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A Contaminação mercurial na bacia do Ribeirão do Grama, Descoberto, MG:

Tentativa de determinação de um valor de referência (background) para área.

José Fernando Miranda1, Christiane Romanelli Rocha2,


Valdilene da Penha Rhodes3, Adilson Curi1, Jorge Carvalho de Lena4
¹ Universidade Federal de Ouro Preto, Departamento de Engenharia de Minas, Brasil, tchako@demin.ufop.br
2
Universidade Federal de Ouro Preto, Departamento de Química, Brasil, chrisromanelli@gmail.com
3
Universidade Federal de Ouro Preto, Departamento de Geologia, Brasil, valdilenerhodes@yahoo.com.br
4
Universidade Federal de Ouro Preto, Departamento de Geologia, Brasil, jorge.delena @degeo.ufop.br

Resumo – No município de Descoberto, MG, Hg metálico foi encontrado em uma


propriedade rural, enterrado em barris. Este material era, provavelmente utilizado por
garimpeiros de ouro do século XIX. Tal ocorrência levantou a suspeita de contaminação por
este metal do sistema hídrico da região, particularmente do ribeirão do Grama, e ensejou
uma série de estudos. O presente trabalho procurou avaliar o valor de background para este
elemento na bacia deste ribeirão nos compartimentos solo e sedimento. Valores de 0,43
mg/kg para o solo e 0,34 mg/kg para o sedimento são propostos. O conjunto de dados
referente aos sedimentos não mostram valores anômalos, o que sugere que este elemento
não atingiu este compartimento.

Abstract – In the municipality of Descoberto, MG, metallic Hg was found out in a land
property buried in barrels. This material was probably left there by gold prospectors of the
19th century. This occurrence leads to the suspicion of contamination by this metal of the
hydrological system, particularly of the Gama stream; and prompted several studies. The
present work is an attempt to evaluate the background value for this element in the basin of
this stream in the soil and sediment compartment. Values of 0.43 mg/kg for soil and 0,34
mg/kg for sediment are proposed. The data sediment set do not show anomalous values
(outliers), which suggests that this element did not reach this compartment.

Introdução
Em dezembro de 2002, no município de Descoberto, o mercúrio foi encontrado por
acaso, quando um morador da zona rural fazia manutenção na estrada de acesso à sua
propriedade. Um corte efetuado no terreno, após longo período chuvoso, provocou o
aparecimento deste metal. Esta ocorrência está situada na vertente direita do córrego Rico
(Figura 1), afluente do ribeirão do Grama, numa região onde moram 74 famílias e, à jusante,
está localizado o sistema de captação de águas da Companhia de Saneamento de Minas
Gerais – COPASA MG, responsável pelo abastecimento aos municípios de Descoberto e
São João Nepomuceno. Desde então, a área em questão, foi objeto de vários estudos
(FEAM/CDTN, 2005; Marques et al., 2006; Alexandre, 2006 e Costa Santos et al., 2005). Os
antigos mineradores de Descoberto explotavam o ouro contido nos chamados depósitos
secundários, os cascalhos de aluvião. Pelas observações da região e dos vestígios das
áreas lavradas, o alvo dos mineradores eram os cascalhos que ocorriam à meia encosta
(paleo-aluviões e elúvios), semelhantes aos depósitos denominados de grupiaras. O
cascalho no local é pouco arredondado, constituído principalmente por quartzo e óxidos de
ferro. Acredita-se que este mercúrio, usado por garimpeiros do século XIX, foi ali
abandonado por razões ainda não muito claras (FEAM/CDTN, 2005).
Figura 1 – Mapa da bacia do ribeirão do Grama, mostrando os pontos de
amostragem. Coordenadas UTM – Quadrícula 23K.

