esta dimensão ao nível dos investi-
transformação (relação entre os depósi- acho que perdeu também a mentos não passa pela banca nacional
tos e o crédito) abaixo dos 50%, o que dá credibilidade de Moçambique mas por sindicatos bancários inter-
uma grande liquidez ao balanço e tam- nacionais. Pergunto-lhe então, de que
bém posiciona o bim como um banco com forma a banca nacional entra nesses
grande capacidade de dar crédito no fu- grandes investimentos, ou colhe os
turo... assim que a economia puxe por frutos dos mega projectos?
nós. Mas o aspecto mais importante é, É bom que se diga isto: o sistema finan-
claramente, termos fechado o ano com ceiro nacional todo junto, ao nível dos
um rácio bastante acima dos 30%. Por- activos, representa 6 mil milhões de dó-
tanto, com este rácio de capital, que é lares. E só o primeiro projecto de gás
aquilo que nos define em termos de ban- aprovado em 2017, e que até é o mais
co, somos o mais capitalizado e robusto pequeno dos três, já era superior a isso.
em Moçambique. Estamos a falar de mais de 20 mil milhões
de dólares de investimento em cada um,
Ainda assim, foi um ano de cresci- e isto dá, por si só, a dimensão de que,
mento modesto? de facto, nem que se juntassem todos os
Foi um ano de crescimento modesto, lim- a particulares). Obviamente isto tem que bancos nacionais, não conseguiriam fi-
peza de balanço, e robustecimento de ver com a descida das taxas de juros, e, nanciar estes projectos. Aquilo que é
todos os indicadores fundamentais para portanto, a capacidade financeira dos importante para nós é o facto de esses
aquilo que deve ser um banco líder de clientes voltou aos níveis normais. Mas, projectos poderem ser o motor de trans-
mercado. como digo, e aliás, as perspectivas do FMI formação da economia moçambicana.
também apontam nesse sentido, 2019 se- Porque não é só esta acção do gás que
Ao nível do número de clientes, houve rá um ano em que o crescimento andará vai trazer royalties e impostos para
um crescimento dentro dos patama- ainda entre os 4% e 5%. Acho que ainda Moçambique, mas vai-se gerar um de-
res dos últimos anos? há um salto que é preciso dar, o que só irá senvolvimento do famoso ‘Conteúdo Local’.
Crescemos perto dos 10% ao nível dos acontecer quando os projectos do gás se Por isso, as cadeias de valor vão gi-
clientes, temos 193 balcões e somos o úni- materializarem. Mas, como a economia rar em torno destes projectos em áreas
co banco presente em todos os distritos funciona muito com base em expecta- como a formação, recrutamento, advoca-
do país, não só através dos balcões, mas tivas, parece-me que este será um ano cia, logística, catering, transporte, para
também da nossa rede de agentes. Este de mudanças porque se esperam duas não falarmos de outras indústrias um
processo de ‘bancarização’ e de inclusão decisões muito importantes. Tivemos a pouco mais ‘hards’, como as mecânicas.
financeira faz parte da nossa estratégia. primeira decisão de investimentos em Há um conjunto de actividades que ne-
2017 (Área 4 do Rovuma, concessionada cessariamente vão ter de ser feitas
Há praticamente uma década que pela ENI), e que foi importante, mas estas cá, que vão desenvolver a economia
se antevê o tal boom económico com duas decisões de investimento (nas áreas e, naturalmente, o sistema financeiro.
o crescimento a regressar aos 7% 1 e 4) para os dois projectos onshore, com Havendo crescimento económico, há
anuais, impelido pela exploração de investimentos acima dos 20 mil milhões mais depósitos, mais crédito ao consumo
gás natural. De que forma é que o sec- de dólares cada um, irão, definitiva- e às empresas. É nisto que acreditamos,
tor financeiro, e um dos bancos que mente, dissipar quaisquer dúvidas que e é por isso que apostámos numa lógica
lidera o mercado nacional, se está a ainda eventualmente existissem. E isso de manter o banco bem capitalizado,
preparar para esta mudança? irá alterar as expectativas de todos os com liquidez, o que nos posiciona de for-
Prevemos que 2020 seja o ano em que po- players, nomeadamente da banca. ma preferencial agora para podermos
deremos ter um crescimento expressivo. servir de apoio a todo esse desenvol-
Acreditamos que o crédito vai ter cres- O que irá mudar, de forma mais evi- vimento que todos esperamos para os
cimento em 2019 e já nos últimos meses dente, em sua opinião? próximos anos. E contamos que tudo isto
de 2018 tivemos sinais de que, de facto, Vamos assistir ao retorno do apetite in- aconteça também com uma incorpora-
já está a crescer (no crédito ao consumo ternacional em alguns investimentos, ao ção nacional significativa.

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mercado e finanças
O panorama na banca mudou bas-
tante nos últimos dois ou três anos,
devido ao impulso regenerador do
Banco Central. Em que medida essas
mudanças foram benéficas para o sis-
tema financeiro nacional?
Sem dúvida. Para ser completamen-
te claro, estamos alinhados e achamos
que esse é o caminho que tem de ser
feito. O Banco de Moçambique (BdM), ob-
viamente, é o regulador e supervisor, e
portanto, merece todo o respeito. Temos
uma relação de enorme proximidade,
e de trabalho permanente com o BdM.
Todas as medidas que tenham como ob-
jectivo trazer mais robustez ao sistema
financeiro são positivas. As situações pe-
las quais passámos nos últimos anos, em
que dois bancos foram à falência, ob-
viamente não agradam a ninguém e
deveremos evitar que se repitam.

Que medidas destaca, a este nível?


O BdM tem implementado um ritmo de
mudança importante, com a introdução
das ‘Prime Rates’ para o sistema finan-
ceiro, que reforçam a transparência
perante os clientes e permitem com-
parar as ofertas de uma forma muito
mais clara. Depois, a alteração do capital
dos bancos, ou o rácio de liquidez, tam-
bém para garantir que estes tenham
níveis adequados e demonstrem saúde
financeira.

Como viveu aqueles dias do ‘apagão’


da rede SIMO, sendo que o bim até foi Millennium bim foi o primeiro banco a estar presente em todos os distritos do país
o único banco que, por não ter ainda
concluído a migração, acabou por ser,
acredito, o menos lesado? “Os empresários perceberam o perigo que é dependerem
De facto, mas para nós foi uma desa-
gradável surpresa. O que se passou foi demasiado do crédito bancário, porque as taxas de juro
muito mau para o sistema financeiro. podem estar baixas num período e depois, de repente, sobem”
Toda a gente perdeu. Os bancos, e funda-
mentalmente os clientes, particulares,
mas também empresas, que não con- Não é muito comum isto acontecer... transformação digital está a atingir uma
seguiram fazer as transacções de que Não, nunca tinha assistido a algo parecido. velocidade gigantesca e a nossa estraté-
necessitavam. No final do dia, acho gia, e a da maior parte dos bancos, é justo
que perdeu também a credibilidade A banca tradicional vai ter de mudar dizer, assenta fundamentalmente no mo-
de Moçambique. Já tínhamos inicia- nos próximos anos por via do digital, bile. Depois, há a inter-operabilidade, e
do o processo de migração, ao nível do e isso provocará uma alteração ra- nesse sentido, fizemos uma parceria com
investimento que já tinha sido feito e dical na forma de ‘consumirmos’ a Vodacom (detém o M-Pesa), que foi um
muitas máquinas nossas até já tinham produtos bancários. Em que medida? sucesso imediato.
migrado. Investimos dinheiro e tempo Mas a banca já está a mudar. O tema do
que, no fundo, foram desperdiçados. mobile já tem muitos anos. No bim já tra- Prevê alguma mudança de para-
balhamos nisto há, pelo menos, seis anos. digma no que concerne ao crédito à
Essa migração vai ser concluída, ou Em Dezembro deste ano batemos, mais habitação?
foi abandonada de vez? uma vez, o recorde de transacções men- Esse é um tema vasto e que não passa só
Não será retomada. O processo parou! sais através do IZI (mais de 10 milhões). pelas taxas de juro. Começa, em primei-
E neste momento voltámos ao processo E aquilo que referiu naquele momento ro lugar, pelo nível salarial da população
anterior e estamos a trabalhar de uma do ‘blackout’ serviu também para mos- moçambicana. A capacidade de financia-
forma independente. trar o potencial destas plataformas. A mento das pessoas é muito baixa, e por

