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na (educ)ação ambiental
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DISSERTAÇÃO DE M ESTRADO
PUC-Rio
PUC-Rio
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO
Programa de Pós-Graduação
em Educação Brasileira
Rio de Janeiro
Maio de 2003
Luciana Mello Ribeiro
Dissertação de Mestrado
PUC-Rio
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Volume I
Orientador
Digital
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Jürgen Heye
Coordenador(a) Setorial do Centro de Teologia e Ciências Humanas -
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Ficha Catalográfica
0114326/CA
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199 f. : il. ; 30 cm
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CDD: 370
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trabalho. Aos meus inquietos entrevistados, que, mesmo sem tê-lo, dispuseram de
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formatador oficial (obrigada por fazer a parte chata); aos indispensáveis estímulos
e corujices de minha mãe, tia Clarissa, vovó, vovô, Yara, e à família botocuda.
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Que trupe!
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Aos amigos distantes, que de longe colaboram com sua simples existência e alôs,
escritos ou falados: Tatá e Comuna, Ton, TG, Cascão, Paulinho, Gil (e
agregados), Diego, Paulo e Val. Vocês são minha inspiração!
Palavras-chave
Educação ambiental, jornalismo ambiental, representação social.
Abstract
The research had the scope of identifying the environment, education and
information representations, which mobilize the practice of educators and
newspapermen and how it occurs. We have tried to understand how such
representations are created and what relationship the process of construction of
these has with aspects of life, as the family, the formation for work and the
professional practice. The data have been gathered by means of semi-structured
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interviews, having questions in common and other ones specific to each of the
professions. As regards interpretation the content analysis has been used.
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contributes to think possible strategies for continued formation with the purpose
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Keywords:
Environmental education, environmental journalism, social
representation.
Sumário
1. Apresentação 14
3. Interdependência planetária 35
3.1 Percepção ambiental e suas conseqüências históricas 38
3.1.1 Desdobramentos políticos e legais 49
3.1.1.1 PRONEA – programa nacional de educação ambiental 49
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percepção ambiental 67
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6. A pesquisa 87
6.1 Aspectos da teoria da Representação Social 87
6.2 As questões 89
6.3 Critérios 91
6.4 Caracterização dos grupos 98
6.5 Estratégias de pesquisa 100
7. As representações e sua repercussão nas práticas ambientais e
educativas de educadores e jornalistas 102
7.1 As representações de ambiente 102
7.2 As representações de educação 114
7.3 As representações de informação 118
7.4 As relações de jornalistas e educadoras com o ambiente 120
7.5 Novas dúvidas 125
7.5.1 Estruturando as representações 125
7.5.2 O comportamento dos entrevistados: fatores que
interagem com as representações 140
7.5.3 Amarrando algumas pontas 153
significava, especialmente, saber o que faz com que elas, num dado momento,
entendam algo e esse entendimento se concretize em ações. E no que tange à
questão ambiental? Por que havia pessoas sensíveis e outras não? Por que nem
sempre essa sensibilidade se traduzia numa ação coerente com o discurso? Por
que sendo uma questão do dia-a-dia era tão invisível para tantas pessoas? E ainda:
por que a televisão tendia a insistir numa abordagem idealizada de natureza?
Essas indagações me vieram nos tempos de graduação, tornando-se mais fortes
quando participei durante cerca de dois anos de um projeto de extensão no Vale
do Ribeira, extremo sul do estado de São Paulo. Foi ali, no cotidiano com
agricultores e ribeirinhos, entre eles alguns quilombolas, que muitas vezes
dividimos a preocupação pelas barragens das águas daquele rio, onipresente em
suas vidas – fonte de alimento, transporte, lazer, higiene etc. Foi ali que muitas
novas dimensões de entendimento da questão ambiental se descortinaram para
mim. Foi ali que de fato comecei a entender a relação entre política, economia,
cultura e ecologia. A saúde e a qualidade da água eram o mote que nos tinha
levado a começar o projeto – uma equipe de alunos de todos os sete cursos da
universidade e um químico, o professor coordenador, cuja experiência em projetos
desse tipo era tão grande quanto a nossa. Uma equipe de pioneiros. Da saúde, em
sentido estrito, passamos a ambicionar a saúde lato sensu. A saúde do ambiente
todo – as cavernas e estuários ameaçados, as comunidades ribeirinhas, o último
16
1
No sentido filosófico, significando: “conteúdo concreto apreendido pelos sentidos, pela
imaginação, pela memória e pelo pensamento.” (Ferreira, 1975: p.1231)
17
“... uma dimensão dada ao conteúdo e à prática da educação, orientada para a resolução
dos problemas concretos do meio ambiente através de enfoques interdisciplinares, e de
uma participação ativa e responsável de cada indivíduo e da coletividade.” (idem, p.31).
18
econômicos e políticos – que não nos cabe analisar nesta pesquisa, mas que
precisam ser considerados e compreendidos se a intenção for efetivamente tornar
realidade esta diretriz.
assimilados de fora pra dentro. É preciso tempo e muito trabalho conjunto para
que isso seja possível.
2
Tradução livre da versão original em espanhol.
20
a partir da intuição, porque ela também faz parte das estruturas de aprendizagem.
Mas se pudermos conjugar intuição e conhecimento objetivo, provavelmente
teremos atuações mais amplas.
Ao formular estas diretrizes/ finalidades da EA, a expectativa girou em
torno de uma prática educativa unificada em todos os níveis da educação formal e
não formal. Seu resultado seria o desenvolvimento da atitude de recolher, analisar,
sintetizar, comunicar e avaliar os conhecimentos existentes sobre o meio
ambiente, garantindo uma participação ativa das pessoas na formulação de
soluções aplicáveis aos problemas ambientais. Em poucas palavras, pretende-se
que o comportamento dos sujeitos seja engajado, pró-ativo, crítico e
fundamentado.
Para alcançar tais ambições, a EA tem buscado influenciar a política
educacional de cada país. No Brasil, ela ganhou corpo com a lei 9795/99, que a
instituiu. Esta educação é marcada pelas seguintes características, válidas na
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Por tudo isso, a EA exige uma atualização permanente. Não é à toa que a
OEI (Organização dos Estados Ibero-americanos) recomenda que se atualizar seja
direito do professor e dever de sua profissão (Carvalho e Gil Pérez, 2000). Em
seus levantamentos, a Organização verificou que professores de Ciências e
Matemática pouco o fazem. Se em disciplinas isso já é imprescindível, calcule-se
em EA, que tem por característica ser essencialmente interdisciplinar.
Apresentada a educação ambiental de que estamos tratando neste trabalho
e nossa preocupação com o entendimento de processos cognitivos que ajudem a
viabilizá-la, traçaremos um breve perfil da pesquisa. Antes, lembramos que a
perspectiva de ambiente utilizada por nós na pesquisa está de acordo com Leff
(2002). Assim, o ambiente
21
Ora, se a informação exerce esse papel, importa saber que filtros podem
atuar no momento de selecionar sua disponibilização. Um deles, escolhido para
este estudo, é o processo de representar.
Usamos “informação” no sentido dado por Barreto (1999, citado por
Tavares, 2003: p.38): “estruturas significantes com a competência e intenção de gerar
conhecimento no indivíduo, em seu grupo, ou na sociedade.” Ou seja, informação não
é algo casual, seus produtores a fazem deliberada e intencionalmente. Aquilo que
demanda deliberação, isto é, decisão, apóia-se nos valores do indivíduo.
Portanto, este será um dos fatores a interferir na produção e seleção tanto
da notícia, como do assunto da aula. Contudo, há ainda uma dimensão
inconsciente neste processo, onde entra o representar. De certa forma, estaremos
estudando aspectos inconscientes e aspectos conscientes do relacionamento de
jornalistas e professores com o ambiente.
Os usuários da informação buscam-na em fontes diversas, conforme suas
necessidades. Tavares cita duas principais: os contatos informais com colegas e
amigos e os meios de comunicação de massa,
22
uma operação
“pela qual a mente tem presente em si mesma uma imagem mental, uma idéia ou um
conceito correspondendo a um objeto externo. A função de representação é exatamente a
de tornar presente à consciência a realidade externa, tornando-a um objeto da consciência,
estabelecendo assim a relação entre a consciência e o real.” (idem, p.213)
“as representações são menos criações mentais que têm efeitos sociais do que criações
sociais que são fundamentadas através da via mental e, portanto, se tornam reais. (...)
Depois que as representações sofreram esta lenta elaboração, o domínio delas se torna
considerável, porque não são mais distinguidas do mundo da experiência coletiva que as
reifica. (...) Tudo acontece como se a massa mental em circulação conformasse os
valores, os comportamentos, as linguagens, as qualidades pessoais, e os associasse em um
conjunto onde cada célula sustenta e completa a outra. Um conjunto cuja realidade passa
a se assemelhar a sua imagem, e por isso os homens se apossam dela.” (Moscovici, 1990:
p.259)
2
As relações com a natureza
humano com a natureza era tão integrada que sequer havia a percepção da
existência do ambiente como algo além do humano. A natureza era então
antropomorfizada. Somente ela existia. As diferenças entre as pessoas eram
apenas as de ordem física, servindo para a divisão do trabalho comunitário.
Em um momento seguinte, essa relação humanos-natureza passou a ser
regida pela identificação da natureza como algo à parte, que requeria
intermediários eficientes (os sacerdotes de todos os tipos) para que se fizesse a
comunicação com ela. A eles estava designado o papel de intérpretes. Essa
diferenciação surge a partir da mudança da organização social, mudança esta que
fez os humanos se perceberem como algo distinto dos outros seres. Aqui, o medo
era ingrediente fundamental. Uma das conseqüências diretas foi o grande acúmulo
de poder das religiões.
Um pouco mais adiante, encontramos na história desta relação a oposição
sociedade-natureza, artificial-natural. Depois, a natureza adquire uma conotação
divina, obra a ser cuidada e admirada pelos humanos, para quem ela teria sido
criada.
Em outra etapa, a natureza passa a fazer papel exclusivo de “supermercado”
(fornecedora de matérias-primas), devendo ser estudada, analisada em partes e
controlada. Mas a natureza-máquina perde a vez tão logo se inicia a Revolução
25
É fato que os distintos modelos inventados pelo ser humano para organizar
seus agrupamentos ou sociedades foram fruto também de interações com a
1
Comunicação pessoal, 1997: aula da disciplina de História Ambiental durante o curso de
especialização Teoria e Práxis do Meio Ambiente, oferecido pelo ISER (Instituto de Estudos da
Religião).
26
2.1
Modelos de sociedade
neste texto. A sede de novas riquezas fez com que este tipo de sociedade se
expandisse, causando grande impacto nos ambientes dos locais onde aportaram e
se instalaram os europeus; lugares geralmente habitados de longa data, com uma
estrutura social de economia não-cumulativa. Tal foi o caso, só para citar alguns
povos, dos maoris, moradores originais da Nova Zelândia; dos guanchos, nas Ilhas
Canárias; dos fijianos; dos hawaianos; dos iroqueses; e dos aborígenes
australianos.
28
2.2
Aceleração da destruição ambiental
“A usurpação da biota nativa do pampa já devia ter começado no fim do século XVI,
quando animais da Europa chegaram, vicejaram e se propagaram em enormes rebanhos.
Seus hábitos de alimentação, seus cascos atropeladores, seus excrementos e as sementes
das plantas que carregavam com eles, tão estrangeiras na América quanto eles mesmos,
alteraram para sempre o solo e a flora do pampa. (...) Onde quer que o europeu ou o
pioneiro mestiço construíssem sua pequena habitação, surgiam malvas, cardos e outras
plantas, mesmo que não houvesse tais espécies num raio de trinta léguas. E era suficiente
que o homem da fronteira freqüentasse uma estrada, mesmo sozinho com seu cavalo, para
que essas plantas passassem a aparecer à beira do caminho.” (Crosby, 1993: p.145)
mantinham pelo menos um contato esporádico entre si habitavam toda a orla do golfo do
México, de regiões onde a doença era comum até a extremidade oposta, as áreas
densamente povoadas do que é hoje o Sudeste dos Estados Unidos. O rio Mississipi, com
vilarejos raramente mais distantes entre si do que um dia de viagem ao longo de suas
margens, pelo menos até o estado de Ohio ao norte, teria disseminado a doença por todo o
interior do continente. Quanto aos pampas, a pandemia certamente se espalhou por todo o
império inca, até onde é hoje a Bolívia; e de lá passou aos povoados que tinham fácil
acesso entre si no Paraguai e ao longo do rio da Prata e seus afluentes, até os pampas. De
modo que, entre 1520 e 1540, a varíola pode ter se espalhado dos Grandes Lagos até os
pampas.” (Crosby, 1993: p.179 e 180)
Lançaremos mão uma vez mais das pesquisas da História Ambiental para
clarear o que tratamos de explicar a respeito da interdependência dos organismos
e das conseqüências de perturbações nas relações que a sustentam.
“Um dos fatores mais importantes do sucesso da biota portátil é tão simples que se torna
difícil relegá-lo: os seus membros não atuaram isoladamente, mas em equipe. Às vezes
uns contra os outros, como no caso dos fazendeiros e das moscas hessianas, mas mais
freqüentemente uns em benefício dos outros, ao menos a longo prazo. Às vezes a ajuda
mútua é óbvia, como quando os europeus importaram abelhas para polinizar suas
plantações; outras vezes é obscura, como nas Grandes Planícies, quando os brancos e seus
mercenários dizimaram quase todos os búfalos – propiciando assim o alastramento de
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patógenos venéreos, alguns dos quais eram certamente imigrantes. Um médico que
cuidava dos sioux em Fort Peck no final do século passado estimou que a tragédia das
infecções venéreas entre as mulheres não era apenas uma conseqüência da imoralidade, e
sim o resultado de uma mudança mais geral: ‘Elas eram castas até o desaparecimento dos
búfalos.’ ”(Crosby, 1993: p.254)
“Nossos capins de forragem mais importantes são nativos da parte do mundo onde a
maioria dos nossos animais de criação foram domesticados pela primeira vez, e eles têm
pastado nesses capins desde o primeiro milênio do Neolítico.
A adaptação mútua entre esses capins e os animais de pasto vem se processando desde
antes do Neolítico. A família Bovidae – que inclui o boi, o carneiro, o bode, o búfalo e o
bisão – surgiu e evoluiu ao longo do Plioceno e do Pleistoceno2 no Norte da Eurásia.
