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GLOBO POSITION PAPER

O GLOBO, 26/05/2019 |

Reformas têm a ver com distribuição de renda, pobreza e injustiça social:


Previdência cria privilégios, e gastos sociais como um todo não chegam às
crianças pobres

A pauta em que a reforma da Previdência está colocada é na verdade mais ampla. Não que

as mudanças nos sistemas de seguridade deixem de ter relevância. Têm, e muita. As

despesas com aposentadorias e pensões equivalem à metade de todos os gastos primários

(com a exceção dos juros da dívida) do Orçamento da União. Nos estados e municípios,

ocorre o mesmo, e chega até a ser mais grave.

Há o debate sobre as propostas para a reforma previdenciária, mas existe também, numa

visão mais ampla, a necessidade de se entender como a Previdência e toda a assistência

social promovem, ao contrário do que se possa achar, injustiças sociais. Chega a ser um

contrassenso.

Há pouco, o jornal "Valor Econômico" publicou trabalho de Daniel Duque, pesquisador do

Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getulio Vargas, sobre a evolução do

Coeficiente de Gini, no início deste ano.

O indicador, que mede o nível de concentração de renda - quanto mais próximo de zero,

melhor; e pior quando sobe em direção de um - , mostra degradação na distribuição de


renda neste início de ano. Mantém a tendência negativa observada desde pelo menos 2015.

Não é coincidência que tenha sido este o ano do aprofundamento da recessão iniciada em

2014, pelo erros cometidos no governo Dilma, e que se estendeu até 2016. Os sinais

posteriores de tênue recuperação, porém, até hoje não se transformaram numa retomada

consistente do PIB.

O desemprego atingiu 14 milhões em 2017, e se mantém na faixa dos 13 milhões. A renda

terminaria mesmo se concentrando, porque perdem emprego os menos qualificados, e

quando contratações voltam a ser feitas, eles não são os primeiros beneficiados.

A Previdência ajuda a piorar este quadro distributivo, porque sustenta castas de servidores

públicos com elevadas pensões e aposentadorias. Como são estáveis, mantêm seus

empregos e sua renda enquanto cresce o desemprego no setor privado. O Coeficiente de

Gini em alguma medida capta esta séria distorção, que a reforma da Previdência, se

aprovada, pode acabar para as próximas gerações do funcionalismo, já que existem direitos

adquiridos pelos atuais servidores. Distorções gritantes como o fato de a aposentadoria

média do servidor do Poder Legislativo ser de R$ 29 mil, contra R$ 1.300 no INSS - em que

estão os assalariados do setor privado, a grande maioria - , funcionam em favor da

concentração de renda, apesar de todos os programas sociais.

Há, também, outros mecanismos, criados para combater a pobreza, mas que não

beneficiam alguns segmentos mais desprotegidos da população. A criança, por exemplo.

Entre vários dados que o secretário da Previdência, Rogério Marinho, levou à Comissão

Especial da reforma, um merece especial atenção de políticos e administradores públicos:


segundo levantamento do IBGE, em 2017, a pobreza extrema era sete vezes maior entre

jovens e crianças do que no grupo dos idosos - 12,5% e 1,7%, respectivamente.

A Previdência é eficiente mecanismo concentrador de renda, mas, com exceção do Bolsa

Família, que tem foco mais fechado, outros programas não atingem os mais necessitados,

como crianças e jovens.

Estudo dos economistas Paulo Tafner e Márcia Carvalho comprova, com dados de 2019, que

do total de famílias atendidas pela LOAS (Lei Orgânica e de Assistência Socia) e pela RMV

(Renda Mensal Vitalícia), para idosos, só 21% delas tinham crianças.

Os jovens também terminam discriminados na distribuição de verbas do MEC para o ensino

básico e o superior. Este, privilegiado.

A Previdência é uma reforma-chave. Mas há outras também a serem executadas. E, da

mesma forma, com urgência, alertam essas e outras distorções sociais produzidas pelo

próprio Estado.

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