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p.187-206
O direito não é mero somatório de regras avulsas, produto de atos de vontade, ou mera
concatenação de formas verbais articuladas entre si. O direito é ordenamento; implica
coerência, talvez mais rigorosamente, consistência; projeta sistema; é unidade de sentido, é
valor incorporado em norma. É esse ordenamento, esse conjunto, essa unidade, esse valor
projeta-se ou traduz-se em princípio, logicamente anteriores aos preceitos.
O sistema jurídico tem a sua unidade na solidariedade dialética com que nós, vivemos a
nossa axiológico-social realização.
Não se pode ficar pelas "decisões de conflitos" e de valores singulares, antes se deve
avançar até aos valores fundamentais mais profundos, portanto até aos princípios gerais de
uma ordem jurídica.
Os princípios não se colocam além ou acima do Direito, também eles fazem parte do
complexo ornamental. Não se contrapõem às normas, contrapõem-se tão-somente às regras;
as normas jurídicas é que se dividem normas-princípios e normas-regras;
Se assim se afigura em geral, muito mais tem de ser no âmbito do Direito Constitucional,
tronco de ordem jurídica estatal, todo ele envolvido e penetrado pelos valores jurídicos
fundamentais dominantes na comunidade; sobretudo, tem de ser assim na consideração da
Constituição material como núcleo de princípios e não me regras, preceitos ou disposições.
As regras são aplicáveis no estilo de tudo ou nada dos fatos que preveem; os princípios, ao
invés, não comportam consequências jurídicas que decorre automaticamente; um princípio
não indica tanto a necessidade de uma determinada decisão quanto uma razão para ir num
certo sentido.
Os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível,
dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes; são mandados de otimização que
podem ser cumpridos em diferentes graus. As regras são normas que só podem ser
cumpridas ou não. Se uma regra é válida, então tem de fazer-se exatamente o que ela exige.
As regras contêm determinações no âmbito fáctico e juridicamente possível. A diferença
entre princípios e regras é qualitativa, e não de grau.
Classificação de princípios:
Carlos Blanco de Morais enuncia, por um lado, princípio reitores do Estado e princípios de
ordem política;
1. Entre as normas exequíveis e as não exequíveis o critério distintivo está nas próprias
normas e vem a ser a completude ou incompletude destas.
2. As normas não exequíveis por si mesmas as que nos estamos referindo são normas
prescritivas ou, doutro ângulo, imposições legiferantes.
3. Mas existem a par delas normas não exequíveis por si mesmas em que não se verifica
tal necessidade.
1. Todas as normas exequíveis por si mesmas podem considerar-se precetivas, mas nem
todas as normas precetivas são exequíveis por si mesmas. Em contrapartida, as normas
programáticas são todas normas não exequíveis por si mesmas.
1. As normas constitucionais devem, tanto quanto possível, ser tomadas como aplicáveis
imediatamente.
2. Aplicáveis: às situações da vida das pessoas como particulares; às relações das pessoas
com o Estado; aos órgãos do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais; às
situações dos titulares desses órgãos.
3. Quanto às normas não exequíveis por si mesmas em especial, também elas têm aplicação
direta: enquanto proíbem a emissão de normas legais contrárias e proíbem a prática de
comportamentos que tendam a impedir a produção de atos por ela impostos e enquanto,
depois de concretizadas através de normas legais, estas não podem ser pura e
simplesmente revogadas, retornando-se ao vazio ou à completa inexequibilidade.
1. A lei constitucional não regula tudo quanto dela deve ser objeto.
2. Não há uma plenitude ou completude da ordem constitucional como não há uma
plenitude ou completude da ordem jurídica em geral. Há lacunas e há mesmo situações
extrajurídicas por vezes chamadas “lacunas absolutas”. Não serão sempre as mesmas,
poderão reduzir-se ou ser transitórias e depender de circunstâncias em evolução, mas
parecem inevitáveis.
3. As lacunas constitucionais não se confundem com as omissões legislativas, cujo não
preenchimento determina inconstitucionalidade por omissão.
4. As lacunas são situações constitucionalmente relevantes não previstas. As omissões
legislativas reportam-se a situações previstas. As lacunas são detetadas pelo intérprete e
pelos órgãos de aplicação do Direito.
5. O preenchimento de lacunas significa a determinação da regra para aplicação ao caso
concreto e é tarefa do intérprete e do órgão de aplicação.
6. A ausência do prazo para o Presidente da República promulgar as leis de revisão
constitucional é um exemplo paradigmático da lacuna na Constituição.
1. Uma Constituição nova revoga a Constituição anterior. Por definição, não pode haver
senão uma Constituição.
2. Esta revogação é uma revogação global ou de sistema.
3. Em algumas circunstâncias, normas constitucionais anteriores à nova Constituição
podem continuar em vigor nessa qualidade, se bem que a título secundário. É o
fenómeno da receção material.
4. Tendo havido receção material se a constituição que a ópera vem a ser substituída por
outra, as normas constitucionais recebidas cessam necessariamente de vigorar também.
Cessam de vigorar não por revogação verdadeira e própria, mas por caducidade ou por
revogação consequente.
5. Certas normas constitucionais anteriores podem não deixar de vigorar com a entrada em
vigor da nova Constituição, podem passar de categoria de normas constitucionais a
normas de direito ordinário.
