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Agravo de Instrumento n. 2005.031925-8, da Capital.

Relator: Des. Cid Goulart.

AGRAVO DE INSTRUMENTO – ALIMENTOS TRANSGÊNICOS –


DIREITO BÁSICO À INFORMAÇÃO, INDEPENDENTEMENTE DA
QUANTIDADE DOS ORGANISMOS MODIFICADOS CONTIDOS NO
PRODUTO - RECURSO DESPROVIDO
Inexiste fumus boni juris a ensejar a suspensão da Lei Estadual n.
12.128/2002, que em seu art. 2º estabelece que “Os produtos
alimentícios que contenham ou provenham de organismos
geneticamente modificados e seus derivados somente serão
industrializados e/ou disponibilizados em estabelecimentos comerciais,
no Estado de Santa Catarina, caso expressem no recipiente, embalagem
e rótulo, a informação de que no seu processo produtivo utilizaram-se
técnicas transgênicas”, considerando que a informação sobre os produtos
colocados no mercado de consumo é um dos direitos básicos do
consumidor.
Por conseguinte, ainda que não haja estudos precisos quanto aos
benefícios ou malefícios dos organismos geneticamente modificados, por
cautela e, em respeito aos postulados insertos no Código de Defesa do
Consumidor, não há como negar, ao menos nessa fase processual, a
aplicabilidade da legislação estadual impugnada.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de
Instrumento n. 2005.031925-8, da Comarca da Capital, em que é
agravante a Nestlé Brasil Ltda, e agravado o Estado de Santa Catarina:
ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Público, por votação
unânime, negar provimento ao recurso.
Custas na forma da lei.

I- RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo


ativo, interposto pela Nestlé Brasil Ltda, inconformada com a decisão interlocutória de fls.
208/210, que indeferiu o seu pedido de tutela inibitória, nos autos de Ação Declatória de
Inexistência de Relação Jurídica.

Na decisão recorrida, o Meritíssimo Juiz julgou improcedente a


providência postulada, porque entendeu que a Lei Estadual n. 12.128/02 que, em seu art. 2º,
estabelece que “Os produtos alimentícios que contenham ou provenham de organismos
geneticamente modificados e seus derivados somente serão industrializados e/ou
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disponibilizados em estabelecimentos comerciais, no Estado de Santa Catarina, caso expressem


no recipiente, embalagem e rótulo, a informação de que no seu processo produtivo utilizaram-se
técnicas transgênicas”, independentemente de seu percentual, não viola o Decreto Federal n.
4.682/03, o qual determina tal providência somente se houver a presença de organismo
transgênico acima do limite de 1% (um por cento) do produto. Para o julgador, a lei estadual
catarinense legislou nos moldes da Constituição Federal, haja vista que a competência para
legislar sobre direito do consumidor seria concorrente entre a União e o Estado. Por outro lado,
negou a eficácia ao Decreto, sob o fundamento de que extrapolou a sua matéria regulamentar,
colidindo com o Código de Defesa do Consumidor. (fls. 206/210)

O agravante, em suas razões recursais, argumentou que a decisão


incorreu em erro, porquanto, em seu entendimento, a superveniência do Decreto Federal n.
4.682/03, o qual estipulou que somente os produtos que contivessem mais de 1% (um por cento)
de organismos transgênicos deveriam conter em seus recipientes informação sobre a sua rigem,
suspendeu a eficácia da Lei estadual n. 12.128/02, a qual determina que os produtos que
contenham organismos geneticamente modificados, independentemente da quantidade (ou seja,
podendo ser inferior a 1%), deverão conter em seus rótulos e embalagens a aludida informação.
Sustentou, outrossim, que a Lei Estadual n. 12.128/02 é inconstitucional, pois a matéria regulada
em seu teor seria de alçada da União.

Regularmente intimado, o Estado de Santa Catarina ofertou suas contra-


razões, defendendo a legalidade da legislação estadual, pugnando, ao final, pela manutenção da
decisão vergastada. (fls. 224/228)

O efeito suspensivo ativo almejado restou indeferido (fls. 216/218).

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do


Excelentíssimo Senhor Doutor Raulino Jacó Brüning, manifestou-se pelo desprovimento do
agravo (fls. 231/234).

É a síntese do essencial.

II - VOTO

Compulsando os autos, tem-se que o agravo de instrumento interposto


deve ser conhecido, porém desprovido, por não haver plausibilidade de que as alegações tecidas
pela parte agravante possam prosperar.

O cerne da quaestio consiste em verificar se o art. 2º da Lei Estadual n.


12.128/2002, está em consonância com a Constituição Federal, bem como se é compatível com o

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Decreto Federal n. 4.682/03.

De acordo com o art. 2º da Lei Estadual n. 12.128/02, “Os produtos


alimentícios que contenham ou provenham de organismos geneticamente modificados e seus
derivados somente serão industrializados e/ou disponibilizados em estabelecimentos comerciais,
no Estado de Santa Catarina, caso expressem no recipiente, embalagem e rótulo, a informação
de que no seu processo produtivo utilizaram-se técnicas transgênicas”.

