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A Miséria da Crítica Heterodoxa

l
Primeira Parte: Sobre as Críticas
,/
Marcos de Barros Lisboa2

A Ricardo de Mendonça Tolipan

Os piores leitores são aqueles que procedem como soldados saqueadores: escolhem
algumas poucas coisas que podem utilizar, corrompem e confundem o restante, e
blasfemam o todo.
Nietzsche

"Eu não posso acreditar nisto!", disse Alice.


"Não pode?", disse a Rainha com pena. "Tente de novo: respire profundamente, e feche
os seus olhos".
Alice riu. ''Não tem qualquer sentido tentar", ela disse: "não se pode acreditar em coisas
impossíveis. "
"Eu ouso dizer que você não tem muita prática", disse a Rainha. "Quando eu era da sua
idade. sempre praticava durante meia hora por dia. Algumas vezes, cheguei a acreditar
em seis coisas impossíveis antes do café da manhã."
Lewis Carrol. Através do Espelho

I Ao longo da nossa fonnaçlo acumulamos dividas. gratidões. innu~ncias e laços afetivos qlK nn ~~
estão no centro das nossas escolhas profissionais e motivação intelectual. A responsabilidade ~ n""~,,
equlvocos nos pertence. Porém. mesmo no maior descaminho. há a generosidade dos que nos <kdICMT1 \'
seu tempo. seu passado e sua fonnação. e a nossa divida é em nada diminuída se a nossa telm~~ uu
Incapacidade levam a uma trajetória que repete erros ou. quando original e criativa. inventa Ikt\\"
equivocos. Um ensaio arrogante. que propõe panicipar de um debate sobre teoria econômica. me JWnt
ser o momento adequado para tomar pública minha divida com Ricardo Tolipan. que orienlou a man~
tese de mestrado anos atrás com humor, elegância. erudição e. sobretudo. prazer genuíno na dl'oCU\~l
CUidadosa da teoria. suas limitações e a necessidade da critica. Ricardo se aposentou ano passado e tal\CI
caiba um agradecimento dos que tiveram o prazer da sua convivência na UFRJ - ou será que sucumt-I . '
elogio Acaciano? Como um santo Rabelaisiano. Ricardo assombrou durante muitos anos os ~umenh"
qUI: ameaçavam virar verdade cena e estabelecida. pela repetição sistemática. em uma casa abcru ••
ddlale mas onde o desafio da polltica muitas vezes impôs palavras de ordem.
: Marco Antonio Bonomo. José Márcio Camargo. Paulo Correa. Pedro Ferreira. Samuel Pe5SÕa. leonarJo.
Rezende e Maria Cristina Terra comentaram uma versão preliminar e reduziram o número de eqUI\OC'h
Mano Possas discutiu e corrigiu uma versão prévia com 8 precisa0. generosidade e abertura ao detwc
habituais. Muito deste ensaio foi elaborado em longas conversas com meu innlo Ricardo Hennque..
Amda que várias das conclusões nlo lhe agradem. incluindo um certo otimismo com a possibilidade ~
ciencia. pane deste ensaio lhe pertence. Outra pane pertence a minha mulher. Magda Lisboa que. além do
mais. fez diversos comentários e correções. Infelizmente. nAo tenho com quem companilhar os erros que
ainda restem.
BIBLIOTf:CA \
MARIO Hf:NR CJ:: c.1:i,O:~S::N ,
FUNDAÇÃO G:: GLI V.,f;(;.h5 i

