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Resumo
O artigo analisa as concepções particulares, defendidas tanto por profissionais da educação (em
suas posições individuais) como por instituições de ensino, no entorno da proposta construtivista
de ensino-aprendizagem. Em confronto com as acepções tomadas particularmente sobre o tema,
apresenta-se elementos substanciais, retirados do cerne das obras de Lev Vygotsky e Jean Piaget,
com o propósito de colocar em evidência o sentido e o significado da relação sujeito/meio ambiente
no processo de construção do conhecimento.
Palavras-chave: Construtivismo; Sócio-Interacionismo; Interdisciplinaridade; Protagonismo discente.
Abstract
The article analyzes the particular conceptions, defended in such a way for professionals of the
education (in its individual position) as for education institutions, when they are mentioned the
teach-learning proposal constructivist. In confrontation with the meanings taken particularly on
the subject, one presents substantial elements, removed of essence of the workmanships of Lev
Vygotsky and Jean Piaget, with the intention to place in evidence the direction and meaning of the
subject relation environment in the process of construction of the knowledge.
Key words: Constructivist; Partner-Interaction Concepts; Interdisciplinarity; Learning Protagom.
1
Pedagogo, mestrando em Educação pela UFPE. Professor Substituto da Universidade Federal de Pernambuco – Departamento de
Psicologia e Orientação Educacionais. E-mail: edsonprofessor@uol.com.br
colocando-os na posição de sujeitos au- do o deafio diz respeito aos níveis de ensino
tônomos, no sentido extremo de atuarem mais elevados e as áreas de conhecimento
espontaneamente na aquisição dos conte- mais complexas. Nesses casos, o mais óbvio
údos, pode ser ousado de mais e até in- é que os alunos necessitem de um apoio, de
concebível quando se trata da complexida- uma mediação, não sendo, portanto, sufi-
de dos conhecimentos que a escola tem o ciente apenas uma atitude espontânea e
compromisso de socializar. solitária.
É imperativo que admitamos o grau Essas são reflexões óbvias e que não
de complexidade que muitos dos conteúdos há aqui uma intenção de colocar em xeque
escolares comportam. E isso significa que a importância de tais atitudes diante do
nem toda informação disposta nas litera- processo de aquisição do conhecimento. No
turas das diversas áreas de conhecimen- entanto, é também verdade a necessidade
to será absorvida pelos alunos a partir de de se ponderar sobre o sentido desse com-
uma interação puramente espontânea dos portamento espontâneo quando nos referi-
mesmos. Como também, considerar que os mos ao que é e o que não é possível alcan-
alunos perceberão os conflitos sempre que çar na apropriação do conteúdo difundido
uma nova informação interpelar seus es- pelo sistema escolar. Cabe, então, focarmos
quemas já sedimentados não constitui uma a relevante contribuição de Piaget e sua te-
expectativa que concorre indubitavelmente oria construtivista, baseada, sobretudo, em
para sua realização. Como diz César Coll: seu sujeito solitário e na sua atuação es-
pontânea, como uma sugestão para os pla-
Esse modelo, que pode servir para
nejamentos, através dos quais se pretende
adquirir alguns conhecimentos ge-
rais que aparecem – sobretudo nas instigar a iniciativa do aluno, seu potencial
primeiras etapas do desenvolvi- criativo e sua capacidade ideativa.
mento – em todos os sujeitos e que
ocorrem em condições mínimas de Sem sombra de dúvidas esses ele-
interação, é incapaz de explicar as mentos concernentes a formação do sujeito
condições de aprendizagens mais “autônomo”, que busca a todo momento
específicas, culturalmente selecio-
nadas para a escola. Esses últimos uma intervenção no seu meio social, como
não somente demandam a inter- sujeito político, coincide com os propósitos
venção de fatores específicos liga- que ainda estão na ordem do dia, quando
dos à natureza do conteúdo, como se pensa o fim maior do processo educativo
também demandam ser levados em formal e sistemático da escola.
consideração outros mecanismos
de natureza social e cultural (Coll, A proposta sócio-interacionista de
2000, p.256).
ensino-aprendizagem em Vygotsky
Há de se convir que em muitos casos Todas as funções no desenvolvimen-
os indivíduos, numa atitude espontânea e to da criança aparecem duas vezes:
solitária, nem perceberão o conflito por não primeiro, no nível social, e depois,
no nível individual; primeiro entre as
tomarem consciência do mesmo, nem dis-
pessoas (interpsicológica), e depois,
cernirão entre o que prepondera entre seus no interior da criança (intrapsicoló-
esquemas e a nova informação em processo gica). (Vygotsky, 1984, p. 64).
de assimilação.