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dessas dívidas está bem desenvolvi- E lá também havia essa discussão?
do no mercado financeiro? Sim, mas não muito…. Eu penso que o
Temos de dividir isso em duas componen- fundamental dos bancos que estão no
tes: empresas e particulares, porque o mercado é que sirvam a economia local.
sistema é completamente diferente. Nas Hoje em dia o capital é muito mais lato. Se
empresas normalmente resolve-se bem um país quer ser e estar aberto ao mun-
e tem fundamentalmente a ver com a do não creio que seja esse o principal
capacidade do sistema judicial executar problema, sinceramente. Nós não esta-
as garantias existentes. Relativamen- mos aqui para outra coisa que não seja
te aos particulares, a situação já é mais para servir a economia local, e não finan-
complexa. Nos mercados mais desenvol- ciamos projectos fora de Moçambique.
vidos existem empresas de recuperação Acho que a questão fundamental é
de crédito que fazem a compra de car- mais complexa, se quiser, e é se deve
teira e, cá em Moçambique, já há alguns ou não haver um banco robusto de ca-
embriões desse processo. Mas há ainda pital público para ser o instrumento do
dificuldades estruturais como a dimen- Governo (como acontece com a Caixa Ge-
são do país, a falta de morada das pessoas, ral de Depósitos, em Portugal) que apoie
a dificuldade de contacto mesmo através a economia com uma estratégia alinha-
do telemóvel e, por isso, é que o nível de da com a do Executivo. A banca privada
crédito malparado está acima daquilo deve ter uma estratégia forte, senão
que é desejável. Claro que isto também não é privada. Eu acho que a discussão
tem efeitos sobre as taxas de juro, por- deveria ir mais por aí. Agora, a outra
que há o custo dos riscos. questão é: porque é que isto é assim em
Moçambique? Mais uma vez voltamos à
Acha que há uma percepção dife- questão dos capitais. A culpa é dos ban-
rente da forma de fazer negócio por cos estrangeiros? O tema passa por uma
parte dos empresários, consideran- questão de capital, fundamentalmente.
do que o financiamento às empresas Havendo capital, havendo investidores
caiu bastante nos últimos anos? moçambicanos com capacidade suficien-
Eu penso que os empresários perce- te, seguramente que haverá mais bancos
beram o perigo que é dependerem moçambicanos fortes com mais capital
demasiado do crédito bancário, porque moçambicano. Insisto. Eu acho é que o
as taxas de juro podem estar baixas que é fundamental é garantir que os
num período e depois, de repente, sobem bancos que estão em Moçambique estão
e um negócio que era rentável deixa de ao serviço do país. E nós estamos cá ao
o ser. Os empresários têm de perceber, serviço do país.
claramente, que o principal gerador de
crescimento tem de ser orgânico: as em- Acha que a questão das dívidas ocul-
presas têm de dar lucro porque isso é o tas e de alguma instabilidade política
isso é que, muitas vezes, se financiam que permite reforçar o capital, pagar me- pode meter-se no caminho do cres-
através de crédito ao consumo pa- lhores salários, impostos e fazer crescer cimento? Quais é que podem ser os
ra comprar materiais de construção e a economia. O principal financiamen- obstáculos à possível mudança da
fazer a sua própria casa. Há uma per- to tem de ser interno, e estes períodos economia do país?
centagem muito reduzida da população de crise criam um pensamento mais Como dizia, o comboio está em andamento
com salários formais que permitam en- adequado relativamente à forma co- e não vai parar. Estas coisas têm sem-
dividar-se para comprar uma casa e mo as empresas se devem desenvolver. pre altos e baixos, por razões que não
pagar 100 ou 150 mil dólares. O segundo O tema do empreendedorismo é um de- conseguimos prever mas, os grandes
problema tem que ver com os custos de les. Há um conjunto de mecanismos que projectos estão a andar, e não irão parar.
contexto, como a construção, a que acres- se também se devem desenvolver, como
cem os efeitos da depreciação cambial. os capitais de risco e os fundos de inves- Qual é, hoje, o seu principal desafio?
Se, em cima disto, pusermos as taxas de timento que apoiam o nascimento de A minha missão, enquanto PCE do Millen-
juro, que também são bastante elevadas, novas empresas. nium bim, é um enorme desafio pessoal
temos uma equação difícil de resolver. e profissional. É com muito gosto e orgu-
Se olharmos para países que passaram O que pensa sobre a crítica ao facto lho que faço este lugar, com a humildade
por fases semelhantes, a dinamização do de a banca moçambicana ser, pratica- de, todos os dias, aprender alguma coisa.
crédito à habitação passou sempre por mente, toda ela estrangeira? A parte mais importante para mim é ga-
apoios do Estado, crédito jovem com bo- Não é uma discussão de aqui, apenas. Em rantir que o bim continuará a ser o melhor
nificações que, parece-me, mais cedo ou Portugal também acontece isto (a banca banco em Moçambique por muitos anos.
mais tarde vão ter de surgir aqui. está praticamente nas mãos de bancos
espanhóis) e, quando trabalhei na Romé-
Com o nível galopante do crédito mal- nia, a banca também era praticamente texto Pedro Cativelos
parado, o sistema de recuperação toda estrangeira. fotografia Jay Garrido

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empresas

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“Queremos relançar
o turismo nacional”
Recentemente cotada na Bolsa de Valores de Moçambique, a Arco
Investimentos desenvolve projectos na área do turismo por todo o país

num futuro breve, Moçambique terá


mais cinco destinos turísticos de refe-
rência, “desenhados com o mais elevado
padrão de qualidade para proporcionar
opções de lazer de alto nível”.
A ideia nasce da identificação das (já co-
nhecidas) oportunidades que o sector
explica. Além da área imobiliária, a
empresa tem lançado um conjunto de in-
vestimentos no sector dos seguros. Assim,
vai utilizar alguns dos fundos recolhidos
por via da dispersão de capital em bolsa
na Arco Seguros (de que é detentora) e na
Companhia de Seguros de Moçambique, da
B
Empresa Arco
oferece, para uma maior (e melhor) ex- qual acaba de adquirir 30% do capital so- Investimentos
ploração do que o país tem de melhor, e é cial. Paralelamente, a Arco Investimentos PCA Cardoso Muendane
incorporada pela Arco Investimentos, que tem estado a “vender” o projecto integra- Fundação do grupo 2014
nasceu em 2014, por via da constituição de do de turismo e campos de golfe tendo, Capital social 30 milhões
uma Sociedade Anónima composta por nesse sentido, firmado parcerias com in- de meticais
cerca de 50 accionistas e com investimen- vestidores sul-africanos para trazer
tos também em Cabo Verde.Para o PCA da grandes competições a Moçambique,
empresa, Cardoso Muendane, cada uma uma vez que, explica, “o golfe é uma mo-
das estâncias turísticas de Moçambique dalidade com grande potencial turístico”.
será composta por uma cadeia de hotéis, O grupo considera, ainda, que o primeiro Projectos
residências e campos de golfe em espaços
próximos da praia. Para o efeito, a empresa
já adquiriu e legalizou projectos na Ponta
projecto a avançar poderá ser o de Zi-
tundo, na Ponta do Ouro, num espaço de
470 hectares, uma vez que ali já existem
5
Em Zitundo, na Ponta do Ouro,
do Ouro (Província de Maputo), em Inham- vias de acesso melhoradas, para além do em Inhambane, no distrito da
bane (distrito da Massinga), na província próprio projecto de arquitectura e do es- Massinga, dois na cidade de
de Nampula (cidades de Nampula e Nacala). tudo de viabilidade estarem, nesta altura, Nampula e um em Nacala
Com capital social de 30 milhões de me- finalizados. “Já temos o DUAT e parceiros
ticais em 2014 (na altura equivalentes para desenvolver o projecto. Agora a es-
a perto de um milhão de dólares), a Ar- tratégia passa por começar com a zona dos
co Investimentos não chegou a conseguir apartamentos e do campo de golfe”, garan-
grandes resultados na angariação dos tiu Muendane, para depois acrescentar
recursos para os projectos, porque “nos que “estamos a conversar com um grupo
anos subsequentes, a economia começou a de italianos e sul-africanos que irão entrar
entrar em crise, e a falta de recursos sus- como investidores.”
pendeu o sonho dos fundadores”, justifica. Enquanto isso, os restantes projectos en-
Mas hoje, com a ainda ténue recuperação contram-se a aguardar financiamento
macro-económica e com uma crescente para entrarem na fase inicial.
tendência que coloca o turismo nas prio- Devido à natureza dos empreendimen-
ridades do país, os empreendimentos tos, “ainda é cedo para dizer quando a
deverão conhecer novos avanços. construção poderá arrancar, mas toda a
Tudo, neste como noutros casos, passa por receptividade que temos tido por parte
financiamento. Nesse sentido, recente- do mercado nos diz que vamos chegar lá e
mente, a Arco dispersou o seu capital em poderemos contribuir para que o mercado
bolsa. “De facto, através da nossa entrada nacional entre na rota mundial do turismo
na Bolsa de Valores esperamos obter bons de alto padrão”, anuncia.
resultados porque há muitas empresas
interessadas em comprar acções. Desta
forma procuramos aumentar o número texto Hermenegildo Langa
de investidores e o volume de capital”, fotografia Jay Garrido