'f~~fJZ;i \
AcoAvo.' 4 gqo}
11/ '8Lt9~~
1- Introdução
o ensino da teoria neoclássica em diversas universidades brasileiras segue com
freqüência um roteiro algo previsível: ao longo das primeiras aulas o professor
sistematiza os primeiros capítulos de algum manual de micro ou macroeconomia
neoclássica para graduação, destacando, com especial ênfase, as hipóteses utilizadas.
Segue-se uma breve discussão sobre como uma casual evidência empírica revela o total
absurdo destas hipóteses. A conclusão inevitável é o necessário abandono da teoria
neoclássica e a urgência de uma teoria alternativa. Dependendo da universidade em
questão esta teoria alternativa pode ser: pós-keynesiana; neo-ricardiana; neo-
shumpeteriana; marxista; ou qualquer combinação criativa das alternativas anteriores.
Este exercício do ensino é algo curioso. Ele equivale a iniciar um curso de
matemática utilizando um manual de cálculo tradicional. Após apontar o absurdo das
hipóteses utilizadas, o professor então conclui, com ênfase Rodriguiana, do absurdo da
moderna matemática como base adequada para uma teoria dos números!
É inconcebível o uso de manuais desenhados para uma primeira etapa na
formação em teoria neoclássica como base para uma discussão sobre os fundamentos
desta teoria, suas limitações metodológicas e a necessidade de sua superação. Durante
muitos anos, os economistas heterodoxos criticaram o tratamento superficial dispensado
pela tradição neoclássica aos autores clássicos e Marx, que em geral se baseia em
alguma versão vulgarizada destes autores. Nada distinto, no entanto, é feito por estes
mesmos economistas no que se refere à teoria neoclássica.
Mais ainda, diversos autores heterodoxos interpretam o desenvolvimento da
teoria do equilíbrio geral como um processo de construção retórica que procura
legitimar um projeto conservador:
"A teoria do equilíbrio geral ... é o ponto de partida teórico para a
compreensão da atualização, pelo programa neoclássico de um velho e
caro projeto ortodoxo: demonstrar a superioridade do mercado como
elememo regulador e constituinte da ordem". (Ganem, 1996, p.l 05)
Eu. que trabalho com teoria de equilíbrio geral há vários anos. leio esta
afirmação com interesse, surpresa e angústia. Há um projeto invisível, que controla e
justifica a minha pesquisa. e que eu ignoro? Será que faço parte de um pacto
inconsciente com Mefistófeles, que virá mais tarde reclamar o que lhe é de direito? Leio
o artigo. ansioso. esperando encontrar a revelação da minha motivação secreta. dos fios
de marionete que controlam as minhas escolhas. Qual a fonte da verdade. quais os
argumentos sutis que me escaparam ao longo de tantos anos e que fundamentam esta
tese? Ah!, as expectativas nem sempre são racionais. Deparo-me com a frustração:
suporte algum é fornecido! ~er.dade anto-evidente, o artigo prossegue
argumentando que a teoria neoclássica possui um interesse retórico em justificar um
projeto político, porém seus autores, algo ingênuos e rigorosos, concluem, frustrados.
que o modelo de equilíbrio geral leva exatamente a resultados opostos aos
encomendados: a t~a do equilíbrio geral mostraJ;UJ.e o equilíbrio competitivo pode ser
i~o, instável e não b4. ~~~~_, qua1que~pe_rança d~_demonstrar o velho e
caro projet<LQJ:lOOoxo. Não consigo resistiilrleseõposta: os autores do equilíbrio geraJ
Siõ. de fato, céticos sobre a possibilidade de funcionamento dos mercados; espiões
infiltrados. cujo único objetivo, perverso, é demonstrar precisamente a impossibilidade
de funcionamento dos mercados!
A criatividade heterodoxa. no entanto, não se limita a propor motivações
ideológicas. Oavidson (1984,1996). por exemplo, afirma que entre os axiomas
utilizados pela teoria neoclássica encontra-se o ""axioma da ergoticidade". Segundo
Carvalho (1992, p. 42), ''the axiom of ergoticity assumes that economic processes are
basically stationary ..." Quando uma hipótese deve ser considerada um axioma? Deve-se
esperar, pelo menos, que a maioria dos trabalhos a utilizem. Neste caso, no entanto, uma
vez mais eu, que trabalho com teoria do equilíbrio geral, sou pego de surpresa pela
crítica heterodoxa: jamais encontrei qualquer hipótese semelhante ao axioma da
ergoticidade nos principais modelos utilizados pela teoria do equilíbrio geral?
As origens da desinformação sobre teoria neoclássica pertencem à história do
pensamento econômico e provavelmente estão relacionadas à identificação da teoria
neoclássica como instrumento da defesa de políticas liberais, principalmente uma crença
quase religiosa no funcionamento dos mercados. Infelizmente, esta identificação
indevida é, no entanto, freqüente. 4
Este ensaio tem como objetivo discutir diversas críticas usuais à teoria
neoclássica encontradas na literatura sobre economia no Brasil, principalmente entre os
autores pós-keynesianos e neo-ricardianos. Estas críticas têm em comum procurar
apontar a existência de alguma hipótese essencial à tradição neoclássica, hipótese essa
que, segundo os críticos, é empiricamente falsa ou tem implicações incompatíveis com a
natureza de uma economia de mercado. Incidentalmente, procuro mostrar que esta
tradição produz diversos resultados incompatíveis com um óbvio projeto ideológico
conservador. 5 As seguintes críticas são discutidas neste ensaio:
I) A hipótese de racionalidade implica que:
ex» os agentes saibam estimar corretamente o futuro;
CXlCXl) tenham uma habilidade genial de realizar cálculos sofisticados;
iii) não sigam regras simples de comportamento;
iv) conheçam corretamente todas as opções futuras.
11) A teoria da decisão neoclássica utiliza probabilidades, o que é inconcebível
para tratar incerteza. A teoria da probabilidade lida com eventos repetidos - risco -,
enquanto na realidade econômica a maior parte dos eventos relevantes são únicos, não
repetidos, e portanto incompatíveis com uma abordagem probabilística.
UI) A teoria neoclássica pressupõe que os agentes econômicos possam reavaliar
suas decisões passadas para poder garantir a convergência ao equilíbrio. Esta hipótese
viola o axioma do tempo segundo o qual decisões tomadas no passado não podem ser
perfeitamente refeitas no futuro. Além disso. esta teoria impõe alguns axiomas
incompatíveis com as características de uma economia de mercado. incluindo o axioma
da ergoticidade. da substituição bruta e dos reais.
IV) A teoria neoclássica requer convexidade dos conjuntos de consumo e
produção e portanto:
ex» os bens de consumo são substitutos para todos os consumidores;
CXlCXl) os retornos de escala são decrescentes;
CXlCOCXl) os retornos marginais são decrescentes.
V) A teoria neoclássica requer que:
ex» os bens de capital sejam perfeitamente substitutos;
CXlOO) exista uma função agregada de produção;
000000) a produtividade marginal determine a distribuição de renda.

) Este ponto é discutido com cuidado na seçlo 4.


4 O que nao quer dizer que muitos economistas que utilizam instrumentos neoclássicos nlo sejam liberais.
Apenas. em momento algum a utilizaçlo da teoria neoclássica implica. necessariamente. adotar políticas
liberais.
, Este último ponto é retomado na seq'lência deste artigo. Lisboa (1998).
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VI) A teoria neoclássica é incompatível com a taxa de lucro uniforme (este