Muitos membros migraram para a África, alguns para a América do Norte, mas nenhum
para a América do Sul ou Australásia. Há milhares de anos, os animais de pasto e os
capins do Velho Mundo, juntamente com outras ervas da Eurásia e do Norte da África,
vêm se adaptando uns aos outros. Ao serem transportados para a América, Austrália e
Nova Zelândia, os quadrúpedes do Velho Mundo devoraram os capins e arbustos, e estes,
que até então só eram submetidos a uma pastagem leve, geralmente custaram a se
recuperar. Nesse ínterim, as ervas do Velho Mundo, sobretudo as da Europa e de regiões
próximas da Ásia e África, entraram avassaladoramente para ocupar o solo desnudado.
Elas toleravam bem o sol direto, o solo desértico, o corte rente e o pisoteio constante,
além de terem diversos meios para se propagar e disseminar. (...) Em Nova Gales do Sul,
os colonizadores derrubaram as árvores tão rapidamente, expondo os capins nativos ao
sol abrasante, e os animais de criação devoraram os capins e arbustos indígenas tão
depressa que o capim canguru [uma planta perene] desapareceu das cercanias de Sydney
poucas décadas após a chegada dos brancos. Onde o solo se tornara estéril, as plantas
européias, semeadas artificialmente e se auto-semeando, espalharam-se de modo
agressivo. Na Nova Zelândia, as ervas européias parecem ter se adiantado ao colonizador
branco. O naturalista William Colenso encontrou um exemplar de bardana-maior – um só
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Para que não fiquem enganos: não se trata de dizer que os organismos do
Velho Mundo eram superiores, mas que foram favorecidos pela contínua
perturbação (e, neste caso, contínua é mais importante que perturbação) a que se
sujeitaram os ambientes das terras conquistadas, através do arado, derrubada de
florestas, queimadas, cidades em expansão e pastagens exauridas, e através do
brusco contato em que foram colocados seres humanos, plantas, animais e
microorganismos que haviam evoluído separadamente por milhares de anos. No
mesmo livro, Crosby descreve tentativas anteriores de colonização européia em
terras distantes (como a Vinlândia3 e os intentos das Cruzadas), cujos resultados
foram um fracasso retumbante. E este fracasso, que se deu em períodos e locais
distintos, deveu-se às dificuldades encontradas de adaptação ao novo meio
2
Segundo o Dicionário eletrônico Aurélio a época pliocena é aquela em que “surgem os primeiros
homínidas; no período quaternário”; e a época pleistocena é aquela em que “as glaciações
ocorridas na Terra determinaram a formação de grandes camadas de gelo que atingiram a região
tropical, e ao final da qual aparece o homem com suas características físicas atuais.”
3
Nome dado pelos escandinavos ao que seria futuramente a América do Norte.
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criadas ultrapassa a casa dos milhões. Recordemos ainda que possíveis efeitos
causados por elas, além daqueles para os quais foram criadas, são quase sempre
desconhecidos. E foi assim que as conseqüências de produtos e atividades
desenvolvidos num país passaram a se fazer notar fora de seus limites. Na Europa,
por exemplo, a poluição viajava nas águas do Reno, percorrendo vários países.
Quando falamos de poluição dos lençóis freáticos2, problema para o qual a
ciência ainda não encontrou solução, inevitavelmente abrangeremos as regiões por
onde fluem estas águas.
Se pensarmos na queima de lixo, não será difícil compreender que
substâncias, antes agregadas de forma mais densa, passam a estar livres no ar.
São, portanto, transportadas para locais aonde não chegariam sozinhas. Com a
chuva, que carrega consigo substâncias dispersas no ar, trazendo-as novamente ao
solo ou às águas, o lixo queimado consegue alcançar regiões longínquas, podendo
contaminá-las.
Situações restritas a um local podem ser tão intensas que se tornam
perigosas ou danosas tanto ou mais que as situações de maior amplitude
1
Percolar: processo pelo qual um líquido passa através de um meio. Geralmente utilizado pela
geologia para referir-se à água filtrando-se pelo solo.
2
Lençol freático: corpos d’água subterrâneos, que se formam em profundidades relativamente
pequenas, correndo sobre uma camada de terreno impermeável. Alimentam o curso dos rios ou
dão origem a estes.
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anos a fio ou mesmo negligenciada por países mais ricos, que se veriam obrigados
a tomar medidas de algum modo impactantes para suas economias num primeiro
momento. Um exemplo atual é o Protocolo de Kioto, acordo gerado pela
Convenção Climática.
Pedrini (2000) analisa a trajetória da Educação Ambiental e a situação
mundial que levou ao seu nascimento. Para ele, a hierarquia político-econômica
exerce importante papel nas repercussões de problemas ambientais:
“(...) é largamente difundido, por exemplo, que países como os EUA se enriqueceram à
custa de países como o Brasil. E o pior de tudo é que inúmeras substâncias ou processos
industriais nocivos ao homem norte-americano não eram condenados no Brasil. Assim,
além da exploração perversa de nossos recursos naturais os países ricos ainda
comercializam no Brasil produtos proibidos em seus países. E, sendo os órgãos de
controle ambiental dos países ricos mais restritivos que os dos pobres, os empresários
economizam vultuosas verbas, instalando no Brasil unidades industriais que jamais
poderiam instalar em seus países devido à poluição e males irreversíveis que causam.”
(Pedrini, 2000: p. 25)
3
Smog: neologismo inglês formado pela junção das palavras smoke (fumaça) e fog (neblina),
retratando um fenômeno que passou a ser comum na Londres da Revolução Industrial.
37
barragens, cujo benefício não terão acesso. Apesar disso, são afetados diretamente
pelo mercúrio da mineração em seus rios, pela morte da caça, pelo desmatamento,
pelas doenças trazidas pelos brancos (como sífilis, gripe, herpes, alcoolismo e
prostituição) e pelos sangrentos conflitos, em desiguais condições de luta,
causados pela disputa de uso da terra. Para não ir tão longe, os moradores pobres
das encostas são afetados pela erosão gerada no processo de ocupação ilegal da
terra, pelo acúmulo do lixo e ausência de serviços de saneamento básico. Os
habitantes das grandes cidades, qualquer que seja sua condição social, são
invariavelmente vítimas da poluição do ar, visual e sonora, que diminuem
drasticamente a qualidade de vida. Contudo, entre estes haverá os que possuem
meios de tratar sua saúde e outros (a maioria, infelizmente) que não. Há também
que se considerar o domínio que os sujeitos possuem dos bens simbólicos, como o
acesso à cultura e educação. Assim, embora muitas pessoas sejam atingidas pelos
mesmos problemas, algumas saberão de seus direitos e terão como enfrentá-los e
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outras não.
Em suma, a análise da questão ambiental é indissociável do entendimento
das mazelas sociais, das tramas políticas e das interações econômicas.
Voltando, todavia, ao nível das nações, mesmo quando são realizadas
grandes conferências ou encontros internacionais para melhor compreender e
deliberar sobre os problemas mundiais, os resultados dependem dessas variáveis
(cultura, poder, educação, economia, política etc), como bem ilustra Pedrini
(2000):
“(...) a Agenda 21: a) previa sua aplicação para o ano 2000 (século XXI); b) já tinha
aprovado 115 programas de cooperação; c) já teria o financiamento prometido de 600
milhões de dólares; d) nas suas 800 páginas, visava um mundo: Próspero; Justo;
Habitável; Fértil, Compartilhado; Limpo; Povoado; e) propunha soluções para tudo...
Portanto, seria um documento contraditório, considerando as ideologias conflitantes
presentes nos diferentes países partícipes. A Agenda 21 não contempla adequadamente a
EA, pois politicamente é inapropriada aos países pobres (...) As conferências de Tbilisi e
Moscou, embora inconsistentes politicamente, parecem adequadas e coerentes
tecnicamente. Tal constatação pode sugerir que variadas correntes ideológicas estão
representadas e transitam nas conferências internacionais.” (Pedrini, 2000: p.33)
Mas as posturas e decisões políticas não teriam relação com dimensões mais
subjetivas do ser humano, como a percepção?
38
3.1
Percepção ambiental e suas conseqüências históricas
nos seres humanos ao longo de sua história. A questão, então, é o significado que
se atribui ao que os sentidos apreendem. E como condicionamos a consciência do
que percebemos aos nossos valores e herança cultural. Ou seja, se a visão de
mundo é influenciada pelos sentidos, estes também o são pela mundivisão do
indivíduo.
A percepção do ambiente está estreitamente relacionada com a cultura e
história que nos impregnam. Geralmente se define o ambiente como “tudo aquilo
que está ao nosso redor”. E o que está ao nosso redor recebe também o nome
genérico de paisagem. É o historiador Simon Schama quem nos lembra:
“(...) conquanto estejamos habituados a situar a natureza e a percepção humana em dois
campos distintos, na verdade elas são inseparáveis. Antes de poder ser um repouso para
os sentidos, a paisagem é obra da mente. Compõe-se tanto de camadas de lembranças
quanto de estratos de rochas”. (Schama, 1996, p:17)
dos desertos do Oriente Médio, região cuja fecundidade anterior fora responsável
pelo florescimento das civilizações mesopotâmicas.
Ao contrário do que possa parecer aos olhos do senso comum, que julga a
natureza como espaço intocado, intensa vida rural se desenvolvia dentro das
florestas inglesas – tal como, aliás, ocorre hoje em grandes trechos da floresta
amazônica brasileira. Nas palavras de nosso historiador, um pouco da longa
descrição sobre as contínuas atividades desenvolvidas ali, nos pontilhados de
arvoredos que o autor designa de floresta inglesa:
“Havia gente nas florestas: assentada, ativa, ganhando a vida com os recursos a sua volta;
uma sociedade robusta com ritmos sazonais de movimento, comunicação, religião,
trabalho e prazer. Mesmo nas matas mais extensas havia estradas para as carroças e
trilhas para os pedestres, e seus adeptos as conheciam tão bem quanto as vias romanas.
(...) Mesmo no início da Idade Média, boa parte da floresta já estava sendo administrada
por seus habitantes como um tipo especial de microeconomia. As árvores que forneciam
madeira de lei eram cortadas a intervalos regulares de doze anos e a mais de um metro do
solo, numa altura suficiente para evitar que os cervos comessem os rebentos. O toco se
regenerava depressa e fornecia o tipo de madeira leve que se prestava a toda espécie de
necessidades essenciais: cercas, trançados, ferramentas e utensílios. O resultado era a
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seus privilégios e poderes à extensão arbitrária da ‘floresta’ que, a seu ver, representava o
poder ilimitado do rei e do bando de favoritos da corte. Assim, no fundo, a discussão
sobre a liberdade da mata verde era tanto política quanto social. E complicava-a, ainda
mais, o fato de que os monarcas normandos e angevinos sempre permitiram a existência
de ilhas de propriedades particulares dentro da área das florestas reais (...)”. (Schama,
1996: p.154-156)
Na Inglaterra, a rala floresta foi vista através dos séculos como estoque de
madeira para o avanço da nação através da guerra, preferencialmente náutica. Para
dar uma dimensão do que isto significou às matas locais, basta dizer que para
construir um só navio, eram necessários aproximadamente dois mil carvalhos
adultos, de duas toneladas cada um! Sem contar outras espécies utilizadas para
mastros e quilhas, por exemplo. Quando a madeira inglesa começou a escassear,
foi necessário mandar buscar em terras longínquas, como as da Noruega, do
Canadá e dos recém-libertos Estados Unidos. Logo descobriram, no entanto, que
as espécies procedentes de outros lugares possuíam geralmente mais seiva que
madeira, chegando, em muitas ocasiões, ainda verdes aos estaleiros reais. O
resultado disso não tardava em aparecer: navios naufragavam na hora de entrarem
em ação, sem poder suportar o peso de sua carga; outros se cobriam de fungos em
pouco mais de um ano, requerendo que todo o casco fosse refeito vezes e vezes. O
que, na prática, significava grande quantidade de dinheiro e o sacrifício inútil de
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“não eram movidos pela curiosidade de encontrar novas espécies, animais e plantas
desconhecidos na Europa. Os conquistadores eram impulsionados pela cobiça, pela
possibilidade de enriquecimento e glória. Se no Novo Mundo encontrassem ouro, prata e
especiarias se tornariam homens ricos, comprariam terras e castelos e viveriam, talvez,
como nobres no seu rincão de origem” (Raminelli, 1999: p. 49);
4
Palavra aqui utilizada no sentido da Biologia, isto é, espécie estrangeira, não-nativa, não-
autóctone.
47
em ciclos regulares (...). Tais ciclos são previsíveis, como por exemplo a alternância do
dia e da noite e as quatro estações. Os taoístas aprendem a contemplar e investigar as
várias seqüências de mutação; a contemplação engendra a tranqüilidade que sobrevém
quando a perda, a decadência e a morte são reconhecidas como não menos essenciais ao
todo que o ganho, a ascensão e a vida (...). [Os sábios] entendiam que as obras da
natureza dependem de um sistema de sutil equilíbrio entre processos que podem auxiliar,
obstruir ou bloquear uns aos outros segundo a energia relativa de cada um numa dada
circunstância. Tendo devotado muito tempo à tranqüila contemplação da natureza,
puderam observar tais forças às vezes conflitantes em ação, e aprenderam a antecipar o
desfecho dos conflitos, quando não a manipular esse desfecho dentro de certos limites,
como quando afastamos uma serpente de uma rã ou desviamos a água de um regato. (...)
Um taoísta dedicado é alguém que procura viver o mais possível de acordo com a
natureza: contemplação de seus caminhos, reconhecimento de sua adequação e
consciência de que tudo nela é 'bom' porquanto essencial ao todo." (Blofeld, 1989: p.19,
20 e 24; destaques meus)
5
Escatologia: aqui usada no sentido teológico e antropológico. Conforme dicionário eletrônico
Michaelis: “1.Ciência ou teoria do destino ou propósitos últimos da humanidade e do mundo. 2.
Teol. Doutrina do destino último do homem (morte — ressurreição — juízo final) e do mundo
(estado futuro)”.
48
Realização
“A serenidade desceu,
Tudo é tranqüilidade.
Adormeço, embora a janela do oriente
Se inflame com a alvorada.
Em silêncio contemplo
As formas inumeráveis
Espontaneamente produzidas
Pela mão da natureza.
Docemente, as estações alcançam sua plenitude
... e os homens também”.
(Ch’en Hao, in Blofeld, 1989: p.70)
Podemos supor que esta relação de veneração religiosa pela natureza, que
ultrapassa a questão estética – já que sua valorização se devia antes à sua
capacidade de ensinar – tenha motivado melhor preservação na China Antiga que
em outras partes do mundo, no mesmo período. Este aspecto poderá ser
investigado em pesquisas futuras, ficando também a sugestão ao leitor
interessado.
