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O desenvolvimento da sensorialidade fetal

No decorrer da segunda metade da gestação, o feto já dispõe de capacidades sensoriais: ele


escuta, degusta, cheira...Atualmente as pesquisas investigam as relações existentes entre os
diferentes sistemas sensoriais, bem como seu papel no desenvolvimento da vida afetiva. As
informações sensoriais, memorizadas durante a vida fetal, têm papel determinante no
estabelecimento da relação do bebê a nascer com seu entorno físico e psíquico.

Para se desenvolver harmoniosamente o feto humano segue o programa genético herdado de


seus pais e interage in útero com seu ambiente. Ele recebe assim, informações provenientes do
meio externo e do meio interno, que permitem a ele adaptar-se à vida que terá após o
nascimento. O feto, como o recém-nascido, percebe o mundo através das suas sensorialidades
e não pelo intelecto que, será construído progressivamente pela aprendizagem.

O desenvolvimento das funções sensoriais segue uma sequência temporal bem definida, que
concerne de início um sistema tátil responsável pelo tocar, logo em seguida, as estruturas
químico-sensoriais nasais (olfato) e orais (gustação), seguidas de estruturas auditivas, e enfim
mais tardiamente, do sistema visual.

Exemplo:

Os odores e os sabores de certos alimentos ingeridos pela mãe não são somente detectados,
mas também memorizados pelo feto, e influenciam as preferências olfativo-gustativas
observadas na criança após o nascimento. O bebê prefere aquilo que ele reconhece.

No que diz respeito à fala, os fetos são capazes de diferenciar duas sílabas, frases, locutores,
línguas, canções infantis, ou pedaços de música. As capacidades do feto para discriminar são
bem documentadas, revelando um funcionamento auditivo eficaz que continua se
aprimorando durante os primeiros anos pós-natais. Observamos que o recém-nascido prefere
o som ao silêncio, que entre os diferentes sons ele prefere a voz, entre as vozes, as vozes
femininas, e entre elas a voz de sua mãe. Ele prefere também a língua falada por sua mãe a
outras línguas, o que indica não somente que ele discrimina sons diferentes percebidos in
útero, mas também que ele reconhece-os como sendo semelhantes àqueles que ele escuta
após o nascimento. Isto revela uma continuidade transnatal de capacidades auditivas, o feto
memoriza e se habitua aos sons mais familiares, que passam a ser os seus preferidos após o
nascimento.

Sobre o plano perceptivo, alguns cientistas pensam que o recém-nascido (e no nosso ponto de
vista, o feto mais ainda) tem um limiar integrativo global pouco elevado, e que este limiar inclui
o conjunto de percepções sensoriais. Cada modalidade sensorial interage com as outras e se
uma recebe um estímulo mais intenso, a capacidade global para integrar as outras são
reduzidas. Por exemplo: um bebê de três meses ao qual nós propomos olhar diferentes
tamanhos de bolas brilhantes escolherá a maior. Se, porém, nós o fizermos ouvir música, ele se
virará da maior para olhar uma menor. Quanto mais a intensidade da música aumenta, mais o
olhar do bebê se orienta em direção às bolas de tamanhos cada vez menores. O senso comum
já percebeu isso quando afirma que não se deve distrair um bebê enquanto ele mama, pois ele
parará de sugar se algo desviar sua atenção.

Apesar da imaturidade do córtex cerebral, as percepções pré-natais podem ser memorizadas e


observamos, desde o nascimento, uma preferência pelo objeto dessas percepções. Essa
memória se traduz por uma preferência do recém-nascido para os sons, cheiros, ou sabores
percebidos in útero, se o período da gestação foi estável e sem intercorrências; ao contrário,
por manifestações de medo ou de rejeição se, a mãe ou o feto foram submetidos a
desconfortos, estresse ou violências. A percepção e o reconhecimento dos ritmos são
memorizados pelos fetos, quer sejam eles sonoros, motores (ritmo do andar materno), táteis
(carinho) e mesmo visuais (alternância do dia e da noite). Memorizadas, essas percepções
influenciam as preferências pós-natais do bebê, preparando-o para reconhecer seu meio
ambiente e para adaptar-se a ele.