argumento também é conhecido sob a forma: a controvérsia do capital demonstra a
existência de inconsistências lógicas na teoria neoc/ássica do valor e da distribuição
de renda).
VII) O conceito de equilíbrio implica a existência de alguma forma dej
estabilidade temporal dos processos econômicos, em particular dos preços e quantidades
produzidas, incompatível com as flutuações observadas nas economias de mercado.
As próximas seções discutem os equívocos presentes em cada uma destas
criticas. Os maiores equívocos são cometidos por alguns autores neo-ricadianos e pós-
keynesianos, principalmente Davidson. Os primeiros simplesmente postulam a
impossibilidade da uniformidade da taxa de lucro na teoria neoclássica. Ao contrário do
que afirma a critica equivocada, em todo equilíbrio competitivo no modelo de equilíbrio
geral com mercados completos a taxa de lucro é uniforme. Davidsen, por 6utmJado,
pro - e como axiomas hi ' teses qu~amais são utilizad . . . eral,
__________ ǧmo o "axioma da er otici . Em algumas lscussões, Davidson chega até mesmo
a inverter os resu tados obtidos, a dizer que alguma proposição estabelece certo
resultado, quando de fato estabelece o resultado oposto, como no caso do modelo com
sunspots.
Em muitos casos, no entanto, os equívocos de Davidson e dos autores pós-
keynesianos parecem refletir o ~esconforto com resultados formais, que resulta na
interpretação incorreta de algum resultado, ou generãTIzação indevida de uma
proposição válida em um modelo específico para toda teoria neoclássica. Este é o caso,
por exemplo, da suposta, e equivocada, incompatibilidade entre teoria do equilíbrio
geral e contratos nominais. O resultado original citado por Davidson mostra a
inexistência de equilíbrio em um modelo com contratos nominais e falência. Esta
inexistência decorre da forma específica como falência é formalizada neste modelo, e
nada tem a ver com a introdução de contratos nominais. trivialmente compatíveis com
os modelos de equilíbrio geral. Outro exemplo é o uso de probabilidades em situações
de incerteza. comum principalmente nos modelos neoclássicos aplicados.
Equivocadamente. os críticos supõem que o uso de probabilidades impõe diversas
restrições sobre os processos econômicos. incluindo a possibilidade de repetição dos
eventos e a necessidade destes processos seguirem algUJE! lei estatisti~estável.
)J
EniÔutros casos. cõri10 nas hipóteses de convexidade e existênciaOe-uma função
de produção. os críticos parecem supor a existência de um conjunto de hipóteses comum
a toda a teoria neoclássica. e que apenas as hipóteses confirmadas empiricamente são
teoricamente justificáveis. Portanto. como em diversos exemplos estas hipóteses são
falsificadas, a teoria neoclássica deve ser abandonada. Ambas as suposições estão
incorretas. Há diversos modelos neoclássicos que não utilizam estas hipóteses,
incluindo, no caso da função agregada de produção, a teoria do equilíbrio geral. De fato,
na segunda parte deste artigo. Lisboa (1998), procuro argumentar Que não há hipótese,
ou princípio teórico, que- seja-comum a.toda-tradição_ne~I~~iç_~ ao contrário do que
propõem os autores heterodoxos.
AIêIil dissO. exisiemJlive~ j~tifi~tiv~p~ização de hipóteses contra-
Jactuais. A construção de_ propo_~içges fonnais permite o mapeamento .de relações de
causalidade. Eventualmente. algum resultado necessita de uma hipótese particular,
dIgamos convexidade. Portant~. deve-se J~~JeSulta.do ~<?mo: "caso a hipót~ de
convexjsJade se.i! adotada nest~ -niOQeIO~eJ}~o proposjç_ão _x
------ -----
-~--- - -- - ---- - -
-está - correta" IamaisL po
----- --
éntal1to. ~ve-se ler o resul~o _como: "'todo neoclássico supõe que a hipótese de
convexidade é em'pfricamente correta". Este mapeamento daS relações de-causalidade
apOntaa- necessi-dade-de hipóteses para alguma conjectura, ilumina as restrições
~---------------------------------------------------------------

impostas por algum argumento, e indica novas áreas de pesquisa, que poderiam passar
desapercebidas pela análise verbal.
Parte da tradição neoclássica, no entanto, caracteriza-se por adotar diversas
hipóteses contra-factuais em modelos aplicados, seguindo, em parte, a abordagem
metodológica instrumentalista proposta por Friedman. De acordo com esta abordagem,
toda teoria é necessariamente uma distorção e simplificação do real, não sendo possível
uma construção teórica realista. Neste caso, deve-se avaliar os diversos modelos não
segundo o seu realismo, posto que nenhum modelo o é, mas sim segundo a sua
capacidade de previsão. Esta abordagem metodológica não está isenta de dificuldades (I
lógicas, mas corresponde a uma importante vertente da tradição neoclássica. Esta ~
vertente não desqualifica a explicação como atributo desejado da teoria, porém, da
mesma forma, não rejeita modelos aplicados com hipóteses contra-factuais cujas
capacidades preditivas, segundo as técnicas estatísticas usuais, sejam as melhores
disponíveis. 6
A última seção discute as críticas heterodoxas ao_ç_º-n~eito de equilíbrio que, com
, fr~a, são dirigjdas a UIiiconc-,;:ItºJI~~ql!ºíb!io que não o utilizado pdLtradjção
, neQclássica dos últimos 40 anOS Semantiç~epte, O co~ceit(L~equilíbrio suge~ um
I pQnto de repouso, ou tendencial, das--- 'Jariáveis--endó8enas.._.E~i~temr~taçãq do
,/ I conceito, provavelmente, está na origem da sua utili?açª~_ em J~~ria econômica. Os
: autores clássicos e os primeiros autores neoclássicos com freqüência supWiliãíri a
existência de valores tendenclélls de lon80- pr~_dosmeç()f_e q~tidades jtróãuZidas.
Estes ,:;al9res tendenciais eram usualmente qualifIc~_~s _como_"~q~il~~o de longo
p~.
\
A crescente formalização da teoria neoclássica a partir do anos 50 apontou, no
entanto, diversas dificuldades com os argumentos tradicionais que utilizavam o conceito
de equilíbrio de longo prazo. Em modelos dinâmicos, a escolha dos agentes depende,
em geral, das suas expectativas sobre o futuro e da história particular observada até o
momento em que a decisão deve ser escolhida. Esta observação trivial. quando
formalizada. em geral. implica que a solução do modelo deve determinar a trajetória das
variáveis endógenas.' Esta trajetória pode ser estável ao longo do tempo em algum
modelo particular ou exibir tendências de longo prazo. mas pode. igualmente. apresentar
urna dinâmica bastante complexa. com flutuações endógenas ou mesmo movimentos
caóticos. Assim. por exemplo. nos modelos com incerteza endógena. o comportamento
das variáveis endógenas pode apresentar movimentos aleatórios devido à expectativa
dos agentes. mesmo quando as primitivas do modelo - dotações iniciais. tecnologias e
preferências - são determinísticas. De forma análoga. nos modelos de ciclo econômico
real. o equilíbrio é caraÇ!erizado por um--.Çonjunto de trajetórias possíveis - processos
est()~á_tic~:-a()s-n1Vefs de produção. con_~!lIDol1lvestimento e~ego. No caso
particular deste modelo. diversas hipóteses particulares garantem o resultado adicional
de que estas flutuações ocorrem em tomo de uma solução de crescimento equilibrado.
Este resultado de forma alguma decorre do uso do conceito de equilíbrio dado que em
diversos modelos semelhantes. porém com hipóteses menos restritivas. são obtidas