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Pelo exposto até aqui, podemos temporariamente concluir que a forma como
percebemos o mundo influencia o relacionamento que com ele mantemos. A tal
ponto que isso conduz a trajetórias históricas, decisões políticas e de convivência
diversas. De acordo com o que analisamos, alguns exemplos contrastantes podem
ser retomados. Aos lituanos e antigos germanos, a natureza estava revestida pelo
mito e com ela havia tamanha identificação, que o povo se sentia como a própria
natureza, unindo seus destinos particulares aos processos nela ocorridos. Aos
romanos, o ambiente era apenas um espaço a ser domesticado e regrado de modo
a lhes proporcionar conforto. Para os ingleses e franceses, tratava-se, sobretudo,
de estoque de madeira para sustentar as guerras. Para os portugueses, fonte de
ascensão social. Para os chineses antigos, o meio ambiente era a origem dos
ensinamentos que lhes permitiriam superar a existência terrena, conquistando
elevado padrão espiritual. Observamos também como, a intervalos, quando os
governantes ou elites sentiam que era necessário preservar suas terras, havia um
grande investimento em campanhas de mitificação e idealização da natureza. O
teor desse investimento podia se alternar com outros momentos em que se
incentivava a produção de informações sobre o plantio e a recuperação ambiental
e, com outros ainda, nos quais as campanhas se voltavam mais exclusivamente
aos benefícios econômicos, hauridos do controle da natureza. Por fim, vimos
49
3.1.1
Desdobramentos políticos e legais
3.1.1.1
PRONEA – Programa Nacional de Educação Ambiental
O fato de ter sido escrito e revisado por diferentes atores, ainda que apenas
governamentais, pode ser tomado como indicativo de que a questão ambiental está
sendo compreendida como mais do que somente atribuição educativa quanto à
conservação dos ecossistemas. Os Ministérios atuantes nesse primeiro momento
de elaboração do documento de diretrizes nacionais para a política de educação
ambiental são os mais diretamente envolvidos com o tema, formando um grupo
mínimo imprescindível para esta proposição.
O Programa é orientado por alguns princípios6, cuja essência é a seguinte:
1- a EA requer ação integrada entre municípios, estados e União. Este
princípio veicula a idéia de democracia organizada, condição para a
disseminação e implementação generalizada da EA por parte do Poder
Público. Se a execução do Programa de fato atender a este critério,
estaremos assistindo ao atendimento de uma das características da EA
em sua própria implementação, que é a abordagem interdisciplinar;
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6
Ver MMA, PRONEA, 1997, p: 14-18.
51
ambiental;
6. articulação intra e interinstitucional;
7. criação de uma rede de centros especializados em educação ambiental,
integrando universidades, escolas profissionais, centros de
documentação, em todos os estados da federação.
Ao mesmo tempo, uma das ações estratégicas propostas com o fim de atingir
este objetivo é o uso adequado de seus recursos, como segue:
7
Defeso: época em que é proibida a caça, pesca ou coleta de determinados seres vivos, devido ao
período reprodutivo.
54
Esta proposta revela uma visão distorcida, já que nem sempre são estes
usuários os que necessitam de tal instrução, sendo justamente os que, por
convivência mais estreita com os ritmos naturais, os conhecem o suficiente para
integrar-se a eles. Evidentemente, não se trata de idealizar esses conviventes mais
íntimos. Podem eles necessitar, sim, de informações sobre o ambiente em que
vivem. Como podem dispor delas para oferecer. Freqüentemente, entretanto,
também os tomadores de decisão e os comunicadores sociais necessitarão destas
informações, pois o acesso a elas não está ligado somente ao nível de
escolarização.
Há, inclusive, uma outra dimensão, esta até mais importante: a da
convivência, a da estreita observação, dia após dia, sobre as interações que se
desenvolvem na natureza e seu funcionamento. Ambas estas formas de adquirir
conhecimento são necessárias. Mais que isso, são complementares.
Agora, vejamos, como o ambiente foi percebido na elaboração deste
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programa? Parece claro que sua elaboração se deu a muitas mãos. E é natural que
assim sendo comporte diferentes percepções de ambiente, ali compartilhadas e
compatibilizadas, à custa de negociações, provavelmente. No geral, podemos
dizer que a natureza/ meio ambiente é visto como algo exterior ao ser humano,
digno e dependente de seus cuidados, os quais se realizarão a partir de um amplo
acordo de diferentes sujeitos e papéis sociais. Ainda, a cultura e a sociedade
seriam parceiros do cuidado ambiental para garantir nosso sustento (economia) e
qualidade de vida.
Esta tradução simples dá sentido às linhas de ação escolhidas, basicamente
em torno da mobilização e da informação. Fosse o ambiente compreendido como
algo do qual fazemos parte – e, portanto, também nossos pensamentos e
sentimentos (como já antecipava Guattari – 1995) –, provavelmente outros tipos
de ação estariam incluídos no programa, tais como o incentivo ao fortalecimento
de nossa autopercepção e de nossa maior visão de conseqüência (planejamento em
função da vida em geral e não apenas da economia de sobrevivência), por
exemplo. Possivelmente as dimensões ética, psicológica e estética estariam mais
declaradamente presentes.
57
3.1.1.2
Lei Nacional de Educação Ambiental
nacional, seja esta formal ou não, evidencia-se uma perspectiva larga de educação
presente nesta lei.
O artigo primeiro da Lei Nacional de EA preconiza que:
"Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a
coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e
competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do
povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade." (Lei 9795/99, destaque
meu)
Este nos fornece elementos para entendermos de que visão de educação
partem os legisladores. Pelo dito, parecem compreender a educação como
processo amplo e contínuo, uma vez que estão incluídos aspectos subjetivos como
valores e conhecimentos e outros, menos subjetivos, que retratariam estes
primeiros – as habilidades, atitudes e competências. Não entraremos aqui na
discussão das competências, um tema por si só bastante rico e controverso.
Interessa apontar que todo este processo estaria dirigido para a conservação
ambiental.
O que é especificamente entendido por conservação não está explicitado,
embora no jargão da ecologia costume significar a manutenção da saúde dos
processos ecológicos, incluídos aspectos biológicos, geológicos, químico-físicos e
geográficos. Diferentemente da preservação, a conservação admite o uso dos
recursos, desde que com o cuidado suficiente para que eles continuem existindo.
Pelo dicionário Michaelis eletrônico, trata-se da
58
"4. Administração planejada dos recursos naturais de um país, para impedir a exploração
prejudicial, destruição ou negligenciação: A conservação das matas e da sua fauna."
(UOL Michaelis – Moderno Dicionário da Língua Portuguesa, 2003).
3.2
Influências biológicas na formação da percepção
significa “deliberado”. (...) Pero, por debajo de éste, existe otro registro que opera de
manera aun más lenta. A menudo carece de un propósito tan definido, se asocia más a lo
ocioso, a lo lúdico, a la ensoñación. Este tipo de pensamiento implica darle vueltas a los
asuntos, “rumiarlos”, ser contemplativos, meditar. Se trata más de ponderar un problema
que de intentar solucionarlo. (...) En esa frontera entre el sueño y la vigilia, nos
encontramos ante una modalidad mental distinta a la que tenemos cuando organizamos
una comida o dictamos una carta. Estas formas de conocimiento y experiencia,
aparentemente desprovistas de finalidad, más ociosas, son tan “inteligentes” como las
otras, las más rápidas. (...) pensar lentamente es parte fundamental del bagaje cognitivo.
Nos hace falta por igual tener la mentalidad de la tortuga marina y la inteligencia de la
liebre. (...) Un tipo de pensamiento más paciente, menos deliberado, resulta
particularmente adecuado para aclarar situaciones intrincadas, oscuras o poco definidas.
El pensamiento deliberado – modalidad d – funciona bien cuando el problema que
aborda puede ser fácilmente conceptualizado.”
isso explique porque a Ciência tem-se preocupado tão pouco com o papel da
percepção no desenvolvimento das concepções das pessoas quanto aos mais
diversos temas. Uma vez que predomina na Ciência a “modalidade d” de
pensamento – o que a mantém ainda um tanto mecanicista – não nos admira que
quase sempre apenas a psicologia social e, às vezes, a antropologia –
freqüentemente vistas como não-científicas – se preocupem com a questão das
representações ao dedicar-se ao estudo de um tema.
O raciocínio por meio ultra-rápido ocorre em situações de intensa pressão,
na busca de soluções para problemas concretos e imediatos. Grande quantidade de
variáveis é conjugada sob ação da adrenalina, de modo a garantir a sobrevivência
do organismo.
É nossa intenção tratar aqui do valor da percepção para configurar o formato
das relações desenvolvidas entre ser humano e ambiente. A fim de evitar
confusões, voltamos a esclarecer o sentido que estamos dando ao vocábulo
ambiente. Embora no dicionário seu significado esteja mais ligado à idéia de lugar
ou espaço, estamos adotando o sentido utilizado desde a Conferência de Tbilisi,
em 1977, e incorporado pela legislação brasileira para a educação ambiental. Ou
seja, o de que meio ambiente é a totalidade que inclui aspectos ecológicos, sociais,
estéticos, tecnológicos, histórico-culturais, econômicos, políticos e éticos. (Dias,
62
redor das cavidades e gretas das rochas e forma um mapa detalhado da área,
utilizado como base para seus saltos quando se encontra preso nos charcos, na
maré baixa. Confirmando esta explicação está o fato de que tal peixe não salta
quando é colocado em um charco que desconhece.
Assim, para o autor, haveria uma primazia evolutiva da destreza sobre o
conhecimento, devido a que o inconsciente seja
“tal vez más robusto y firme, más resistente a la interrupción. (...) Cuando se degradan la
memoria, la percepción o el control sobre las acciones, son los aspectos conscientes que
tienden a desaparecer primero, mientras que las habilidades que se realizan de modo
automático quedan intactas. Si las habilidades inconscientes son más primitivas [leia-se
antigas], si se trata más de funciones evolutivas que culturales, es lógico suponer que en
tal caso variarán menos entre un individuo y otro que las conscientes” (ibidem: p. 39)
"la capacidad de los sujetos para expresar las reglas bajo las cuales creen estar operando
influye negativamente sobre su destreza para actuar. La gente que mejor controla una
situación dada no es capaz de explicarla correctamente. Y, a la inversa, en algunas
situaciones resulta que cuanto más se cree saber lo que se está haciendo, menos bien se
hace en la práctica. (...) En las situaciones en las que intervienen pocos factores de una
forma previsible y de acuerdo con lo que parece plausible, obvio, la modalidad-d puede
servir, siendo en esos casos más rápida que la otra actitud, la de 'pasar el rato'. Pero si no
es así, la modalidad-d más bien estorba." (Claxton, 1999: p.52 e 53)
1
O que, como vimos, se deve à evolução biológica do Homo sapiens.
68
2
Sobre os elementos da natureza moral citados, ver definições do autor:
metas: funções que devem ser cumpridas naquele meio. Sua razão de tornar-se entidade
social.
possibilidades comportamentais: tipo de coisas que devem necessariamente ser feitas
no meio de acordo com sua definição de metas ou que podem ser realizadas nele, ainda
que não obrigatórias.
formas de relação e regulação: maneira de organizar os intercâmbios pessoais. Aqui,
destacam-se as normas, os papéis e as inter-relações sociais.
guias de valor: produtos culturais que ajudam os sujeitos a pensar, comportar-se e
construir-se como pessoas morais. Instrumentos, muletas ou horizontes normativos que
modelam o comportamento humano e pautam formas de convivência. Ex: valores,
modelos pessoais, acordos...
dispositivos: artimanhas materiais ou organizativas que pautam a vida no interior do
meio. São elementos em estreita relação com os demais componentes do meio, podendo
ser confundidos com eles. Ex: assembléia escolar, surgimento da vida urbana.
69
3
Tipologia das experiências de problematização moral, segundo Puig (1998, p.166-168)
Problemas históricos: os mais amplos por afetarem toda a coletividade, e também os
mais difíceis de perceber, encarados de forma quase inconsciente. Exigem um
posicionamento moral dos sujeitos. Ex: fim de um regime racista, ditadura, guerra, fim de
um longo período de bem-estar econômico.
Controvérsias sociais: também afetam toda a coletividade. Trata-se da problematização
de aspectos concretos do modo de vida de uma coletividade. Os conflitos sociais podem
não o ser para um indivíduo, mas seguirão tema de legítima controvérsia. Outras vezes
são exigências amplamente reconhecidas, porém às quais não conseguimos responder de
modo rápido. Ex: a preservação da natureza, o desejo de paz, o respeito às minorias.
Problemas evolutivos: não são necessariamente relevantes para a sociedade, mas
totalmente significativos para o sujeito que os vive. Devem-se a uma aquisição moral
fraca ou insuficiente devido a causas variadas.
Problemas biográficos: são o que mais ajudam a construir a personalidade moral.
Constitui a forma como o sujeito relaciona e integra o inventário de problemas históricos,
sociais e evolutivos que vive. Ex: o trabalho em ambientes muito competitivos,
reconhecer a própria homossexualidade, decidir sobre um aborto sem legislação que o
regulamente e em meio a uma crise religiosa.
70
4.1
O contexto e a informação sobre meio ambiente, entre brasileiros
ambiente. As demais regiões tiveram percentagens bem mais baixas (com 23% no
Centro-Oeste). Em ordem crescente, Centro-Oeste, Nordeste e Sudeste/Sul
consideraram os índios parte do meio ambiente. O que parece evidenciar-se com
isso é o valor da experiência guiando as percepções. Os nortistas são atualmente o
grupo que mais convive com indígenas no país.
Apesar desta dicotomia sociedade-natureza, continua havendo, desde 1992,
boa disposição em não aceitar a poluição e a degradação como preço do
desenvolvimento econômico e geração de empregos. Consultados sobre a
prioridade Meio Ambiente ou Desenvolvimento Econômico, 47% defenderam o
primeiro item; e apenas 34%, o segundo. Houve ainda, um crescimento (de 23%
em 1997 para 31% em 2001) na concordância de que são necessárias grandes
mudanças em nossos hábitos de consumo e de produção para que
desenvolvimento e proteção ambiental sejam conciliados. (ISER, 2001: p12 – site)
A mesma pesquisa revela o aumento, muito pequeno em dez anos, do nível
de conhecimento do brasileiro sobre a questão ambiental. Ora, natural que se as
informações e experiências não mudaram, tenha permanecido quase inalterada a
percepção de ambiente. Faltaram fatos e provocações novas. As explicações que o
ser humano cria para entender o mundo só são alteradas quando ele se defronta
com situações ou informações que as desestabilizam.
71
4.2
A mídia incorporando a questão ambiental
4
TV Cultura, TVE e Canal Futura.
74
Minas e Rio Grande do Sul), dos quais apenas o gaúcho sobreviveu. Este núcleo
trabalhou ativamente, buscando a articulação e intercâmbio dos profissionais da
área no Brasil. Em 1998, a entidade cria em parceria com a ONG AgirAzul, a
Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental.
