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NATALIA RAMOS
HUMOR NO HOSPITAL
São Paulo SP
Agosto de 2015
1
HOSPITAL ISRAELITA ALBERT EINSTEIN
NATALIA RAMOS
HUMOR NO HOSPITAL
São Paulo SP
Agosto de 2015
2
Resumo: O desamparo e o medo da morte são vividos acentuadamente no ambiente
hospitalar desenvolvendo uma constelação de acontecimentos. O presente trabalho se propôs
a investigar a possibilidade do desamparo ser sublimado com o fenômeno humorístico como
um recurso se este fizer parte do ambiente hospitalar. Abrindo assim um lugar de reconstrução
ativa, criação de laço social para o paciente e questionamento de sua posição. Ao investigar o
fenômeno humorístico como recurso de intervenções em saúde agregamos autores
contemporâneos em psicanalise freudiana e suas relevantes contribuições, pesquisando
registros destes psicanalistas que debatam sobre o tema hospital, saúde e humor. Os
articulamos entre si no contexto social afim de buscar uma correlação entre a tríade. A teoria
freudiana fundamenta e explica o recurso humorístico como um mecanismo de intervenções
salutares.
3
Índice
Introdução ..................................................................... 4
1 Hospital, um ambiente asséptico .............................. 6
1.1 Desamparo e psicanálise no hospital ........................7
1.2 Witz e o fenômeno humorístico .............................9
2 Humor ............. .........................................................11
2.1 Humor Lúdico e luto ..............................................13
2.2 Desidealização e sublimação ..................................15
2.3 Humor na clínica ...................................................16
3 Conclusão ................................................................. 17
Citações ...................................................................... 19
4
Introdução
Este pequeno recorte sobre um estudo do humor nasceu da curiosidade de uma
pergunta feita pela autora ao seu professor de psicologia, no ano de 2006 em uma disciplina
chamada Humor na psicanálise. Na qual a autora disse ao professor: - Mas Aristóteles não
auferiu que a única diferença entre a tragédia e a comédia é o riso? Seu dito professor na
época, muito afetuoso e complacente lhe disse espirituosamente “Nunca saberemos, o livro
que Aristóteles escreveu sobre a comédia foi perdido, temos somente o registro.” Portanto
partiremos deste ponto: não há conclusões absolutas sobre o humor assim como não há
verdades absolutas sobre a dor.
Em 2014, no 41º Internacional Exhibition of Humor -apresentado no Brasil- os países
campeões de expressões humorísticas eram o Brasil, Irã, Iraque e Ucrânia. Países
ultrapassando momentos de violência, segregação, sendo alvos de empoderamento político.
Era o momento para furtar-se pensando: o que é o humor? E por que as pessoas humoradas
estão dispostas com maior facilidade a uma nova criação frente a estas diversas adversidades?
“O humor é um dom precioso e raro!” 1 assim Freud diz em seus estudos sobre o
humor. É o humor que capta a fragilidade humana, seus conflitos, sua finitude, sua dor e seu
sofrimento e dali sai com um dito espirituoso que faz rir de si mesmos, ou com o outro. Ele
revela nossas contradições, nossas falhas, nossas imperfeições com graça. Através do humor,
todo poder constituído é engraçado, as teorias perdem sua pomposidade, as religiões, as
ideologias mostram sua face frágil e nua. 2
O humor tem múltiplas concepções atuais, o que traz seu traço indelével de
incompreensão, porém ao afunilar o conceito na perspectiva freudiana o humor tem uma
dimensão trágica. Desta perspectiva humor é negro - de sofrimento, morte ou angústia
iminente. Se nesta concepção o humor implica a morte, haveria lugar e fundamento para ele
agir no hospital?
A investigação do presente trabalho é buscar um consenso teórico por uma
comparação entre tragédias presentes em um ambiente (o hospitalar) que suscita o desamparo
e a morte, conjugado com um mecanismo sublimatório de angústias: o humor.