investirnoturismo
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megafone
Fundação Galp e
Ronil inaugurou a nova a Helpo oferecem
sede da Hyundai no país bolsas de estudo
Inserido no âmbito do projecto
Representante da marca investiu 2,5 milhões “Educar para o Futuro”, a fun-
de dólares nas novas instalações dação Galp, em parceria com
associação Helpo, ofereceu re-
centemente bolsas de estudo
(material escolar e bicicletas)
a 103 crianças carenciadas da
Millennium bim e escola de Natoa, no norte da
MITADER aliam-se pela província de Nampula.
inclusão financeira As referidas bolsas foram atri-
buídas às crianças que, pela
“Promover a bancarização e a primeira vez, vão ingressar na 8ª
inclusão financeira”. Este é o classe. De acordo com as duas
objectivo do memorando rubri- entidades, a oferta de bicicle-
cado entre o Millennium bim e tas a estes jovens “pode fazer
o Ministério da Terra, Ambien- a diferença entre continuar os
te e Desenvolvimento Rural estudos ou abandonar a esco-
(MITADER) no qual se pretende, la”, visto que devido à dispersão
a breve trecho, instalar agências dos estabelecimentos de ensino,
bancárias em 12 novos distritos muitos alunos têm de percorrer,
do país. Inserido no âmbito do diariamente, grandes distâncias
programa “Um Distrito, um ban- para chegarem às aulas.
co”, através do Fundo Nacional
de Desenvolvimento Sustentável
(FNDS), as duas instituições pre- proceder à venda, assistência pós-venda de viaturas da
tendem “acelerar o processo de marca Hyundai e “melhorar a qualidade de prestação de ser-
inclusão financeira nas zonas ru- viços ao cliente” é o propósito da instalação da nova sede da
rais”, dotando todos os distritos Hyundai em Maputo. Representada em Moçambique pela
com pelo menos um balcão até Ronil, um dos principais e mais antigos grupos de automóvel
ao final deste ano. no país, o investimento na nova sede, localizada na avenida
das FPLM, está avaliado em mais de 2,5 milhões de dólares.
Trata-se de um empreendimento que, numa fase inicial, irá
Standard Bank garantir 40 postos de trabalho, dos quais 97% serão desti-
pretende facilitar nados a moçambicanos. Segundo Henrique Bettencourt, ge-
investimento chinês rente da Hyundai, o empreendimento foi feito “a pensar na
qualidade de serviços a oferecer ao cliente”, e com a ambi- Bureau de crédito
Com vista a incrementar os la- ção de tornar a marca “numa das principais referências” do chega ao mercado
ços empresariais entre Mo- mercado. “Inovámos ao nível de qualidade e competitivida-
çambique e a China, o Stan- de nos principais segmentos e surgimos também como uma “Acrescentar transparência e
dard Bank apresentou, num oferta única de garantia de cinco anos em todas as viaturas confiança para ajudar a ban-
workshop alusivo às celebra- por nós comercializadas”, acrescentou. ca comercial e as instituições de
ções do novo ano chinês, um microcrédito a reduzir os riscos
conjunto de soluções financeiras do crédito e melhorar o acesso
para facilitar a realização de in- ao financiamento”. É desta for-
vestimentos e negócios no país. ma que a Compuscan, a primeira
Trata-se assim de um mecanis- agência privada de sistemas de
mo através do qual o banco pre- informação de crédito no país
tende trazer “novas soluções (bureau de crédito) se apresen-
para facilitar as remessas pes- ta, com a missão de “contribuir
soais entre Moçambique e a Chi- para facilitar o acesso ao crédi-
na”, permitindo, desta forma, a to a particulares e empresas”.
facilitação de pagamentos in- Hyundai De acordo com Lara Cangi, res-
ternacionais online directos en- O Grupo Hyundai, representado em Moçambique pela Ronil, é ponsável em Moçambique, “a
actualmente o quinto maior fabricante mundial, tendo no ano
tre particulares e empresas, re- empresa pretende contribuir pa-
passado ultrapassado a marca das 7,5 milhões de vendas nos
duzindo os custos e aumentando ra uma maior transparência
cerca de 193 mercados onde está representada.
a eficiência para os clientes pes- e confiança através de informa-
soais e empresariais. ção fiável e de qualidade.”

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figura do mês
plesmente as têm e só as
usam em casa. Infelizmente,
temos um pouco esta cultura
do medo, mas também é pre-
ciso lembrar que temos uma
geração pós 90 que não está

Se queremos construir este amarrada a ele e consegue


expor e expressar as suas
opiniões e fazer-se ouvir. É

país, temos de ser sérios ainda preciso mudar essa ló-


gica e permitir que as pes-
soas se pronunciem à vonta-
de sem nenhum receio.
Fátima Mimbire
Pesquisadora do CIP Como é que está a ser aco-
lhida esta campanha nas
províncias?
poucos conseguem dar a ca- verdade, não estamos a fa- Há muito interesse e já nem

cv
ra em assuntos polémicos, me- zer nada ilegal. A ideia do lan- estamos a conseguir respon-
nos ainda para protestar. Fáti- çamento desta campanha foi der à demanda das pessoas.
ma Mimbire, pesquisadora do dos colaboradores do CIP on- O que estamos a fazer é dis-
Centro de Integridade Pública de também me enquadro. Te- ponibilizar aos cidadãos os
(CIP), é uma destas figuras, ten- mos um plano estratégico curriculum vitae desenhos da camiseta para
do sido um dos rostos da pro- que nos guia, e dentro dele as pessoas poderem, de for-
moção da mais famosa frase elaboramos os nossos planos Fátima Mimbire trabalhou ma independente, estampar
dos últimos meses “Eu não pa- anuais. Temos, no nosso plano como jornalista na a sua própria t-shirt. A cam-
go as dívidas ocultas”. de acção, estabelecido a cin- Agência de Informação panha tem tido uma enorme
co anos, a vertente da monito- de Moçambique (AIM) e aceitação nas ruas e nas re-
O que motivou o CIP para ria e acompanhamento rela- foi professora assistente des sociais, o que demonstra
criar a campanha? tivamente às dívidas ocultas na Escola Superior de que há uma insatisfação po-
É preciso dizer que a ideia da e esta campanha enquadra- Jornalismo. Actualmente pular evidente.
produção das camisetas foi do -se nesta actividade. Depois, a é pesquisadora do CIP
Edson Cortez que era nosso nossa Constituição da Repúbli- em processos ligados à Qual será o posicionamen-
colega na altura e ainda não ca é muito clara sobre a ques- indústria extractiva. to do CIP caso o Governo
era director do CIP quando tão das manifestações, e quan- mantenha a opinião sobre
as dívidas ocultas foram re-
veladas. Esta campanha foi o
do distribuímos as camisetas é
para que as pessoas as vistam
CIP a legalidade das dívidas
contraídas?
culminar da confirmação de e se expressem por via delas. Sabemos que existe promis-
que, definitivamente, como Isso é permitido constitucio- cuidade entre o sistema judi-
moçambicanos, não devemos nalmente. O CIP tem estatu- de obediência às autoridades cial e o poder executivo, mas
pagar essa dívida. E a ideia tos que foram aprovados pe- é muito grande, tanto que as acreditamos que o bom senso
é dar voz ao povo, dizer-lhes lo Governo, portanto, sabe-se pessoas até acabam por aca- pode reinar no final do dia. Te-
que se podem pronunciar em que o nosso objectivo é trazer tar ordens ilegais. No entan- mos uma pequena esperança
relação a essas dívidas, não a consciência pública e moni- to, continuamos com a campa- de que isso pode acontecer.
aceitando que sejam pagas torizar a governação. Por via nha de distribuição nas pro- Podíamos recorrer a outros
porque não passaram pela desta campanha, estamos a víncias. E ela vai continuar mecanismos como o Tribu-
Assembleia da República (AR). consciencializar os cidadãos até os moçambicanos esta- nal Africano mas, infelizmen-
Estamos a ampliar o espaço de que não vamos aceitar pa- rem satisfeitos com a deci- te, não podemos fazê-lo por-
para os cidadãos se expres- gar uma dívida que é ilegal. são da AR. Penso que se que- que o governo ainda não per-
sarem e também a fortalecer remos construir este país, te- mitiu que os moçambicanos
a ideia de que os moçambica- Quando a campanha foi mos de fazer as coisas com pudessem aceder a ele. Aí,
nos não devem aceitar pagar lançada a Polícia procurou seriedade. poderíamos processar o go-
essas dívidas porque há ra- impedir a operação. Como é verno por violação dos direi-
zões mais do que suficientes que lidaram com isso? Sente que as pessoas que tos humanos porque é com-
para que o Estado não assu- Simplesmente continuámos têm a t-shirt a vestem, ou provadamente visível que
ma o seu pagamento. a fazer a distribuição e re- temem represálias das estas dívidas vão comprome-
comendámos às pessoas que autoridades? ter os direitos, liberdades e
Há vozes que dizem que resistissem. Houve algumas É difícil aferir isso, mas te- garantias dos cidadãos.
não é o papel do CIP criar que o fizeram mas, infeliz- mos visto gente nas ruas
este tipo de campanhas. Co- mente, outros obedeceram com elas vestidas. Há pes-
mo é que vê essa posição? às ordens da polícia uma vez soas que vestem, mas tam- texto Hermenegildo Langa
Bom, é uma crítica. Mas, na que, no nosso país, a cultura bém há outras que sim- fotografia Jay Garrido

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consciencializar
“Estamos a ampliar o espaço dos cidadãos para se expressarem”

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55
sociedade

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Como a cannabis está a fazer
sorrir um novo mercado global
Se fosse necessário destacar apenas um indicador do interesse e das expectativas que hoje recaem
sobre a nova indústria da cannabis, bastaria referir as duas sessões que lhe foram dedicadas no
recente World Economic Forum que se realizou em Davos, na Suíça

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no ponto de encontro anual da elite da produção, comercialização e consumo
política, económica e financeira global, o da cannabis, tanto para fins medicinais
Forum de Davos acolheu, numa das suas como recreativos, a expectativa é que
sessões, personalidades tão diversas co- este mercado represente, em 2027, a ní-
mo Ehud Barak (antigo primeiro-minis- vel global, um valor que poderá atingir
tro de Israel, país que é um dos maiores os 57 mil milhões de dólares.
produtores de cannabis para fins me-
dicinais) e Bruce Linton, CEO da Canopy mil milhões de dólares Novos segmentos do mercado da ‘erva’
Growth, a maior produtora canadiana De acordo com os relatórios, a fatia de
de cannabis, para falarem da situação
é a estimativa de valor mercado mais significativa será a da
actual do mercado e das tendências de do mercado da cannabis cannabis para fins recreativos (67%) sen-
evolução para os próximos anos. até 2027 ao nível da do os restantes 33% para a cannabis pa-
Na outra sessão, patrocinada pela Cana- ra fins medicinais. O maior crescimento
dian Securities Exchange e o OTC Ma-
comercialização e consumo, em número de consumidores irá verifi-
rkets Group Inc., os participantes analisa- tanto para fins medicinais car-se na América do Norte (EUA e Cana-
ram as perspectivas financeiras e de co- como recreativos dá) o que, em termos de volume de negó-
tação em bolsa das empresas que já ho- cio, representará uma evolução dos ac-
je se movimentam neste novo mercado. tuais 9,2 mil milhões de dólares para os
No entanto, o que passou em Davos re- 47,3 mil milhões em 2027. Porém, o maior
flecte apenas uma nova realidade. De crescimento de mercado, em termos
acordo com dois relatórios recentes (The absolutos, (isto é, não apenas relativo à
State of Legal Marijuana Markets e The componente de consumo) irá ocorrer fo-
Road Map to a $57 Billion Worldwide Ma- ra da América do Norte (os relatórios
rket) produzidos pela empresa Arcview prevêem que se deverá passar dos ac-
Market Research, em parceria com a BDS tuais 52 milhões de dólares (números
Analytics, com a progressiva legalização de 2017) para 2,5 mil milhões, em 2027).