“Além de melhorar a qualidade da cobertura, analisar as notícias e trocar fontes, a Rede
faz sugestão de pautas e serve para divulgar eventos, cursos e prêmios’, explicou o
Roberto Villar Belmonte, coordenador da Rede, no XXX Congresso de Jornalistas, em
Manaus, Amazonas.” (Adital, 2003).
6
Ver apresentação do IFEJ no Anexo 9.2 ou no site www.ifej.org
78
Girardi considera que o jornalista tenha que, além de estar muito bem
informado, estudar constantemente, dominar a linguagem científica, ser humilde
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para esclarecer suas dúvidas com a fonte e ter responsabilidade para decodificar e
democratizar a informação, antes restrita ao meio científico. Lembra que estas
tarefas foram bem desempenhadas pelos pioneiros do jornalismo ambiental no
início dos anos 70, o que para ela denota ética e compromisso com a cidadania.
Ressalta a importância de ter conhecimento histórico a fim de evitar ser iludido ao
investigar as questões ambientais e de ter mais critérios para analisá-las.
Uma pesquisa interessante seria buscar entender as relações no interior dos
grandes veículos de comunicação, identificando como elas interferem na seleção e
publicação das notícias. No âmbito desta pesquisa, no entanto, optamos por
compreender melhor como profissionais assumidos do jornalismo ambiental
concebem meio ambiente e de que forma esta concepção direciona sua ação.
Complementarmente, investigamos também suas representações de informação e
educação, já que estas são bastante relevantes para o exercício de sua profissão.
Apesar do que dissemos e da forma limitada como se incorporou a temática
ambiental na mídia, algum avanço houve, uma vez que o assunto surge com certa
freqüência.
Intriga-nos o que teria originado essa incorporação do tema. Uma série de
fatores econômicos, sociais, políticos e culturais é certo. Mas além disso, certa
percepção ambiental. A julgar pelas respostas de nossos entrevistados, foi o
80
sentido de urgência. Para eles, discutir o ambiente é discutir a própria vida, sua
qualidade e nossa inserção nela. Sua persistência no assunto acabou gerando
oportunidades de tratá-lo. Muito possivelmente eles se viram enredados no tema
por ser este um campo de problematização moral, que de alguma forma afetou
suas experiências, mobilizando-os.
Queremos insistir na colocação da questão ambiental como um dos campos
de problematização moral, da forma como o conceitua Puig (1998). Isto é, são
eles, a um só tempo,
“espaços sociais para reflexão e ação moral nos quais se produz certa quantidade de saber
normativo ou de guias de valor que norteiam o comportamento de cada um dos sujeitos e
de todos conjuntamente. Portanto, nos campos de problematização cristalizam-se as
temáticas a propósito das quais uma sociedade levanta problemas, transmite a seus
membros reflexões morais referentes a tais dificuldades e, finalmente, sugere valores e
caminhos que apontam para a superação dos dilemas colocados.”(Puig, 1998: p.171)
da natureza, o trato que se dispensa aos seres humanos de acordo com seu gênero,
problemas derivados da capacidade de manipular a vida (clonagem, aborto,
eutanásia...). O autor salienta que as experiências morais, apresentadas
anteriormente, e os campos de problematização moral são dois pólos
complementares, que se retroalimentam. Reflete ainda que, sendo os campos um
amálgama de experiências e espaços de reflexão moral, provavelmente assinalam
temáticas que ajudam a construir a personalidade moral dos seres humanos em
dado momento concreto da história de uma coletividade. Esses campos
determinam as questões sobre as quais cada pessoa, e a sociedade em geral, se
sente interpelada e responsável. O que nos faz indagar que tipo de personalidade
moral está sendo forjada com a questão ambiental. Procuraremos observar isso ao
analisar as entrevistas de nossos atores: professores e jornalistas.
Diz Puig ainda:
“A partir dos campos de problematização moral formamos nosso modo de vida e
decidimos o tipo de vida que queremos levar; em outras palavras, o que está em jogo ali é
a construção da personalidade moral de cada sujeito e a construção das formas de
convivência da coletividade.” (Puig, 1998: p.172, destaques meus)
7
Note-se que animal era um adjetivo pejorativo naqueles tempos.
82
mencionar outros adjetivos mais depreciativos. Jornalista que diz com orgulho que não
tem posição ou é ingênuo, confundindo fantasia com realidade, ou mau caráter.” (Villar,
2003, destaque nosso)
6
A pesquisa
6.1
Aspectos da teoria da Representação Social
aspectos sociais podem ser esquecidos nesse tipo de estudo. Segundo Leme
(1995), esta teoria tem sido vista como valioso aporte para diversas abordagens já
existentes em Psicologia Social, devido à seriedade com que se leva em conta a
dimensão social. Esta pesquisadora nos lembra que o ato de representar
“não deve ser encarado como um processo passivo, reflexo na consciência de um objeto
ou conjunto de idéias, mas como processo ativo, uma reconstrução do dado em um
contexto de valores, reações, regras e associações. Não se trata de meras opiniões,
atitudes, mas de ‘teorias’ internalizadas que serviriam para organizar a realidade.” (Leme,
1995: 48)
as pessoas comumente
“fazem uma articulação ou combinação de diferentes questões ou objetos, segundo uma
lógica própria, em uma estrutura globalizante de implicações, para a qual contribuem
informações e julgamentos valorativos colhidos nas mais variadas fontes e experiências
pessoais e grupais.” (Sá, 1995: p.26)
6.2
As questões
Considerando que:
entre outras instâncias, à educação, e particularmente à sua dimensão
conhecida por EA, se atribui a responsabilidade de contribuir para a
melhoria do padrão de relacionamento estabelecido entre ser humano e
natureza;
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6.3
Critérios
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2
www.jornaldomeioambiente.com.br
93
O site do JMA afirma que uma das razões que contribuíram para o
nascimento do jornal foi a possibilidade de promover a democratização da
informação ambiental como estratégia para a formação de cidadania ambiental.
Nele, estão listadas várias causas para a baixa divulgação de obras, projetos e
políticas ambientais positivas. Entre elas, a evidente tendência da grande mídia em
dedicar mais espaço para o desastre e degradação e menos para as boas notícias
ambientais. A proposta do JMA é romper com este padrão.
O cenário em que surgiu foi o pós ECO-92. A Conferência gerou um efeito
cascata: a questão ambiental, antes mais concentrada nas ONGs (Organizações
Não-Governamentais) ambientalistas, internalizou-se nas demais instâncias da
Sociedade Organizada, envolvendo empresas e governos, entre outros. No
entanto, contraditoriamente à necessidade de mais informação ambiental, após a
ECO-92 este espaço restringiu-se na grande mídia, limitando-se hoje a ocorrências
fragmentadas, diante de acidentes ambientais e um ou outro tema que interesse ao
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com mais intensidade no país, devido à Conferência das Nações Unidas sobre o
Meio Ambiente e o Desenvolvimento, prevista para 1992. Ela aborda iniciativas
privadas e públicas que conciliam o progresso com o uso racional das riquezas do
planeta.
O perfil do público leitor: 58% formação universitária, 31% formação
média e em 11% dos casos são pessoas que apenas concluíram o ensino
fundamental. Da revista circulam 25 mil exemplares a cada edição, sendo 68%
para assinantes, 25% vendidos em bancas e 7% destinados à promoção.
Os setores de atividade abrangidos são: governos, empresas, faculdades e
escolas.
A revista tem recebido várias premiações, como:
1994 - Prêmio Gaúcho (Ouro, Prata e Bronze), concedido pelo Festival
Internacional de Publicidade em Turismo e Ecologia (Fiptur).
1995 - Prêmio Bahia de Proteção Ambiental, concedido pela Cofir.
2000 - Prêmio Golfinho de Ouro à jornalista Beatriz Bíssio, pela
contribuição à causa ambiental na direção da revista Ecologia e Desenvolvimento,
concedido pelo Conselho Estadual de Cultura do Rio de Janeiro.
2001 - Prêmios Troféu de Comunicação do Mercosul, na categoria
Jornalismo Ambiental em Revista (Ouro, Prata e Bronze), concedido em conjunto
pela Associação Riograndense de Imprensa, Associação Gaúcha de Emissoras de
95
IV- Ecopress:
A ECOPRESS é uma Organização Não-Governamental (ONG) sem fins
lucrativos, fundada em 1992 por um grupo de ambientalistas, com o objetivo de
divulgar informações sobre questões ambientais através das mais variadas formas
jornalísticas.
Esta ONG contrata jornalistas em início de carreira para que se
especializem no assunto e sigam a profissão dentro deste nicho. Neste intuito,
mantém dois veículos de comunicação: a Resenha Ambiental diária e o jornal
Educador Ambiental.
A Resenha Ambiental é um boletim diário, enviado por e-mail, com o
resumo das notícias publicadas nos principais jornais do país. Informações
passadas pela rede de colaboradores e conselheiros da Ecopress e selecionadas de
sites de notícias completam o conteúdo do serviço.
97
6.4
Caracterização dos grupos
Os jornalistas entrevistados serão aqui chamados por J1, J2, J3, J4, J5, J6 e
J7. Entre eles, há três profissionais antigos (mais de 20 anos de profissão), dois
em meio de carreira (mais de 10 anos) e duas iniciantes (cerca de 5 anos). Há
apenas dois homens no grupo. Quanto às origens, embora a maioria resida no Rio,
apenas três são cariocas, sendo duas paulistas, uma uruguaia que vive no Brasil e
um gaúcho.
Excetuando-se os três mais novos, são pessoas que já viajaram muito e
atuaram em diferentes frentes de trabalho.
Em relação aos docentes, podemos dizer que compõem um grupo
heterogêneo, tendo em comum a característica de liderança e o fato de atuarem na
formação de novos professores e na qualificação continuada dos antigos. Neste
grupo, temos 5 professoras, todas atuando no ensino público. Elas moram em
regiões diferentes da cidade do Rio de Janeiro e foram entrevistadas em seus
trabalhos nos bairros do Centro, Cordovil, Gávea, Alto da Boa Vista, Tijuca e
Laranjeiras (zonas Norte e Sul). É bom lembrar que tais professoras executam seu
trabalho também em outras áreas da cidade e mesmo do estado. Nós as
chamaremos por P1, P2, P3, P4, e P5. Três delas possuem formação em Ciências
99
aposentadoria
P4 RJ Física/Biologia Docência, meio de carreira
P5 RJ Biologia Docência, início de carreira
J1 Uruguai Química (não concluída) e Profissional antiga
Jornalismo
J2 RJ Escola técnica de Química; Meio de carreira
Jornalismo
J3 RJ Pedagogia Profissional antiga
J4 SP Várias faculdades iniciadas; Meio de carreira
Jornalismo
J5 SP Jornalismo Início de carreira
J6 RS Não fez graduação Profissional antigo
J7 RJ Jornalismo Início de carreira
100
6.5
Estratégias de pesquisa
7.1
As representações de ambiente
Cultura natureza
Meio ambiente
1
Iniciais para projeto político-pedagógico, plano de trabalho a ser elaborado por toda escola
pública no início do ano letivo.
105
Para analisar com mais segurança a posição dos jornalistas, seria preciso
avaliar cuidadosamente o conteúdo dos materiais produzidos por eles, como a
revista, o site, o jornal e os vídeos. No entanto, seu discurso indica enquadrarem-
se melhor no primeiro caso, em que o discurso de pertinência do ser humano ao
ambiente encontra-se em processo de assimilação. Eles assumem que sim, o
humano faz parte, mas observamos que, de maneira semelhante às aulas de P2, há
matérias específicas para tratar de assuntos humanos (ligados à política, à
economia, à tecnologia etc) e outras exclusivas para flora, fauna e para o meio
abiótico. Ou seja, há uma compreensão intelectual ainda não integrada na prática
– o que consideramos parte natural do processo de aprendizagem. A jornalista J3
foge a este padrão, pois seu trabalho integra comunidades humanas e não-
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humanas o tempo todo. Para ela, o ser humano incluído é aquele que está bem
incorporado na dinâmica ecossistêmica e não qualquer ser humano. O que se
deveria à forma de organização social adotada, neste caso, não-acumulativa. A
dicotomia observada aqui não é humano-natureza, mas industrial-natureza. O que
torna natureza aquilo que não é de origem industrial.
separar problemas ambientais de suas causas e/ou de seus efeitos. De fato, esta é
uma confusão bastante comum, justamente porque meio ambiente não é um
conceito preciso, mas antes uma idéia difusa e alvo de representações as mais
variadas. No entanto, é interessante observar que a atuação das professoras parece
refletir sua concepção de causa dos problemas ambientais.
Uma das questões que utilizamos para verificar a concepção de meio
ambiente dos entrevistados foi solicitar que mencionassem os principais
problemas ambientais.
No caso de P1, P2, P5 e P3, observamos coerência entre suas concepções e
os problemas que citaram. P4 apresentou uma concepção ampla de meio
ambiente, mas não incluiu entre os problemas situações que a contemplassem,
como poderiam ser, por exemplo, problemas ligados ao corpo, à afetividade e
mentalidade das pessoas. Isso possivelmente indica uma representação em estado
de transição, em que o discurso amplo já foi incorporado, mas conservam-se as
impressões anteriores, mais pobres que a atual perspectiva exposta.
108
Uma escola preocupada com meio ambiente seria, para todas, aquela que
trabalha com projetos, insere a questão ambiental no PPP e tem preocupação
institucional com o assunto. As preocupações específicas de cada uma se
complementam: P1: cuidado (“porque na escola tudo tem importância. É
importante perceber que todos estão interagindo”) e contextualização; P3: a
articulação institucional reforça o compromisso e requer conhecimento da
coordenação; P4: exercitar a cidadania, trabalhando metodologia coerente com os
valores para a transformação social. P5: inserir o aluno e sua realidade na questão
ambiental.
Disso depreendemos uma grande mudança no que se entendia por escola
preocupada com meio ambiente há algum tempo: escola com horta, limpa,
fazendo campanha de reciclagem. Certamente para muitos ainda vale este
estereótipo, mas é bastante animador saber que professoras formadoras de outros
professores já possuem uma visão mais ampla e integrada hoje a esse respeito.
Esta visão mostra um entendimento maior acerca da interpenetração sócio-
ambiental e atua preventivamente, do modo mais direto possível nas causas dos
problemas. O alvo parece ser realmente a formação de valores.
Mas e os jornalistas, quais são suas representações?