O art. 2º, do Decreto Federal 4.682/2003, por seu turno, determina que
“Na comercialização de alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou
animal que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modificados,
com presença acima do limite de um por cento do produto, o consumidor deverá ser informado da
natureza transgênica desse produto”.

Pois bem, cotejando-se as duas normas supracitadas, observa-se que a


Lei Estadual só permite a comercialização de produtos que contenham organismos
geneticamente modificados se houver em seus rótulos e embalagens informações de que utilizam
a técnica transgênica, independentemente da quantidade do organismo modificado. O Decreto
Federal - que foi editado em data posterior -, contudo, estabeleceu que só haverá a necessidade
de ofertar a informação, se porventura o produto tiver mais de 1% de organismos transgênicos.

A parte agravante levantou a tese de que a matéria regulada pela Lei


Estadual n. 12.128/02 deveria ter sua eficácia suspensa, em razão da superveniência do Decreto
Federal, que regulou o assunto contido na legislação estadual, fundamentando-se no art. 24, § 4º,
da Constituição Federal de 1988, segundo o qual “A superveniência da lei federal sobre normas
gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário”. Sustentou, também, a
inconstitucionalidade da Lei Barriga Verde.

Todavia, razão não lhe assiste.

A competência para legislar sobre consumo é concorrente entre a União,


o Distrito Federal e os Estados, nos termos do art. 24, inciso V, da Carta Republicana. Mas, a
competência dos Estados, nas situações elencadas no art. 24 da Constituição, serve para
suplementar a competência da União, ou seja, para abordar questões específicas do Estado
Membro. Só haverá a competência legislativa plena dos Estados, se inexistir lei federal regulando
a matéria, consoante art. 24, § 3º, da Constituição Cidadã.

Analisando a Lei Estadual n. 12.128/02, vislumbra-se que o assunto


tratado em seu art. 2º diz respeito a questões específicas do Estado de Santa Catarina, pois a

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exigência de informação dos produtos industrializados e comercializados no Estado que


contenham organismos geneticamente modificados é uma forma de acautelar e resguardar o
consumidor que pretende adquirir bens alimentícios disponibilizados no território catarinense.

Assim, o Estado de Santa Catarina, ao promulgar a Lei n. 12.128/02,


apenas exerceu a faculdade de suplementar a competência geral da União, que está prevista no
Código de Defesa do Consumidor, mais precisamente em seu art. 6º, inciso III, que estabelece
como um dos direitos básicos do consumidor “a informação adequada e clara sobre os diferentes
produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, qualidade e preço, bem como
sobre os riscos que apresentem”.

O direito à informação está previsto, também, em outros dispositivos da


legislação consumerista, in verbis:

Art. 8º - Os produtos e serviços colocados no mercado de


consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos
consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em
decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores,
em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a
seu respeito.

E ainda:
Art. 9º - O fornecedor de produtos e serviços potencialmente
nocivos ou perigosos à saúde ou segurança deverá informar, de maneira
ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade,
sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso
concreto.
No que concerne ao Decreto Federal n. 4.682/03, concluo, em princípio,
que está desprovido de eficácia, pois ao exigir que somente os produtos que registrem a
presença superior a 1% (um por cento) de organismos geneticamente modificados contenham em
seus rótulos a respectiva informação, está ocultando do consumidor a indispensável informação
quanto àqueles produtos que, embora geneticamente modificados, sejam inferiores ao percentual
mínimo previsto no Decreto, qual seja, 1%.

Não se está afirmando, aqui, que os alimentos geneticamente


modificados sejam prejudiciais à saúde. No entanto, tendo em vista que a alimentação
transgênica é recente no cenário mundial, não havendo estudos precisos quanto aos seus riscos
e benefícios, é prudente que o consumidor seja alertado quanto à comercialização dos produtos
geneticamente modificados, sobretudo porque há estudos que revelam que tais substâncias
podem lesar a saúde humana.

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Se os estudos não indicam, com segurança, que tais alimentos não


prejudicam a saúde dos seres humanos, não há razão para encobrir a origem transgênica do
produto, ainda que o percentual seja inferior a 1% (um por cento).

Aliás, como bem pondera Cláudia Lima Marques, Antônio Herman


Benjamin e Bruno Miragem:

é direito do consumidor a informação sobre os riscos dos produtos


que ingere, sejam corantes, açúcares ou transgênicos (organismos
geneticamente modificados), estejam esses elementos nos produtos ou
em seus ingredientes, em qualquer quantidade identificada pela ciência.
Como o art. 8º proíbe a colocação no mercado e exige a informação,
parece-nos que as regras até agora produzidas para a identificação dos
transgênicos apenas se superiores a 4% por ingrediente estão contra o
espírito do CDC. A proibição ex vi lege (a inverter o ônus da prova) é
geral e total. (grifou-se) (BENJAMIN, Antônio Herman et al. Comentários
ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2003, p. 201)
No mesmo sentido, vale transcrever trecho das notas taquigráficas
extraídas da palestra proferida por Nelson Nery Júnior:

