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O desenvolvimento das funções sensoriais segue uma sequência temporal bem definida, que
concerne de início um sistema tátil responsável pelo tocar, logo em seguida, as estruturas
químico-sensoriais nasais (olfato) e orais (gustação), seguidas de estruturas auditivas, e enfim
mais tardiamente, do sistema visual.
Exemplo:
Os odores e os sabores de certos alimentos ingeridos pela mãe não são somente detectados,
mas também memorizados pelo feto, e influenciam as preferências olfativo-gustativas
observadas na criança após o nascimento. O bebê prefere aquilo que ele reconhece.
No que diz respeito à fala, os fetos são capazes de diferenciar duas sílabas, frases, locutores,
línguas, canções infantis, ou pedaços de música. As capacidades do feto para discriminar são
bem documentadas, revelando um funcionamento auditivo eficaz que continua se
aprimorando durante os primeiros anos pós-natais. Observamos que o recém-nascido prefere
o som ao silêncio, que entre os diferentes sons ele prefere a voz, entre as vozes, as vozes
femininas, e entre elas a voz de sua mãe. Ele prefere também a língua falada por sua mãe a
outras línguas, o que indica não somente que ele discrimina sons diferentes percebidos in
útero, mas também que ele reconhece-os como sendo semelhantes àqueles que ele escuta
após o nascimento. Isto revela uma continuidade transnatal de capacidades auditivas, o feto
memoriza e se habitua aos sons mais familiares, que passam a ser os seus preferidos após o
nascimento.
Sobre o plano perceptivo, alguns cientistas pensam que o recém-nascido (e no nosso ponto de
vista, o feto mais ainda) tem um limiar integrativo global pouco elevado, e que este limiar inclui
o conjunto de percepções sensoriais. Cada modalidade sensorial interage com as outras e se
uma recebe um estímulo mais intenso, a capacidade global para integrar as outras são
reduzidas. Por exemplo: um bebê de três meses ao qual nós propomos olhar diferentes
tamanhos de bolas brilhantes escolherá a maior. Se, porém, nós o fizermos ouvir música, ele se
virará da maior para olhar uma menor. Quanto mais a intensidade da música aumenta, mais o
olhar do bebê se orienta em direção às bolas de tamanhos cada vez menores. O senso comum
já percebeu isso quando afirma que não se deve distrair um bebê enquanto ele mama, pois ele
parará de sugar se algo desviar sua atenção.
Desde o nascimento, o bebê discrimina a expressão de certas emoções tais como o medo, a
felicidade e a tristeza. Ao escutar uma voz de ator declamando uma mesma frase com esses
três componentes, o bebê prefere a expressão de felicidade. Pensamos que ele associa o tom
de voz e a emoção graças às flutuações de entonação que acompanham as modificações da
fisiologia materna ligadas a essas emoções (ritmos, fluxos hormonais, tônus muscular). Esta
capacidade de memorizar as sensações e de reconhecer as emoções, ver os sentimentos, dão
ao feto os primeiros instrumentos que permitem estabelecer uma relação afetiva entre um
recém-nascido e os outros suscetíveis de lhe assegurar a sobrevivência.
Concluindo...
Nós sabemos que o bebê aprende uma quantidade enorme de coisas no primeiro ano de vida.
No primeiro ano, ele é capaz de distinguir línguas diferentes, mesmo não tendo escutado-as
antes, e ele faz isso a partir do ritmo da língua. De um a quatro meses o bebê é capaz de
discriminar vogais e consoantes de todas as línguas e não só as de sua língua materna. No
início a criança tem competências bastante universais e ao redor de seis meses o bebê começa
a se especializar nos sons de sua língua materna. Por exemplo, aos seis meses, o bebê será
capaz de reconhecer que algumas vogais são características de sua língua. Entre seis e nove
meses eles são capazes de perceber que as palavras em sua língua têm certo padrão acentual.
Entre oito e doze meses, o bebê começa a perder a capacidade de distinguir consoantes que
não fazem parte da sua língua. O que vemos, portanto é que o bebê vai se especializando na
sua língua materna. Uma das hipóteses mais plausíveis para o momento é que o bebê faz uma
análise estatística do sinal acústico, pertinente à questão. Várias experiências mostram que as
crianças são capazes de fazer distinções linguísticas muito sutis.
A voz é um dos elementos de toda uma corporeidade que organiza as experiências do bebê e
lhe dão um sentimento de existência. E o contorno prosódico que descreve um gesto vocal
pode ser próximo a um gesto corporal e isso que é significativo, é o princípio de sintonia afetiva
de Daniel Stern.
Quando o bebê vem ao mundo, sua mãe lhe olha e lhe fala dessa forma particular que nós
chamamos de manhês. Ela fala ao bebê com uma voz musical e ela lhe fala com o resto de seu
corpo, sua face, seus gestos, seu toque. As formas multimodais que ela emprega são tão ricas e
sutis que a voz, ela mesma se multiplica. Ela pode ser modulada de acordo com várias
dimensões, tais como a altura, o timbre, a intensidade, a dinâmica, quer dizer seu
desenvolvimento no tempo.