Para quatro dos sete jornalistas, meio ambiente é entendido como lugar,
meio que nos cerca ou envolve. Excetuando-se J1, todos consideram natureza a
111
os problemas que cita são de ordem global, reconhecidos desde há muito como
pendências das relações internacionais (aquecimento global, camada de ozônio
etc). J2 trabalhou na campanha da sociedade civil organizada contra a liberação
dos transgênicos – para ele, o maior problema da atualidade, seguido pela questão
climática (que acompanha de perto, devido a suas articulações internacionais e à
ativa participação na rede nacional de jornalistas ambientais). J4 e J5, moradoras
de uma grande metrópole, têm como preocupação central o lixo e a poluição. J3 –
atenta ao modo de vida das populações dispersas, e tantas vezes esquecidas, pelo
interior do Brasil – traz questões relacionadas à falta de infra-estrutura e atenção
básica (abastecimento e qualidade da água, agressão ao solo, agrototóxicos). Em
seu caso, o olhar antropológico e social acusa também a dificuldade da vida nas
periferias. J6 vem atuando há mais de 20 anos com a mobilização social e
esclarecimento quanto aos problemas sócio-ambientais. Para ele, problema é a
falta de responsabilidade e engajamento das pessoas, a falta de informação,
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educação e cidadania.
Da mesma forma que com as professoras, as causas e as soluções dos
problemas ambientais estão em mãos humanas e estreitamente relacionadas com a
organização social e com a conquista da cidadania. Isto se denota nas respostas ao
que lhes parece que seja a EA, à contribuição do jornalismo ambiental para o país,
às soluções para os problemas ambientais brasileiros. Para a maioria, a questão
ambiental é importante para nossa sobrevivência. EA, JA e soluções ambientais
apresentam estreito vínculo com organização social, engajamento, mobilização,
crítica, convivência. Aparecem também como palavras-chave: responsabilidade,
valores, participação.
Apesar de terem trajetórias de vida e profissionais bastante distintas, os
jornalistas, como grupo, mostraram-se mais homogêneos em termos de
representações.
De tudo que foi dito, podemos concluir que há um núcleo comum nas
representações de ambiente de ambos os grupos. A maioria em cada grupo
entende meio ambiente como lugar de relações e as próprias relações,
consideradas estas de natureza humana. A isso, chamaremos núcleo. No caso dos
jornalistas, este espaço de relações é ressaltado como coisa pública, que deve ser
administrada pela sociedade, preferencialmente crítica e participativa. Para as
114
7.2
As representações de educação
2
Alcançado pelos entrevistados.
115
7.3
As representações de informação
conhecimento (P3), dados para construir conhecimento (P4), aquilo que tem
significado e utilidade (P5).
Destas concepções, a de P4 foi a que mais se aproximou dos conceitos de
informação e de assimilação da informação, propostos por Barreto (1996, citado
por Tavares, 2003). Para ele, assimilar a informação é um processo que requer
“interação entre o indivíduo e uma determinada estrutura de informação, que vem gerar
uma modificação em seu estado cognitivo, produzindo conhecimento, que se relaciona
fortemente com a informação recebida.”
vários tipos, como encontros com amigos (P4), grupos de discussão, cursos e
seminários (P2), debate, observação (P1). TV, rádio, internet, jornal, revistas
especializadas, livros e vídeos também foram lembrados como fontes de
informação, pessoal, ou como recurso didático.
Duas delas destacam o cuidado necessário no trato com as informações,
devido ao binômio possibilidade de manipulação-baixa criticidade.
Enquanto P3 e P4 pensam ser a aquisição de informação um processo
ativo, que o sujeito vai em busca, P2 vê a informação como algo que se recebe e
se transfere, devendo o receptor associar a informação com algo que já tenha
registrado, para poder memorizá-la.
Apenas uma das professoras (P5) relacionou a informação a instrumento
da prática de EA e como ferramenta ideal para diminuir as diferenças sociais e
ampliar a qualidade de vida dos cidadãos.
Entre os jornalistas, aqueles que descreveram objetivamente o que é a
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com os outros fatores lembrados: público (2), meio (3), tipo de informação (2),
pesquisa (1), comunicação (5).
No tocante aos problemas relacionados à informação, importa dizer que
os jornalistas preocuparam-se mais com aspectos ligados à produção da matéria,
enquanto as professoras observaram mais os fatores relacionados ao consumo da
notícia. Parece evidente que esta tendência tem a ver com a experiência de cada
grupo, um de produzir as notícias e outro de usá-las, pessoal ou
profissionalmente.
Para J1, contrasta-se a facilidade de disponibilizar a informação hoje
diante de sua falta de conteúdo. Para J3, o problema foi intitulado como ditadura
do patrocinador. J7 pensou os problemas em estreita ligação com a
especificidade do jornalismo ambiental, apontando também alguns pontos
críticos quanto à estrutura e política interna das redações que agravam os
aspectos específicos ao ecojornalismo: complexidade da questão ambiental,
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7.4
As relações de jornalistas e educadoras com o ambiente
“formar um cidadão muito crítico e muito preocupado com harmonia, que ele se torne
muito, muito crítico com o espaço onde ele vive, que ele exija os direitos dele e se
preocupe muito com o outro.”
“Trata-se de informar as novas gerações sobre que mundo está sendo deixado para elas.
Eles têm que ter muita lucidez, muita clareza, muito conhecimento, para poder reverter
esta situação”, diz J1, enquanto J2 afirma: “a gente [os jornalistas ambientais] levanta
questões que mexem com o paradigma civilizatório, o tempo inteiro.”
“Hoje recebemos convites de comunidades isoladas para mostrar sua cultura. Porque não
agimos como colonizadores prepotentes. Como essas pessoas não têm representantes
políticos, somos os porta-vozes dos interesses destes grupos, pois muitas vezes eles não
têm para quem apelar.”(J3)
“É um compromisso interminável. Nós dois juntos [J3 e o marido], nesse nosso projeto de
vida, sentimos um compromisso interminável de registrar e documentar as questões
ambientais e sociais do país (...)”
“Na verdade, o meu interesse não é o meio ambiente, nem o jornalismo. É a vida. Sou
apaixonado pela vida. E meio ambiente é uma das coisas mais fortes em termos de vida.
Porque é ele que permite que você, no concreto, viva todas as outras experiências.” (J6)
“A informação não gera opinião pública, mas gera perplexidade, discussão e as pessoas
procuram se informar melhor, se capacitar para entender aquilo que descobriram. Sem
informação, você não se estimula a ser educado. Com educação e informação se faz um
cidadão mais consciente.” (J6)
125
7.5
Novas dúvidas
7.5.1
Estruturando as representações
oportunidade de íntima convivência com o que foi por essas pessoas chamado de
natureza. As jornalistas J1e J7 e as professoras P3 e P2 relatam essa experiência.
A perda precoce dos pais e as reflexões a que isso levou; o quintal da avó de J1,
assim como os passeios pelo jardim botânico e zoológico foram muito especiais
para esta jornalista, que se entretinha “lendo pessoas”. As histórias de J7 e P3 se
assemelham: meninas que cresceram em chácaras, ambas cedo aprenderam a
observar e, sobretudo, admirar o que chamam de natureza. Convivendo de perto
com plantas, bichos, morros, rios, lagoas e praias, apreciavam esteticamente as
paisagens, aprendendo a conhecer seus detalhes e mudanças rapidamente. O
prazer estético desfrutado despertou a curiosidade e trouxe-lhes grande
admiração, que logo gerou forte respeito por todas as formas de vida. Para P3, o
jardim era seu espaço de lazer, onde as crianças da grande família se juntavam
para brincar, principalmente na casa de bonecas que seu pai construíra para ela.
Hoje lhe dá pena ver seus netos vivendo em apartamento. No caso de J7, as
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“Aprendi muita coisa boa e tem o próprio ambiente da universidade, que te permite estar
pensando, discutindo, pesquisando. É uma outra estratosfera. A Antropologia mexeu
muito com a minha cabeça. Tinha um clima pesado, porque era o auge da ditadura. Não
podíamos nos juntar em mais de três pessoas. Havia sempre inspetor e olheiro. A
faculdade me trouxe uma reavaliação, esse repensar as populações do ponto de vista
sociológico mesmo.” (J3)
“Eu sempre usei todo conhecimento disponível para fazer a crítica do conhecimento.
Nada chega pra mim sem ser analisado, passar pelo meu filtro, minhas emoções. Não
interessa quem disse, interessa a idéia. O problema do autodidata é que apesar de estudar
mais que todos os outros, seu estudo não é reconhecido. A universidade, com seus
currículos, métodos, não ensina o profissional a atuar. Quem ensina é a experiência.”
ambiente.
Parte da outra metade dos entrevistados, para quem a universidade não foi
importante, ressalta o valor da escola.
P3, uma das professoras com mais tempo de profissão, sente que “o
Normal foi mais importante que a faculdade de Pedagogia, pois teve um professor (de
Didática) marcante.”
Para J2, a Escola Técnica de Química exerceu o papel de situá-lo no
mundo. Lá havia forte militância estudantil, pois era período de
redemocratização (início dos anos 80) e a comunidade usava a escola. O futuro
jornalista J2 então se questionou: “você está tendo uma formação tecnológica distante
dos problemas sociais. É isso que você quer fazer? E decidi que não.”
J4 e J1, que estudaram em colégio alemão, também consideram a escola
de sua infância algo muito importante para suas vidas. Elas sentem-se
profundamente ligadas em termos afetivos a estes colégios e reconhecem ter
recebido deles um sólido embasamento em cultura geral. Para J4, o que de
melhor a escola lhe fez foi ensinar a pensar: “Não existiam notas na minha escola. O
que tinha valor eram as idéias. Era desenvolver novas idéias a partir de um determinado
número de informações.” Para ela, a universidade não cumpriu este papel:
“O que fez a diferença foi a escola e especialmente um professor de Física que eu tive.
A física é um elemento fundamental na minha vida para o desenvolvimento do
raciocínio, do pensar.”
132
de procurar locais para acampar cada dia mais longe, graças à sujeira e poluição.
A intensidade deste incômodo fez com que se decidisse a contribuir para mudar
este quadro. Em seu caso, podemos dizer que o convívio escolar importou na sua
sensibilização ambiental mais que estratégias de ensino ou informações
específicas veiculadas pela escola.
Pelo exposto, a escola se revela um importante espaço formativo do ser
humano, pela possibilidade de encontros e criação de vínculos pessoais e
ideológicos, pelas reflexões que pode promover e pelo estímulo à capacidade de
pensar, pelo aprendizado da convivência e pelos professores “especiais” –
citados freqüentemente por seus alunos em função do tipo de relacionamento que
estabelecem e de descobertas que proporcionam. A escola é, portanto, um grande
gerador de experiências e intercâmbios, que organizam e ajudam a definir os
valores pessoais, interferindo na lente com que se enxerga o mundo. E este dado
não pode ser ignorado pelos tomadores de decisão e planejadores de políticas
públicas.
É forçoso admitir, no entanto, que não temos ainda uma maioria de
escolas estimulando o raciocínio e a reflexão, promovendo encontros e desafios
criativos. Apesar disso, o pouco espaço que possa existir nesse sentido surte
profundo efeito na formação do indivíduo, principalmente devido às relações
construídas, de modo que ressaltamos a necessidade de conferir maior
133
“Na medida em que o trabalho profissional nos coloca em contato com a realidade acaba
nos influenciando na forma de entender o mundo. As experiências pessoais também se
refletem no trabalho. Não dá para separar.”
J2 conviveu num ambiente degradado na infância, iniciou-se
politicamente na questão ambiental na adolescência, influenciado pela mãe e
posteriormente pelo movimento estudantil, que lhe trouxe novos aspectos e
reflexões. Toda essa experiência fertilizou uma disposição em atuar
politicamente. Assim foi que ao escolher graduar-se em jornalismo, tinha a
expectativa de que seu trabalho teria importância.
J2 procurou estágio no mercado desde o início da faculdade, uma
necessidade da profissão, não uma cobrança da universidade, diz ele. Com o
estágio (trabalho), ele conta que pode abandonar a imaginação pela vivência
(contato, debate, entrevista). Para ele, o estágio na revista Cadernos do Terceiro
Mundo foi decisivo.
“A gente falava de assuntos que eu nunca tinha ouvido falar, culturas, etnias... a
perspectiva internacional foi importante. Usufruí muito pouco da universidade. A área
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“Aprendi que as pessoas são mais malandras do que eu podia imaginar. Fiquei menos
idealista e mais realista. Hoje, eu não espero nada das pessoas, dos empresários, dos
poluidores, funcionários, patrões. Antigamente era mais apaixonada na tentativa de fazer
as pessoas mudarem. Hoje, não. Acho que é papel de cada um. Cada um tem sua ética. Eu
tenho a minha. Estando bem comigo mesma, fazendo o que eu acho ético, fazendo minha
parte, acho que está ok. Pra mim, a ética é exatamente você ter um mínimo de coerência
nas coisas que você prega. Agir do jeito que você fala. O mundo você não muda de uma
hora pra outra. É um processo. Vi muitos ícones do jornalismo ficarem amargurados,
deprimidos. Eu não quero isso pra mim. Melhor não esperar nada.”
A professora P3 acha que boa intenção não basta para bem atuar, é
preciso ter conhecimento e ir experimentando. Ressalta a necessidade de ajustar
o conhecimento teórico ao empírico, sem medo de errar. O erro é inerente ao
aprendizado, afirma ela. E o acerto depende da abertura para mudar, para se
recontextualizar.
“Então, precisa que o profissional tenha a mente aberta para receber as mudanças e
colocar essa mudança em prática. E vamos ver se vai dar certo. Você não pode saber se
dá certo se não coloca em prática.”
fazia também que eles tivessem essa sensibilidade, né, que na medida em que eles
preservam o solo, trabalham o solo, eles vão ter produtos melhores.”
Já no Alto da Boa Vista (outro bairro do Rio), ela conta que trabalhou
com projetos a partir de 1993, aproveitando para temas os dados da realidade
local (deslizamento de encostas, desmatamento, lixo, água...). É notória a
mudança de direção: de uma abordagem sensibilizatória pelo “contato com a
natureza”, fator que a mobilizou quando era criança, ela passa a uma perspectiva
mais crítica e ativa, que inclui os alunos em seu ambiente, fazendo-os pensar,
contextualizarem-se e atuarem sobre sua realidade. Sua personalidade neófila e
verdadeiramente interessada no aprendizado dos alunos conseguiu desenvolver
novas vertentes em sua compreensão e prática quanto ao meio ambiente e à
educação, através dos constantes desafios que o cotidiano lhe lançava,
impulsionando-a a freqüentes atualizações. Acha importante recorrer aos cursos
“porque o mundo muda e a pesquisa é incessante.”
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(...) não dá mais pra trabalhar só aquela língua portuguesa que eu trabalhava há quatro,
cinco anos atrás, sem ser uma coisa voltada pra meio ambiente, de uma maneira sem ser
crítica de se apresentar as coisas com, diria, mais compromisso, a verdade é essa, com
mais compromisso.”