1. Uma Constituição nova nunca faz tábua rasa do Direito ordinário anterior. Há sempre
fatores de continuidade que sobrelevam os de descontinuidade.
2. O que a superveniência de uma Constituição provoca é novação do Direito ordinário
interno anterior. Como todas e cada uma das normas retiram a sua validade, direta ou
indiretamente, da Constituição, a mudança de Constituição acarreta mudança de
fundamento de validade.
3. Há assim uma nítida diferença entre a situação do Direito constitucional anterior – o qual
cessa com a entrada em vigor da nova Constituição – e a do Direito ordinário anterior –
o qual continua, co novo fundamento da validade.
1. A territorialidade da ordem jurídica de cada Estado diz respeito apenas à execução. Não
implica que o Direito de cada Estado regule apenas atos e factos ocorridos no seu
território – pois pode regular atos e factos ocorridos e situações constituídas no
estrangeiro.
2. Segundo o art.º 14º da Constituição, os cidadãos portugueses que se encontrem ou
residam no estrangeiro gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres que não sejam
incomparáveis com a ausência do país.
3. A regra de proteção reporta-se, antes de mais, ao instituto de proteção diplomática dos
cidadãos de qualquer Estado no estrangeiro tal como, tradicionalmente, decorre do
Direito das Gentes.
4. A par de permanência do direitos fundamentais dos portugueses fora do território
português, a Constituição estabelece o princípio da extensão desses direitos aos
estrangeiros em Portugal, se bem que com restrições.
5. No concernente aos titulares de órgãos do Estado, se se encontrarem fora do território
nacional, manterão, em princípio, as situações funcionais contempladas na Constituição,
entendidas, porém, nos termos do Direito internacional.
6. No que toca aos funcionários e agentes do Estado, não deixam eles de, no estrangeiro,
estar adstritos aos seus deveres e responsabilidades constitucionais. É o caso em especial
dos agentes diplomáticos e dos militares.
1. À larga cópia dos direitos da Constituição de 1976 corresponde uma extensão de deveres
sem paralelo noutras Constituições europeias.
2. Na parte I encontram-se os seguintes deveres: o dever de obediência às leis e às ordens
das autoridades públicas que não ofendam os direitos, liberdades e garantias (art. 21.º, 1ª
parte), os deveres dos cônjuges (art. 36.º, nº3), o dever dos pais de educação e
manutenção dos filhos (art. 36.º, nº5 e 6), o dever de escolaridade básica (art. 74.º nº2,
alínea A), o dever de preservar, defender e valorizar o património cultural (art. 78.º, nº1).
Na parte II: o dever de pagamento de impostos (art. 103.º). Na parte III: o dever de
recenseamento eleitoral (art. 113.º, nº2), o dever de colaboração com a administração
eleitoral (art. 113.º, nº4), o dever de serviço militar ou cívico (art. 276.º, nº2 a 5). ⦁ Dos
deveres distinguem-se outras figuras constantes da Constituição: as restrições, os limites
e os condicionamentos, as proibições, as vedações de atividades, as medidas
compulsivas.
3. Os deveres existem em si mesmo, com maior ou menor autonomia. As restrições, os
limites e os condicionamentos situam-se no regime dos direitos – as restrições afetam o
seu conteúdo; os limites e os condicionamentos afetam o seu exercício.
4. As proibições revestem natureza objetiva. Embora tenham por destinatários também os
cidadãos, não se inserem na sua esfera jurídica. Simplesmente, de fora impedem-nos de
agir ou de adotar este ou aquele comportamento.
5. A imposição de deveres não tem como única contrapartida uma situação ativa ou de
vantagem da parte do Estado ou de outra entidade pública. Tem ou pode ter também uma
face passiva ou de obrigação. Tanto existem incumbências do Estado de organização ou
de procedimento por causa de direitos como por causa de deveres dos cidadãos.
6. De natureza de todo em todo diferente da do dever geral de respeito dos cidadãos uns
para com os outros é a tarefa do Estado de proteção e efetivação dos direitos
fundamentais com concretizações específicas em incumbências variadas quer no
domínio dos direitos sociais.
7. Verdadeiros deveres do Estado: são os de indemnização por ações ou omissões
praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício e que resulte
violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem, por privação de
liberdade contra o disposto na Constituição e na lei e pelos danos sofridos por
condenação criminal injusta; e o dever de esclarecer objetivamente os cidadãos sobre os
atos do Estado e das demais entidades públicas.
1. O primeiro princípio comum aos direitos fundamentais e também aos demais direitos
existentes na ordem jurídica portuguesa é o da universalidade; todos quantos fazem parte
da comunidade política fazem parte da comunidade jurídica, são titulares dos direitos e
deveres aí consagrados, os direitos fundamentais têm ou podem ter por sujeitos todas as
pessoas integradas na comunidade política, no povo.
2. Todos têm todos os direitos e deveres – princípio da universalidade; todos têm os
mesmos direitos e deveres – princípio da igualdade. O princípio da universalidade diz
respeito aos destinatários das normas, o princípio da igualdade ao seu conteúdo. O
princípio da universalidade apresenta-se essencialmente quantitativo, o da igualdade
essencialmente qualitativo.
1. A primeira forma de defesa dos direitos é a que consiste no seu conhecimento. Só quem
tem consciência dos seus direitos consegue usufruir os bens a que eles correspondem e
sabe avaliar as desvantagens e os prejuízos que sofre quando não os pode exercer ou
efetivar ou quando eles são violados ou restringidos.