Aproximando o que não sabemos sobre a morte e o que sabemos sobre o ambiente
hospitalar, será que um lugar que amplifica as angústias do psiquismo humano, e o desespero
frente ao desconhecido, pode se valer de recursos humorísticos sob a perspectiva freudiana?
Uma criança de 10 anos, passando sua infância em diversos episódios hospitalizada,
era estudante de um colégio católico e foi visitada por suas professoras freiras enquanto
estava no leito. Após ter rezado com elas, se vira para os pais e diz sorrindo em tom maroto:
5
“eu sou ateu – rindo de lado- mas rezo pra fazer uma social” e sente uma gargalhada invadir o
quarto que estava lhe acolhendo. A criança a intermédio do humor, assim como do lúdico,
destruiu com graça o medo de estar em um hospital e cerceado por uma religião a qual não
acredita. Ele estava rindo com a vida e não rindo da vida. Pois rir da vida seria uma ironia,
tema para outra investigação.
Observamos que o trabalho clínico hospitalar traz reflexões pessoais, profissionais e
institucionais de especial relevância, devido à relação próxima com a sexualidade, o
adoecimento e a morte. O humor enquanto desconstrução de poder está exemplificado através
de uma desmontagem social promovida pela aplicação deste, propiciando a circulação e a
abertura de novas vias de discurso. 3
Neste trabalho lembramos de Bebel Gil interpretando “Samba da Benção” de Vinícius
de Moraes. “Alegria é a melhor coisa que existe, é melhor ser alegre que ser triste (...) fazer
samba não é como contar piada.” Vamos saber o por quê. Vale a pena lembrar que a palavra
alemã Freude significa alegria; o pai da psicanálise prescindia graça no nome. Mas isto ainda
é um assunto para outro trabalho.
O lugar acentua no paciente doenças idealizadas e que lhe impactam ameaçando sua
existência. Tornando difícil o manejo para uma equipe devolver o poder reconstrutivo
individual e conduzir o caso entre si nas internações hospitalares “Em sua forma mais
extremada, a angústia de separação é sentida como um estado de solidão total, acompanhado
pela ameaça de aniquilamento e desintegração”.4
O que nos faz buscar o hospital é a decadência de nosso corpo, o desamparo frente ao
desconhecido no ser humano 5. Ao buscar o atendimento hospitalar, não é só corpo que será
tratado, a angústia por extensão atinge a família, que participa do adoecer, de suas internações
e de seu restabelecimento. A situação também envolve a equipe no difícil processo de manejo
da angústia, que ao atuar no seu restabelecimento, pode absorver as dificuldades do paciente.
6
A hospitalização do paciente é um momento crítico e extremo, envolvendo uma constelação
de acontecimentos.
7
Explicando a teoria brevemente, partimos de 3 vertentes: a tópica, teoria dos lugares
psíquicos – a qual giram em torno os conceitos fundamentais da psicanálise freudiana; que
são o consciente, o inconsciente; id, ego e superego; a dinâmica, que diz respeito aos conflitos
psíquicos, como a que observaremos ao contar piadas e a concepção econômica, que diz
respeito às despesas aos gastos e afetos, as energias em jogo na sua própria constituição.
Falaremos dos conceitos inerentes, fundamentais ao trabalho, subjetivos, mas ditos de forma
objetiva.
O inconsciente é o horizonte do método psicanalítico. Inconsciente é aquilo que nos
habita sem que saibamos que nos habita, o que motiva nossos comportamentos e ações sem
que saibamos o que está efetivamente nos motivando. A pulsão é visto como um conceito
situado entre psíquico e o somático designando um impulso energético interno que direciona
o comportamento do indivíduo 8
Consideremos pelo estudo de Freud, que o homem é cindido por uma moral
civilizatória que consiste em suprimir pulsões agressivas e sexuais. Esta é a primeira
repressão da pulsão. A primeira barreira repressiva da pulsão deixa o ser humano em estado
de desamparo inicial, Freud chama de Hilflosigkeit 9. Esta repressão transmite para o
inconsciente um recorte do que precisou ser restrito para a vida em sociedade.