• Lisboa (1998. seçlo 2) aponta as dificuldades lógicas com a abordagem metodológica instrumentalista.
além de discutir as abordagens de inspiração popper-lakatiana e o papel da análise formal na construção
teórica neoclássica .
• Para uma discussão sobre este ponto. ver Milgate (1982).
• Caso exista incerteza. a solução do modelo deve determinar o conjunto das trajetórias posslveis.
,-------------------------------------- ---

flutuações das variáveis endógenas sem qualquer tendência de longo prazo, ou mesmo
oscilações ao redor de alguma noção de crescimento equilibrado. 9
Estas observações não significam que a maioria dos modelos desenvolvidos na
tradição neoclássica obtém trajetórias caóticas. Apenas, as opções teóricas que
caracterizam alguns modelos específicos de forma alguma implicam que estas opções
devam ser utilizadas por qualquer modelo neoclássico, ou que fazer teoria neoclássica
implica necessariamente em utilizar estas opções. Muito pelo contrário, o debate dentro
da teoria neoclássica centra-se, com freqüência, precisamente sobre estas questões. Uma
vez, no entanto, que a teoria neoclássica, e em particular, o conceito de equilíbrio, seja
compatível tanto com flutuações endógenas quanto com diversas formas de
racionalidade limitada, como diferenciar o projeto heterodoxo? Em que medida este
projeto é, necessariamente, alternativo ao projeto neoclássico? Por que insistir em
diferenças fundamentais entre neoclássicos e heterodoxos quando a diferenciação
parece ser entre o tratamento dado por alguns autores neoclássicos a certas questões e
alguns dos tratamentos heterodoxos? Sobretudo, por que evitar o diálogo com a tradição
neoclássica quando diversos autores desta corrente estão pesquisando temas
semelhantes aos estudados por autores heterodoxos? Afinal, se equilíbrio não é o que
propõem os heterodoxos, o que significa este conceito e quais as suas implicações? Se a
tradição neoclássica não se caracteriza por algumas hipóteses fundamentais como
convexidade, o que caracteriza esta tradição?
Estas questões são tratadas na seqüência deste artigo, Lisboa (1998), onde retomo a
discussão sobre os conceitos de equilíbrio utilizados na tradição neoclássica. Procuro
argumentar que o conceito de equilíbrio deriva da especificação do processo de
interação dos indivíduos em uma economia de mercado. A necessidade desta
especificação decorre, precisamente, da inexistência de coordenação ex-ante das
decisões individuais em uma economia de mercado, enfatizada seguidamente pelos
autores heterodoxos. 10 Deve-se especificar, em particular, as instituições existentes, as
estratégias disponíveis para cada agente, as suas expectativas sobre o comportamento
dos demais agentes e o processo de tomada de decisão. As estratégias escolhidas pelos
diversos agentes, e portanto a previsão da teoria sobre o comportamento das variáveis
endógenas. depende inevitavelmente das hipóteses adotadas nesta especificação. em
particular das hipóteses sobre as expectativas individuais.
Além disso. discuto alguns princípios metodológicos que caracterizam a tradição
neoclássica recente. Alguns destes princípios são de natureza popper-Iakatiana e se
referem à atitude da teoria frente ao fracasso de suas previsões. Outros. refletem a
natureza formal da tradição teórica neoclássica. Do meu ponto de vista. estes princípios
explicam, ao menos em parte, o sucesso da tradição neoclássica em incorporar novos
temas de pesquisa, novas abordagens e problemas; a "cheia neoclássica". como
qualifica Possas (1997). II Ainda que, do meu ponto de vista. não exista
incompatibilidade entre a teoria neoclássica e diversas contribuições heterodoxas. é
inegável que a prática da pesquisa neoclássica reflete, nos últimos anos. opções teóricas
que. além de bastante formalizadas. restringem o espaço do tratamento alternativo. das
abordagens que se diferenciem significativamente da abordagem neoclássica recente.

'IChiappori e Guesnerie (1991) e Grandmont (1987). Guesnerie e Woodford (1992) e Fanner (1993)
sistematizam diversos resultados e as principais referências bibliográficas desta literatura.
10 Ver. por exemplo. Carvalho (1992) e Possas (1987).
II Eu concordo integralmente. no entanto. com uma das criticas de Possas: há uma tendência de parte do
pensamento neoclássico a ignorar as contribuições fora do mainslream. A critica ao desconhecimento de
formas alternativas de compreensão da realidade econômica é. de fato, um dos pontos fundamentais deste
ensaio.
Esta prática, como em todo discurso científico, revela a existência de um paradigma, um
consenso da maioria da profissão sobre como abordar as questões econômicas, cuja
origem pertence à história do pensamento econômico. Neste sentido, estão à margem
desta "cheia neoclássica" os autores heterodoxos assim como diversos autores
neoclássicos que questionam as alternativas dominantes de pesquisa que caracterizam o
mainstream.
Parece-me fundamental, no entanto, diferenciar entre o que é essencial neste
debate iniciado pelos heterodoxos e diversas falsas questões, que assumiram ares de
verdade estabelecida na tradição do pensamento econômico no Brasil. O discurso sobre
a incompatibilidade entre teoria neoclásica e questões heterodoxas tem justificado a
rejeição a priori das contribuições neoclássicas e, com freqüência, se traduz em uma
prática que ignora e rejeita estas contribuições e seus desenvolvimentos recentes. O
debate crítico e o desenvolvimento de linhas de pesquisa alternativas, necessários e
parte fundamental da pesquisa acadêmica, não devem, acho eu, ter como ponto de
partida o estreitismo do desconhecimento. A construção crítica e original caracteriza
qualquer projeto científico. Há que se apontar, principalmente, os limites das práticas
dominantes do mainstream. É preciso, no entanto, evitar as generalizações apressadas, a
crítica superficial e o uso de espantalhos no debate acadêmico. O efeito perverso da
crítica que desconhece o seu objeto é o isolacionismo e delírio esquizofrênico que
imagina gigantes ao invés de moinhos e, eventualmente, descobre-se melancólica e
isolada em um mundo muito distante do sonho construído.