Ela conta ainda duas outras experiências, bastante distintas entre si, a de
dar aulas num curso preparatório para concurso e a de trabalhar com literatura. A
primeira lhe demandava rapidez e foco no conteúdo e a segunda a satisfazia
muito mais, por poder trabalhar de uma forma mais analítica, contextualizada,
procurando fazer os alunos tirarem proveito daquele conteúdo.
P2 mostra-se em processo de aquisição do paradigma da EA. Embora
esteja sensibilizada com a questão e busque a interdisciplinaridade em sua
prática, parece ver meio ambiente de forma fragmentada, havendo assuntos que
são ambientais e outros não. A abordagem da EA não prioriza assuntos, mas
posturas, valores, reflexões transversais a partir da realidade.
Interessante notar que para as professoras de Ciências não há tema
ambiental. Meio ambiente pode ser trabalhado em qualquer aula, o tempo todo.
Mas para P2, professora de outra matéria, a sensação é de que é preciso inserir o
assunto em sua aula, de alguma maneira. Talvez por isso lhe pareça mais fácil se
a escola trabalhar via PPP. No caso de P3, que também não é professora de
Ciências, não existe esta dificuldade. O que poderia ser explicado por sua
139
sensibilização desde a infância e por sua larga experiência em atuar com projetos
(desde 1993).
Essas questões nos levaram a refletir a respeito da forma de trabalho de
professores com a EA. Não é preciso que todos falem de “temas ecológicos”.
Necessário sim é que conheçam os objetivos da EA (conforme Tbilisi e a Lei
Nacional de EA) e se disponham a pensar como podem trabalhá-los em seu
contexto específico.
P4 também sente mudanças profundas em sua forma de atuar ocasionadas
pela experiência, mas declara que seu tempo de estudante foi muito misturado
com o tempo de trabalho, pois os iniciou quase simultaneamente e depois dos
estudos em Física (incompletos) e em Biologia, cursou o mestrado em Educação.
Reafirmada a complementaridade das experiências, vejamos: ela diz que o
trabalho na escola foi entusiasmando-a pela educação e que sua rotina como
professora era matéria-prima das discussões do grupo de pesquisa do qual fazia
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desafios que surgem levam a novas posturas e atitudes, que se bem sucedidas,
tendem a consolidar-se até a próxima situação desestabilizadora. A experiência,
no sentido do vivenciado, experimentado, afigura-se o motor das mudanças no
corpo das representações.
7.5.2
O comportamento dos entrevistados: fatores que interagem com as
representações
uma relação direta com os valores priorizados por estas profissionais. Uma
hipótese é que, por deterem-nos, estas pessoas estavam mais sujeitas à
sensibilizarem-se com a causa ambiental.
Esta é uma reflexão interessante para a EA, que pretende trabalhar com a
formação de princípios para uma convivência saudável e para a construção de
sociedades sustentáveis. São necessárias muitas experiências e a integração
destas a fim de criar e consolidar um valor, o que geralmente não ocorre
conscientemente. É, portanto, a educação quem mais tem condições de fazê-lo. A
escola pode ser um contexto privilegiado para isso, devido ao grande período em
que o aluno fica imerso em sua realidade, possibilitando seu acompanhamento,
se uma boa parte dos professores entenderem e assumirem este trabalho.
Os critérios de seleção das notícias destinadas às aulas, assim como as
demais informações priorizadas, parecem sofrer influência desses valores
principais, mas certamente registram a marca dos que são peculiares a cada uma
das professoras entrevistadas.
Analisemos agora os jornalistas. O valor unânime foi o esclarecimento, o
que se mostra bastante coerente com a profissão por eles escolhida. Neste grupo
também houve valores lembrados pela maioria: responsabilidade (6); cuidado
(6); curiosidade (4); ambiente (4); solidariedade (4); articulação (4); criticidade
(4). Alguns outros citados foram: estudo (3); priorização (3); conhecimento (3);
143
universalismo; assistência (3); cooperação; ética (3); política (2); realizações (2);
dedicação; democracia (2); ativismo/ ambientalismo (2); escrever (2);
compromisso com um mundo melhor (2); justiça; qualidade de vida; prudência;
equilíbrio, harmonia; comunicação; respeito; estética; coerência; pesquisa,
coragem, neofilia, coerência.
Analogamente à indagação que fizemos quanto às professoras, perguntemos:
que relação existe entre estes princípios e as representações dos nossos
jornalistas?
O valor esclarecimento parece influenciar a percepção da realidade em todos
os campos, afetando todas as representações aqui estudadas. É a base da atuação
engajada quanto ao meio ambiente, é o objetivo do trabalho com o jornalismo e,
portanto, com a informação, atuando na seleção das notícias, inclusive. É a
matéria-prima do processo educativo. Isto mostra que este valor é mais importante
para o comportamento destas pessoas do que a representação que construíram
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cidadãos. Porém indicam que forma de educar e que perfil de cidadão seria esse.
Quanto à perspectiva da informação ser instrumento, fica claro instrumento de que
seria ela (de reflexão, de construção do senso crítico, de solidariedade). No caso
dos jornalistas, os valores explicitados também não apresentam relação de causa-
efeito, de equivalência, semelhança, diferença ou dependência. Mais uma vez a
relação aparenta ser de intercâmbio e qualificação dos objetivos e estratégias a
serem mobilizadas pelas representações estudadas.
Um exemplo de valor modulando a atuação da representação de meio
ambiente pode ser visto na escolha de J3 acerca da estratégia a ser utilizada para
informar as pessoas: “percebi que dando aulas (eu tinha dois mil alunos) e escrevendo,4
eu alcançava muitas pessoas, mas com a televisão, o alcance era de milhões de pessoas.”
Ou seja, o valor esclarecimento atuou em parceria com o valor atacadismo,
utilizando a representação de ambiente para selecionar a mensagem que seria
veiculada.
Outro exemplo possível é dado pelo depoimento de J6, cuja motivação para
o jornalismo nasceu de um valor:
“Foi um compromisso interior, e aí está no campo da ideologia, de tentar contribuir da
maneira que eu pudesse, com meu talento, meu conhecimento, pra tentar deixar este
mundo um pouquinho melhor do que eu encontrei.”
4
É autora de dezenas de livros infantis.
146
ambiente da ilha onde morava. Ao mesmo tempo, passou pela experiência familiar
de aprender a valorizar a questão social, indignar-se com a desigualdade,
solidarizar-se com os vizinhos e amigos menos favorecidos. A mãe, uma
educadora de vanguarda, marcou sua primeira escolha profissional, a Pedagogia.
O ambiente familiar de muito debate, produções artísticas, admiração pelos
ecossistemas e crítica quanto à sua destruição, certamente constituiu experiência
sensibilizadora. Já casada, a convivência com o trabalho do marido (biólogo e
produtor independente de vídeo sobre ecossistemas brasileiros), trouxe o aspecto
ecológico da questão ambiental para dentro de casa, conforme ela mesma gosta de
dizer. Experiências variadas em termos profissionais sucederam-se: escritora de
livros infantis, professora, apresentadora de TV, produtora de vídeo (ocasião em
que pode somar seu olhar sobre as populações humanas e as respectivas culturas
ao olhar de biólogo do marido). As atividades de escrever e de ensinar podem não
ter afetado sua representação de ambiente, mas provavelmente afetaram a
representação de informação e a de educação. Em compensação, o trabalho de
apresentadora e, depois, o de produtora utilizou diretamente sua compreensão de
ambiente para se viabilizar. J3 declara que o acoplamento das visões dela e de seu
sócio produziu programas nos quais a dupla mostra “de que maneira as questões
ambientais afetam as populações.” Ambos fizeram, ao longo das duas últimas
décadas, muitas denúncias de degradação ambiental e colheram o fruto de ver que
147
alguns dos principais. Boa parte dos conhecimentos vai se acumulando de maneira
inconsciente, à custa das experiências vividas. A família, a escola e o trabalho são
oportunidades para isso, devido à convivência prolongada que proporcionam – e,
portanto, devido ao alto potencial a um só tempo repetidor (de tendências) e
inovador (desafios, problemas) que oferecem.
Outro caso interessante é o de J6, para quem um valor importante é o
compromisso de contribuir para a construção de um mundo mais saudável (“estou
envolvido numa campanha [de vida] para ver se o mundo fica melhor”). Uma
característica sua é o perfil realizador. Juntando-se pelo menos estes dois fatores,
temos uma combinação que o levou a uma diversidade de experiências não apenas
profissionais mas no campo do ambientalismo. Assim, ele militou escrevendo
artigos, fazendo entrevistas, reivindicando a criação de departamentos de meio
ambiente nos órgãos públicos, deu origem a várias ONGs, ajudou a articulá-las
nas APEDEMAs (Assembléia Permanente de Meio Ambiente) e Fórum Nacional
de ONGs, criou seu jornal especializado em meio ambiente, produziu livros
infantis, fez inúmeras palestras em escolas, e, finalmente, atuou na consultoria em
gestão ambiental para empresas. Desencadeada por um valor (compromisso), sua
concepção de ambiente direcionou esta ação experimental.
148
“Eu queria dar um enfoque mais como qualidade de vida, meio ambiente urbano. (...) Só
se o povo entendesse que a questão ambiental tem a ver com a qualidade de vida dele, aí
sim ele passaria a internalizar a questão.”
5
Palavra do jargão jornalístico: matéria com novas informações sobre fato já noticiado
anteriormente. (Aurélio Eletrônico)
149
coerência com seus valores, situação por ela denominada de ética. De maneira que
não podia aceitar obedecer cegamente. A experiência com esse tipo de situação
delicada culminou numa reunião, de onde saiu convidada e decidida a criar sua
própria empresa de assessoria de imprensa. Foi também a oportunidade de
entender melhor seus valores:
“Um amigo da Redação me dizia: você é jornalista, tem que escrever de tudo. Se pedem
uma opinião contrária a sua, você escreve, como boa escrevinhadora. Aí caiu a ficha que
eu não queria ser uma escrevinhadora desse tipo. Era muito pouco pra mim. É uma
questão de valor. Aí vi que minha carreira ia ser curta. Foi quando encontrei o cliente que
me disse para montar a empresa. Optei pela área de tecnologia e algumas áreas como
saúde, educação. Mas tenho um problema, também não pego qualquer cliente. Philip
Morris, por exemplo, não pego. Empresas poluidoras...” (destaque meu)
No entanto, parece ter ficado clara esta proposição. Assim, apenas para
ilustrar, veremos agora o caso das professoras P2, P1 e P4.
P2 passou por duas formações bem diferentes: a de técnica em edificações,
quando adolescente e a de licenciatura em Letras, cerca de 10 anos depois. Ser
professora era seu desejo desde menina, mas a mãe a incentivou a fazer o curso
técnico na escola onde era funcionária, prevendo, acertadamente, que esse tipo de
formação garantiria emprego à filha. O ensino era visto por elas como forma de
ascensão social, e P2, então, seguiu os conselhos da mãe. Mas depois, insatisfeita,
retomou sua meta original. A oportunidade de trabalhar com EA surgiu há três
anos, segundo ela, através de um convite à escola para um mini-curso na Floresta
da Tijuca. Algum tempo depois, devido ao seu desempenho no curso, foi chamada
a colaborar no centro de educação ambiental da Floresta, onde atua na formação
em EA de outros professores e recebe escolas visitantes. A receptividade de P2
existia em função de experiências sensibilizadoras anteriores, entre elas, a casa de
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praia (no Rio Grande do Sul) de sua adolescência, e o período que morou no Pará,
observando e se indignando com a degradação que crescia a olhos vistos, afetando
a todos. Ela localiza nesta fase de sua vida (no Pará) o despertar de seu
compromisso com a causa ambiental. Isto pode ser percebido por ela, pois carrega
consigo a preocupação constante em “saber o que é que estava acontecendo no meu
entorno, no meio ambiente, as modificações que eu observava.” Preocupação que se
deve a sua característica curiosidade e ao valor cuidado. Cada experiência leva a
outra, num desdobrar-se contínuo:
“Quando eu tive oportunidade de participar de um grupo [alusão à equipe da Floresta da
Tijuca] que discutia esses assuntos, eu me interessei. Comecei a ler mais, o que eu
aprendi no curso procurei trazer pra escola, os colegas também iam se motivando (...) e a
direção se interessou também. E teve uma feira de cultura nesse mesmo ano. (...) Eu
também levei a turma lá na floresta da Tijuca... Foi uma série de acontecimentos que
foram me envolvendo.”
interagindo no ambiente, que é tão ecologia quanto a questão de saúde”. Ela acredita ter
chegado a isso pelos alunos:
“Gostar das crianças e achar importante elas valorizarem o que são, me fez valorizar essa
questão social e não desvincular os alunos do conhecimento que eu tinha do lugar onde
eles vivem e do que está acontecendo.”
função disso (...)” Aqui, vemos uma experiência despertando ou ativando um valor,
a solidariedade. Este, por sua vez, orientou a escolha profissional de P4 desde
cedo: “minha preocupação [em criança] era estudar para ser cientista. Eu queria inventar
uma pílula que resolvesse esse problema.”
Adolescente, P4 se sentia deslocada, pois não encontrava amigos que se
interessassem pelos mesmos temas e quisessem estudar junto. Por isso, foi muito
importante o encontro, aos 15 anos, com um grupo de pessoas com quem formou
um clube de ciências:
“Foi um grupo que fez com que eu seguisse a minha história. Foi esse grupo que me fez
ver que o problema era mais complicado, não adiantava ter uma pílula pra alimentar as
pessoas, porque não ia resolver o problema; então, a gente não discutia só coisas de
ciências, eram coisas de sociedade também.”
podemos colaborar para manter o ambiente saudável. Avisamos sobre a poluição das
praias, lagoas e rios e verificamos que a responsabilidade não é só do ‘outro’ e sim nossa.
Procuramos salientar também que quando há enchentes, nós temos nossas
responsabilidades, discutimos sobre construções de casas nos morros, as áreas de risco etc
(professora AM da CC)”. (Vasconcellos, 2002: p39 e 40)
“Lúcia Helena da Silva Ferreira, a mãe de João, vem aprendendo com o filho.
‘Sempre procurei economizar água. Mas não tinha tanta preocupação ecológica.
Isso surgiu com ele’, conta Lúcia.”
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“Quando ouviu falar da escassez de água potável, João Paulo Ferreira Martins, 10
anos, foi à luta. Em casa e na escola, faz campanha contra o desperdício.
Espalhou cartazes pelo prédio, catequizou a família e vive apelando para a
consciência dos amigos. Para ser mais eficaz, criou até uma ONG, formada por
‘um garoto e uma garota’ da escola. São os ‘defensores da natureza’.”
6
a reportagem pode ser conferida no Anexo 9.8.