O que esta visão pretende compartilhar é que o hospital ocupando esse lugar, logo
promove a regressão infantil do estado de desamparo inicial, importante ver conceito de
8
Hilflosigkeit no fim do trabalho, “o efeito de desterritorialização promovida pelas pulsões no
psiquismo tendem a ser experimentadas como produtores do estado de desamparo
traumatizante para a subjetividade sendo que o paradoxo reside no fato de que esse mesmo
estado seria a condição para novos territórios existenciais (...) remeter ao seu estado de
desamparo constitucional é condição sine qua non para a criação”. 10
O chiste na obra freudiana é traduzido como piada, que revela parte do conteúdo
recalcado; com sentido ou nonsense.16 A piada é vista como uma leve elevação do recalcado
sexual e agressivo, de origem na moral civilizatória. Consideremos que há uma diferenciação
com gracejos, trocadilhos et cétera que diferenciam de humor.
O pai da psicanálise também era conhecido pelo humor em suas vivências. Em 1038 a
Aústria foi invadida pelo regime Nazista e Freud foi chamado pela GESTAPO para declarar
que não sofrera maus tratos. Freud concordou em assinar e acrescentou “ps.: Recomendo
altamente a Gestapo á todos.”
Os soldados não entregaram o documento, a ruptura pode ter sido promovida ou não
pelo bom senso, talvez senso do humor?
9
ao riso do que eles queriam fazer, criticar ou alterar na sociedade mas não podiam . Essa
mesma subversão feita por Chaplin é feita por Roberto Benigni, no filme “A Vida é Bela”.14
Quando o personagem judeu de Benigni é capturado junto com sua família para o
campo de concentração nazista, o jovem Judeu faz uma brincadeira com o filho. Para
amenizar o sofrimento daquele contexto, ele faz com que seu filho acredite que tudo é uma
grande brincadeira que se acumulam pontos para ganhar um troféu no final. Em uma das
cenas em que aparece com seu filho, o exilado judeu escuta a rádio nazista falando da
superioridade dos arianos e mimetiza rindo disto para e com o filho, como ele sendo um
ariano onipotente, brincando com o braço fazendo voltas ao redor do umbigo (o próprio
mundo).
O cineasta Roberto Benigni, produtor, coautor, diretor e ator do filme, ressalta “ O riso
nos salva. Ver o outro lado das coisas, o lado surrealista e divertido, ajuda quem não quer ser
pisado e esmigalhado como um graveto, ajuda a resistir à noite, mesmo que longa,
longuíssima."
Reparamos que todos os símbolos analisados em um fenômeno humorístico são os
mesmo que Freud aponta em seu artigo “A interpretação dos sonhos”.15-3 Para uma análise
mais profunda, este ponto mereceria maior atenção, deveríamos ter um estudo mais
elaborativo para esta correlação. Pois relevaríamos os símbolos oníricos representados nos
sonhos em analogia com as mensagens sexuais que o alvo de poder envia a pessoa que
manifesta o humor. Logo, isso seria um estudo mais abrangente que esta brevidade escrita
sobre a graça.15
Neste recorte, é de especial relevância lembrar que “Os Chistes e sua relação com
inconsciente” foi escrito por Freud em 1900, em paralelo com “A interpretação os sonhos”,
mas lançado em 1905. Pois com temor de perder o rigor científico exigido pela época, o pai
da psicanálise publicou a interpretação dos sonhos primeiro. 17.