2- Racionalidade
A hipótese de racionalidade, utilizada na teoria do equilíbrio geral, significa que
cada agente possui um conjunto de opções e é capaz de ordená-las utilizando uma
relação de preferência. As conseqüências desta hipótese podem ser facilmente
entendidas caso exista um número finito de opções: o agente é capaz de dizer qual a
opção preferida entre todas as disponíveis. qual a segunda opção preferida. e assim por
diante. Quando o número de opções é infinito. esta descrição de uma relação de
preferência não é conveniente. pois o agente pode não possuir uma opção preferida: em
algumas circunstâncias. para cada opção apresentada há sempre uma opção melhor.
Neste caso. a relação de preferência do agente pode ser caracterizada através da seguinte
forma alternativa: para cada par de opções apresentadas. o agente descreve qual a opção
preferida. Para que esta caracterização da relação de preferência no caso infinito seja
consistente com a noção intuitiva de ordenamento das opções preferidas. é necessário
que o agente seja capaz de comparar qualquer par de opções e que estas comparações
sejam consistentes. Sendo um pouco formal, suponha que o conjunto factível de
escolhas seja F. A expressão "o agente é capaz de ordenar estas opções ... " significa:
• dadas duas opções quaisquer A e B em F o agente prefere A a B, ou prefere B \'
a A, ou o agente está indiferente entre A e B~
• se o agente prefere A a B e B a C então o agente prefere A a C.
Toda relação de preferência que satisfaz estas duas restrições é dita racional.
A hipótese de racionalidade é menos restritiva do que sugere uma leitura
apressada. O que ocorre,~r exem..QffiL..~Jlo o a~te_tlj(LçO~&Ue escolher ~ntre
duas opçõc.s ffiffiiírla pOr nãda -esColher? Ora. neste caSO havia três e não apenas duas
opções. a tc;rceira sendo precisamente ""nadac:~oJher'·. O conjunto de 'esCõ1llâdoagente
deve sempre incluir todas as opções que o agente considera possível escolher. incluindo.
quando factível, a escolha ""não fazer nada". Outro exemplo usual que, aparentemente.
violaria a hipótese de racionalidade seria a escolha de decisões inconsistentes ao longo
do tempo: o agente hoje escolhe uma opção da qual se arrepende amanhã. Uma vez
mais, esta possibilidade é inteiramente compatível com a hipótese de racionalidade. Esta
hipótese apenas impõe restrições sobre as relações de preferência em um dado momento
de tomada de decisão: "h()i~ ~nbQ estas opções disponíveis e sou capaz de escolher a
que prefiro". Não há qualquer restrição, no entanto, sobre as minhas preferências em
algum outro momento, que podem ser radicalmente distintas, ou mesmo inconsistentes
com as minhas preferências atuais. Assim, por exemplo, o caso de Ulisses, que se 1

amarra ao mastro para não se deixar atrair pelo canto das sereias, é inteiramente
compatível com a hipótese de racionalidade: Ulisses sabe que não consegue resistir a
este canto, porém, uma vez que a ele ceda, inevitavelmente irá se arrepender. Por isso
mesmo, escolhe se amarrar ao mastro.
\ Enfatizando: a hipótese de racionalidade de forma ~a implica que o agente
\ ~o~ se~ do qtre esc()lbe~>que em c~cuiS ""IlÍêlIiantes,
~~]vez no. dia seguinte, ele escolha uma altemativa dis!inta,ouque a
re ação de preferência seja indep~ndente de fatores externos - pressão do grupo,
propaganda ou qna]quer ou~fator desejado.-CYque esta hipótese·-apenas implica é que,
em um dado momento, o agente-[capaz de escolher uma alternativa, que inclusive pode
ser não fazer nada. Como concluem Hausman e McPherson (1994, p. 256):
"The theory [of rationality}js ~ery thin, ~~~~jtmi..se.s llO questions ~
about iliê rciiiônãIity of one's ultimate.ends.JlIldyer:yíewqupstioos about I,
!De rationãlity 01 beIief§~fiie- standard view.ill-ratiooalityconcerns only I'
the internal completeness 8n d GORsistenC)L.ofan individual's'prérerences I,
aI}d the connection between pr.efpreDCeJmçj~hoice." --
A hipótese de racionalidade pode não parecer muito restritiva, mas há diversos
estudos empíricos e teóricos que tentam verificar em que circunstâncias teóricas esta
hipótese pode ser relaxada e em que casos ela não é satisfeita. 12 Por exemplo, é possível
~val"_i!.c:~istência de .equilíbrio competitivo em um_modelo de equilíbrio geral com
uma hipótese bem mais fraca º<!qpe racionalidade. 13 É claro. no éntàillõ~ que~' uma vez
qUe-a' hipótese dê racionalIdade seja abandonada, a própria possibilidade de construir
uma teoria da decisão fica severamente fragilizada. Se o agente prefere estritamente A a
B. 8 a C e C a A. qual das opções é escolhida?
As dificuldades com a construção teórica na ausência da hipótese de
racionalidade, no entanto, não podem ser utilizadas para evitar o teste empírico da
teoria. Em Lisboa (1998), discuto longamente a questão do método na tradição
neoclássica e como, do meu ponto de vista, esta tradição procura, por um lado, avançar
conjecturas teóricas, eventualmente desmentidas, mas que levam a novas definições,
proposições teóricas e novos problemas a serem investigados. Por outro, versões
específicas destas conjecturas são testadas empiricamente. Estes testes, algumas vezes,
apontam dificuldades inesperadas com as conjecturas e sugerem novas linhas de
pesquisa. O desenvolvimento da tradição neoclássica ocorre precisamente neste

I processo de conjecturas, provas e refutações que, progressivamente, estabelece relações


de causalidade, produz evidências empíricas, abre novas linhas de pesquisa e. quando
bem sucedido, novas conjecturas.
Ao longo dos últimos 30 anos, 8 hipótese de racionalidade tem sido objeto de
diversos testes empíricos. Estes testes, no entanto, usualmente referem-se à versões

12 Ver Bell. Raiffa e Tversky (1988) para algumas evidências empiricas sobre a hipótese de racionalidade.
Este ponto é retomado em detalhe em Lisboa (1998. seção 3).
U Ver Mas-Colell (1974).
específicas desta hipótese, procurando verificar, por exemplo, em que medida a forma
como uma alternativa é descrita altera a escolha do agente. Isto porque a hipótese de
racionalidade, como descrita anteriormenteLfyirtualmente não falseável: não há teste
empírico que possa rejeitar estã1iipótese, ao menos na formacomo descrita
anteriormente. Por isto mesmo, a tradição neoclássica procura utilizar versões mais
14
específicas desta hipótese, versões estas que sejam falseáveis.
Qual a origem de afinnativas do tipo: na teoria neoclássica todo agente possui
infinita habilidade de fazer contas e conhece perfeitamente o futuro? Estas afinnativas,
em geral, se referem a modelos específicos, em que a opção que o agente prefere pode
ser obtida solucionando problemas de otimização bastante complexos. Por exemplo,
j- ..? considere um consumidor que tem que alocar a sua renda entre diversos bens de
tu 1-- , consumo hoje. Há milhares de bens, de consumo e uma quantidade virtualmente infinita
fí, .I./' v" vde possíveis cestas de consumo. E possível demonstrar que, sob algumas hipóteses