2. O art. 20.º da Constituição de 1976 assegura a todos “o acesso ao direito”.
- como fim, tarefa ou imperativo ou opção de agir, correspondente a certa necessidade coletiva ou
acerta zona da vida social;
- a função não tem apenas que ver com o Estado enquanto poder; tem também que ver com o
Estado enquanto poder, tem também que ver com o Estado enquanto comunidade. Tanto pode ser
prosseguida só pelos seus órgãos e serviços através das chamadas políticas públicas como ser
realizada por grupos e entidades da sociedade civil, em formas vadiares de complementaridade e
subsidiariedade.
• No 2º sentido: - a função entronca nos atos e atividades que o Estado constantemente vai
desenvolvendo, de harmonia com as regras que o condicionam e conformam; define-se através das
estruturas e das formas desses atos e atividades; e revela-se indissociável da pluralidade de processos
e procedimentos, de sujeitos e de resultados de toda a dinâmica jurídico-pública.
- a função não é outra coisa senão uma manifestação qualificada do poder político, um modo
tipificado de exercício do poder, e carece de ser apreendida numa tríplice perspetiva-material,
formal e orgânica.
- a função é o modo específico como o Estado procura atingir os fins prescritos na Constituição e
na lei, o modo como se desincumbe das imposições que delas recebe.
• Exibe-se ainda um elemento finalístico: diretamente, na função como tarefa; indiretamente, na
função como atividade.
b) é duradoura;
c) é globalizada.
• São os fins do Estado que determinam o tipo e a feição das atividades dos seus órgãos e agentes, e
são as normas jurídico-públicas que as qualificam como atividades do Estado.
• Se as funções do Estado dependem das normas que as regem, então todas as funções do Estado
não podem deixar de ser funções jurídicas e todos os atos em que se desdobram atos jurídico-
públicos.
a) Aparecimento de uma função legislativa, de uma função administrativa ou executiva stricto senso
(sentido restrito) e de uma função jurisdicional, ainda que com diferentes relacionamentos;
b) correlação ou dependência das classificações das orientações teóricas globais perfilhadas pelos
autores;
• Na esteira da maior parte dos autores, assentamos numa divisão tricotémica das funções do
Estado - função política, administrativa e jurisdicional. E subdistinguimos na la a função legislativa
e ci função governativa ou política stricto sensu consoante se traduza em atos normativos. Para
tanto, consideramos quer critérios materiais quer critérios formais e orgânicos.
Funções do Estado: Função política; Função legislativa - Atos de conteúdo normativo - Leis: -
Leis constitucionais - Atos constituintes e leis de revisão constitucional;- Leis infraconstitucionais:
- De eficácia externa - Leis stricto sensu
- Função governotivo ou stricto sensu - Atos de conteúdo não normativo - Atos políticos
• Verifica-se que no exercício de qualquer das 3 grandes funções do Estado se praticam os atos
normativos. Eles não se reduzem às leis nem sequer aos regulamentos. Para nós, ato normativo é
ato de conteúdo geral, se bem que a generalidade não seja dele exclusiva e se depare no ato
administrativo geral e até em certos atos políticos ou de governo. No ato normativo os destinatários
são indefinidos ou indetermináveis, e recortam-se em abstrato, sem aceção de pessoas. Já no ato
administrativo geral, por mais alargados que sejam os destinatários, eles circunscrevem-se e são
sempre determináveis a posteriori, pois no momento da execução do ato procede-se à sua
individualização, tendo em conta os respetivos interesses mais ou menos diferenciados.
• Só o ato legislativo compreende livre iniciativa, livre escolha do objeto, livre conformação do
conteúdo e livre modificabilidade.
• A problemática dos atos de governo ou atos políticos stricto sensu surgiu, no século XIX, no
âmbito da (não) apreciação de atos do Poder Executivo por órgãos jurisdicionalizados. Eles eram
os atos excluídos dessa apreciação, fosse qual fosse o fundamento apresentado. A doutrina de
Direito constitucional viria a abrir um caminho diferente, de sinal positivo, e que acabaria por
prevalecer: o da distinção entre um poder administrativo e um poder governamental. No século
XX, ir-se-iam afastando ainda mais os dois campos e, ao mesmo tempo, ir-se-iam aproximando os
atos de governo dos atos legislativos. Reconhecemos o risco de, com a associação das funções
legislativa e govemativa, se afetar o sentido mais tradicional de lei.
• A lei não se confunde com o Direito; ela é apenas, em cada instante, uma das suas expressões e o
Direito envolve-a e ultrapassa-a. A função governativa participa dos mesmos valores e do mesmo
enquadramento institucional da função legislativa. Nenhuma das decisões em que se desdobra pode
aperceber-se ou deixar de ser apreciada à sua margem.
- O interesse público como causa dos atos da função administrativa; e o cumprimento das normas
jurídicas como causa dos atos da função jurisdicional; Uma postura essencialmente volitiva e
prospetiva da administração; uma postura essencialmente intelectiva e retrospetiva, da jurisdição;Na
função administrativa, o predomínio da componente autoritária, mesmo se tem de se compaginar
com a crescente afirmação de garantias dos administrados e com formas associativas de
organização; e na função jurisdicional a prevalência do principio do contraditório, mesmo se nem
sempre o processo é concebido como processo de partes;A maior liberdade relativa dos órgãos da
função administrativa, com gradações várias no caso do chamado "poder discricionário", ainda que
o princípio da legalidade implique conformidade dos atos com a lei e nunca o interesse público se
lhe possa sobrepor.