Freud comenta sobre o riso como um dos efeitos regulares da intervenção salutar:
”Muitos de meus pacientes neuróticos, sob tratamento psicanalítico, demonstram
regularmente o hábito de confirmar algum fato pelo riso quando consigo dar-lhes um quadro
fiel de seu inconsciente, ocultado à percepção consciente; riem mesmo quando o conteúdo
desvelado não justifica absolutamente o riso. Tal fato sujeita-se, naturalmente, a uma
aproximação do material inconsciente, íntima bastante para captá-lo, depois que o médico o
detecta e o apresenta a ele. 12-1
10
Atualmente, na diáspora de psicanalistas contemporâneos discutindo o fenômeno
humorístico, as abordagens seguem diferentes concepções e aplicações tanto quanto que “para
uma abordagem mais exaustiva do fenômeno do ponto de vista de Freud dentre as inúmeras
obras de valor remeto à Kupermann” diz Marcus André Vieira. 18
Pode inferir que o humor requer um exercício intelectual de compreensão. Piada está
ligada ao riso direto pela suspensão de pulsões agressivas ou sexuais com alvo sendo minorias
segregadas. Por exemplo piadas sexistas, piadas de Português, piadas racistas et cétera.
O humor não quer suspender a moral civilizatório, ele quer destruir com graça e
despercebido. Um dos principais influentes na obra cômica de Freud, Henri Bergson, diz “O
humorista é um moralista disfarçado de sábio”.
2 Humor
Em 1905, Freud tece alguns comentários sobre o que ele considerava humor
preliminarmente: “é um meio de obter prazer, apesar dos afetos dolorosos que interferem com
ele; atua como um substitutivo para a liberação destes afetos, coloca-se no lugar deles [...] O
prazer do humor[...] procede de uma economia na despesa do afeto, ao custo de uma liberação
de afeto que não ocorre”[…] Freud considerava neste momento somente o aspecto econômico
da teoria da metapsicologia do psiquismo no humor. 12-3
Em 1927 ele retoma sobre o assunto e escreve reificando que humor tem uma
1-2
dimensão trágica, portanto o humor é negro (patibular) e neste trabalho aproximamos esta
trágica dimensão também encontrada em hospitais.
11
quer abarcar o fenômeno humorístico pela perspectiva psicanalítica freudiana como uma
referência à recursos de atuação e intervenção humorísticas para a saúde. Considerando todas
as obras de igual valor para melhor compreensão do psiquismo humano atribuída a Freud.
23
Por exemplo, o Dr Peter Doherty Adams se autoriza em dizer que em seu método
não é o termo banalizado de rir é o melhor remédio, mas sim o laço que se constrói com o
outro a intermédio do humor. Por isto a ONG Doutores da Alegria promove um humor que
faz uma contribuição na qual o palhaço promove ser alvo dessas pulsões agressivas,
recalcadas do paciente, e rindo de si próprio, dá um consentimento para a agressividade do
paciente poder ser liberada. Rir na terceira pessoa pode ser um contato possível.
12
O palhaço além de ser uma figura controversa dentro de um hospital e um espelho
caricatural da sociedade, nos faz rir por que é com o outro, o outro gasta a energia em uma
situação que não precisaria gastar. Por contraste o palhaço traz alívio por que é contra
intuitivo. Rimos por que experimentamos a economia de despesa. O humor é sempre
atravessado por uma concepção econômica. O outro está subvertendo a ordem com gasto de
energia, o que torna o ato engraçado para o público.
A dependência do público é ligado a suspensão do recalcado, esse é o paradoxo da
expressão humorística: nem todos acham graça do mesmo fenômeno por que não alcança os
recalques civilizatório de cada um. Por exemplo, contaram uma história que aconteceu em um
hospital um eletricista que foi até à UTI, olhou para os pacientes ligados a diversos tipos de
aparelhos, e diz-lhes : - Todo mundo respira fundo que vou mudar o fusível!”
Todo humor implica raciocínio. Na perspectiva freudiana ele é negro, depende do
público e tem como alvo desidealização frente às adversidades. Toca cada um de forma
diferente e desconstrói com graça esse estranho que incomoda, se manifestando em último
estágio da sublimação pelo riso
13
Vamos considerar o lado oposto desse estudo, como agir com o humor sem garantias
que todos tenham predisposição intuitivamente para estar humorado e um ambiente hospitalar.
Situação comum de se encontrar em um ambiente interdito com angústias.
É verossímil dizer que Freud infere dizendo que ”muitas pessoas sequer dispõem da
capacidade de fruir o prazer humorístico que lhes é apresentado.” 1,7.