Não é este o lugar para fazer uma
Situação ainda mais complicada é a síntese de valor, mesmo que breve, da te-
superação do conflito pelo indivíduo quan- oria geral desse grande autor do campo da
damentais de cada indivíduo inserido nos trabalho interdisciplinar consiste numa in-
processos educativos, por um lado, sua ca- ter-relação entre os fatores correlacionados
pacidade de agir espontaneamente diante com o processo de ensino-aprendizagem,
dos conflitos, por outro lado, sua disposi- por isso, coloca-se a busca como ponto de
ção para interagir com os outros sujeitos partida para articulação do trabalho peda-
que partilham desse processo. A partir des- gógico que se pretende implementar.
se entendimento, buscamos caracterizar a
Desta feita, entende-se como Atitude
interdisciplinaridade como um dos atribu-
de Busca, todo o levantamento dos aspectos
tos da proposta construtivista de ensino.
que vão incidir no mecanismo de assimila-
A interdisciplinaridade é o proces- ção das informações pelo alunado. Desta
so que envolve a integração e engajamento feita, a metodologia do trabalho interdis-
de educadores num trabalho conjunto de ciplinar supõe: integração de conteúdos;
interação das disciplinas do currículo es- passagem de uma concepção fragmentária
colar entre si e com a realidade, de modo para uma concepção unitária do conheci-
a superar a fragmentação do ensino, ob- mento; superação da dicotomia entre en-
jetivando a formação integral do aluno, a sino e pesquisa, considerando o estudo e
fim de que possam exercer criticamente a a pesquisa a partir da contribuição das di-
cidadania, mediante uma visão global de versas ciências; ensino-aprendizagem cen-
mundo e serem capazes de enfrentar os trado numa visão de que aprendemos ao
problemas complexos, amplos e globais da longo de toda vida.
realidade atual.
Assim, entende-se todo esforço
Assim, a atitude interdisciplinar orientado por uma intenção de construção
visa garantir a construção de um conhe- do conhecimento como parte de um pro-
cimento globalizante, rompendo com as cesso caracterizado por estágios sucessivos
fronteiras das disciplinas. Para isso, inte- de significação cada vez mais ampla, que
grar conteúdos não seria suficiente, toda- vai abrangendo o entendimento dos pro-
via, a perspectiva conteudista de ensino fessores e alunos na compreensão dos me-
que é implementada nas escolas em geral, canismos que unem os fatos aos contextos
aqui sendo enfatizada a rede pública, re- - objetos de estudos das diversas áreas de
flete a preocupação do sistema de ensino conhecimento. O primeiro momento nesse
em garantir um modelo de tendência pe- processo é a construção de um trabalho
dagógica voltado para a política de “Edu- de equipe, pelo estabelecimento do diálogo
cação Bancária”, onde serão depositados, entre professores de modo que conheçam
no aluno, todo conhecimento teórico, sem, os respectivos trabalhos. À medida que
ao menos explicar-lhe o processo, meca- esse entendimento é conseguido, percebe-
nismo e circunstância em que ocorreram o se que apenas esta iniciativa não basta,
fato em estudo. que é necessário questionar o próprio co-
nhecimento e a forma como é produzido e
Para Moacir Gadotti (1998), a ação
trabalhado.