Desde o nascimento, o bebê discrimina a expressão de certas emoções tais como o medo, a
felicidade e a tristeza. Ao escutar uma voz de ator declamando uma mesma frase com esses
três componentes, o bebê prefere a expressão de felicidade. Pensamos que ele associa o tom
de voz e a emoção graças às flutuações de entonação que acompanham as modificações da
fisiologia materna ligadas a essas emoções (ritmos, fluxos hormonais, tônus muscular). Esta
capacidade de memorizar as sensações e de reconhecer as emoções, ver os sentimentos, dão
ao feto os primeiros instrumentos que permitem estabelecer uma relação afetiva entre um
recém-nascido e os outros suscetíveis de lhe assegurar a sobrevivência.

Sabemos também que as estimulações percebidas no decorres da vida intra-uterina participam


no modelo estrutural e funcional do sistema nervoso. Um sistema excessivamente ou
insuficientemente estimulado pode ser perturbado ou inibido no seu desenvolvimento. Isso
destaca a importância de preservar a mãe, bem como o bebê prematuro, de estimulações
excessivas, insuficientes ou deformadas, que possam perturbar o desenvolvimento de
estruturas sensoriais.

É pela habituação pré-natal aos estímulos do meio que o desenvolvimento de preferências da


primeira infância por certas sonoridades e certos movimentos, as apetências gustativas e
olfativas ocorrem. É assim também que se prepara a relação afetiva ao mundo e a
aprendizagem da linguagem.

Concluindo...

- Há uma funcionalidade precoce dos sistemas sensoriais;

- Há uma memorização de estímulos percebidos, sinal de que uma aprendizagem sensorial é


possível nos fetos;

- Há uma influência dessas sensações na vida afetiva do bebê após o nascimento.

Percepção de fala nos bebês

Nós sabemos que o bebê aprende uma quantidade enorme de coisas no primeiro ano de vida.
No primeiro ano, ele é capaz de distinguir línguas diferentes, mesmo não tendo escutado-as
antes, e ele faz isso a partir do ritmo da língua. De um a quatro meses o bebê é capaz de
discriminar vogais e consoantes de todas as línguas e não só as de sua língua materna. No
início a criança tem competências bastante universais e ao redor de seis meses o bebê começa
a se especializar nos sons de sua língua materna. Por exemplo, aos seis meses, o bebê será
capaz de reconhecer que algumas vogais são características de sua língua. Entre seis e nove
meses eles são capazes de perceber que as palavras em sua língua têm certo padrão acentual.
Entre oito e doze meses, o bebê começa a perder a capacidade de distinguir consoantes que
não fazem parte da sua língua. O que vemos, portanto é que o bebê vai se especializando na
sua língua materna. Uma das hipóteses mais plausíveis para o momento é que o bebê faz uma
análise estatística do sinal acústico, pertinente à questão. Várias experiências mostram que as
crianças são capazes de fazer distinções linguísticas muito sutis.

As formas da voz: o estudo da prosódia na comunicação vocal mãe-bebê

A voz é um dos elementos de toda uma corporeidade que organiza as experiências do bebê e
lhe dão um sentimento de existência. E o contorno prosódico que descreve um gesto vocal
pode ser próximo a um gesto corporal e isso que é significativo, é o princípio de sintonia afetiva
de Daniel Stern.

A voz humana é um instrumento de comunicação extraordinário. Tem um papel fundamental


desde o início da vida, toca o feto no útero. O encontro entre o bebê e seu mundo se faz
inicialmente por via sonora. O banho sonoro, de acordo com Didier Anzieu, constitui um
primeiro espaço psíquico para o bebê. Seu componente principal é sem dúvida o fluxo
dinâmico da voz da mãe que torna-se um significante potente da presença e da identidade da
mãe. Suas inflexões, suas cadências, seu “grão” como diz Roland Barthes, são dimensões
variáveis que lhe confere uma qualidade tão única quanto a impressão digital. Pesquisas
demonstraram a sensibilidade particular dos fetos para a voz em geral e pela voz da mãe em
particular, e de maneira ainda mais interessante – pela voz da mãe que lhe fala, ou seja, que é
musicalizada.