É importante notar que há uma modulação quase infinita e qualitativamente muito rica de
contorno prosódico: a altura da voz pode subir rapidamente ou lentamente, cada vez mais
rápida e sua intensidade também pode variar com seu timbre. É por isso que a noção de
contorno de vitalidade é tão sutil e tão útil. É nessas modulações precisas ligadas ao contexto,
daquelas que precedem e daquelas que seguem e aos estados de trocas subjetivas que
exprime o bebê no seu corpo e na sua voz, que se organiza um primeiro nível de narratividade.
O bebê parece descobrir os poderes expressivos de sua voz no decorrer do segundo mês de
vida, ele vocaliza durante interações lúdicas, em alternância, imitando quem o escuta, mas
também acrescentando às vocalizações da mãe, nas situações polifônicas, onde a interação das
vozes num mesmo tempo produz novas qualidades.
Linguagem e comunicação do bebê de zero aos três meses
O “manhês” é a língua que todas as mães do mundo empregam para falar com seus bebês. Nos
últimos anos convém melhor chamá-la de “parentês”, já que o pai, assim como outros adultos
que se ocupam do bebê, a empregam também. No plano prosódico, o manhês compreende
um registro de voz mais alto que de hábito., uma gama de contorno de entonação restrita mas
com modulações e variações de altura muito exageradas, formas melódicas longas e doces,
com variações amplas. O efeito de ritmo prosódico é amplificado pela frequência de repetições
silábicas. Essa prosódia é portadora de informações afetivas para o recém-nascido.
Desde sete semanas de vida o bebê prefere a produção sonora de uma mulher que fale em
manhês; e ele prefere mesmo que seja numa língua estrangeira. Isso é muito perceptível
quando recebemos bebês estrangeiros em consultas. Eles se mostram muito interessados pelo
que contamos, desde que o adulto que se dirige a ele fale um bom manhês. Essas primeiras
mensagens verbais, transmitidas através dos contornos melódicos – nós podemos dizer através
da entonação – os valores afetivos, eles motivam, eles direcionam para a comunicação verbal.
Esta dimensão musical e poética, portadora desses valores afetivos é superior à representação
de palavras que podem ser não importa quais.
A escuta dos registros de interações mãe-bebê tem revelado que a mãe se dirige ao seu bebê
dialogicamente, atribuindo-lhe turnos de fala, ou seja, um espaço temporal durante o qual o
bebê pode se manifestar. A mãe coloca, assim, seu pequeno na categoria de interlocutor e
considera os sinais produzidos por ele como atos de fala, aos quais ela vai dar uma tradução,
falando no seu lugar. Um exemplo: um bebê ao seio para e retorna à sucção do leite materno; a
mãe diz no lugar do bebê: “tenho fome, mamãe”. O bebê vocaliza; e a mãe traduz: “oh! Sim
mamãe, sim!”. Quando o bebê combina uma sequência de sons, a mãe interpreta como uma
narração e o encoraja: “Conte mais! Conte!”. Um registro em sala de parto mostra que a mãe
inicia instantaneamente a troca de turnos. Uma mãe chama seu recém-nascido que acabou de
ser colocado no seu peito: “Meu bebê! Meu bebê!”. A bebê eleva seus olhos em direção ao
rosto de sua mãe e seus olhares se encontram. A mãe fala no lugar da bebê: “De quem é esta
voz? Eu conheço esta voz! É a voz da mamãe!”, e porque seu bebê falou, a mãe lhe responde:
“Mas sim minha pequena, é a voz da mamãe! É a voz da mamãe!”.
Nós sabemos que entre 4 e 12 semanas o bebê é muito ativo verbalmente nas trocas de turno,
esta atividade foi nomeada como protoconversação. Trevarthen afina os conhecimentos sobre
a protoconversação demonstrando como o adulto e o bebê seguem um modelo rítmico, com
uma regularidade predizível. Eles podem trocar assim sons, expressões faciais ou gestos, por
vezes de modo sincrônico, e mais frequentemente, alternando sobre um intervalo regular. Ele
descobriu que estes modos são co-criações do bebê e do adulto, cada um capaz de prever com
exatidão o que o outro fará.
Esta ideia do bebê como ator protagonista, nem sempre é partilhada pela maioria dos
psicanalistas, que atribuem o papel central, e por vezes praticamente exclusivo, ao aparelho
psíquico materno.
Entretanto, Françoise Dolto (1956), já afirmava, que há desde o início uma linguagem nos
bebês que, “desde o começo de seu destino biológico entram em troca emocional inefável com
sua mãe”. Ela assumiu que mesmo sem palavras, há linguagem e que um bebê de poucos dias
já se manifesta através de “ruídos” modulados, com pausas escandidas e que se a mãe
responde em eco, o pequeno retoma, para de novo, escuta, e que se trata portanto de uma
linguagem no sentido pleno, onde o bebê “é talvez, aquele que dá mais, que tem mais a dizer”.
Para Dolto, há uma linguagem de gestos, de sons, de mímicas, de olhares.