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57
sociedade
Um dado interessante é que, enquan-
to na América do Norte predomina-
rá o consumo da cannabis para fins re-
creativos, na Europa será a cannabis
para fins medicinais que deverá ser o
motor do mercado.
Tendo em atenção as diferenças existen-
tes nos sistemas de saúde de um e do ou-
tro lado do Atlântico, os relatórios pre-
vêem que a Europa será, dentro de uma
década, o maior mercado mundial de
cannabis para fins medicinais.
Um exemplo significativo, neste aspecto,
é o facto de a Alemanha ter legalizado,
em 2017, a venda de cannabis para fins
medicinais nas farmácias do país. Aliás,
de acordo com os relatórios, a Alemanha
está já a posicionar-se para ser líder do
mercado europeu de cannabis (com a
Itália a destacar-se em segundo lugar).
Mas outros países europeus irão tam-
bém ocupar um lugar de destaque neste
novo mercado, nomeadamente Portugal.
A empresa canadiana Tilray – que é
neste momento a mais valiosa do mun-
do no sector da cannabis – estima inves-
tir, até 2020, cerca de 20 milhões de euros
em Portugal na produção de cannabis
medicinal para abastecer o mercado eu-
ropeu (a unidade de produção da Tilray
situa-se na zona de Coimbra, na região
centro do país).
A maioria da produção portuguesa de-
verá seguir para a Alemanha, um dos
sete países para onde a Tilray vende. O
valor de mercado da Tilray tem vindo a
disparar e a empresa viu as suas acções
subirem quase 800% desde que entrou Plantação da Canopy Growth, a maior produtora canadiana de cannabis
em Bolsa no passado mês de Julho.
A confirmar a Europa como um dos prin-
cipais líderes da nova indústria da can- A cerveja Corona anunciou um investimento de 4 mil milhões
nabis refira-se que, durante 2019, a In-
ternational Cannabis Business Confe-
de dólares na Canopy Growth, uma das maiores produtoras do
rence, a maior entidade organizadora mundo, para fabricar novas bebidas à base de cannabis
de eventos sobre o sector, vai organi-
zar conferências em Barcelona, Berlim
e Zurique, lugares onde pode ir se qui- mentos fabricados à base de cannabis). área superior a 100 mil hectares (o Can-
ser conhecer mais sobre este mercado. Quanto à Ásia, o recente Hong Kong nabis Eco-Park) na região de Yunnan.
Cannabis Investor Symposium deu in- E a Tailândia acabou de aprovar, em
Fast growing... ou smoking markets dicações claras de que apesar do atraso Dezembro passado, legislação que vai
Outros dados interessantes contidos nes- dos países do continente em se posicio- permitir a produção e comercializa-
tes relatórios indicam que a América narem no novo sector, há sinais de que ção de cannabis pra fins medicinais.
do Sul (com destaque para o Brasil, a Ar- essa situação irá começar a mudar
gentina, o Perú e o Uruguai) será um dos muito rapidamente. Em África...
mercados onde a cannabis, para fins me- Por exemplo, a empresa CannAcubed – Já no que toca ao continente africano,
dicinais, irá ter um crescimento maior na que desenvolve projectos a nível global as perspectivas de uma qualquer infle-
próxima década. Já a Austrália afirmar- no domínio da produção, processamento, xão legislativa no sentido de permitir
-se-à entre os cinco primeiros produtores investigação científica e licenciamen- a produção e a comercialização de can-
mundiais, ao passo que Israel continua- to de cannabis para fins medicinais nabis parecem distantes. Apesar de na
rá a ter um lugar de grande destaque - anunciou estar em conversações com o África do Sul, sobretudo na região de
(devido ao facto de ser, desde há vários governo chinês para o desenvolvimen- Cape Town, vários empreendedores se
anos, pioneiro na produção de medica- to de um parque industrial com uma terem manifestado no sentido de uma

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recreativos, o último ano assinalou a en- mineral Hi-Fi Hops ou ainda as cervejas
trada em força neste sector de grandes artesanais criadas por Keith Villa, fun-
multinacionais detentoras de marcas dador da Blue Moon.
poderosas. Há que referir, por fim, que a legaliza-
ção da cannabis criou a necessidade de
Multinacionais entram em cena levar a cabo o rebranding total de um
Em Agosto do ano passado, a Constellation, produto que durante décadas foi objecto
que detém, entre outras bebidas, a cer- de uma imagem negativa.
veja Corona, anunciou um investimen-
to de 4 mil milhões de dólares na Cano- Como se faz o rebranding de um produto que
py Growth, uma das maiores empre- sempre teve má imagem?
sas canadianas produtoras de cannabis. Grandes empresas de design (mas tam-
O objectivo deste investimento é ajudar bém uma nova constelação de pequenas
no desenvolvimento, não apenas de be- firmas independentes) estão hoje en-
bidas (e não somente cerveja) com infu- volvidas nas múltiplas frentes que a
são de cannabis (nas suas duas opções, criação de uma nova imagem implica.
isto é, quer contendo apenas a compo- Este esforço é particularmente visível
nente CBD quer a THC, a componente na área do retalho com o aparecimento
psicoactiva), mas também de produtos de espaços conceptualmente sofisticados
como rebuçados e chocolates. (em termos de design) e que podem com-
Ainda no sector das bebidas, também a binar vertentes muito diversas (loja, bar,
Coca-Cola já deu indicações de se estar a livraria, roupa, arte, etc.).
preparar para investir neste mercado. Esta abordagem é evidente tanto em es-
Embora James Quincey, CEO da empre- paços como a Mister Green Life Store
sa, tenha referido que a entrada do Co- (em Los Angeles, EUA) ou a MedMen (em
ca-Cola não irá acontecer no curto pra- Manhattan, Nova Iorque) – que se posi-
zo, pelo menos enquanto não houver um cionam claramente no segmento do luxo
quadro legal definido a nível federal nos investindo em objectos de design exclusi-
Estados Unidos (para já apenas existe le- vos – como em grandes superfícies, sen-
gislação estadual), o facto é que no iní- do a Planet 13, em Las Vegas (EUA), um
cio de 2018, tanto a revista Forbes como caso exemplar.
a Bloomberg noticiaram que a Coca-Cola Apesar de se tratar de uma verdadei-
estava em conversações com os cana- ra megastore e incluir até um drive-in,
dianos da Aurora Cannabis na perspec- a Planet 13 investiu fortemente tanto no
tiva de vir a lançar um segmento de be- design do espaço como no packaging dos
bidas com infusão de cannabis (embora, diversos produtos que disponibiliza aos
para já, a Coca-Cola só esteja a conside- consumidores.
rar o uso de CBD, a componente não psi- Em paralelo, surgiram no mercado, en-
coactiva da cannabis). tre outras, revistas como a Ember (resul-
Como seria de esperar, também as tado de uma parceria com o conhecido
mudança legislativa que lhes permitisse tabaqueiras se têm estado a movimentar. magazine independente nova-iorquino
responder positivamente ao interesse Embora já há muitos anos tenham vindo Paper) e a Broccoli (um projecto de Anja
manifestado, por exemplo, por investido- a surgir, ciclicamente, notícias que indi- Charbonneau que tem como alvo o seg-
res canadianos, o governo não tem dado cavam que a indústria se estava a pre- mento feminino) cuja lógica decorre da
sinais de estar disponível para levar parar para uma situação como aquela percepção que a cannabis (nas suas ver-
a cabo qualquer alteração ao quadro que agora se está viver, a Altria (que pro- tentes medicinais e recreativas) é, a par-
legal actual. duz os cigarros Marlboro e outras mar- tir de agora, um produto mainstream,
Apenas o Lesotho tem correspondido, cas) anunciou, em Dezembro passado, com milhões de consumidores por todo o
em parte, ao interesse de algumas um investimento de quase 2 mil mi- mundo, e não mais um “estilo de vida al-
multinacionais havendo, neste momen- lhões de dólares na empresa canadiana ternativo e marginal”.
to, algumas farmacêuticas (Supreme, Cronos Group. Nesta perspectiva, estas revistas, co-
Rhizo Sciences e Aphria) a operar na- Mas enquanto estes “peso-pesados” afi- mo várias outras publicações entretan-
quele país. Perante o interesse destas nam as suas estratégias, milhares de pe- to surgidas (para não referir a atenção
multinacionais em explorar a reconhe- quenas e médias empresas, dos mais va- que os media de referência cada vez
cida qualidade da marijuana local, o riados sectores (bebidas, alimentação, mais dedicam ao mercado da cannabis),
governo introduziu algumas alterações cosmética, etc.) estão já no terreno com são um sinal evidente deste rebranding
legais que permitiram ao país capitalizar uma miríade de produtos. Refiram-se, que está a criar uma nova narrativa em
esse investimento externo. apenas a título de exemplo, os chocola- torno do consumo da cannabis.
Tendo em atenção que, de momento, na tes da Bhang, os doces e geleias da Gar-
América do Norte (EUA/Canadá) e, em den Society, as bolachas crocantes con-
parte, na América do Sul, a maior fatia cebidas pela chef Mindy Segal através texto Rui Trindade
de mercado está na cannabis para fins da sua empresa Mindy’s Edibles, a água fotografia D.R.