t 1;;'/-(
.,), (J tI""" , técnicas adicionais sobre esta relação de preferência, a opção que o agente prefere pode
Jr ~ I ser calculada a partir de um, a equação diferencial cuja SO,IU,ção eventualmente necessita
de técnicas matemáticas não triviais. C0I!l0 esperar que_ UJn agente econômicQ.J!SWll
c.r cY í tenha acesso a e~é~nicas?
t Este tipo de comentário reflete, parece-me, uma má compreensão dos resultados
7'/ formais. Se a relação de preferência satisfaz algumas restrições adicionais, a opção
escolhida pelo agente coincide com o resultado do processo de otimização de uma
função utilidade particular. Em particular, suponha que as relações de preferência são
contínuas - se o agente prefere estritamente A a B, e se C é quase igual a B, então o
agente prefere A a C - e o conjunto de opções do agente seja um sub-conjunto conexo
de um espaço Euclidiano. Neste caso, existe uma função utilidade que representa esta
relação de preferência: o agente escolhe A ao invés de B se e somente se a utilidade
associada a A é maior do que a associada a B. (Debreu, 1959, pago 56)
1/ Este resultado de forma alguma implica que _Q _~llt~_~~colha maximizando uma
\( função utilidade!'SeriâO --repetitlvo:--ó agUente-eScolhe o que-prefere~---O'resultado
apresentado no parágrafo anterior apenas mostra que a mesma escolha é obtida
maximizando-se uma função utilidade particular. Se o objetivo do pesquisador é estudar
o processo de decisão do agente. este resultado é. provavelmente. irrelevante. Se o
objetivo. no entanto. é detenninar o que o agente escolhe. mas não como ele escolhe.
então este resultado permite utilizar toda uma teoria matemática das funções na análise
da escolha sob cenários alternativos (desde que se incorpore os efeitos destes cenários
sobre a própria relação de preferência). Obviamente. se as relações de preferência não
são contínuas este resultado não pode ser utilizado. e deve-se. então. ater à relação de
preferência para analisar a escolha individual.
A tradição na teoria da decisão neoclássica tem sido precisamente estabelecer
resultados deste tipo: se a relação de preferência que o agente possui apresenta estas
características. então a cesta que ele efetivamente escolhe pode ser calculada utilizando-
se esta formulação alternativa, este tipo particular de função utilidade ou mesmo um
algoritmo específico. que pode ser bastante complexo. Para o agente. no entanto. que
apenas segue a sua relação de preferência, esta escolha pode ser bastante simples!
Diversos modelos neoclássicos. no entanto. abstraem a existência de restrições à
habilidade do agente em realizar operações complexas. Isto leva, por exemplo. à
utilização freqüente de back..-ards induclion na análise de jogos dinâmicos. De forma
análoga, em diversos modelos dinâmicos supõem-se que os agentes possuem uma
capacidade virtualmente ilimitada de realizar operações e cálculos sofisticados. Esta

14 Este ponto é retomado com cuidado em Lisboa (1998. seção 3).


capacidade não decorre da hipótese de racionalidade como definida acima, mas das
noções de equilíbrio e hipóteses do processo de decisão utilizadas nestes modelos.
Infelizmente, ~,semântica entre os autores neoclássicos, e muitos se
réfi~fi!a estes modelos como impondo racionalidade ilimitada. ..,..
Esta'divergência na definição deraCfonalidade, no entanto, não deve sugerir um
falso debate. Se racionalidade apenas qualifica a hipótese utilizada na teoria da decisão
sistematizada nos manuais de microeconomia, então esta hipótese é bem mais fraca do
que sugerem os críticos. Se racionalidade qualifica a ausência de restrições à habilidade
dos agentes em fazer cálculos e argumentos sofisticados, então de forma alguma esta
hipótese é essencial à tradição neoclássica. Pelo contrário, uma importante área de
pesquisa nesta tradição tem sido, precisamente, procurar estudar teoricamente as
conseqüências da introdução de restrições a esta habilidade, assim como verificar
empiricamente como os agentes tomam decisões, quais as suas limitações em escolher
quando as opções são muito complexas e, em particular, não conseguem distinguir entre
todas as opções existentes. 15
Estes estudos enfatizam a necessidade de se descrever as opções que o agente
consegue analisar e diferenciar ao modelar o processo de decisão, e não o que o teórico
acha que o agente pode escolher. S~ agente não consegue diferenciar entre duas
o~s, então--º- agente não J}Qssui__duas._opções, J.nas.. apen~a. Se o agen1!L.não
c~segue resolver problemas de certo tipo, entã.i)"esta restri.....Ção deve ser incorporada~_
conjunto das escolhas factíveis ..-S.eo agente~n~_COll,s..ç~e resolvergetenninado tipo
~~ração matemática que tom~. ~e~~rí049 dt:,t.~~~, estaS-restrições tênLque ~er
Incorporadas ao processo de escolha. Desta forma, boa parte da literatura so re
íiClonalidade limjtada se restringe, na maior parte, a erifatJ~., ~~e..c~s_sl@e da
formuIação~rica de como os agentesJ~sc.o1henL refletir-....as--,~ efetivamente
disponíveis aos agentes. Neste ~º. ,não se traU!_da abordagem neoclássica ~~~, é
inadequada, mas apenas que alguns modelos .. JlQ definirem,o. ,conjun!~L,~ opções
PQ~íveis. o fazem de fonna_inadequada. . ,-
Em que medida a incorporação destas questões pode levar a resultados
qualitativamente distintos dos usuais. ou em que medida a literatura usual em teoria dos
jogos tem sido bem sucedida ao tratar estas questões. penence a uma discussão sobre as
opções de pesquisa que tem caracterizado o desenvolvimento desta teoria. Sobretudo. o
reconhecimento da necessidade da incorporação destas questões tem sido discutida por
diversos teóricos neoclássicos. Meu ponto de discordância com os críticos heterodoxos
está restrito ao argumento sobre a incompatibilidade . . . itada e
te~ás.s.H;a. Esta incompatibih .. ~-me; éinexistente.
Existe, no entanto, um campo de pesquisa em economia em que a hipótese de
racionalidade se revelou bastante restritiva: a teoria da escolha social. Durante muitos
anos alguns cientistas políticos imaginaram ser possível falar em bem-estar social.
Suponha que haja um conjunto de opções para um determinado bem público, ou política
pública. e cada agente na sociedade consiga ordenar qual opção prefere. O Estado tem
que escolher qual opção implementar. Vamos impor algumas restrições sobre o
processo decisório do Estado: se todos os agentes preferem a opção A à B então o
Estado prefere A à B; a forma como o Estado escolhe tem que ser compatível com
qualquer tipo possível de preferência dos agentes; a preferência entre duas opções
depende apenas de como os agentes ordenam estas opções e não das preferências dos
agentes sobre as demais opções não consideradas neste caso. Suponha que existam pelo