Quando o bebê vem ao mundo, sua mãe lhe olha e lhe fala dessa forma particular que nós
chamamos de manhês. Ela fala ao bebê com uma voz musical e ela lhe fala com o resto de seu
corpo, sua face, seus gestos, seu toque. As formas multimodais que ela emprega são tão ricas e
sutis que a voz, ela mesma se multiplica. Ela pode ser modulada de acordo com várias
dimensões, tais como a altura, o timbre, a intensidade, a dinâmica, quer dizer seu
desenvolvimento no tempo.

É importante notar que há uma modulação quase infinita e qualitativamente muito rica de
contorno prosódico: a altura da voz pode subir rapidamente ou lentamente, cada vez mais
rápida e sua intensidade também pode variar com seu timbre. É por isso que a noção de
contorno de vitalidade é tão sutil e tão útil. É nessas modulações precisas ligadas ao contexto,
daquelas que precedem e daquelas que seguem e aos estados de trocas subjetivas que
exprime o bebê no seu corpo e na sua voz, que se organiza um primeiro nível de narratividade.

A voz carrega as intenções e emoções que surgem espontaneamente nos encontros


comunicativos entre a mãe e o bebê. Aquilo que ela transmite é percebido imediatamente, na
instantaneidade de seu acontecimento, sem mediação. Esta é a sua grande força. Sabemos que
os bebês também têm uma memória desenvolvida para a melodia, eles reconhecem ainda
durante muito tempo após o nascimento estímulos musicais ouvidos intra-útero.

O bebê parece descobrir os poderes expressivos de sua voz no decorrer do segundo mês de
vida, ele vocaliza durante interações lúdicas, em alternância, imitando quem o escuta, mas
também acrescentando às vocalizações da mãe, nas situações polifônicas, onde a interação das
vozes num mesmo tempo produz novas qualidades.
Linguagem e comunicação do bebê de zero aos três meses

O “manhês” é a língua que todas as mães do mundo empregam para falar com seus bebês. Nos
últimos anos convém melhor chamá-la de “parentês”, já que o pai, assim como outros adultos
que se ocupam do bebê, a empregam também. No plano prosódico, o manhês compreende
um registro de voz mais alto que de hábito., uma gama de contorno de entonação restrita mas
com modulações e variações de altura muito exageradas, formas melódicas longas e doces,
com variações amplas. O efeito de ritmo prosódico é amplificado pela frequência de repetições
silábicas. Essa prosódia é portadora de informações afetivas para o recém-nascido.

Desde sete semanas de vida o bebê prefere a produção sonora de uma mulher que fale em
manhês; e ele prefere mesmo que seja numa língua estrangeira. Isso é muito perceptível
quando recebemos bebês estrangeiros em consultas. Eles se mostram muito interessados pelo
que contamos, desde que o adulto que se dirige a ele fale um bom manhês. Essas primeiras
mensagens verbais, transmitidas através dos contornos melódicos – nós podemos dizer através
da entonação – os valores afetivos, eles motivam, eles direcionam para a comunicação verbal.
Esta dimensão musical e poética, portadora desses valores afetivos é superior à representação
de palavras que podem ser não importa quais.

Mehler e colaboradores mostraram que os recém-nascidos franceses de 4 dias distinguem a


língua russa da língua francesa e preferem o francês. Os bebês “compararam”, passagens lidas
por uma bilíngue franco-russa e demonstraram sua preferência através do método de sucção
não nutritiva. As performances dos bebês repousam sobre critérios prosódicos nos trechos em
russo e em francês.