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59
Lá fora

‘Procura-se país grande para


relacionamento estável’
Sem um envolvimento maior do Brasil, a CPLP dificilmente continuará a afirmar-se externamente. Por enquanto,
ainda não é certo o que fará Jair Bolsonaro a este respeito, até porque o Brasil sempre manteve alguma distância

60%
Que afirmação internacional pode ter “Temos de dar tempo ao tempo”, disse Ma-
uma comunidade de países sem o país que ria do Carmo Silveira. “Só posso desejar
representa 75% da população total do blo- que a colaboração, a participação, o en-
co e 83% da economia? volvimento do Brasil na CPLP possam sair
A pergunta, incómoda, está na origem da mais reforçados”, acrescentou.
multiplicação de declarações políticas de A dificuldade em prever a política exter-
líderes da CPLP, a Comunidade dos Países na de um líder pouco versado na matéria
de Língua Portuguesa, desde a eleição em foi quanto cresceram as e de comportamento tendencialmente er-
Novembro passado do novo Presidente trocas comerciais entre rático está a ser comprovada com o pre-
brasileiro. Em Janeiro, na tomada de posse sidente norte-americano Donald Trump
de Jair Bolsonaro, o Presidente português o Brasil e outros Estados- – é, por isso, cedo para antever o que
fez questão de colocar o “empenho” do Bra- -membros da CPLP em 2017, poderá ser a conduta de um Brasil com
sil na CPLP como um dos temas prioritários somando, aproximadamente, Bolsonaro face à CPLP. Certo é que se o
na primeira conversa com Jair Bolsonaro. novo presidente não se desviar muito da
Pouco tempo antes, questionada pelos me- 3,5 mil milhões de dólares linha estrutural traçada há vários anos, o
dia sobre se Bolsonaro não iria afastar ain- Brasil deverá continuar como tem estado:
da mais o Brasil da comunidade lusófona, a interessado em aprofundar as relações
secretária-geral da CPLP pareceu lacónica. bilaterais com alguns países da CPLP,

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como Moçambique, mas distante do or- sustentável e voltando-o para si mes-
ganismo multilateral que representa os Posição do Brasil na CPLP mo – o Brasil também “não será o que a
países de língua portuguesa. “Em quatro CPLP precisa”, afirma Seixas da Costa.
angola
anos que estive no Brasil, o Itamaraty O diplomata diz que por vezes se in-
4,8
(Ministério das Relações Exteriores) só fez terroga sobre se Angola, que estará a
9
duas reuniões sobre a CPLP”, exemplifica reorientar a sua política externa, poderá
brasil
o diplomata português, aposentado, Fran- ter interesse em ganhar protagonismo na
82,8
cisco Seixas da Costa. comunidade lusófona.
75
Este desinteresse brasileiro pela CPLP,
cabo verde
pontuado por alguns momentos de maior A importância de ser útil
0,1
envolvimento, faz parte da linha de “gran- Mas não é só daquilo que fará a nova
0
de continuidade da política externa brasi- guiné-bissau
administração brasileira que depende o
leira”, explica o ex-embaixador no Brasil 0,04 avanço da CPLP. A força do bloco, defende
entre 2005 e 2009. 1 Ramalho, passa desde logo pela sua afir-
A ambição do Brasil é de afirmação à es- guiné equatorial mação interna, ou seja, por provar aos
cala global, feita com base na sua própria 0,7 cidadãos destes países que a CPLP é útil.
posição – por outras palavras, o Brasil pen- 0 “As pessoas hoje não sentem vantagens,
sa ter escala suficiente para desenvolver moçambique inclusivamente na obtenção de vistos”,
relações bilaterais com os países que lhe 0,5 aponta o líder da UCCLA. “Esta dificulda-
interessam, em detrimento das multilate- 10 de acontece desde logo em Angola: uma
rais em que não vê grande valor acres- portugual pessoa que queira ir a Portugal por uma
centado (a não ser daquelas que lhe con- 10,8 razão justificada, como um tratamento
firam maior prestígio e afirmação, como 4 de saúde, sente dificuldades por vezes
por exemplo a conquista de um lugar no são tomé e príncipe inultrapassáveis (no visto)”, critica. A di-
Conselho de Segurança das Nações Unidas). 0,02 minuição gradual de barreiras à circula-
0 ção de cidadãos deste bloco e a criação de
Os perigos timor-leste programas educacionais e culturais que
Se a organização multilateral em causa 02 afirmem a CPLP junto dos cidadãos destes
tiver outro país a disputar o espaço de in- 0 países – como o programa Erasmus fez
fluência dentro dela, como faz Portugal – Peso no PIB (%) Peso na juntos dos jovens cidadãos da União Eu-
ou como faz Espanha no quadro da política população (%)
ropeia, exemplifica Ramalho – são exem-
ibero-americana – o desinteresse cresce. plos de passos a dar para a tal afirmação
Se Bolsonaro seguir esta matriz dificil-
mente o Brasil inverterá a tendência, que
100 intramuros da comunidade.
Certo é que quer este avanço institu-
milhões de dólares
teve um interesse maior de Lula da Silva É o ‘peso’ da balança comercial entre cional, quer um envolvimento maior do
e de José Sarney no passado como pontos Moçambique e Brasil, essencialmente Brasil serão desafios para ir travando ao
de excepção. dominado pela exportação de carvão longo de vários anos – deles dependerá a
Para a CPLP – que ao contrário de outras de Moatize, explorada pela mineradora projecção externa e interna da CPLP.
comunidades, como as que gravitam em brasileira, Vale. Entretanto, recorde-se que em meados do
torno de França ou da Inglaterra, não tem ano passado, o Presidente angolano defen-
a ex-potência colonial como país mais im- deu que os países lusófonos devem definir
portante – este desinteresse brasileiro é um “escopo de colaboração realista” no
obviamente um problema. Vítor Ramalho, âmbito da CPLP e pediu “uma reflexão fu-
presidente da UCCLA, o fórum das capitais tura” sobre o rumo da organização.
de língua portuguesa, contrapõe que “sem De acordo com João Lourenço, citado pela
uma ofensiva, no bom sentido, a situação imprensa, “apesar de os países poderem
não vai mudar”. Esta “ofensiva” deve ser colaborar com outras organizações, é im-
feita não só no Itamaraty, mas também portante que a CPLP defina um escopo de
nos Estados brasileiros, que gozam de colaboração realista, de modo a não alar-
grande autonomia. “O objectivo é relevar gar o âmbito da sua acção, devendo sem-
a importância da nossa afirmação co- pre agir no estrito respeito das regras
lectiva e que o Brasil tem tudo a ganhar internas de funcionamento dos Estados
(com a CPLP)”, explica, lembrando a posi- que a integram”.
ção geopolítica de Angola, Moçambique, O Presidente angolano, que intervinha na
Portugal e Macau. abertura da XII conferência de chefes de
Mas sobram dúvidas sobre se para o Bra- Estado e de Governo da organização lu-
sil o aproveitamento das relações com es- sófona, ocorrida em Santa Maria, ilha do
tes países não pode ser feito mais numa Sal, Cabo Verde, afirmou ainda que tem
base bilateral, esvaziando a CPLP. “vindo a registar um crescente interesse
Por outro lado, se a agenda política de por parte de muitos países em aderir à
Bolsonaro se concretizar – afastando o CPLP como membros efectivos ou obser-
país de temas como o desenvolvimento vadores”. “Se por um lado isso traduz o

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61
Lá fora

Tomada de posse do novo presidente teve medidas de segurança nunca vistas no Brasil

reconhecimento da importância e projec- Se a agenda política de soberania e responsabilidades que tem


ção da nossa organização, por outro leva- junto de organizações terceiras para
-nos a fazer uma reflexão profunda sobre Bolsonaro se concretizar – pôr em causa esse intercâmbio”, afirmou.
o que pretendemos para o seu futuro”. afastando o país de temas como Portugal e Cabo Verde apresentaram
em 2017 uma proposta conjunta de um
Mobilidade é tema de fundo
o desenvolvimento sustentável regime de mobilidade interna que pre-
Ainda sobre o futuro da organização, e voltando-o para si mesmo – o vê a criação de um regime de autoriza-
um assunto muito debatido é a questão ções de residência válido para todos os
da mobilidade na CPLP. Salimo Abdula,
Brasil também “não será o que a países da CPLP, fundado sob o critério da
presidente da Confederação Empresa- CPLP precisa”, afirma nacionalidade, mas que pressupõe o re-
rial da CPLP, reconduzido em finais do Seixas da Costa. conhecimento recíproco de habilitações
ano passado para mais um mandato, académicas e qualificações profissionais
tem-no reafirmado, enquanto “modelo e a portabilidade dos direitos sociais.
ideal de evolução do espaço da comuni- Segundo o chefe da diplomacia portu-
dade para os próximos anos”, não só ao guesa, Augusto Santos Silva, a mobili-
nível da mobilidade de cidadãos, mas dade no espaço lusófono “não é fácil de
também de bens e capitais. atingir porque a realidade é bastante
Em finais de Dezembro, também o complexa”, mas Domingos Simões Perei-
ex-secretário-executivo da Comunida- ra defende que “a vantagem da CPLP”
de dos Países de Língua Portuguesa, é precisamente o facto de os países es-
Domingos Simões Pereira, considera- tarem inseridos em diferentes organi-
va, em entrevista à agência de notícias zações regionais. Veremos como será o
portuguesa Lusa, que a mobilidade no futuro da CPLP, agregado ou se, como até
espaço lusófono ainda não avançou por agora, um pouco perdido no tempo.
“falta de vontade” dos Estados. O político
guineense criticava assim o facto de que
quando “chega a altura de materializar texto Bruno Faria Lopes & Sebastião Vemba
esse intercâmbio, cada um invoca a sua fotografia D.R.