que redireciona essa postura conteudista
de ensino é a prática pedagógica interdis- A ação pedagógica através da inter-
ciplinar, entendida como atitude de busca, disciplinaridade aponta para a construção
envolvimento, compromisso, reciprocidade de uma escola participativa e decisiva na
diante do conhecimento. Percebe-se que o formação do sujeito social. É necessário,
se processa o ato pedagógico escolar. Como pia da realidade exterior e que era adquiri-
também, não se trata de abolir o planeja- do por meio dos sentidos – empirismo – e
mento, as metodologias e a disciplina. Isto os que defendiam que o conhecimento era
não seria construtivismo seria desordem e inato – inatismo – nesse contexto, Piaget
regresso do processo de escolarização ao propõe uma terceira alternativa. Defendia
nível assistemático e informal. que o conhecimento vai sendo construído
– não é inato – e que, nessa construção, o
Portanto, a proposta construtivista
indivíduo tem um papel essencial. A aqui-
de ensino requer organização, compromis-
sição do conhecimento não é simplesmente
so, noção de onde se pretende chegar, pois
uma cópia da realidade como os empiristas
é inconcebível pensar uma construção, na crêem. “Dá uma base empírica às suas pre-
qual todo dia significa o início da obra, é ocupações epistemológicas e, por isso, inte-
preciso, de fato, reiniciar todo dia, mas de ressa-se pela psicologia, sobretudo àquela
onde já se conquistou, rumo a uma forma- que lhe permite seguir o processo de evo-
ção consistente, sustentada pelos pilares lução dos conhecimentos ao longo da vida”
da razão e da tomada de consciência coti- (Coll, 2000: p.250).
diana sobre o objeto de conhecimento.
4. “(...) atuar no sentido piagetiano
não se pode traduzir, necessariamente, por
ações e movimentos externos e visíveis.
Notas:
Esse poderia ser o caso das crianças pe-
1. Piaget e Vygotsky têm grande re- quenas, que de alguma maneira necessi-
levância para os estudos sobre desenvol- tam manipular a realidade que as envolve
vimento humano. No entanto, o primeiro para poder entendê-la” (Coll, 2000: p.250).
teve o sujeito epistêmico como preocupação
central, voltando seus estudos aos proces- 5. O processo de equilibração, a par-
sos de pensamento desde a infância até a tir do que pressupõe o conjunto da obra de
idade adulta. O segundo concentra seus Piaget, diz respeito a um mecanismo inter-
trabalhos na busca de explicar como se no que regula os processos de assimilação
dá o desenvolvimento humano-cultural da e acomodação em cada indivíduo. É assim
criança, ou a aquisição dos sistemas e es- que, segundo a leitura desse autor, nos
tratégias de mediação. adaptamos biologicamente ao mundo que
nos cerca, o desenvolvimento da mente –
2. Vários autores têm se preocupado desenvolvimento intelectual.
em explicar as temáticas entre eles: Emilia
6. (...) É interessante desenvolver-
Ferreiro (2001) e Ana Teberovsky (1997).
mos aqui como o indivíduo responde ao
3. O epistemólogo Jean Piaget (1896 processo de desequilíbrios. Segundo Juan
– 1980) interessa-se desde cedo pelas ques- Ignácio Pozo, as respostas podem ser não-
tões epistemológicas - Como é possível o adaptativas quando na ausência da toma-
conhecimento? Como se pode passar de da de consciência do conflito, isto é, não le-
um conhecimento menor a um maior? Que var a perturbação ao estágio de conflito. Já
papel tem o individuo no ato do conheci- nas respostas adaptativas o sujeito é cons-
mento? Naquela época, a epistemologia es- ciente da perturbação e busca maneiras de
tava dividida entre os que defendiam que resolvê-las. Estas podem ser do tipo: alfa
o conhecimento era simplesmente uma có- – a regulação não indica mudança, visto
ser a perturbação muito leve; beta – o ele- _______. Escola cidadã. São Paulo: Cortez,
mento perturbador integra-se ao sistema 1993.
de conhecimento; gama – antecipação das
GROSSI, Esther (org). Paixão de Aprender.
possíveis variações que deixam de ser per-
Petrópolis: Vozes, 1992.
turbações para converter-se em parte do
jogo de transformações do sistema. (Pozo, PIAGET, Jean. A formação do símbolo na
1998: p.181). criança: imitação, jogo e sonho, imagem e re-
presentação. 2a ed. Rio de Janeiro: Zahar,
7. A afirmação de Piaget de que todo
1975.
conhecimento adquirido pelo indivíduo, que
passou como uma visão radical aos psi- PIAGET, Jean. A construção do real na
cólogos americanos quarenta anos atrás, criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1970.
atualmente é amplamente aceito. Hoje, os
cientistas cognitivistas partilham da idéia ______. Aprendizagem e conhecimento. Rio
de que o conhecimento é construído pelos de Janeiro: Freitas Bastos, 1974.
alunos. (Wadsworth, 1997) ______. Psicologia da inteligência. 2a.ed. Rio
de Janeiro: Fundo de Cultura, 1967.