• Para se compreender melhor o alcance das duas funções no âmbito do ordenamento jurídico,
importa acrescentar 3 pontos: - não deve tomar-se à letra ou exagerar-se o seu caráter executivo; -
se a lei ordinária não pode conceber-se como mera execução da Constituição, não raro aparece
referida a certas e determinadas normas constitucionais, para as regulamentar ou para as concretizar
e lhes conferir exequibilidade;- se bem que o poder político se ostente de modo mais forte, mais
intenso e mais impressivo na feitura das leis e nas decisões de governo, não deixe de se manifestar
igualmente na função administrativa e na função jurisdicional. A administração apresenta-se como
poder. É o poder do juiz não é um poder nulo ou neutro, muito menos o do juiz constitucional. A
justiça é administrada "em nome do povo", o que significa que o juiz se deve fazer também
intérprete da intenção jurídico-social da comunidade.
Tão-pouco pode ignorar-se a significação política que assumem muitos dos atos tanto da função
administrativa como da função jurisdicional. Isto sem atender às pré-compreensões, conotações ou
implicações metajuridícas a que nunca conseguem subtrair-se os titulares de órgãos de uma e outra
função.
54. Zonas de fronteira e funções complementares, acessórias e atípicas Estado corno pessoa
coletiva
Os atos próprios de cada função devem provir de órgãos correspondentes a essa função. Todavia,
encontram-se algumas inevitáveis zonas cinzentas. Por um lado: A "justiça administrativa", por
meio da qual a Administração pública é chamada a proferir decisões essencialmente baseadas em
critérios de justiça material. Por outro lado: A jurisdição voluntária, que consiste em atos
substancialmente administrativos revestidos de forma judicial; - A fiscalização financeira a cargo
dos Tribunais de Contas, traduzida, por exemplo, em Portugal, no "visto prévio" a atos geradores
de despesas;- A admissão pelos tribunais das candidaturas a titulares de órgãos eletivos;- A
elaboração pelos tribunais de regulamentos internos necessários ao seu bom funcionamento; - Os
atos produzidos ao abrigo das competências administrativas dos presidentes dos tribunais; - Em
geral, os atos de execução pelos tribunais das suas próprias decisões.Por outro lado, ainda:
- A verificação dos poderes dos membros dos Parlamentos pelas próprias câmaras;
- A decisão do Presidente de qualquer das Câmaras, eventualmente com recurso para o Plenário,
sobre a admissão ou rejeição de projetos e propostas de lei tendo em conta a sua conformidade
com a Constituição.
Por significativos que sejam estes atos, não são eles que individualizam as funções do Estado ou
que afetam o núcleo especificador dos órgãos a que são cometidos. Do que se trata é de aproveitar
características, requisitos e garantias formais de certa atividade em nome de outros princípios
politica-constitucionais, ou de proporcionar condições para o cabal exercício de certa função, ou de
praticar atos complementares de atos próprios de certa função e a ela indispensáveis. E,
evidentemente, uma coisa é a função, outra coisa a competência de um órgão, na qual podem entrar
faculdades decorrentes e de funções diversas.
• Cumpre reconhecer que nem todos os atos e atividades do Estado se reconduzem às funções
fundamentais clássicas. É o que sucede com a atividade do Ministério Público, que não se integra na
administração nem na jurisdição (apesar da atividade estruturalmente conexada com a dos
tribunais). O Ministério Público deve colaborar com o tribunal na descoberta da verdade e na
realização do direito, obedecendo em todas as intervenções processuais a critérios de estrita
objetividade. E, dotado de estatuto próprio é de autonomia, serve de anteparo da independência
dos tribunais sem com estes se confundir (Artigo 219 n.2 CRP).
Também a atividade do Provedor de Justiça parece estar fora das funções clássicas, ao receber
queixas por ações ou omissões de poderes públicos, apreciando-as sem poder decisório e dirigindo-
as aos órgãos competentes as recomendações necessárias para prevenir e reparar injustiças. Citem-
se, ainda, as atividades de regulação de certas entidades independentes da Administração: a
Comissão Nacional das Eleições (enquanto assegura a igualdade dos cidadãos eleitores e das
candidaturas), ou a Comissão Nacional para a Proteção de Dados (na medida em que pode emitir
diretivas, assegura o acesso à informação e o exercício do direito de retificação e atualização e
promove códigos de conduta), ou a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (quando emite
diretivas).
• Problema de algum modo ainda de limites - entre a função legislativa e jurisdicional - era, em
Portugal, o da natureza dos assentos do Supremo Tribunal de Justiça (bem como do Tribunal de
Contas).
• Todos estes atos integram um conjunto, o dos atos jurídico-públicos - que são os Atos do Estado
no exercício de um poder público e sujeitos a normas de Direito público. A estes atos contrapõem-
se quer os atos de gestão privada quer os atos dos particulares, inclusive os praticados no exercício
ou no âmbito de direitos políticos.
c) Que o ato dimane de um órgão competente em razão dos outros fatores de competência
(tempo, lugar, pessoas).