De uma maneira geral, o garimpo de ouro é o principal responsável pela liberação de


mercúrio em sistemas fluviais brasileiros. Para separar o ouro dos outros elementos, um
concentrado, previamente formado, é amalgamado com mercúrio e separado da ganga
contaminada. A seguir, o mercúrio é evaporado do amálgama, por queima direta, restando o
ouro purificado. Em áreas de intensa atividade garimpeira registrou-se altas concentrações
de mercúrio (0,7 mg/kg) nos sedimentos (Mendes et al. 2007). Como no processo de
garimpagem não há retenção do rejeito, ocorre a dispersão de quantidades expressivas de
metais para os rios. Grande parte dos metais pesados não é biodegradável, tendo, portanto,
um efeito acumulador no meio ambiente. Tal atividade, face às suas peculiaridades, implica
na alteração das condições ambientais, com intensidade e diversidade de efeitos, cujos
riscos nem sempre se restringem aos limites da área de trabalho. Estes riscos são
acentuados e preocupantes quando a atividade extrativa mineral se insere em áreas
povoadas e próximas a redes de captação de água para abastecimento.
Nas áreas de garimpo de ouro, cerca de 55% de Hg são lançados na atmosfera por
sublimação durante a queima e cerca de 45%, na forma de Hg metálico que são perdidos
diretamente para rios e solos durante as diferentes fases do processo de extração (Lacerda
et al. 1987, Lacerda et al. 1997, Lacerda 1997a, Lacerda 1997b). Tendo em vista este modo
de propagação este trabalho visou a determinação de valores de referência (background)
para Hg em solos e sedimentos na bacia do ribeirão do Grama em Descoberto. A
determinação do grau de contaminação por atividades pregressas justifica-se pela
necessidade de se antever o efeito no futuro que este tipo de atividade pode exercer no
ambiente.
Materiais e Métodos
Para a realização deste trabalho foi definida uma série de pontos de coleta ao longo
da bacia do ribeirão do Grama, buscando atingir os seus principais afluentes. Para tanto, foi
elaborada uma malha de amostragem de maneira a cobrir toda a bacia (Figura 1). A partir
desta malha, sempre que possível foram coletadas amostras de solo e sedimento, em duas
campanhas de amostragem - uma em agosto de 2008 (período seco) e outra em março de
2009 (período cuvoso). Para este trabalho serão considerados os dados da primeira
campanha, uma vez que os dados da segunda campanha ainda estão sendo gerados.
Cerca de 3 kg de amostras de solos foram coletados, com auxílio de uma cavadeira.
Cerca de 3 kg de sedimentos foram coletados, com auxílio de uma pá de plástico, próximo a
área de remanso dos cursos d’água. Este procedimento visou coletar amostras de
sedimentos com maior proporção de finos, fase na qual se concentra a maior parte de
metais pesados e particularmente o Hg (Förstner & Wittmann 1981)
No laboratório, as amostras forma secas à temperatura ambiente, destorroadas
(tomando cuidado para não comprometer a sua granulometria), quarteadas, peneiradas
numa peneira de 250 mesh e finalmente levadas para determinações laboratoriais de Hg.
Para estas determinações foram tomadas 0,2000g de amostra, que foram
transferidas para um frasco de polietileno e a ele adicionados 2,5 mL de HNO3 (63% P/P, ρ
= 1,43 g/mL) e 5,0 mL de H2SO4 (98% p/p, ρ = 1,84 g/mL). O conjunto foi deixado em
repouso para pré-digestão por 1 hora e depois levado a uma estufa a 75°C onde foi deixado
por um período de de 4 horas. Após o resfriamento, adicionou-se 3, mL de solução de
KMnO4 5% p/v e K2S2O8 5% p/v. O conjunto foi levado novamente para a estufa a 75°C por
12 horas. Após o resfriamento, adicionou-se 1,0mL de solução de NH2OH.HCl (20% p/v).
Finalmente a suspensão foi centrifugada e o sobrenadante passado para balão de 50 mL e
completado com água Milli-Q. O Hg foi determinado por espectrofotometria de absorção
atômica com geração de vapor a frio.
Os dados gerados foram primeiramente submetidos a testes de normalidade - gráfico
NPC e Anderson-Darling – (Snedecor & Cochrane 1989) para detecção de outliers e
determinação da distribuição ao qual obedecem. Posteriormente valores de background
foram propostos com base na estatística descritiva da população. Serão considerados
valores de background aqueles que se localizam a dois desvios padrão acima da média da
distribuição (normal). Assim se engloba valores que têm 95% de probabilidade de ocorrência
em uma determinada distribuição (área). Para este trabalho foi utilizado o software Minitab
versão 14.