Porém o edificador da
psicanálise também abre a possibilidade em seus estudos para a analogia do lúdico e do
humor negro, fazendo compreender o humor como um brincar adulto. Também relacionando a
brincadeira da criança ao humor do adulto, pois por meio do humor o adulto volta a um estado
que consegue apenas na infância, se desvinculando das obrigações trazidas pela realidade.20
Portanto a aplicação do humor como recurso despertaria no paciente a surpresa e
ambiguidade necessária para a fugacidade de afetos dolorosos frente ao desconhecido.
Nesse contexto, podemos dizer que o humor é o brincar dos adultos. Freud descreve
algo semelhante na brincadeira da criança, quando questiona se por meio dessa atividade ela
reajusta os elementos de seu mundo de uma nova forma que lhe agrade. Ou quando a respeito
do fort-da diz que “em suas brincadeiras as crianças repetem tudo que lhes causou uma grande
impressão na vida real, e assim procedendo, tornam-se senhoras da situação”. 19(20)
Na brincadeira no Fort-Da a criança joga, mas tem o poder de trazer de volta, triunfar
sobre o doloroso. Acredita-se que o humor negro (patibular) também passa do doloroso
impotente vivido de forma passiva para uma experiência ativa com o poder igual de triunfar.
Assim como outros psicanalistas enfatizaram o brincar da passagem de passividade
para experiência ativa, buscaram no lúdico a mesma concepção vista no humor : brincar com
uma figura de poder de modo a se proteger dela. Dessa forma podemos destacar que brincar é
15-5
uma forma lúdica de reza
Segundo Freud, o prazer do riso tem origem no desvio da possibilidade de sofrimento
e nas defesas do psiquismo contra o que pode causar desprazer. Em linhas gerais, o rir é
situado como um processo defensivo que, diante da emergência de angústia ou diante de uma
realidade penosa, protege o psiquismo do sofrimento. 15
O que o humor transmite significa: “Olhem! Aqui está o mundo, que parece tão
perigoso! Não passa de um jogo de crianças, digno apenas de que sobre ele se faça uma
pilhéria!”. 1,3
Humor implica a experiência de perder e ter prazer em perder, de deixar o “carretel ir”
e depois se apoderar dele pelo riso. Assim como na piada, também se transforma aquilo que é
objeto de impotência em graça, uma experiência passiva como internação hospitalar numa
experiência ativa para o paciente pode ocorrer. O humor permite o movimento do Fort-Da de
14
modo que se realize, a um só tempo, uma confrontação com aquilo que insiste em se desviar
da possibilidade de ser reconhecido, e uma superação dos circuitos responsáveis por causar o
adoecimento.
Humor a priori não tem definição em comum á todos, mas provoca rupturas onde a
criação advirá, podendo frutificar um enlace com o outro. A criação existente do humor surge
de seu aspecto não ser resignado, mas rebelde teimando f rente a adversidades de conflitos
psíquicos inconscientes. Em que se recusa ser afligido pelas “provocações da realidade, a
permitir que seja compelido a sofrer. Insiste em não ser afetado pelos traumas do mundo
externo; demonstra, na verdade, que esses traumas não passam de ocasiões para obter prazer.
Esse último aspecto constitui um elemento inteiramente essencial do humor.” 1-4
A essência do humor é não acreditar em nenhuma figura que seja representada como
idealizada; requer um esforço intelectual, raciocínio; depende da natureza do público. Assim
como tira da doença o poder idealizador de imperativos médicos recolhidos em um nome e
resgata seu poder criativo.
Pudemos notar que estar doente remete ao desamparo inicial pela desterritorialização
psíquica, colocando o hospital como alvo de investimento, concomitante a ambivalência com
desamparo e temores do paciente.
15
promovida pelo gesto humorístico. O enfermo permitiria essa transgressão no ambiente
hospitalar fazendo uma cumplicidade, um laço social entre si. Esse laço social é a construção
de um vínculo inédito (ou a retificação de uma identidade previamente estabelecida
“paciente” e passiva que pode ser desconstruída).