I~ Ver. por exemplo. Arrow.Colombato. Perlman e Schimidt. Reli. RaifTa e Tversky (1988). Hart (1990).
Kreps (l990b) e Sargent (1993), Geanakoplos (1994) sistematiza uma longa literatura sobre racionalidade
e conhecimento comum.
menos 3 opções. Então, qualquer forma de escolha pelo Estado que satisfaça estas (
condições e a hipótese de racionalidade tem que ser ditatorial! Isto é, existe um agente
tal que o Estado prefere A à B se e somente se este agente prefere A à B! Este teorema é
conhecido como o teorema da impossibilidade de Arrow (1963 [1951]) e mostra que,
em princípio, n~o .é possível falar em escolha social que satisfaça o critério de
raciõnafidade,-iespeite uma simetria mínima entre os agentes (não haja ditadura) e seja
eficiente. 16

3- Probabilidade e incerteza
"Probability does not exist in the world of hard fact
but only in the helm ofhuman reasononing".
Bruno de Finetti

Poucos temas têm sido objeto de tantas críticas heterodoxas quanto o uso de
probabilidades para representar incerteza. Carvalho (1992, p. 64) sistematiza esta crítica
de uma perspectiva pós-keynesiana: 17
"Even though one can identify some diversity among neoc1assical
authors on probability, it is possible to state with some tranquillity that
modem neoc1assical theory accepts a realistic view of probability (that is,
the idea that randomness is a fea!U!:.~_-.2.Lreali!Y.j~eltl_and th~t, in
additioD, sacia! process are- ergoti~-m~3J!i~K.J?y .. !h!~_!hªt they_ are
replicable and obey stable statisticallaws of distribution."
Esta crítica está equivocada. Muitos, talvez a maioria dos autores neoc1ássicos,
têm como ponto de partida a teoria da utilidade esperada de Savage (1954), em que
probabilidade apenas reflete a avaliação subjetiva do agente sobre os possíveis cenários
futuros, mas de forma alguma é necessariamente derivada de alguma propriedade dos
eventos, ou requer que os eventos possam ser repetidos, ou ainda sigam qualquer lei
estatística. Isto nJo--!!gnifica que ~ e~~~~iy~s autores 1~e<!Çlá$sico.s _q~~!lti{izem
"a realistic view offlibãbihty". Apenas, esta visão nJo é_necess4.ri~'-Pªf8.aconstrução
de argumClUõs ACOC sicos e. de fato, esta
enJre os autores neoclássicos. 1I
vi*
talve.z não sejaAem mesmo dominante

O equívoco da crítica heterodoxa está em supor que o uso de probabilidades para


tratar de situações com incerteza implica que os eventos possam ser repetidos. que as
probabilidades reflitam alguma propriedade objetiva dos eventos. ou que o agente possa
fazer cálculos sofisticados. Em momento algum estas afirmativas estão corretas. O que
existe é uma corrente de autores em probabilidade e estatística que argumenta que o uso
do instrumental probabilístico é mais adequado quando há a possibilidade de repetição.
Estes autores são conhecidos como estatísticos clássicos oufreqüentistas.
A esta corrente de pensamento em estatística se contrapõem os probabilistas
Subjetivos e, em certa medida, os Bayesianos.1 9 Eles utilizam o mesmo instrumental
matemático. argumentando porém que em diversas circunstâncias os eventos não podem
ser repetidos. Neste caso, a probabilidade apenas mede o g~lativo de incerteza, ou
prior. do agente sobre a pos~iv~ ocorrência de um evento. Esta prior pode ter como

I. Para uma introduçlo a literatura sobre escolha social, Moulin ( 1988).


17 Para afarmações semelhantes, ver a coletânea de anigos organizada por Dow e Hillard (1995).
1i Lawson (1988), um autor p6s-keynesiano, defende um ponto de vista semelhante.
19 Kreps (1988) prefere distinguir de Fineni e os autores subjetivistas mais radicais da corrente Bayesiana.
Há. de fato, algumas diferenças conceituais entre estes autores, mas nlo diferenças no instrumental
utilizado.
~------------~---------- --- ---

b~~experiências pas_sa~uma simples estimativa, um es~o de espírito__oll.'Lualquer


