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Pílulas Críticas

XIV Panorama Internacional Coisa de
Cinema

Onde negros – e mulheres – não tem vez [Vazante, Daniela Thomas, 2017]


Publicado em 11 11+00:00 novembro 11+00:00 2017 por pilulascriticaspanorama

por Hildon Carade

“Eu não entendo o que esse negro diz. Cadê o seu senhor?”. A frase, dita pelo protagonista Antônio (Adriano
Carvalho), no decorrer de “Vazante”, pode muito bem sintetizar o quadro que o filme procura construir acerca do
Brasil colonial: um país onde a vida dos escravizados e, também, das mulheres giravam em torno dos desejos e do
poder do homem branco.

A trama dirigida por Daniela Thomas ocorre em Serra Diamantina, Minas Gerais, em 1821, período em que o ciclo
minerador estava em franco declínio. A autora optou por contar sua história sob uma estética de contenção: não
há trilha sonora, tampouco imagens que despertem empatia para com a ambientação. Minimalista, o roteiro
insinua mais do que diz. Não há arroubos dramáticos, contribuindo para certa sensação de enfado, algo que,
inclusive, compromete o engajamento à narrativa.

A diretora assume o ponto de vista branco para contar a sua história. A narrativa acompanha o tropeiro português
Antônio que, após perder sua primeira esposa, consegue o dote de um menina de 12 anos, Beatriz (Luana Nastas).
Ao redor dele e de sua fazenda, em processo de estiolamento econômico, circulam levas e mais levas de
escravizados, em constante diáspora para lugares mais rentáveis economicamente. É curioso o painel retratado
por Thomas: enquanto negros estão presos à terra (a cena em que um africano come dela, em termos literais, é
emblemático disso), mulheres estão restritas à esfera doméstica, absortas e em constante espera pelos maridos.

Uma cena do início do filme anuncia, em termos metafóricos, o final trágico que está por vir. Nela, Antônio
aparece em um riacho tentando se livrar da sujeira em roupa branca a qual ele pretendia presentear a esposa
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interpretado como algo a macular a pureza do branco. É exatamente o que acontece no desenrolar da trama.
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Ao selar o acordo que transformaria Beatriz na segunda esposa de Antônio, a família da última resolve se mudar
da fazenda. Assim, a menina, juntamente com sua avó senil e o próprio Antônio, se tornam os únicos brancos em
toda aquela propriedade. Solitária, a adolescente, inadvertidamente, transgride os limites da esfera doméstica a
qual deveria se reservar e passa a frequentar a senzala e o milharal. Nessas plantações de milho, eclode a paixão –
contidamente retratada em tela – entre ela e o garoto negro Virgílio (Vinicius dos Anjos), cuja mãe era
diuturnamente violentada por Antônio. Seriam mundos, pois, que não deveriam entrar em contato, uma vez que a
tão decantada mestiçagem, que seria o nosso maior cartão de visitas, só era admitida através de uma via: a cópula,
quase sempre violenta, entre o homem branco e a mulher negra.

E assim, Daniela Thomas parece mostrar um lugar onde a tão propalada democracia racial não teria vez. E mesmo
o mundo dos negros era totalmente apartado do mundo dos brancos, o que questiona o argumento de Gilberto
Freyre acerca do diálogo cultural que teria ocorrido entre as duas raças. A frase que abre esse texto foi dita no
contexto em que Antônio não consegue entender o que berra em seu idioma nativo um africano acorrentado.
Provocativamente, durante o filme, sempre que uma voz negra aparece em tom mais altivo, os brancos e,
consequentemente, o espectador, nada entendem, porque ela é verbalizada em línguas africanas. Nas demais
cenas essa voz surge de maneira mais subserviente, ocultando segredos e abafando intrigas.

Essa opção estética, que também é política, pode ser entendida como uma reafirmação do negro como mero
coadjuvante dos brancos. Para mim, a autora quis expressar a perda da agência dos escravizados durante o
período colonial, algo praticamente impossível de se reconstituir no presente, porquanto o material
historiográfico a nosso dispor quase sempre retrata a história pelo ponto de vista dos vencedores. Enfim, se nós
espectadores também não entendemos o que os africanos dizem é porque as nossas próprias categorias de
pensamento foram colonizadas pela língua portuguesa. Tudo se passa como se a diretora estivesse nos convidando
a enxergar a máscara branca contida na pele, negra ou não, de cada um de nós. Daí o incômodo.

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