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Novos ângulos

Um País sem Pais e vice-versa


Pedro Cativelos • Director Executivo da Economia & Mercado

dizem-nos as notícias que, ao longo do último mês, se agu- social e económica, o dos Países também. E essa mudança de
dizaram os ataques na Província de Cabo Delgado, se propa- papéis causou que alguns se tenham desligado demasiado do
garam as detenções relacionadas com o caso das dívidas não seu propósito e outros se tenham esquecido de o fazer.
declaradas, aumentaram as tarifas de electricidade (uma vez Uns e outros Pais e Países foram-se desconectando à medida
mais) e se multiplicaram as chuvas, por todo o País. que o mundo de interligava de outras formas, e tornando mais
O que é que tudo isto tem em comum? Absolutamente nada, ou vago o significado maior que lhes deu luz, no princípio. Torna-
quase, não fosse o facto de tudo se ter passado… no País. ram-se estranhos um ao outro, a seguir. E de todos nós.
O que me leva a pensar na origem etimológica da palavra. Mas porque todos tendemos a sê-lo, em diferentes fases da
País é pois, mais do que uma mera palavra que, na origem, vida, a responsabilidade também é nossa, de não deixar que
provém de Patriarcado, que deriva por sua vez, do grego ‘Pa- um País sem Pais nos ameace tornar em Pais sem País.
ter’, que se refere a um território ou jurisdição governados Lembro-me de como em países que passaram por guerras
por um patriarca. É ele, o Pai na origem da Pátria, a Amada, civis prolongadas, como Angola e Moçambique, a juventude
por onde se começa a cantar o hino nacional moçambicano. parece tantas vezes perdida, sem a referência dos passos de
Em função das transformações sociais, culturais e familiares um Pai que esteve na guerra do seu País.
ocorridas desde o século XIX, o papel da figura paterna foi- E como, por via disso, em inúmeros casos tenha sucedido que
-se alterando, o que não quer dizer que tenha evoluído, com a figura maior do Estado acabe por ser respeitada como se de
as mudanças da sociedade. E isso teve impactos na forma de um Pai (da Pátria) se tratasse. Quase como um duplo do cine-
viver e estar em sociedade. “Historicamente, o Pai desempe- ma, que até é parecido com o real, mas não é bem aquilo, se
nhava essencialmente uma função educadora e disciplinado- olharmos e pensarmos bem.
ra, segundo códigos frequentemente rígidos e repressivos. E, Não são invulgares os exemplos desta realidade, e eles repe-
a interacção entre Pai e Filho era reduzida, particularmente tem-se em demasiadas latitudes do nosso mundo. Na Coreia do
nos primeiros anos de vida, bem como a sua participação nos Norte, há mais de um século, com a sucessão de Kim’s. Ou, mais
cuidados diários à criança”, pode ler-se num estudo intitula- atrás no tempo, no pequeno Omã, no Médio Oriente, que é go-
do ‘A importância da figura paterna para o desenvolvimento vernado pela mesma família há mais de 260 anos.
infantil’. Freud, um outro Pai, neste caso da psicanálise, dizia Ali a Pátria é do sultão Qaboos bin Said Al Said, como foi, antes,
no trabalho, ‘Leonardo da Vinci e uma lembrança da sua in- do seu Pai. Ali, não existe constituição e as leis são as do Islão.
fância’, que “na maioria dos seres humanos, tanto hoje como Mas há mais exemplos de Pátrias desligadas do seu sentido.
nos tempos primitivos, a necessidade de se apoiar numa auto- Ao contrário do que possamos pensar, existem actualmente
ridade de qualquer espécie é tão imperativa que o seu mundo 49 países que ainda vivem em regime ditatorial – segundo
desmorona se essa autoridade é ameaçada”. um estudo da Freedom House, uma ONG norte-americana que
Claro que se o papel do Pai terá sido reescrito com a evolução monitoriza anualmente as democracias ao redor do mundo.

País, é mais do que uma palavra que provém de Patriarcado e deriva, por sua vez,
do grego ‘Pater’, que se refere a um território ou jurisdição governados por um patriarca.
É ele, o Pai na origem da Pátria, a Amada, por onde se começa a cantar o hino nacional

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No seu relatório de 2018, esta aponta para uma “crise demo-
crática” global – uma vez que, pelo 12º ano seguido, “o número
de países em regime de ‘autoritarismo’ foi maior do que o de
Pátrias que registaram evoluções positivas nos seus modelos
democráticos.” A Turquia e a Ucrânia foram citadas como
exemplos em que as liberdades democráticas, que começa-
vam a estabilizar-se, acabaram por ficar novamente deses-
truturadas. Mas há mais. Muitos em África, como o Egipto, que
desde 2013 suspendeu a Constituição, e vive um período de ‘di-
tadura temporária’, uma espécie de acne dos faraós, que um
dia há-de passar.
Traço comum a quase todos estes 49 países (aproximadamen-
te 20% do mapa mundo) é o facto de terem vivido em perma-
nente instabilidade ao longo dos anos. Como a Venezuela, Cuba
ou a Rússia, por razões doutrinárias, e outros, por motivos re-
ligiosos, sociais, étnicos ou económicos.
Tê-los-ão, esses factos, suscitado a necessidade de um líder
impositivo e disciplinador, para substituir os Pais que ficaram
esquecidos nas revoltas e rebeldias das suas histórias.
Países sem os seus Pais são como casas sem tecto. E que, por
isso, não são casas, são só abrigos temporários, onde ninguém
é feliz e tem orgulho em estar. Faz sentido pensar assim num
mundo globalizado? Eu creio que sim. Porque se o mundo é de
todos, a Pátria é de cada um.
No entanto, o seu significado ganhou, nas últimas décadas,
uma má conotação. E com isso perdemos todos. Tornou-se uma
palavra malquista, associada mais à raça que à razão.
Na realidade ela, na essência, só quer dizer, em termos latos, o
lugar ao qual pertencemos, porque é lá onde temos família, e
um Pai. E que lugar melhor para estar no mundo do que esse?

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65
ócio
(neg)ócio s.m. do latim negação do ócio

68
Nesta edição,
visitamos o
Parque nacional

e
das Quirimbas,
em Cabo
Delgado

g 70
O Deal, em
Maputo
congrega arte
e gastronomia
na mesma
mesa

71
A escolha
da Adega,
recai na
descoberta
da essência
dos vinhos
verdes
Parque Nacional das Quirimbas

Florestas e ilhas tropicais


Parque
de sonho Medjumbe. O êxtase. Perfeita.
Só tem um farol e um lodge
com várias casas espalhadas
São Lázaro, o melhor spot
do mundo para mergulho e
snorkeling, dizem. Aqui é pos-
Nacional a norte de Moçambique, na pela areia. O resto é paisa- sível contemplar corais de co-
das província de Cabo Delgado, há gem para encher os senti- res únicas que se estendem a
Quirimbas um segredo para revelar ao dos. Depois, Matemo. Ilha de mais de 20 metros de profun-
mundo: as ilhas e o Parque Na- pescadores com tudo de bom didade. Há golfinhos, tartaru-
cional das Quirimbas. Areia que o mar nos traz. A sensa- gas e os protegidos dugongos,
branca, água quente crista- ção é de que somos filhos da e se marcar viagem entre
lina, onde os tons turquesa terra. Logo a seguir, a mági- Agosto e Dezembro, vai en-
do mar e o verde esmeralda ca ilha do Ibo, a mais antiga contrar na ilha Vamizi as ba-
dos mangais se combinam e mais populosa. É História leias corcundas que escolhem
numa palete de fazer inveja em estado puro. Cada ruína aquele lugar para terem as
a qualquer impressionista. tem uma vida. As ruas falam suas crias.
Bosques e florestas imensas dos momentos em que havia A deslocação entre as ilhas
onde vivem inúmeros pássa- mercadores e rebuliço com pode ser feita de avioneta a
ros e alguns animais selva- a chegada dos barcos. E de- partir do hotel Pemba Beach.
gens. Para conhecer tudo vai pois, Quilalea, uma ilha onde Ou então embarque na aven-
precisar de pelo menos uma deixamos o corpo na areia tura de navegar num ma-
semana. Nós começámos pelo e vivemos só de alma. Pode chua, pequeno barco à vela
mar. São mais de 30 ilhas, co- encontrar, ao passear pela típico destas paragens.

e
ralinas, povoadas e deser- praia, pachorrentas tartaru-
tas que se deitam no oceano gas que procuram o silêncio bem perto do paraíso
Índico, por mais de 400 qui- para colocar os ovos. O Parque Nacional das Qui-
lómetros entre a cidade de A cerca de 40 milhas náuti- rimbas foi declarado em Ju-
Pemba e a cidade de Palma. cas, ou 75 quilómetros para nho de 2002 e abrange uma
A primeira é a mais afastada, Leste do Ibo, está o Banco de área de cerca de 750 mil hec-