• Qualquer ato jurídico é uma manifestação de vontade jurídica relevante, e não há vontade sem
objeto e sem forma. Daí que, igualmente no ato jurídico-constitucional possam ser apontados 3/4
elementos essenciais:
a) A vontade;
b) O objeto (imediato - realidade jurídica sobre a qual o ato incide; mediato - a realidade de facto
que lhe subjaz);
• A autonomia do terceiro elemento (fim) afigura-se muito relativa devido ao caráter funcional da
vontade, e é sobretudo discutível nos atos normativos.
• Quanto aos requisitos, aparecem no plano dos valores, interesses e finalidades que a ordem
constitucional liga aos pressupostos e aos elementos do ato. Reportam-se tanto à garantia do
interesse público como à proteção dos direitos e interesses dos cidadãos que por ele possam vir a
ser atingidos. Correspondem à apreciação, variável de ato para ato, que a ordem constitucional faz
da presença ou ausência desses pressupostos e elementos, às vezes também em graus variáveis.
Cabe então falar em:
Muitos dos atos jurídico-constitucionais surgem a partir de um iter mais ou menos longo e
multifacetado, são atos complexos de produção sucessiva: antes de mais, as leis e também as
eleições, os referendos e certos atos políticos stricto sensu ou de governo. Cada um destes atos
jurídico-constitucionais analisa-se em:
c) Atos praticados por vários órgãos ou sujeitos ou em que interferem ou podem ser chamados a
interferir diversos órgãos ou sujeitos;
f) Resultado traduzido num ato jurídico complexo que engloba ou substitui os sucessivos atos
parcelares precedentes.
Numa fórmula sintética, a doutrina emprega para os designar as locuções processo e procedimento.
O termo processo acha-se ligado à função jurisdicional. Os tribunais desenvolvem a sua atividade
através de processo. Ao processo corresponde o Direito processual. Não é apenas a função
jurisdicional que implica atos de produção sucessiva, compreende-se que o termo tenha sido
transposto para o âmbito da função administrativa: as decisões administrativas são precedidas de
uma série de formalidades previstas na lei para garantia da prossecução do interesse público e dos
direitos dos administrados. E, a par do processo jurisdicional e do administrativo passou a falar-se
em processo legislativo. Daí a distinção entre processo (em sentido restrito), o processo
jurisdicional, e processo (em sentido amplo), suscetível de abranger qualquer das funções do
Estado.
• Tem-se observado que não são assimiláveis a forma da função jurisdicional e das outras
funções do Estado, em virtude de aquela se dirigir ao cumprimento ou à realização do Direito, com
a consequente necessidade de uma regulamentação mais pormenorizada, densa, precisa, rígida e
ritualizada.
• Rogério Soares escreve que a prática de vários atos ao longo de um certo período, com a
intenção de servirem a produção de um resultado único, pode assumir duas formas bem diferentes.
Uma é aquele em que a gradual produção do ato final se desenvolve segundo uma tramitação, ou
seja, segundo um conjunto de atos necessários e minuciosamente fixados, segundo fórmulas rígidas
de agir; e é para este modo que se usa a expressão processo. Já no procedimento o resultado é um
modelo mais fluido, há um desenvolvimento, uma sucessão que adquire sentido como uma unidade
vista a partir do ato final. E, se o Direito é para o procedimento dos funcionários pressuposto e
limite da sua atuação, para o processo do juiz é o fim primário.
Tende a adotar-se o termo procedimento para descrever a formação dos atos da função
administrativa, bem como a dos atos da função legislativa e da função governativa, deixando a
palavra processo para a função jurisdicional. Por outro lado, realça-se o significado do
procedimento no contexto global do sistema. Para além de uma maior adequação à estrutura
própria da vontade funcional, associa-se-lhe o reforço da transparência e da publicidade das
decisões do Estado. Ele revela-se imprescindível para a participação e a democracia participativa,
quando não para a legitimação dos atos ou do próprio poder. E seria mesmo, doutro prisma, um
instrumento para a conversão da Constituição na ordem dinâmica da comunidade.
Importa distinguir aqui os atos dos órgãos do Estado e os atos do colégio eleitoral ou do povo
ativo - eleição e referendo.
Os atos jurídico-constitucionais são, de regra, atos expressos. São muitos raros, em qualquer
Constituição, os atos tácitos. Diferente do ato tácito é o fenómeno da preclusão em que, pelo
decurso do tempo, se esgota ou deixa de poder ser exercido um certo poder.
No ato tácito, a norma presume uma vontade ou liga à não manifestação de vontade certa
consequência. Já na preclusão é a norma que se impõe em face do decurso do tempo, porventura
mesmo inviabilizando uma subsequente manifestação de vontade do órgão: assim, o Presidente da
República, passados 8 dias apoia a receção do diploma para promulgar, já não pode requerer a
fiscalização preventiva da constitucionalidade ou, passados vinte dias, já não poder exercer o veto
político. A vontade é ainda relevante no ato tácito e não na preclusão. Há abstenções que o Direito
trata de outro modo, valorando-as negativamente como comportamentos omissivos ou omissões. E
aqui já não nos encontramos diante de atos jurídico-constitucionais, embora possam elas próprias
provocar a produção de novos atos jurídico-constitucionais.