16
A atuação para o humor na clínica é sublimar angústias em um ambiente asséptico de
afeto, havendo uma solenidade na doença promovendo um desvio no modo como essa
instituição se formou e se constituiu entre em si e em nós.
No leito hospitalar o paciente sofre debruçado, os efeitos de alvo são a transformações
de uma experiência angustiante, uma experiência do medo da doença, da morte, das
autoridades que irão manipular enquanto doente, que os exige para que tenha que funcionar
em seus protocolos e modos de funcionamento.
Freud considerava o humor a forma privilegiada pela qual adultos mantêm a
capacidade de brincar e de não ser esmagados pelos imperativos da sociedade. 20-1
No processo de cura, o humor é um instrumento precioso para desidealizar e despojar
de onipotência o que tendemos a atribuir a figuras de poder na vida social.
Na práxis clínica psicanalítica vimos relatos de psicanalistas sobre seus analisandos
que os flagram na surpresa do humor no ato, a surpresa inesperada do humor que acaba por
preencher a ambiguidade de afetos. Por exemplo, em um consultório particular, uma paciente
muito severa com si começa a falar para sua psicanalista que um buraco em seu móvel. Seu
marceneiro disse “É de broca”. Ela respondeu muito bravamente como se suspeitassem de sua
percepção “Como é de broca? Uma broca não faz esse buraco tão liso, justinho!” Enquanto
ela contava isso na análise, no final a mesma disse: “ Ah, mas tem a broca bicho.” A
psicanalista ri e diz “ Que broca hein.” Dando uma 3ª acepção para broca, em dimensão
humorística mostrando a pluralidade de uma palavra. Novamente podemos notar 3 figuras
implicadas no humor efetivo da desconstrução.
17
3 Conclusão
Se o humor consiste em um mecanismo de lidar com a dor e o sofrimento e tirar prazer
disto, considerar-se-ia o humor uma ferramenta efetiva de intervenção clínica, justamente por
promover esta subversão.
Quando o paciente ri de uma intervenção humorística, é ele próprio a terceira pessoa
que ri do medo, mas o alvo de seu riso é também uma parte de sua identidade sendo
reconstruída através do laço social pelo humor.
Em nossos achados vimos que existe uma aproximação entre a experiência e os efeitos
esperados do fenômeno humorístico; a intervenção humorística provoca uma surpresa e um
choque no paciente, uma sensação de desamparo e estranheza, seguidos liberação afetiva e
uma elaboração psíquica. Há uma aproximação entre o desamparo e o humor.
O humor no ambiente hospitalar desperta e preenche determinadas condições: a
surpresa, a ambiguidade, o afeto doloroso e suprimido.
Através de articulações teóricas contributivas sobre o efeito benéfico do humor
confirmada pelo desencadeamento da sublimação e do riso, o recurso humorístico não
pertence exclusivamente ao patrimônio psíquico da psicanálise, mas produz-se a partir de um
laço social que pode ser avaliado pelos efeitos reais no psiquismo do paciente.
O mesmo rigor, que deixou a psicanálise fora da medicina, se assemelha ao que torna
hoje o difícil espaço a ser construído pelo psicanalista na equipe multiprofissional em um
hospital. É o mesmo rigor que fez Freud ocultar o humor para que não despojasse do rigor
científico que a época exigia. Segundo estudos, os psicanalistas se afastaram do legado de
Freud sobre o humor pela mesma consideração. 21
Partindo do presente artigo, o humor pode ter considerações mais exploradas ao
benefício do Homem. Restaurando identidades invadidas, ou criando novas, com laços sociais
o humor pode destruir com graça a identificação de desamparo dos enfermos frente ao
desespero do desconhecido e criar um laço com o profissional de saúde ou vínculos entre si.
Podemos ver nas articulações que qualquer mecanismo sublimatório que possa
sublimar a angústia a intermédio da graça é um recurso ativo pessoal.