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tares, sendo que perto de 600
mil são terrestres e 150 mil
de mar e ilhas.
Desde 1971 que toda a área
é reconhecida como de ex-
trema importância para o
mundo, tanto pela biodiver-
sidade como pelo património
cultural.
O conservador do Parque Na-
cional, Baldeú Chande, fala da
riqueza que ajuda a preser-
var, tanto no mar como na flo-
resta. “Temos muitos animais
novos, há elefantes a crescer,
leões, leopardos, muitos antí-
lopes e boi cavalo. Temos flo-
restas e miombo e muita sa-
vana. Há também muitas es-
pécies de aves que nos tra-
zem outro tipo de turismo”.
Logo de seguida deixa um
conselho: “A visita à floresta
do Parque deve ser acompa-
nhada por quem conhece os
caminhos e há locais onde é
possível fazer safaris”. O Parque Nacional das Quirimbas foi declarado em Junho
Foi assim que descobrimos, de 2002 e abrange uma área de cerca de 750 mil hectares
mesmo dentro do Parque Na-
cional das Quirimbas, a 40
quilómetros de Pemba, uma
pequena reserva com 30 mil
hectares, em Mareja. Aqui ROTEIRO
encontra-se um projecto úni-
co, erguido pela comunidade. Como ir
O que antes eram ruínas, Pode viajar de Maputo para
agora é um local encantador. Pemba. Entre ilhas, pode
Tudo reconstruído com mate- escolher entre a avioneta ou
riais locais e pelas mãos de o barco. O lodge onde ficar
quem lá vive. É de visita obri- hospedado tratará de toda a
gatória, não só pelo que ofere- logística necessária.
ce como também pela contri-
buição que podemos dar à vi- O que fazer
da de quem lá mora. Tem la- Não deixe de nadar nas águas
gos para pescar e fazer ca- cristalinas, fazer snorkeling ou
noagem. A aldeia ainda con- mergulho. Pode ainda fazer
serva o que de mais tradicio- safaris, canoagem ou, para
nal há no Norte de Moçambi- relaxar, ir à pesca.
que e a população protege a
vida animal e está empenha- Onde comer
da na preservação do turis- Nas ilhas há restaurantes que
mo. São eles os nossos guias. servem boas refeições. Contudo,
Pode também encontrar fes- recomendamos o Cinco Portas
ta na aldeia e nesse momento Lodge, na ilha do Ibo.
vai vibrar com os sons e com
as danças tradicionais. Onde dormir
Passar uns dias por estes pa- No Pemba Beach Hotel and
ragens, quer seja nas ilhas ou Spa. Na parte da floresta,
na floresta, é uma experiên- pode pernoitar em Mareja, a
cia de viagem, e uma história duas horas de Pemba. Aqui,
para a vida. poderá hospedar-se no Mareja
Lodge, uma casa colonial que
a comunidade recuperou e que
texto Cristina Freire é, hoje, um aconchegante local
fotografia D.R. para retemperar energias.

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69
DEAL - Espaço
Criativo

Rua José
Mateus 265
Maputo
(Fechado
aos
domingos e
segundas-
feiras)

g
DEAL - ESPAÇO CRIATIVO
o seu conceito multidiscipli-
nar, juntando artes plásticas,
mobiliário urbano contempo-
râneo, livros, roupa e acessó-

ARTE & GASTRONOMIA


rios de moda, confere-lhe, des- notáveis figuras emergentes
de logo, características únicas da literatura moçambicana
e inovadoras. como o fundador da editora
No entanto, se tivermos em “Cavalo do Mar”. nas tardes de sábado, tem-se mas apetecível. Há elementos
conta o trajecto individual dos Há que referir, por fim, e não revelado particularmente fixos, com destaque para as
seus fundadores, cujos projec- é um detalhe de somenos, que bem sucedida pelo ambiente entradas e para os diversos
tos se têm distinguido, precisa- se deu também um outro “ca- de informalidade, boa músi- hambúrgueres (peixe, vaca,
mente, pela sua criatividade e samento”, igualmente “feliz”, ca (sempre com a presença frango). Depois, há propostas
inovação, compreenderemos entre o conceito, o espaço es- de Dj’s diferentes) e uma lista diárias que, de forma artística,
melhor porque o DEAL não colhido para o materializar e generosa de sumos e cocktails vão variando de acordo com a
poderia deixar de ter, inevita- a forma como os diversos ob- inspiradores. inspiração do momento.
velmente, essa “marca” distin- jectos, produtos e obras artís- Para lá da dimensão convivial, O que importa aqui sublinhar,
tiva e diferenciadora na ofer- ticas estão expostos pois estas as “Chill Out Sessions” são sem- porém, é a qualidade da pro-
ta cultural da cidade. distribuem-se pelas diversas pre uma excelente ocasião posta gastronómica oferecida
O DEAL é, por assim dizer, o salas, escadarias e varandas para descobrir ou re-des- naquele espaço.
resultado de um “casamento do edifício criando uma envol- cobrir as diversas artes em A expectativa agora é que esta
feliz” entre quatro pessoas vência que estimula, de forma exposição. se possa continuar a desen-
com percursos marcantes incessante, quem vai ao DEAL. Entretanto, desde o início do volver, pois as interligações
nas áreas acima referidas: Ab Para além de albergar os tra- passado mês de Fevereiro, o entre a arte e a gastronomia
Oosterwaal, holandês radica- balhos criativos dos seus fun- DEAL deu mais um passo na são um campo rico de possibi-
do há vários anos em Moçam- dadores, o DEAL desenvolve concretização de uma ideia lidades e uma das áreas onde,
bique, é o responsável pela também um programa de ex- antiga ao acrescentar à sua em anos recentes, as propos-
conhecida marca de mobiliá- posições temporárias – tendo oferta uma componente de tas criativas se têm multi-
rio urbano “Piratas do Pau”, as a mais recente, “The Big Small”, restauração. plicado exponencialmente
irmãs Nelsa e Nelly Guambe apresentado 200 obras de 15 O espaço, na envolvente exte- em toda a parte (e também na
têm-se afirmado no domínio artistas – e realiza um alarga- rior do edifício, foi cuidadosa- cidade de Maputo), a tal ponto
das artes plásticas e da moda, do conjunto de eventos (musi- mente desenhado e os mate- que, num livro publicado este
tanto em Moçambique como cais, lançamento de livros, etc.). riais usados são, eles próprios, ano pelo filósofo Daniel In-
internacionalmente, e Mbate Uma iniciativa, em particu- uma demonstração das habili- nerarity, em parceria com o
Pedro é não só uma das mais lar, as “Chill Out Sessions”, dades criativas dos fundado- chef Andoni Aduriz, intitulado
res do DEAL. “Cocinar, Comer, Convivir”, se
Como seria de prever, o considera que “a cozinha se
Este é mais um exemplo do dinamismo menu proposto, embora cur- vai tornar o grande tema fi-
to, está em perfeita sinto- losófico” da contemporaneida-
cultural e criativo que atravessa nia com o espírito do lugar. de pois é “aí que se joga o todo
hoje a cidade de Maputo É uma ementa descontraída do ser humano”.

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existe em diversas
Poema - Vinho variedades e pode ser
Verde DOC branco, rosado, tinto
Reserva ou, até mesmo, espumante
Alvarinho
Branco 2014

País: Portugal
Região: Região Demarcada dos Vinhos
Verdes/ Sub-Região Monção Melgaço Curvos Curvos DOC
Casta: Alvarinho
Cor: amarela ligeiramente dourada
Aroma: Apresenta notas de frutos
DOC Vinho
Verde
Loureiro Vinho Verde
tropicais, com nuances fumadas e fruta
de polpa branca
Branco
2017 Loureiro Branco 2017
Paladar: Apesar da idade, um branco a verdade é que a origem do vinho verde e da sua
ainda fresco, frutado, de enorme volume País designação como tal está sobretudo ligada ao local
e alguma complexidade Portugal onde é produzido e não à sua cor. Convém ter presen-
Final:Termina com médio comprimento Região te que é feito exclusivamente numa região, localiza-
Teor Alcoólico: 13º Vinhos Verdes da no noroeste de Portugal. Ou seja, nenhum outro
Casta lugar do mundo é capaz de produzir vinhos verdes.
Loureiro Assim, na opinião de alguns especialistas, este vinho
Cor é chamado de “verde” devido à sua alta acidez, o
Amarelo palha que deriva do perfil das uvas produzidas na região,
Quinta de Santa límpida a que se somam os solos de origem granítica, res-
Cristina Aroma ponsáveis pelas características únicas deste tipo
Vinho Verde Impacto muito de vinho, que se traduzem numa leveza, frescura e
Avesso tropical, com elegância inimitáveis.
Branco 2017 nuances florais, Apesar da Região Demarcada dos Vinhos Verdes
notas de manga, ser, no que respeita à sua delimitação geográfica,
País: Portugal papaia, pêssego e relativamente pequena, a verdade é que ela tem
Região: Região Demarcada camomila tantos microclimas que foi dividida em 9 sub-re-
dos Vinhos Verdes Paladar giões. Cada uma delas tem diferentes castas e é esta
Casta: Avesso Acidez viva, variedade que permite aos vinhos verdes, apesar
Cor: Amarelo cítrico pálido levíssimo, corpo de uma identidade muito própria e definida, ter um
Aroma: Apresenta aromas cítricos, muita muito simples, mas leque de oferta tão estimulante.
frescura, nuances florais e algum pêssego de sabor frutado e De uma forma genérica, os enólogos costumam defi-
Paladar: Bom equilíbrio de acidez, vinho intenso nir os “verdes” como vinhos leves, com uma frescura
simples, atractivo, volume ligeiro e suave Final vibrante e notas frutadas e florais. Pode-se dizer que
gás sem estar em excesso Termina com essas qualidades gustativas e aromáticas marcan-
Final: Termina com médio comprimento média persistência tes estão presentes na maioria dos vinhos verdes.
Teor Alcoólico: 12,5º Teor alcoólico Os “verdes” podem ser brancos, de cor citrina ou pa-
11,5º lha, aromas ricos, frutados e florais, dependendo das
castas que lhes dão origem. Na boca são harmonio-
sos, intensos e evidenciam uma grande frescura.
Os vinhos verdes rosados revelam uma cor leve-
Quinta de Santa mente rosada ou carregada, aromas jovens, frescos,
Cristina lembrando frutos vermelhos. O sabor é harmonio-
Vinho Verde so, fresco e persistente. Já os verdes tintos apresen-
Azal tam cor vermelha intensa e, por vezes, espuma ro-
Branco 2017 sada ou vermelha viva, aroma vinoso, com desta-
que para os frutos silvestres. Na boca são frescos e
País: Portugal intensos, muito gastronómicos. Por fim, o Espuman-
Região: Região Demarcada dos Vinhos te de Vinho Verde mantém o perfil, com reforçadas
Verdes/ sub-região de Basto características de frescura aromática, associadas a
Casta: Azal uma maior complexidade gustativa.
Cor: Amarela cítrica límpida A nossa principal sugestão deste mês vai para o
Aroma: Tem um bouquet entre notas Curvos DOC Vinho Verde Loureiro Branco 2017. Pro-
cítricas, lima, laranja, maçãs verdes, duzido a partir da casta Loureiro e exibindo uma
e herbáceos cor amarelo citrino, tem uma aroma mineral com
Paladar: Vinho fresco, acidez viva notas cítricas muito intensas e evidencia na boca
e evidente, frutado e um ligeiro gás um sabor elegante, equilibrado, com a acidez a ba-
que o torna espirituoso lancear a doçura, possuindo um final persistente.
Final:Termina com um comprimento curto Combina bem, em termos de harmonização, com
Teor Alcoólico: 12,5º frutos do mar, peixes de água salgada e saladas.