157
dificuldades encontradas em Redações foi apontado por J7, que não atua no
âmbito dos veículos especializados. Uma suposição, baseada nas informações de
J7, é que jornalistas e ecojornalistas utilizam a estrutura da mídia de modos
distintos. Uns fragmentando mais a informação, outros menos e problematizando-
as. Talvez uma diferença de atitudes apoiada em valores diferentes.
Fato curioso foi o de cada jornalista, com a exceção de J3, ter-se feito
acompanhar por outro durante a entrevista. Assim, a conversa marcada com J1,
representante eleita por nós das revistas especializadas, foi realizada com J1 e J2
que, além dividir o trabalho com ela, é editor de sua própria revista especializada.
A entrevista com J6 também foi dividida com J7, ambos atuando com jornais,
embora o de J7 não seja especializado. Por fim, no caso do boletim da internet, J5
e J4 responderam conjuntamente a entrevista. Esclarecemos que a mesma questão
era formulada a cada um dos presentes, o que tornou a entrevista “dois em um” e
um pouco mais extensa. Dos jornalistas que assim procederam, reparamos que nas
duplas havia sempre alguém mais antigo na profissão, sendo o parceiro colocado
implícita (porém respeitosamente) na posição de pupilo. Os dados são
insuficientes para concluir qual a razão deste procedimento. Imaginamos que
possa ser uma forma de precaução quanto às informações prestadas (uma
testemunha) ou talvez um recurso didático para gerar ao pupilo a oportunidade de
usar este tipo de situações.
158
representações, modulando-as.
Responsabilidade e solidariedade são os valores que unem ambos
os grupos. É interessante observar que estes são dois valores
fundamentais para uma atitude pró-ativa e produtiva ante as
questões ambientais e educacionais, característica encontrada em
ambos os grupos estudados. Estudo, curiosidade e criticidade foram
valores que apareceram na mesma proporção em cada um dos
grupos, demonstrando a necessidade de desenvolvimento da
intelectualidade nestas profissões e estilos de vida.
A relação manifesta de jornalistas e educadoras ambientais com o
ambiente é de engajamento. A motivação para isso é a vontade de
melhorar o mundo. A forma como se dá é variada, havendo maior
dedicação das professoras à contextualização e ao estímulo de
valores como cooperação, cuidado, respeito e solidariedade. Por
parte dos jornalistas, a preocupação é o esclarecimento, proposto
ao estimular o debate na sociedade, denunciar erros e apontar
acertos em termos ambientais, a fim de que ela possa melhor gerir
o ambiente.
160
atitudes e decisões das pessoas. Fato que não se modifica em relação à EA. O
papel das representações na educação e na ação ambiental é o de conduzir a
prática humana, seja profissional ou amadora, em relação ao ambiente. Estudar
representações, por exemplo, de “sociedade”, “trabalho” ou “cidadania”, nos
permitiriam entender de que modo elas atuam sobre as práticas ambientais.
Porém, dado o funcionamento das representações no entendimento de mundo, de
antemão, podemos dizer que certamente influenciam estas práticas, em maior ou
em menor grau. Em síntese, o ato de representar exerce o papel de gerar o “pano
de fundo”, o cenário sobre o qual as ações se desenrolarão.
A proposta de conhecer especificamente as representações acerca de meio
ambiente, educação e informação de ecojornalistas e de educadores ambientais
reside na possibilidade de aprofundar e ampliar o debate das políticas e práticas
relacionadas a estes temas no país, de modo a poderem ser melhor conduzidas
pela sociedade organizada e pelo poder público. Recordemos com Moscovici que
as representações correspondem, “por um lado, à substância simbólica que entra na
elaboração e, por outro, à prática que produz a dita substância (...)” (idem, 1978: p.41)
Entender a dinâmica que forma essas representações e elas próprias pode ajudar
tanto em propostas de Educação Ambiental (e outras políticas ambientais), como
na formação preparatória e continuada de profissionais que lidarão com questões
162
3
A referência a Pierre Weil deve-se ao programa de palestras a que assistimos em 1998,
ministrado pela UNIPAZ, universidade da qual é reitor emérito.
164
“se a informação é percebida e aceita pelo receptor, de forma a acrescentar novo saber, ou
sedimentar saber já estocado, ou ainda modificar saber anteriormente estocado4,
colocando o indivíduo num estágio melhor de desenvolvimento. Se não houver alteração
nas estruturas de conhecimento do receptor, não aconteceu a assimilação da informação
(...)”. (in Tavares, 2003: p.39)
(citado por Tavares, 2003: p.43) quem fala sobre a diferença entre emitir a
mensagem e recebê-la:
“na interação do leitor com um texto significados são evocados seja por associações,
ligações, combinações, referências do passado e projeções do futuro – a interpretação da
informação pelo receptor é livre da intenção do emissor. O compreender é
individualizado e se relaciona com as competências específicas do sujeito receptor, do seu
contexto informacional, de sua convivência institucional no presente e de sua esperança e
perspectiva de futuro.”
4
Lembrando que para o autor, os saberes estocados são aqueles já apropriados pelo indivíduo,
capazes de serem mobilizados em situações que os ensejem. Esta noção nada tem a ver com a idéia
de educação bancária, a qual associa pessoas a depósitos passivos. Pelo contrário, a estocagem (de
acordo com os estudos da comunicação) requer participação ativa do sujeito.
166
Tudo isso é transpassado pela questão do poder. Por isso, vale lembrar que
a prática da educação ambiental é antes de tudo uma busca pela comunicação
efetiva. O que pode ser pensado no sentido proposto por Habermas, do agir
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história do outro, e é “menos responder a uma pergunta que fazer uma sugestão sobre a
continuação de uma história que está sendo contada (...)” (idem: p.200 e 201)
O narrador, por sua vez, precisa saber expressar o universo pessoal, tarefa
que não prescinde de exercício e confiança. Isso porque a narrativa “é a expressão
de um trabalho artesanal que se realiza sobre a matéria-prima da experiência.” (Konder,
2002: p.299, destaque nosso) Com isso, nos aproximamos da concepção de
comunicação de Jaspers, que pressupõe autenticidade e o reconhecimento
amoroso do outro, pois implica aceitação. (Zajdsznajder, 2002)
É importante entender que, historicamente, a narrativa foi sendo
substituída por outras formas de se contar, principalmente o romance (na
modernidade) e a informação (na pós-modernidade). Benjamin, em O Narrador,
mostra que o saber vindo de longe (espacial e temporalmente) se tornou
secundário. A informação, cuja principal característica é a aspiração a uma
verificação imediata, empobrece o raciocínio humano ao acompanhar-se sempre
de explicações. Assim diz ele:
“Metade da arte da narrativa está em evitar explicações. (...) O extraordinário e o
miraculoso são narrados com a maior exatidão, mas o contexto psicológico da ação não é
imposto ao leitor. Ele é livre para interpretar a história como quiser, e com isso o episódio
narrado atinge uma plenitude que não existe na informação.”(Benjamin, 1985)
168
ambiental construa seu texto com o tom da narrativa, já que a questão ambiental é
a própria questão humana, muito mais que acontecimentos de um suposto mundo
natural. Muito mais que as notícias sobre destruições e recuperações, descobertas
e políticas, faz-se necessário produzir textos (escritos, falados, filmados etc) que
instiguem a reflexão. Textos inscritos na experiência coletiva, da qual o jornalista
participa como pessoa e, se se dispuser a se envolver, pode partilhar, ainda que
indiretamente, mediado pelos veículos.
Mesmo sendo uma condição intermediária entre a possibilidade dos
professores e a atuação de seus colegas jornalistas convencionais, esta proposta
representa uma grande mudança na abordagem da questão ambiental na mídia,
contribuindo para formar cidadãos e transformar as relações dos humanos com o
restante do planeta. De modo que sejamos capazes de construir uma nova
narrativa para a vida.
Como se vê, tarefas nada simples. Daí nossa insistência em nos
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gabaritarmos para elas e fugirmos ao padrão teórico de existir, isto é, aquele que
sabe discursar mas que pouco aplica em sua vida.
Jornalistas e educadores ambientais que realmente passem a considerar em
sua prática profissional e em sua vida pessoal, indissociavelmente, as
contribuições das diferentes áreas, ampliando sua visão de mundo, entendendo
melhor a natureza humana, do planeta e, sobretudo, a sua própria (por onde tudo
principia), serão mais úteis ao mundo e à vida, qualquer que seja ela.
9
Alguns encaminhamentos
Atingir a grande massa não é tarefa para ser feita de um dia para outro. Em
processos de expansão é comum perder-se qualidade e profundidade, a exemplo
da brincadeira do telefone-sem-fio. Portanto, se as bases do núcleo de expansão (a
visão complexa e os procedimentos da consciência moral) não estiverem
fortalecidas, o “recado dado” tenderá à distorção. Estrategicamente, mais
relevante que levar a educação ambiental à casa dos milhões de pessoas, num
primeiro momento importa que ela seja bem trabalhada com setores-chave, a
partir dos quais a disseminação da EA se torne inevitável: professores, mídia,
ONGs, universidades, sindicatos, dirigentes de unidades de conservação e de
órgãos públicos ligados à educação e ao ambiente, empresários.
O pioneirismo destas ações está à espera de um posicionamento também
pioneiro, que o embasa – o de tornar-se um autopesquisador.
E você, já começou a desenvolver a visão complexa? Candidatou-se a
descobridor de seu universo interior?
10
Bibliografia
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas. São Paulo: Brasiliense, 1985. v.1: Magia
e técnica, arte e política.
CLAXTON, Guy. Cerebro de liebre, mente de tortuga – por qué aumenta nuestra
inteligencia cuando pensamos menos. Barcelona: Ediciones Urano, 1999.
IFEJ. www.ifej.org
esforços, aceitando desafios. Rio de Janeiro: Sette Letras/ Historia y vida, 2002.
SÁ, Fátima. Militantes por natureza: Nova geração sai em defesa do verde e
cobra engajamento dentro de casa. Rio de Janeiro: Disponível em:
<http://veja.abril.com.br/vejarj/230403/capa.html>.Acesso em: 01 mai. 2003.
177
SACHS, Ignacy. Estratégias de transição para o século XXI, São Paulo: Studio
Nobel, Fundap, 1993.
SIQUEIRA, Josafá C. de. Ética e meio ambiente. São Paulo: Loyola, 1998.
_____. Educação ambiental para uma sociedade justa e sustentável. In: Fonseca,
Denise Pini Rosalem; Siqueira, Josafá Carlos (orgs.). Meio Ambiente, cultura e
desenvolvimento sustentável – somando esforços, aceitando desafios. Rio de
Janeiro: Sette Letras: Historia y Vida, 2002.
178
VICENZI, Luciano. Coragem para evoluir, Rio de Janeiro: Editora IIPC, 2001.
<http://www.univercidade.br/greenmaprio/entrevistas/entrevistas03pt.htm>.
Acesso em 04 mar. 2003.
11
Anexos
11.1
Art. 8o da lei nacional de Educação Ambiental
11.2
Apresentação do IFEJ
AMBIENTE
The IFEJ has the legal status of a nonprofit international association according to
French law (Loi 1901). The association is managed by two Executive Directors,
the French journalist Louisette Gouverne and the German journalist Michael
Schweres, in consultation with a 6-member Administrative Board. The current
President of the IFEJ is the Indian journalist and columnist Darryl d'Monte,
former Resident Editor of The Times of India, India’s largest English-language
daily.
Since the founding conference in Dresden in 1993, IFEJ members have met each
year in a different part of the world, often in crisis or flashpoint regions, in order
to make a clear stand for freedom of thought and freedom of the press:
1994 Paris (France), 1995 Boston (USA), 1996 Cebu City (Philippines), 1997
Budapest (Hungary), 1998 Colombo (Sri Lanka), 1999 Bogota (Colombia), 2000
Cairo (Egypt), 2001 Lage (Germany), 2002 Paris (France), 2003 St. Petersburg
(Russia).
The IFEJ has collaborated with various European and international projects,
including the European University of the Environment (EUE), Young Reporters
for the Environment (YRE), etc. In cooperation with the Friedrich Ebert
Foundation and under the leadership of the Uruguayan journalist Victor
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Bacchetta, in the year 2000 the IFEJ published a media handbook for Latin
American journalists. In collaboration with the Deutsche Bundesstiftung Umwelt
(German Federal Foundation for the Environment), together with Oekomedia
Freiburg and 45° NORD, the IFEJ will publish a multimedia CD at the end of
2002, which will also document the present project.
At the year 2000 meeting in Cairo a new administrative council was elected for
three-year terms.
11.3
Histórico do Jornalismo Ambiental
Imprensa e Pantanal
Laboratório Ambiental de Jornalismo
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
Campo Grande, 29 a 31 de outubro de 1997
descobriram que podem ganhar muito dinheiro fazendo o que os ecologistas vem
dizendo há mais de duas décadas, como perceberam que evitar o desperdício e
implantar tecnologias limpas é uma questão de sobrevivência no mercado
globalizado.
O "ambientalismo empresarial" ganha força. Publicamente, as grandes indústrias
fazem campanhas publicitárias e plantam notícias na imprensa. Veladamente,
exercem um forte lobby para afrouxar a legislação ambiental e desacreditar as
ONGs. Nos discursos, defendem a liberdade de imprensa e a democracia. Nos
bastidores, são soldados de uma conspiração do silêncio - a censura empresarial -
criada para que a população receba apenas a versão dos poluidores. Este é o pano
de fundo para entender o jornalismo ambiental dos anos 90.
O jornalismo ambiental tem características diversas em cada região do Brasil. A
existência e a própria qualidade das notícias publicadas estão diretamente
relacionadas à mobilização da sociedade em torno do tema. As Organizações Não-
Governamentais enfrentam dificuldades para publicar os seus pontos de vista em
todo o país, mas onde a atuação das entidades é fraca, o noticiário sobre
problemas ecológicos é quase inexistente.
Os grandes grupos de comunicação do país sabem que não podem ignorar a
questão ambiental, meramente por uma questão de mercado, e por isso fazem
183
de saneamento no país.
A Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental reuniu os maiores
especialistas em saneamento ambiental de 14 a 19 de setembro em Foz do Iguaçu.
Os jornalistas não apareceram. Dias depois, o governador do Paraná, Jaime
Lerner, promoveu os Jogos da Natureza e surgiram centenas de repórteres para
registrar o espetáculo.
Diante deste novo "ambientalismo empresarial", uma aliança entre jornalistas,
cientistas e ecologistas é de vital importância para a democracia. Um cidadão só
tem liberdade de escolha se ele conhece as opções existentes. Se só existe uma
versão, não há o que escolher.