Desta forma, o humor em sua definição Freudiana teria espaço como recurso
hospitalar aos enfermos e ao ambiente institucional para ajudar lhes resgatando seu potencial
criativo, inibido pelo sofrimento, pela angústia e pelo medo excessivo. O riso e o humor
incentivam um novo olhar para as questões subjetivas, incentivando a capacidade de
transformação, construção e desenvolvimento da realidade.
18
Estudos desta natureza são pertinentes na medida em que a compreensão do processo
do riso pode ser considerada um instrumento privilegiado na investigação das emoções e
condutas. É possível, através de uma análise mais atenta sobre as manifestações do riso,
perceber como o paciente se relaciona, interpreta, expõe e seleciona as recorrências do
ambiente hospitalar. O riso e o humor incentivam um novo olhar para as questões subjetivas,
incentivando a capacidade de transformação, construção e desenvolvimento da realidade.
O trabalho de conclusão reforça a proposta feita no início do trabalho, com
fundamentação teórica elucidativas para substanciar a circulação do humor e do riso dentro do
hospital. Através da concepção contra intuitiva de quebra de ideais que o humor proporciona
para paciente. Quem sente dor não sabe se consegue rir com a vida.
Citações
1 Freud, Sigmund. 1927 “O humor”, p. 190. In:Edição standard brasileira das obras psicológicas
completas. Rio de Janeiro: Imago, 1980. v. XXI.
2 Freud, Sigmund. “Mal estar na civilização” In:Edição standard brasileira das obras psicológicas
completas. Rio de Janeiro: Imago, 1980. v. .III
3 Birman, Joel. Frente e verso. in: slavutzky, a.; kupermann, d. (Org.).Seria trágico... se não fosse
cômico. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p. 95
5 Freud, Sigmund. O “estranho” 1919. In:Edição standard brasileira das obras psicológicas completas.
Rio de Janeiro: Imago, 1980. v.XVII.
6 Freud,Sigmund ,”Reflexões para os tempos de guerra e morte”.1915, vol. XIV. p. 327 In:Edição
standard brasileira das obras psicológicas completas. Rio de Janeiro: Imago, 1980. v. XXI.
8 Freud,Sigmund 1916 “Instinto e suas Vicissitudes”. Edição Standard Brasileira das Obras
Psicológicas Completas. Vol. XIV. Rio de Janeiro: Imago,1980
19
11 Da palavra alemã Witz supõem-se muitas concepções em torno do fenômeno humorístico. Witz é
um termo de difícil tradução para o português. O sentido mais amplo diria “espirituosidade”, categoria
na qual se poderia incluir os trocadilhos, as piadas, as várias manifestações do cômico e, finalmente, o
humor.
13 O Grande ditador The Great Ditactor [filme], EUA, 1940, 124 min, P&B, comédia; direção,
Charles Chaplin
16 Abordando Adam Slavutstkzk e Renato Mezan que o traduzem como “Piadas e sua relação com o
inconsciente” in “Seria trágico se não fosse cômico”, in: slavutzky, a.; kupermann, d. (Org.).Seria
trágico... se não fosse cômico. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005
18 Vieira, Marcus André “Pequena introdução à abordagem lacaniana do riso na experiência. Notas
para uma discussão sobre o riso na experiência analítica; in Correio Revista da Escola Brasileira de
Psicanálise, Rio de Janeiro, v. 25, p. 18-20, 2000
21 Birman Joel. Frente e verso, op. cit., p. 104 in: slavutzky, a.; kupermann, (Org.).Seria trágico... se
não fosse cômico. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005
23 Gay, Peter. Freud: uma vida para nosso tempo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
22 Dr Peter Doherty Adams [entrevista],Programa Roda Viva, TV cultura Brasil, 46 min, São Paulo,
Brazil,1998 .
26 Christian I.L Dunker, Estrutura e Constituição da clínica psicanalítica – Uma arqueologia das
práticas de cura, psicoterapia e tratamento 2015, cap 11, O nascimento da clínica, p.389, São
Paulo,Annablume
20