- A aplicação das normas tem uma dimensão de âmbito temporal, produzindo efeitos quer em
relação a normas ordinárias posteriores quer em relação a normas anteriores; A estabilidade
legislativa ou durabilidade razoável das normas que se repercutam em situações jurídicas subjetivas
decorre do princípio da proteção da confiança, imanente ao Estado democrático de Direito; Não
podem ser criados crimes, penas ou mandados de segurança, nem impostos retroativamente;
Também a inconstitucionalidade por omissão só se verifica passado certo tempo após a emanação
da norma constitucional; As Constituições outorgam uma relevância específica ao tempo em
múltiplos domínios quer da estrutura da comunidade política quer da organização do poder - e
aqui com reflexos imediatos sobre atos jurídicos-constitucionais. Basta lembrar as normas sobre
as restrições e suspensão de direitos (art. 18, n.3 e 19.) e sobre não retroatividade da lei penal
(art. 29.) e da lei tributária (art. 103., n.3). Assim como o princípio do sufrágio periódico (art.
10., n.1).
ATOS LEGISLATIVOS
a) A lei como norma jurídica, como ordenamento jurídico positivo ou até como Direito;
b) A lei como fonte intencional unilateral de Direito - criação de normas jurídicas por ato de
autoridade dirigido a esse fim - contraposta quer ao costume quer à jurisprudência, quer ainda a
formas convencionais de Direito interno ou de Direito internacional, máxime ao tratado.;
c) A lei como fonte intencional unilateral centralizada ou estatal de Direito - criação do Direito do
Estado por obra de autoridade estatal - contraposta às formas descentralizadas de criação de
Direito, correspondentes aos municípios, a outras comunidades territoriais e às instituições sociais
dotadas de poder normativo, entre as quais as associações públicas e às formas de criação do
Direito próprias de organizações internacionais e de outros sujeitos de Direito internacional;
d) A lei como ato da função legislativa latissimo sensu, independentemente do tempo, do modo,
das regras a que esteja sujeito e dos destinatários, e abrangendo tanto a lei constitucional como a lei
infraconstitucional ou lei ordinária e, nesta, tanto a lei de eficácia predominantemente externa como
interna;
e) A lei como ato da função legislativa lato sensu ou lei ordinária - ato normativo da função política
subordinado à Constituição, tenha eficácia predominantemente externa ou interna;
f) A lei como ato da função legislativa stricto sensu - ato normativo da função política subordinado
à Constituição, tenha eficácia predominantemente externa - ou seja, ato dirigido à comunidade
política e às relações entre órgãos de poder, contrapondo-se aos regimentos das assembleias e de
outros órgãos colegiais e a certas leis meramente organizatórias;
g) A lei como ato legislativo da assembleia política representativa, como lei em sentido nominal
contraposta quer ao decreto com força de lei e ao decreto-lei quer à resolução, ato não normativo
do Parlamento;
h) A lei como ato sob forma de lei, recortado não tanto pelo conteúdo quanto pelo processo de
formação e pela forma finai, implicando essa forma determinada força jurídica - a força de lei - e
havendo diversas formas de lei consoante as tramitações que as leis sigam ou os órgãos que as
editem.
• LOCKE considera o poder legislativo o poder primordial por ser ele que determina as diferentes
formas de governo. ROUSSEAU, embora recusando a separação de poderes, admite a distinção
entre a função legislativa e executiva, sustentando que aquela é a única soberana. Pelo contrário,
MONTESQUIEU pretende limitá-la.
• A cada tipo histórico de Estado corresponde uma certa configuração da lei no âmbito das ordens
jurídicos positivas. E em cada uma das grandes fases de desenvolvimento de cada tipo histórico
oferece ainda à lei características incontornáveis. Castanheira Neves fala em historicidade e
condicionalidade da função legislativa, sublinhando a sua referencia específica ao poder político:
pode não ter sido sempre a legislação a forma eminente e mais eficaz da afirmação desse poder,
como o é hoje, mas se, por um lado, ela foi a partir do século XVI "o corolário essencial da
soberania", por outro lado, a cada espécie de poder político corresponde um tipo particular de
legislação.
• A teoria do estado absoluto levará já ao contraste entre razão e vontade nos domínios da criação
da aplicação da lei. Com a modernidade, o conflito passa a ser entre liberdade e soberania popular.
Na vertente liberal, lei implica separação de poderes e primado dos direitos individuais; na
democrática, primado da soberania popular e da sua tradução majoritária; e essa tensão dialética vai
prolongar-se dentro do estado de Direito democrático.
Há diferenças sensíveis entre a lei na época do Estado liberal e a lei nos séculos XX e XXI. No
século XIX, a lei integra-se na visão de uma sociedade de indivíduos livres e iguais, homogénea,
bem estruturada frente ao poder e cujo funcionamento se pauta de acordo com a razão. A lei
assenta na majestade da razão e, por isso, a racionalidade é o seu limite intrínseco, único e
necessário. Aliás, a Constituição não interfere na grande maioria das matérias legais, nem é
entendida como parâmetro de validade da lei.
A sociedade do século XX e XXI não poderia deixar de alterar a posição da lei. O legislador
defronta-se com uma sociedade cada vez mais heterogénea, mutável e confiitual de grupos,
interesses e forças políticas e ideológicas e tem de utilizar a lei para intervenções contingentes nos
mais variados sectores da vida social, económica e cultural. A complexidade torna-se inelutável,
nem sequer se esgota na conhecida dicotomia lei-regra e lei-medida e entremostram-se fluidas as
fronteiras entre legislação e administração.
Tudo isto sem esquecer a retração da lei perante o Direito internacional convencional e o Direito
próprio das organizações internacionais ou entidades afins, em especial o Direito da União
Europeia.