O cidadão não tem como confrontar as informações. Por isso, os repórteres tem
que ouvir o que os pesquisadores e ambientalistas têm a dizer. Por outro lado, não
podem se transformar em meros assessores de imprensa de entidades ecológicas
ou instituições de ensino. É preciso bom senso e equilíbrio. Lembrando sempre
que o poder da imprensa é determinar os assuntos que estarão na agenda das
discussões públicas da sociedade.
Hoje, os empresários têm mais acesso à imprensa. Poucas ONGs já aprenderam a
disputar tempo e espaço na mídia. Algumas exceções são a Greenpeace e a
Fundação SOS Mata Atlântica. A maioria das entidades ambientalistas não
conhece o funcionamento dos veículos de comunicação, o processo de produção
184
das notícias. Por isso, melhorar a qualidade do jornalismo ambiental não passa
apenas pela educação ambiental dos jornalistas, mas também pela educação
jornalística dos ecologistas.
Além da censura empresarial, existe a omissão dos jornalistas nas redações.
Quanto mais especializado, mais o repórter ou editor começa a questionar a sua
concepção de mundo e o seu próprio estilo de vida. Como o jornalista pode falar
de harmonia entre os homens e a natureza se não sabe o que é a harmonia? Como
poderá estimular a solidariedade tendo um espírito individualista? Se é verdade
que a destruição da natureza inicia no espírito dos homens, os jornalistas terão que
mudar o seu próprio estilo de vida no processo de aprendizado do jornalismo
ambiental.
O jornalismo ambiental é uma especialização do jornalismo, com todas as regras
gerais da profissão. A reportagem de meio ambiente tem que ser "vendida" como
qualquer outra matéria. Deve ser novidade e de interesse público. A linguagem
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tem que ser simples. "O estilo é a arte de dizer o máximo com o mínimo de
palavras", dizia Jean Cocteau.
O repórter tem que oferecer boas manchetes para disputar espaço nas redações, e
se diferenciar com um trabalho de qualidade. Quando fizer denúncias, deve ter
provas suficientes para enfrentar a reação dos poluidores, e a pressão dos editores.
Alguém já disse que a reportagem é a arte de reconstituir os fatos, com emoção.
E com opinião, eu acrescentaria. Sem uma opinião própria fundamentada sobre os
fatos não há como escrever uma boa reportagem. A neutralidade da imprensa é
uma bobagem que inventaram para enganar os leigos. O que existe, e deve ser
perseguida, é a honestidade. Quando escolhemos uma pauta, a abertura de uma
matéria ou um título, estamos sendo parciais, vendo o mundo com os nossos
olhos. Afinal de contas somos seres humanos, e não máquinas de calcular.
Uma tendência que surge cada vez com mais força no jornalismo ambiental é a
divulgação de histórias humanas e bons exemplos. Menos catástrofes e previsões
científicas assustadoras, e mais dicas práticas para o dia-a-dia das pessoas. No
Brasil, quem segue este estilo é o Repórter Eco, da TV Cultura de São Paulo,
programa que conseguiu sobreviver à ressaca pós-Rio 92 e vem mantendo um
bom índice de audiência em todo o país.
Este tipo de reportagem educativa é de grande importância, para mostrar que é
possível viver em harmonia com a natureza. No entanto, o jornalismo ambiental
185
não pode se limitar apenas a bons exemplos. O repórter especializado tem que ser
também um cão de guarda, e denunciar os desmandos. Uma matéria retrata a
realidade. Se a realidade é trágica e catastrófica, a imprensa não pode criar um
mundo fictício em nome da educação ambiental do público. Deve procurar,
porém, contextualizar o homem dentro da natureza, e sempre apresentar os
problemas com as soluções ambientalmente sustentáveis.
O jornalismo ambiental não se limita à grande imprensa. Os jornais de bairro,
rádios e televisões comunitárias também são alternativas importantes, pois
permitem um envolvimento muito mais direto com o público. A pauta dos
veículos reflete mais as necessidades da região. O principal jornal de bairro de
Porto Alegre - Oi! Menino Deus - conseguiu fazer, entre 1995 e 1996, reportagens
investigativas na área ambiental que lhe renderam diversos prêmios estaduais,
vencendo até os grandes jornais gaúchos.
Breve história do jornalismo ambiental
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E-mail: tiaosantos@ax.apc.org
http://www.ibase.org.br/tiaosantos
11.4
Jornais e revistas especializados
11.5
Sites de Jornalismo Ambiental
11.6
Roteiro de entrevista com jornalistas
11.7
Roteiro de entrevista com professores
10. O que você acha importante estimular nos seus alunos em relação ao meio
ambiente? O que eles devem saber?
11. Como você espera que eles se comportem em relação à questão ambiental após ter
trabalhado com eles?
12. Em que oportunidades você trabalha meio ambiente?
13. Como era a relação da sua família com a natureza quando você era criança?
14. Quais eram suas preocupações mais importantes naquela época?
15. Em que você estava interessado?
16. O que o fez decidir (diferencial) trabalhar com a questão ambiental na escola?
17. O que é educação para você? E pra que serve?
18. Você poderia citar alguns problemas educacionais da atualidade?
19. Você imagina algum tipo de solução para os atuais problemas ambientais e
educacionais brasileiros? Qual?
20. Qual a diferença entre educação e informação?
21. O que é educação ambiental pra você?
22. Você se considera um educador(a) ambiental? Por quê?
23. Por que o tema meio ambiente é importante para você?
24. Em que a educação ambiental pode contribuir para o país?
25. Como você escolhe os temas ambientais com que vai trabalhar na escola? Quais são
os critérios?
193
26. Como você trabalha a questão ambiental nas escolas onde atua?
27. Você utiliza notícias ambientais em seu trabalho? Como? Por quê?
28. O que faz com que uma notícia seja ambiental?
29. Existe diferença entre natureza e meio ambiente? Qual? Por quê?
30. Como você imagina uma escola preocupada com o meio ambiente?
31. Que valores você considera importantes para vivermos num meio ambiente mais
saudável?
32. Como eles podem ser adquiridos/ desenvolvidos?
33. Você participa de algum tipo de rede ou articulação com outros educadores
ambientais? Quais? Por quê?
11.8
Reportagem de capa da Veja Rio de 23/04/2003
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todos. Na segunda, foram dois. Na terceira, só tinha eu", lembra Leandro. Agora
ele é voluntário no Parque da Prainha. Uma vez por semana bate ponto no lugar,
onde mantém as trilhas conservadas, orienta visitantes e fotografa a fauna e a
flora, para documentar a vida no parque. Já pegou jibóia de 15 quilos, recolheu
balão, desarmou armadilhas e ajudou a apagar incêndio. "Nem conhecia a Prainha.
Hoje adoro isto aqui", diz. Na militância, convenceu até a namorada a levar uma
vida verdinha. "Antes, ela fazia trilha reclamando. Eu provocava: 'Tá pensando
que isto aqui é chão de shopping?'. Agora ela tira de letra", conta. Para chegar à
Prainha, o sacrifício não é pouco. Leandro acorda às 5 da manhã e enfrenta mais
de uma hora de ônibus e trinta minutos de caminhada.
Quando o assunto é meio ambiente, Beatriz Fittipaldi de Castro, 12 anos,
fala com a seriedade de gente grande. Sonha em despoluir a Baía de Guanabara, lê
artigos de especialistas e já escreveu carta ao prefeito cobrando empenho em
defesa da ecologia. No dia em que os pais decidiram mudar de apartamento, na
Barra da Tijuca, ela bateu o pé: "Só se tiver tratamento de esgoto".
Às vezes, é claro, a turma exagera. Um ano atrás, Carolina, a menina que
protesta pela internet, decidiu abolir a carne de sua alimentação. Andou meio
doente, e a família não vacilou. "Carol, coma pelo menos frango", ponderou a
mãe, a fonoaudióloga Débora Lüders. A menina cedeu. Mas continua avessa a
carne vermelha. "Tem tanto bicho sendo morto por aí", justifica. Pablo, o irmão
195
mais velho, de 18 anos, não perdoa. Chama a irmã de natureba e provoca: "Vai
uma carninha aí?". Ela nem liga. "Isso já está em mim. Colaborar com o meio
ambiente é um compromisso", explica. Carol sonha em colaborar com ONGs
como o Greenpeace. Como é menor de idade, só participa via internet. Assim, já
protestou contra a guerra no Iraque, manifestou-se a favor da reciclagem de lixo e
defendeu ursos panda, além de "uma outra espécie em extinção lá na Austrália".
Mas o que ela quer mesmo é ir para a rua. "Adoraria participar de um protesto de
verdade. Estou louca para que tenha um aqui no Rio", torce.
Os agentes ecológicos da Escola Parque, na Gávea, dão lições de educação
ambiental a crianças mais novas. Eles repassam o que aprenderam para meninos
da própria escola e de colégios da rede pública. Ora dão palestras, ora comandam
visitas a parques da cidade. E já participaram até de ações de reflorestamento. Os
agentes são todos voluntários e usam o tempo livre para trabalhar no projeto.
Orgulhosos, os pais às vezes se assustam com a seriedade dos filhos. João
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Paulo, o menino que espalhou cartazes pelo prédio, resolveu lançar sua campanha
no dia em que ouviu falar da escassez de água potável no planeta. Começou em
casa e na escola, até chegar ao condomínio. Junto com "um garoto e uma garota
do colégio", anuncia que criou uma ONG para defender a natureza. "Sei que não
mudo quase nada sozinho. Mas posso convencer gente que pode falar com outras
pessoas. Quem sabe os leitores da revista não resolvem se mobilizar também?",
diz. Dia desses, ele discursava sobre os rumos do projeto quando a mãe, sem
querer, deixou escapar um risinho. Levou um pito. "Isso aqui é muito sério, mãe",
retrucou. Como o pai da pequena Beatriz, Lúcia Helena da Silva Ferreira, a mãe
de João, vem aprendendo com o filho. "Sempre procurei economizar água. Mas
não tinha tanta preocupação ecológica. Isso surgiu com ele", conta Lúcia.
Quando ouviu falar da escassez de água potável, João Paulo Ferreira
Martins, 10 anos, foi à luta. Em casa e na escola, faz campanha contra o
desperdício. Espalhou cartazes pelo prédio, catequizou a família e vive apelando
para a consciência dos amigos. Para ser mais eficaz, criou até uma ONG, formada
por "um garoto e uma garota" da escola. São os "defensores da natureza".
A inversão de papéis se justifica. "Os pais desses meninos foram formados
numa cultura em que a natureza era vista como inesgotável", pondera o professor
Carlos Frederico Loureiro, fundador do grupo de educação ambiental da UFRJ.
Para a maioria dessas crianças, o compromisso com o meio ambiente nasceu na
196
casa, em Botafogo. Era apenas uma poda, mas a menina não se conforma. "A
árvore era mais bonita, fazia mais sombra e tinha vários micos e passarinhos",
desabafa. Em casa, ela recicla lixo e acredita que, se cada um cuidar de seu
"pedacinho", vai ser muito melhor viver no planeta.
Preocupada em fazer a ecologia perpassar todas as disciplinas, a Escola
Parque, na Gávea, contratou três anos atrás a consultora ambiental Laila Werneck.
Coube a ela mostrar aos professores um modo mais eficaz de conscientizar as
crianças. Nasceram daí os agentes ecológicos, um grupo de alunos que ensina
lições ambientais para crianças mais novas, do próprio colégio e de escolas da
rede pública. "Fui às salas e perguntei quem gostaria de participar. Logo eles se
ofereceram", lembra Laila. O grupo, formado por sete alunos de 14 e 15 anos, é
voluntário e usa o tempo livre para passar adiante o que aprendeu. "Eles até me
cobram mais ações. Acham que estou fazendo pouco", brinca a consultora. Os
alunos já deram palestras e comandaram passeios a parques da cidade. Sempre
alertando os mais novos para a importância de conviver com o meio ambiente.
Téo Ferraz Benjamin, 14 anos, é um dos integrantes. E lembra cheio de orgulho
de um dos passeios que fez. "A experiência mais legal que a gente teve foi no
Morro Dois Irmãos, com crianças de 6 anos, onde a gente fez replantio", conta.
Em casa, Téo segue o que prega. Faz coleta seletiva de lixo, economiza água e
guarda sacos plásticos para reutilizar.
197
dos vizinhos. Se deixar, cata da praia toda", ri. Como quem não quer nada, Beatriz
vem revolucionando a casa. Há alguns anos, quando soube que os pais pensavam
em votar nulo, convenceu os dois a apoiar candidatos ecologistas. Não foi só. Na
época em que os ambientalistas declararam guerra aos desodorantes em spray, que
prejudicam a camada de ozônio, Beatriz fez que os pais aderissem ao roll-on.
Recentemente, veio a cartada final. Quando Cláudia e Francisco comunicaram a
ela que estavam procurando apartamento para a família na Barra da Tijuca, a
menina foi enfática: "Só se tiver tratamento de esgoto".
Nem sempre, porém, a militância é bem recebida. E a turma, às vezes,
carrega a pecha de ecochata. "Azar de quem pensa assim", rebate Luisa Borja, 15
anos, outra agente ecológica da Escola Parque. Com maior ou menor grau de
atuação, a garotada sabe que vai mesmo encontrar resistência. Nem liga. "Não sou
uma obcecada. Mas tenho minha consciência. Tudo de que o homem precisa sai
da natureza. Então, cuidar dela é uma questão de sobrevivência, ora", pondera
Beatriz. O resto da turma assina embaixo.
Ser ecologicamente correto é...
• ...tomar banhos rápidos, para evitar desperdício de água.
• ...reciclar papel. Se não der, aproveitá-lo ao máximo, usando o verso como
rascunho.
• ...reciclar lixo.
198
Ernanny, corria o risco de virar complexo turístico. Só no fim dos anos 80 o local
se tornou área de preservação ambiental. Mas a ameaça continuou. Em 2000, a
prefeitura conseguiu, enfim, comprar o terreno. O Parque da Prainha foi
inaugurado em 2002.
• No início dos anos 80, a figueira da Rua Faro, no Jardim Botânico, virou
símbolo da luta pela preservação ambiental na cidade. A árvore centenária iria
abaixo para dar lugar a um condomínio. Quando souberam, moradores do bairro
saíram às ruas em protesto. A pressão foi tanta que a figueira não só escapou do
corte como ainda acabou tombada pela prefeitura. O projeto foi adaptado, e a
figueira está lá até hoje.
• A vasta área verde que fica no sopé do Morro Dois Irmãos perigava abrigar um
hotel e dois prédios. Depois de muita pressão popular, a prefeitura fechou um
acordo com o dono do terreno, o empresário Antonio Galdeano. Ele foi autorizado
a construir além do gabarito em outro terreno que possui. E a cidade ficou com o
verde. Em 2000, o lugar virou parque.
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