Resultados
A Tabela 1 apresenta os dados de Hg em solos e sedimentos para amostras da
bacia do ribeirão do Grama. O gráfico de NPC – Normal Probability Plot – (Snedecor &
Cochrane, 1989) - (Figura 2) mostra que as amostras de solos dos pontos 8A e 8B se
constituem em valores anômalos. Estes valores são exatamente aqueles que se encontram
na área contaminada. O teste de Anderson-Darling para verificação da normalidade dos
dados mostra que conjunto obedece à distribuição normal (p-valor = 0,078). Isto permite a
proposição de um valor de referência para solos. A média dos valores da área foi
determinada como 0,19 mg/kg com desvio padrão de 0,12 mg/kg o que leva a um valor de
0,43 mg/kg para o background de Hg em solos na bacia do ribeirão do Grama. O mesmo
raciocínio pode ser delineado para sedimentos. O teste de Anderson-Darling mostra que
todos os valores pertencem à distribuição normal (p-valor = 0,600). A média dos teores de
sedimentos é 0,26 mg/kg com desvio padrão de 0,04 mg/kg, o que conduz a um valor de
0,34 mg/kg para o background em sedimentos. Uma questão que se pode levantar é a
possível diferença entre estes dois valores, visto que pertencem à mesma área. O teste de
Student (Snedecor & Cochrane 1989) mostra que não existe diferença significativa entre
estas duas quantidades.
Conclusão
O conjunto de dados para solo mostra dois valores anômalos na área contaminada,
sugerindo que o Hg, supostamente estocado em barris enterrados não se propagou para o
curso d’água já que os pontos 8A e 8B estão próximos à possível área de estocagem dos
barris contendo Hg. Os teores de Hg em sedimentos não mostram valores anômalos, o que
sugere que este elemento não atingiu este compartimento. Os valores de referência (para
solo e sedimentos) determinados para a bacia podem ser assim considerados para os dias
de hoje. A questão de saber se estes eram os valores antes da exploração de Au, na área
ou se foram alterados como resultados desta atividade é questão de especulação e de
trabalhos futuros, envolvendo sondagens, na perspectiva de que uma provável
contaminação tenha sido superficial.

Tabela 1 – Valores de Hg (mg/kg) em solos e sedimentos da bacia do ribeirão do Grama. O limite de


detecção da técnica é de 0,04 mg/kg. 0 asterisco (*) indica que amostras não foram coletadas neste
ponto por serem locais distantes de cursos d’água.
Ponto Solo Sedimento
1 0,10 0,30
2 0,11 0,21
3 0,24 0,27
4 0,04 0,24
5 0,05 0,30
6 <0,04 0,22
7 0,22 0,33
8A 0,96 *
8B 11,9 *
9 <0,04 0,31
10 0,08 0,24
11 0,34 0,28
13 0,08 *
14 0,06 0,26
15 0,26 0,25
16 0,34 0,25
17 0,19 0,23
18 0,30 *
19 0,04 0,31
20 <0,04 0,24
21 0,30 0,17
23 0,27 0,02
24 0,39 0,22
25 0,15 *
26 0,34 *

Figura 2 - Gráficos de probabilidade (NPC) para dados de solos e sedimentos de amostras da bacia
do ribeirão do Grama em Descoberto, mostrando os valores anômalos para duas amostras de solo
(pontos 8A e 8B).
Referências Bibliográficas
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