• Um ponto de relevo concerne às relações entre lei e Constituição. Com a separação característica
do século XIX, entre Estado e Sociedade, estanques vão ficar também os domínios da Constituição
e da lei: a Constituição ocupa-se da organização política mas deixa à lei o tratamento dos direitos
que declara. E é nos grandes códigos que se encontram as estruturas da sociedade e o sentido de
instituições como a família, o contrato ou a propriedade.
Ao invés, as vicissitudes do século XX não ocorrem sem interferência da Constituição, a qual deixa
de se mostrar aparentemente neutra perante a sociedade para de carregar de intencionalidades
conformadoras e transformadoras. Em vez de se confinar à separação de poderes e à garantia de
direitos individuais a Constituição alarga dramaticamente as matérias sobre que versa e assume
conteúdos diversos e até antagónicos consoante os regimes políticos.
A lei em sentido material corresponde a lei como ato da função legislativa e é sempre,
necessariamente, também em sentido formal; A lei em sentido formol pode ou não ser revestida de
conteúdo legislativo. E corrente estabelecer-se correspondência entre Estado liberal e conceito
material de lei e entre a situação do século e o domínio de um conceito meramente formal. Tal
maneira de ver deve ser considerada com algumas reservas;
- Em 1° lugar, a distinção dos dois sentidos remonta já ao século XIX; - Em 2º lugar, não faltam
Autores bem identificados com as conceções do liberalismo e do positivismo jurídico que definem
lei com apelo exclusivamente a elementos formais e ao princípio da sua supremacia frente a
quaisquer outros atos; - Em 3º lugar, além da tese da generalidade, outros entendimentos materiais
da lei tem sido propostos, entre os quais o da regra de direito, o da novidade, o da interferência na
esfera da liberdade e propriedade das pessoas, o da execução imediata ou da concretização da
constituição; - Em 4º lugar, se a abstração enquanto característica da lei vem sendo posta em causa
ou abandonada, sobretudo devido à emergência das leis-medidas, nem por isso a generalidade deixa
de continuar a aparecer, senão como propriedade essencial, como propriedade natural da lei; Em 5º
lugar, se a exigência de generalidade se compagína historicamente com a conquista do princípio da
igualdade perante a lei e se a sua crítica vem a ser formulada hoje com frequência em nome de urna
igualdade efetiva e real, aberta a diferenciações e a discriminações positivas, não menos seguro é
que em Estado social de Direito não há antagonismo entre as duas vertentes; muito pelo contrário,
elas complementam-se numa tensão dialética, em que se interpenetram igualdade e
proporcionalidade.
O fenómeno das leis concretas e gerais não se dá apenas com as leis-medidas. Manifesta-se há
muito com as leis orçamentais, as leis de amnistia e as de declaração de estado de sítio e de outros
estados de exceção.
As leis-medidas estão ligadas a complexidade cada vez maior da vida hodierna e à sua aceleração,
ao alargamento das tarefas do estado e à diversidade de veículos de comunicação entre a sociedade
e o poder. São leis de intervenção em situações concretas para precisos efeitos e que se traduzem
em medidas ou providências dirigidas à resolução deste ou daquele problema em tempo útil; ou, leis
em que a ativo dir-se-ia suplantar a ratio ou a constituiu.
Seja como for, elas não saem do campo da função legislativa, porque alicerçam-se opções políticas
alheias à administração e quando auto exequíveis, não são consuntivas de atos de aplicação às
situações da vida.
Pode haver leis individuais, leis real ou aparentemente individuais. Tudo reside em saber se a razão
de ser da medida concreta e individual que se decreta leva consigo uma intenção de generalidade, se
corresponde a um sentido objetivo ou a um princípio geral, por virtude do qual se alarga o âmbito
da lei de maneira a abranger aquela medida; ou se, pelo contrário, se esgota em si mesma,
desinserida de qualquer novo juízo de valor lega.
• Lei em sentido material não e apenas enquanto dotada de generalidade. É a lei com um ato da
função política e sujeita imediatamente à Constituição. Sem essa localização, sem a ponderação
prospetiva do interesse geral, sem a visão ampla da comunidade política, sem a discricionariedade
que lhe é inerente, não existe lei,
• A lei é o meio de ação essencial do poder sobre a vida social. Com a lei trata-se de programar e
promover. pelas suas prescrições, uma ordem político-social; trata-se de legitimar e normalizar,
juridicamente, uma política global do Estado. Por isto, os regulamentos não podem ser leis em
sentido material. E tão-pouco o podem ser as declarações de inconstitucionalidade e de ilegalidade
de normas jurídicas com força obrigatória geral; ou o podem ser as sumulas vinculantes.
No piano orgânico-formal é completa vinculação, sob um tríplice aspecto: o dos órgãos, ou das
formas e o da força jurídica. Os órgãos legislativos são sempre órgãos constitucionais; as formas de
lei são apenas as prescritas pela Constituição; e a força de lei a que dela decorre.