- A protoconversação e a troca de turnos –

A escuta dos registros de interações mãe-bebê tem revelado que a mãe se dirige ao seu bebê
dialogicamente, atribuindo-lhe turnos de fala, ou seja, um espaço temporal durante o qual o
bebê pode se manifestar. A mãe coloca, assim, seu pequeno na categoria de interlocutor e
considera os sinais produzidos por ele como atos de fala, aos quais ela vai dar uma tradução,
falando no seu lugar. Um exemplo: um bebê ao seio para e retorna à sucção do leite materno; a
mãe diz no lugar do bebê: “tenho fome, mamãe”. O bebê vocaliza; e a mãe traduz: “oh! Sim
mamãe, sim!”. Quando o bebê combina uma sequência de sons, a mãe interpreta como uma
narração e o encoraja: “Conte mais! Conte!”. Um registro em sala de parto mostra que a mãe
inicia instantaneamente a troca de turnos. Uma mãe chama seu recém-nascido que acabou de
ser colocado no seu peito: “Meu bebê! Meu bebê!”. A bebê eleva seus olhos em direção ao
rosto de sua mãe e seus olhares se encontram. A mãe fala no lugar da bebê: “De quem é esta
voz? Eu conheço esta voz! É a voz da mamãe!”, e porque seu bebê falou, a mãe lhe responde:
“Mas sim minha pequena, é a voz da mamãe! É a voz da mamãe!”.

Nós sabemos que entre 4 e 12 semanas o bebê é muito ativo verbalmente nas trocas de turno,
esta atividade foi nomeada como protoconversação. Trevarthen afina os conhecimentos sobre
a protoconversação demonstrando como o adulto e o bebê seguem um modelo rítmico, com
uma regularidade predizível. Eles podem trocar assim sons, expressões faciais ou gestos, por
vezes de modo sincrônico, e mais frequentemente, alternando sobre um intervalo regular. Ele
descobriu que estes modos são co-criações do bebê e do adulto, cada um capaz de prever com
exatidão o que o outro fará.

A musicalidade que permitirá o compartilhamento das experiências intersubjetivas. Para


Trevarthen, o bebê nasce dotado de uma motivação que lhe coloca a querer partilhar sua
experiência com seus próximos. Entre o bebê e a mãe, isto é possível, através da coordenação
e da antecipação precoce de suas expressões vocais , mas também visuais, gestuais e posturais.
Assim, eles compartilham suas experiências de maneira direta e imediata em um espaço
psíquico intersubjetivo. O bebê é desde o início um parceiro que tem um importante papel. Ele
nasce com um espírito aberto direcionado ao outro.

Esta ideia do bebê como ator protagonista, nem sempre é partilhada pela maioria dos
psicanalistas, que atribuem o papel central, e por vezes praticamente exclusivo, ao aparelho
psíquico materno.

Entretanto, Françoise Dolto (1956), já afirmava, que há desde o início uma linguagem nos
bebês que, “desde o começo de seu destino biológico entram em troca emocional inefável com
sua mãe”. Ela assumiu que mesmo sem palavras, há linguagem e que um bebê de poucos dias
já se manifesta através de “ruídos” modulados, com pausas escandidas e que se a mãe
responde em eco, o pequeno retoma, para de novo, escuta, e que se trata portanto de uma
linguagem no sentido pleno, onde o bebê “é talvez, aquele que dá mais, que tem mais a dizer”.
Para Dolto, há uma linguagem de gestos, de sons, de mímicas, de olhares.

Desde os primeiros minutos após o nascimento, o recém-nascido é capaz de entrar numa


conversação ritmada e melódica.

Sinais trangeracionais relacionais identificáveis

A sensibilidade dos recém-nascidos é particularmente receptiva às atenções. O humano é


falante e esta dimensão que lhe é específica lhe permite imergir, desde o seu nascimento,
neste modo de comunicação privilegiado ao outro, que é a fala. Não devemos deixar de usar a
fala quando nos dirigimos às outras pessoas destinadas a falar, mas cuja fase evolutiva ainda
não está madura.
Se o instinto de sobrevivência é básico, ele é transcendido no humano pelo laço afetivo (Stern).

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