Tenho o direito básico, sim, de saber que aquele alimento que


estou comendo é transgênico: ele foi modificado. O Código do
Consumidor exige que na rotulagem haja uma especificação didática.
Não é apenas se colocar um nome técnico, químico ou científico, porque
o consumidor não vai entender absolutamente nada. Deve-se colocar de
forma didática na rotulagem do produto: trata-se de um alimento
modificado. O alimento transgênico é aquele que não existia na natureza
e foi criado pela intervenção do homem: o consumidor tem de saber
isso. Ele tem esse direito inalienável. Mas os produtores que pretendem
incluir na economia brasileira esse alimento transgênico não toleram
essa idéia. Por que não toleram a idéia, se é uma coisa absolutamente
normal? Estou produzindo um produto. Por que não colocar no rótulo de
onde ele veio, qual sua fórmula, qual a sua natureza, e assim por
diante? Por que essa resistência injustificada a se colocar, na rotulagem
de um produto, que ele é transgênico? É o mínimo que podemos exigir
dos poderes constituintes e, também, na hora da repressão, do Poder
Judiciário, pelo menos, esse piso de garantia básica do consumidor, que
é o direito de ser informado a respeito do que está consumindo. Para ele
ser esclarecido, ele tem o direito básico de educação, não só de
rotulagem, mas tem de se explicar o que significa. Ainda não há
comprovação científica se esse alimento transgênico faz mal ou não
para a saúde. Portanto, o risco é por conta de quem o ingere. O
consumidor tem de ter esses esclarecimentos. Isso está diretamente
ligado à questão da biodiversidade, já que a mutação transgênica é um

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daqueles níveis que encerram o conceito da biodiversidade (NERY


JÚNIOR, Nelson. Proteção jurídica da biodiversidade. Revista CEJ,
número 08, agosto/1999, painel 9. In:
http://www.cjf.gov.br/revista/numero8/painel91.htm. Acesso: 27 mar
2006.)
Assim, em princípio, observo o Poder Executivo, ao expedir o Decreto
Federal n. 4.682/2003, não se pautou de forma plena nos princípios que norteiam o Código de
Defesa do Consumidor, mormente àquele referente ao direito à informação.

Por outro lado, no que toca à alegação de inconstitucionalidade da Lei


Estadual n. 12.128/02, também não assiste razão à agravante, eis que tal legislação, ao
regulamentar a informação de produtos transgênicos comercializados em Santa Catarina, está
dispondo sobre assuntos suplementares da legislação federal (Código de Defesa do
Consumidor), o que é permitido pela Constituição Federal vigente, mais precisamente em seu art.
24, inciso V.

Apenas para reforçar, transcrevo o seguinte julgado proferido por este


Colendo Tribunal de Justiça:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA -


CONCESSÃO DA LIMINAR - PROIBIÇÃO DE COMERCIALIZAÇÃO DE
PRODUTOS COM ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS
(OGM) SEM A DEVIDA INFORMAÇÃO NO RÓTULO - PRESENÇA DO
FUMUS BONI JURIS E DO PERICULUM IN MORA - ALEGADA
INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI ESTADUAL N. 12.128/02 -
IRRELEVÂNCIA - DIREITO ALBERGADO NO CÓDIGO DE DEFESA
DO CONSUMIDOR E NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - PROTEÇÃO À
SAÚDE E À INFORMAÇÃO DO CONSUMIDOR - DIREITO
CONSTITUCIONAL FUNDAMENTAL - ART. 5º, XXXII, DA CF -
RECURSO DESPROVIDO.
A presença do binômio fumus boni juris e periculum in mora enseja
o deferimento da medida liminar na ação civil pública, mormente quando
trata da defesa dos direitos fundamentais (direito à informação, à
proteção e à saúde do consumidor) elencados no Código de Defesa do
Consumidor e na Constituição Federal.
Não há contrariedade entre o Decreto Federal n. 4.680/03 e a Lei
Estadual n. 12.128/02, porquanto ambas legislações dispõem sobre o
direito à informação; porém, com uma pequena diferença: enquanto a lei
federal fixa limite de incidência (1% - um por cento) de organismos
geneticamente modificados (OGM) nos produtos comercializados para a
obrigatoriedade da informação no rótulo, a lei estadual foi silente, não
sendo causa de inconstitucionalidade, porquanto é permitido ao
legislador estadual certa amplitude e liberalidade nas matérias de
competência concorrente, versando a legislação federal sobre normais

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gerais e legislação estadual sobre normas específicas (art. 24 da CF)”.


(TJSC, Agravo de Instrumento n. 2003.029271-3, Rel Des. Rui Fortes, J.
13/04/2004)
Ante o exposto, nego provimento ao recurso interposto, mantendo
incólume a decisão ora objurgada.

III - DECISÃO:

Nos termos do voto do relator, por votação unânime, negaram provimento


ao recurso.

Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores


Desembargadores Orli Rodrigues e Jaime Ramos.

Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça lavrou parecer o Excelentíssimo


Senhor Doutor Raulino Jacó Brüning.

Florianópolis, 25 de abril de 2006.

Orli Rodrigues
PRESIDENTE COM VOTO
Cid Goulart
RELATOR

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