Não se defronta aqui só um problema de perfil interno do ordenamento, por a Constituição ser a
norma primária sobre produção jurídica. Defronta-se também um problema de índole política. A
escolha entre um ou mais órgãos como competência legislativa e entre uma ou várias formas de lei,
assim como a fixação da respetiva força jurídica dependem dessas características; enquadram-se na
Constituição material; têm tudo que ver com um princípio da divisão e com o modo de encarar as
relações entre o estado e os cidadãos. Existe, pois, uma verdadeira reserva de Constituição no
domínio das competências legislativas, das formas e da força de lei. A reserva de Constituição vai,
porém, para lá das competências legislativas e pode assumir duas configurações:
Umas vezes, consiste numa reserva de regulamentação, de tal jeito que são as normas
constitucionais que fazem o travejamento da matéria e a recortam perante as outras. Assim, as
formas de exercício da soberania ou do poder político são as previstas na Constituição; o conteúdo
essencial dos direitos do cidadão é o resultante dos preceitos constitucionais e somente são
admissíveis as restrições nestes previstas ou decorrentes dos princípios constitucionais; a vinculação
internacional dos estados e a fiscalização da constitucionalidade fazem-se nos termos da
Constituição.
- Outras vezes, a reserva de Constituição traduz-se numa numeração exaustiva. Entram aqui os
pressupostos da declaração de estado de defesa, do estado de sítio e de estado de emergência; os
poderes do estado ou os órgãos de soberania; os casos de maioria parlamentar qualificada; as
matérias excluídas de legiferação pelo poder executivo, etc; Da reserva de Constituição distingue-se
a reserva de lei; Na reserva de Constituição, esta chama a si certa matéria, conferindo-lhe um
tratamento a nível de normas que apenas podem ser alteradas através dos procedimentos de revisão
e cuja garantia se insere de pleno na garantia da constitucionalidade. Na reserva de Constituição, o
órgão legislativo está sujeito a um princípio heteronomia.
Na reserva de lei a Constituição impõe que tal tarefa caiba à lei, vedando à administração e à
jurisdição qualquer interferência ou qualquer interferência a título principal. Na reserva de lei o
órgão legislativo está sujeito a um princípio de autonomia ou de autoconformação.
A enumeração exaustiva (numerus clausus) ou, doutro prisma, A tipicidade constitucional situa-se
em plano diverso do da tipicidade legal, que não é senão uma reserva qualificada de lei. A reserva de
atos normativos oferece-se nuns casos absoluta e noutros relativa. É absoluta quando se afasta a
presença de quaisquer outros atos ou tipos de atos normativos na matéria. É relativa quando os
critérios ou os fatores de normação ou de decisão caberem não tipo de atos constitucionalmente
eleito, se admite a colaboração subordinada de atos de outra natureza ou de grau inferior.
A reserva de lei desempenha uma função excludente e, mais do que isso, uma função positiva de
reforço de princípio da legalidade da administração e jurisdição. Numa dimensão menos exigente,
legalidade equivale a não desconformidade da atividade administrativa e jurisdicional com a norma
jurídica, seja qual for; e, num alcance mais significativo, a não desconformidade com a norma
legislativa. Mas aí onde a constituição imponha reserva de lei, legalidade não implica somente
prevalência ou preferência de lei, nem sequer prioridade de lei; traduz-se em sujeição do conteúdo
dos atos administrativos e jurisdicionais aos critérios, aos valores, ao sentido imposto pela lei como
ato legislativo; envolve, senão monopólio normativo, pelo menos fixação primária de sentido
normativo pela lei.
Não tem apenas de não ocorrer contradição com a lei. Tem de haver lei. E é à lei que cabe, por
exemplo, regular uma liberdade, ou considerar ilícito um comportamento das pessoas, ou cominar
uma pena, ou criar um imposto, ou determinar uma forma de intervenção económica do Estado, ou
estabelecer uma incompatibilidade dos titulares de cargos políticos. E perante a lei quaisquer
intervenções de órgãos administrativos ou jurisdicionais só podem dar-se a titulo secundário,
derivado ou executivo, nunca com critérios próprios ou autónomos de decisão.
b) produção de deslegalização
• Fundamento e limite da força de lei encontram-se na constituição. E limite vem a ser igualmente
o direito internacional. Por isso, assim como o regulamento, o ato e o contrato administrativo e o
ato jurisdicional se subordinam à lei, esta cede perante a norma constitucional, originária ou
derivada de revisão, e cede perante as normas de direito internacional vinculativas do estado.
Tal como, noutro plano, a lei não prevalece sobre a decisão de inconstitucionalidade
A lei, que tem um conteúdo típico, apresenta-se igualmente sob uma forma característica. E pode
presumir-se que à forma, sinal da lei, corresponda um conteúdo legislativo. Tanto no
constitucionalismo moderno como em qualquer outro período da história do estado, a lei distingue-
se dos demais atos jurídico-públicos por elementos formais preestabelecidos, que se reportam, uns,
ao seu modo de revelação e, outros, ao seu modo de produção. A forma de lei é uma forma
constitucionalmente definida.
À partida, o legislador constituinte pode optar ou por uma só forma de lei ou por uma pluralidade
de formas: por uma única forma, em virtude da unidade fundamental da função legislativa; por
várias formas, em conexão com a diversidade de fins e sentido possíveis, de competências e de
articulações com outros atos.
No século XX houve que proceder a adaptações e mesmo a atenuações significativas em face das
aceleradas exigências de intervenção nos domínios económicos, sociais e culturais, da cópia de leis
tornadas necessárias ou convenientes e do peso das tecnocracias. E houve por isso que reconhecer
aos governos, explícita ou implicitamente, faculdades legiferantes. A mesma tendência se regista no
século XXI.
à de regulamento