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música
filmes
livros

EXPOSIÇÕES
“(DES)MASCARADO” • em destaque
de Venâncio Calisto
com Lucrécia Paco The History of Graphic Design
As Marcas Que Não e Rita Couto Jens Müller / Julius Wiedemann
Devem Morrer Editora Taschen
Exposição de Pintura
de Marcos P’fuka Centro Cultural
Franco-Moçambicano
Dia 27 de Março
Fundação Fernando Hora: 19h “The History of Graphic Design”, editado pela Taschen, é
Leite Couto uma obra monumental que retrata a história do design
Galeria gráfico de 1890 até à actualidade.
Inauguração: 6 de Março CINEMA Da autoria de Jens Müller, designer, curador e professor, e
Hora: 18h Julius Wiedemann, designer e editor, é uma edição trilingue
Patente até 1 de Abril “Ouvrir la voix” de Amandine de grandes dimensões organizada de forma cronológica.
Gay (França, 2017, 129’) O primeiro volume – “The History of Graphic Design – Book
“TRAÇOS DIGITAIS 1: 1890-1959” – apresenta mais de 2 500 exemplos funda-
DA MINHA VIDA” mentais à compreensão deste período e destaca ainda o
Afroivan, Mauro Brito, Centro Cultural trabalho de 61 designers que são referências históricas.
Celma Costa, Hugo Mendes, Franco-Moçambicano O segundo volume – The History of Graphic Design –
Hélio Januário, Taila Carrilho, Dia 27 de Março Book 2: 1960–Today – acabado de sair completa, de for-
Tégui, Abel Balate, Maria Hora: 19h ma exaustiva, a história mais recente.
Chale e Pedro Mahumbi Embora já tenham sido editadas, ao longo dos anos, mui-
24 Semanas” de Anne Zohra tas obras com um propósito semelhante, esta edição da
Curadoria: Frédérique Martin Berrached (Alemanha, 2016, Taschen é, sem sombra de dúvida, uma das mais rigoro-
102’) seguido de conversa sas, abrangentes e visualmente fascinantes.
com Drª Dália Matsinhe
Centro Cultural (psicóloga)
Franco-Moçambicano
Sala de Exposições
Inauguração: 13 de Março Centro Cultural
Hora: 18h30 Franco-Moçambicano
Aberta até 30 de Março Auditório
Dia 5 de Março
Hora: 19h
TEATRO
CICLO DE CINEMA FRANCÓFONO
Os Monólogos das Vaginas - “A Orquestra dos Cegos”
Grupo Cultural de Mohamed Mouftakir
Hanya Arte (Marrocos, 2016, 112’)

Adaptação e Encenação
Maria Clotilde Centro Cultural
Franco-Moçambicano
Auditório
Fundação Fernando Dia 11 de Março
Leite Couto Hora: 19h
Dia: 12 de Março
Hora: 18h -”Nicolas Bouvier 22 Hospital “Quem disse que as mulheres
Street” (Suíça, 2005, 83’) &
MÚSICA não podem fazer
Agora é a voz delas “Noces” de Stephan Streker uma serenata?”
Evento alusivo ao Dia (Bélgica, 2017, 98’) MR. FREDDY Banda Kakana
Internacional da Mulher KONGOLOTI SESSIONS e convidadas

Centro Cultural
Fundação Fernando Franco-Moçambicano Fundação Fernando Centro Cultural
Leite Couto Auditório Leite Couto Franco-Moçambicano
Dia: 28 de Março Dia 13 de Março Dia: 8 de Março Dia: 8 de Março
Hora: 18h Hora: 18h30 e 20h30 Hora: 18h Hora: 20h30

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Museu das
civilizações
Negras

Dakar,
Senegal

Senegal inaugura o maior


museu mundial das metros quadrados, com sa-
las de exposições e de confe-
rências, um centro multiusos

civilizações negras e um auditório.


A abertura do Museu ocorre
num momento em que a ques-
a ideia do museu nasceu em contemporânea, e “A Carava- tão da restituição das obras
meados da década de 60 e na e a Caravela”, uma exposi- de arte africanas existentes
era um sonho de Léopold Sé- ção sobre o comércio de escra- em museus internacionais es-
dar Senghor, primeiro Presi- vos através do Oceano Atlân- tá na ordem do dia. Um rela-
dente do Senegal. Mas o pro- tico e do Deserto do Saara. tório da historiadora francesa
jecto só começou verdadeira- O Museu dispõe ainda de um Bénédicte Savoy e do econo-
mente a ser concretizado em espaço dedicado às mulhe- mista senegalês Felwine Sarr,
2011 devido ao apoio financei- res de ascendência africa- cujas conclusões foram recen-
ro da China que contribuiu na como, por exemplo, a ac- temente divulgadas, propõe
com 30 milhões de euros pa- tivista norte-americana An- que pelo menos 90 000 obras
ra a sua construção. A gran- gela Davis. A colecção do Mu- de arte, provenientes de Áfri-
de exposição de abertura do seu inclui, entre outros, tra- ca, que fazem parte de colec-
museu – “Civilizações Africa- balhos de artistas do Ma- ções públicas francesas, se-
nas: criação contínua da hu- li, Burkina Faso, Cuba e Haiti. jam restituídas aos seus paí-
manidade” – constitui uma O director, Hamady Bocoum, ses de origem.
viagem do Neolitico à actuali- referiu na cerimónia de O relatório refere ainda o
dade tendo por objectivo evi- abertura que “este novo espa- caso de outros grandes mu-
denciar as contribuições do ço pretende colocar a cultura seus europeus que também
continente africano para o co- africana no século XXI”, refe- têm colecções africanas - en-
nhecimento científico e técni- rindo ainda as mais recentes tre os quais o Museu Real da
co contemporâneo. tecnologias de que a infra-es- África Central da Bélgica (180
Para além desta exposi- trutura dispõe. 000 peças), o Museu Britânico
ção, é também possível ver O edifício abrange uma área (69 000) e o Weltmuseum/Mu-
uma mostra de arte africana funcional com mais de 14 000 seu do Mundo de Viena (37
000) – que deveriam igual-
mente considerar restituir
O Museu das Civilizações Negras aos seus países de origem.
abriu finalmente as suas portas,
no passado dia 6 de Dezembro, em texto Rui Trindade
Dakar, a capital do Senegal fotogrfia D.R.

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Porsche
911
Chegou a 8ª geração
Motor
O Carrera
S e Carrera
oficialmente apresentado
no Salão de Los Angeles (EUA)
no final do ano passado, o
novo Porsche 911 já começou
do Porsche 911
4S (com a ser comercializado. Como sua performance na estrada, toda a traseira do veículo.
tracção era de prever, o novo modelo há mudanças importantes. Em termos de estrutura im-
integral) não altera substancialmente No que diz respeito à carroce- porta referir que o novo mo-
recebem o estilo daquele que é um dos ria, as proporções aumenta- delo conta agora com uma
o motor carros mais icónicos de sem- ram (mais 45mm de largura) plataforma com mais alumí-
3.0 boxer pre da indústria automóvel. e as rodas também ficaram nio na secção traseira, o que
de seis Na verdade, quem olhar para maiores, com 20 polegadas melhora, claramente, a dis-
cilindros. o primeiro Porsche 911, lança- na frente e 21 na traseira. tribuição do peso. No entanto,
Vai de do em 1963, consegue identi- Isto garante maior aderência o que distingue substantiva-
0 a 100 ficar, sem dificuldade, a linha ao piso para segurar a potên- mente este Porsche 911 é o
km/h de continuidade que foi mar- cia de 450 cv gerada pelo mo- seu motor Boxer com seis ci-
em 3,7 cando as diferentes gerações. tor 3.0 de seis cilindros opos- lindros opostos na horizontal.
segundos Isto não significa que as alte- tos com turbos gémeos. Na verdade, estamos perante
rações introduzidas no novo Também os faróis são novos e o mesmo bloco a gasolina que
Preço Porsche 911 não sejam signi- o pára-choque ganhou aber- já integrava a geração ante-
médio ficativas. Se o design se man- turas de ar maiores. Outro rior, mas foram-lhe introdu-
140 000 tém fiel à história da marca, já elemento novo que reforça a zidas modificações no sistema
dólares em muitos outros aspectos, tal- sensação de largura do carro de injecção e nos turbocom-
vez os mais substantivos, por- (quando visto de trás) é a bar- pressores por forma a incre-
que se ligam directamente à ra de LED que se estende por mentar a potência.
Deste modo, os 911 Carrera S e
o Carrera 4S, passam agora a

v
Oficialmente apresentado no Salão debitar 450 cv (mais 30 cv do
de Los Angeles (EUA) no final do que anteriormente).
O Carrera vai de 0 a 100 km/h
ano passado, o novo Porsche 911 já em 3,7 segundos, podendo atin-
começou a ser comercializado gir 308 km/h de velocidade.

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