Ql.It:ra variável sub~tiva. Como apOnta-Lawson (1988, p. 40), para os autores. da
abordagem subjetiva "probability is the degreeõfõettefUiigiven propesition.OJ event,
heIdbYana~filal_ iII~vidmd atS-ome specific point in time". M~s ainda. como afi.!tna de
Finetti"pr9bjlbility _çl.Q~s_nót -eXlst mffi.ç wõrTd-oC~çLfact but anly_4! the helm of
huiDail reasononing" (apud. Lawson, 1988, p. 41 ) . - - - - - . - -- .
Em mÓ!!J.ento algum. a _visão sub' tiva de probabilidade im lica que agentes
~~stintos te!iJiãin a mes~~ probabj)jd~~obre os ev~s fiJhJms o II - e
imE.lícita na deciSão de algum agente teiilia qUáfquer base empírica. Considere, por
exemplo, asegwnieaímnação: "HoJe, dIa 18de dezembro dê 1997, ocorreram 27
acidentes de carro em Palo Alto, California." Obviamente, esta afirmação está correta
ou incorreta e de forma alguma é possível associá-la a qualquer argumento freqüentista:
"se este evento é repetido x vezes na média resultado y é observado". Correndo o risco
de repetir o óbvio: a afrrmação se refere à ocorrência de acidentes em um dia específico
e portanto não há como ser repetida. Do ponto de vista freqüentista, este evento não
pode ser analisado utilizando-se probabilidades. Do ponto de vista subjetivo, no entanto,
não há qualquer dificuldade. Probabilidade ~n é uma proprj~eto mas
apenas-Y1'1laJocma de exprenar a incerteza 4;';m age.nl~ sobre um..~vento particiilar.
Se o agente trabalha no departamento de trânsito de Palo AltoeSabe que a afirmaÇão
está correta (ou incorreta) então podemos dizer que ele associa probabilidade 1 (ou O) a
este evento. O que ocorre nos demais casos, nos casos em que o agente não sabe o que
ocorreu? Na visão subjetiva, o agente possui alguma expectativa sobre o evento, que
muitas vezes é expressa utilizando-se frases vagas como: "o número parece baixo"; ..o
número parece alto"; "eu não faço a menor idéia"; "qualquer resultado parece ser
razoável"; entre outras.
A contribuição da teoria subjetiva da probabilidade é mostrar que, muitas vezes.
a expectativa do agente, ainda que vaga e imprecisa, pode ser expressa utilizando-sc
probabilidades subjetivas. Estas probabilidade são construídas a partir do
comportamento do agente que tem que tomar uma decisão mas está incmo sobre as
conseqüências desta decisão. No exemplo acima. há dois possíveis cenários. ou e.ttadm
da natureza no jargão desta teoria: a afirmação está certa ou errada. Uma vmenk dcs&a
teoria. iniciada por de Finetti (1974). propõe mensurar a probabilidade subjeti\'a de um
agente sobre um evento particular a partir de quanto este agente está disposto a ~..,
numa aposta que gere $1.00 caso o evento ocorra. No nosso exemplo. quanto \ ,~é
estaria disposto a pagar por uma aposta que lhe pague $1.00 caso tenham ocomdo :7
acidentes em Palo Alto no dia 18 de dezembro de 1997 e pague $0.00 caso contrano .
Se você não está disposto a apostar, diz-se que você associa probabilidade O ao e\enhl
estar correto. Se você está disposto a pagar $0,50, diz-se que associa probabilidade O.~,
c assim por diante. Observe que agentes distintos em geral terào prohahlilJ&JJ,',
distintas sobre o mesmo evento e que de forma alguma estas probabilidaJ,·.\ ,'\lJII
Il('c(!.uariamente relacionadas às freqüências que seriam verificadas caso e.u,· ('\'0"11
pudesse ser repetido, Obviamente. nem sempre o quanto os agentes estão dispo~h" a
pagar por uma aposta é consistente com as restrições de aditividade imposta... pcl..
definição de probabilidade. ao menos seguindo a definição usual. 20 Estas restriç~~ !lo("
referem. no entanto. às preferências dos agentes e não a alguma propriedade J..,~
eventos.
A contribuição mais influente dos autores subjetivos à economia é .a. teoria da
utilidade esperada subjetiva desenvolvida por Sav~~~. (!~~4), Que supera algumas da.\

~I Ver Kreps (1988). Recentemente, diversos autores vêm estudando probabilidades nlo-aditivas. Para
uma resenha. ver Kanni e Schmeidler (1991),

J
re§trições_~o con~~t~de probªbilidjlde subjetiva proposto I'?r~e Finetti.
Considere um certo agenTee todo o grupo de opções disporuveis hoje - isto é, todo o
conjunto de decisões que o agente considera possível tomar hoje. Há diversos cenários
possíveis no futuro: cada cenário corresponde a uma especificação das variáveis que o
agente considera relevante e que estão fora do seu controle. As conseqüências de cada
decisão depende, em geral, do cenário particular que venha a ocorrer. No jargão de
Savage, a tomada de uma decisão corresponde a escolha de uma ação particular e cada
cenário futuro que o agente considera possível corresponde a um estado da natureza.
Suponha agora que este agente tenha uma relação de preferência sobre as ações. Em um
resultado seminal, Savage (1954) demonstra que, sob algumas hipóteses sobre esta
relação de preferência, este agente se comporta como se tomasse sua decisão utilizando
-
uma única função de pl!>_b_ªbilidade e uma função utilidade que não depende dos
possíveis cenários sobre o futurO. 21
De forma alguma o Teorema de Savage implica que os agentes tomem decisões
calculando uma função utilidade e probabilidades! O agente simplesmente escolhe uma
opção e, provavelmente, justifica esta opção com base em uma série de argumentos
subjetivos e arbitrários. O teorema de Savage, no entanto, mostra que o mesmo
resultado escolhido pelo agente é obtido utilizando-se uma função utilidade e de
probabilidade específicas.
,,;
A função de probabilidade subjetiva obtida pelo teorema de Savage reflete a
avaliação implícita feita pelo agente sobre a possibilidade de cada estado da natureza
tendo em vista a ação que ele de fato escolhe. É irrelevante se o agente possui ou não
uma função de probabilidade descrevendo a possibilidade de cada estado da natureza, se
esta probabilidade reflete qualquer possibilidade real de ocorrência futura destes
estados, ou mesmo que esta probabilidade real possa até mesmo ser calculada. Tudo o
que importa é que a ação escolhida pelo agente é idêntica à ação prevista por uma
formulação que utiliza uma função de probabilidade e de utilidade específicas. As
condições para esta equivalência das decisões tomadas em nada depende da existência
de probabilidades objetivas. repetição possível dos eventos ou qualquer sofisticação
fonnal. mas apenas de algumas restrições sobre as relações de preferência.
Ao contrário de Keynes (1921). que argumentava que agentes com o mesmo
conjunto de informação devem ter a mesma função de probabilidade. em Sav~e
agentes diferentes em geral terão funções diferentes refletindo preferências distintas. 22
Este contraste de resultados reflete a distinção entre as abordagens objetivas e
subjetivas. A abordagem objetiva freqüentista supõe que as probabilidades dos agentes
refletem as freqüências relativas obtidas quando os eventos são repetidos. enquanto
Keynes supõe que a probabilidade reflete o conhecimento objetivo sobre relações de
causalidade. O uso de probabilidades. neste último caso, reflete o conhecimento apenas
parcial sobre estas relações.
Desta forma. a abordagem objetiva se caracteriza. tanto em Keynes quanto nos
freqüentistas. por associar probabilJ!!E.t!es a algl!m conhecimento objetivo sobre o
l!J?kto estudado. XQliOrdaiim~ubJetiva não faz qualquer hipóLese-de.sULiUiJureza_ Na
eventuali~adç dos eventos serem repetidos. e sob algumas hipóteses técnicas adicionais.
as~4~ns freqüen!!sta e-Yl!l?kt!y_a_ as~iam a mesma probabilidade _a cada evento
particu!ar. Caso 95 u~ventos 1WlllO-S-samser-l'CJ2Ctidos, .ell~-º Jl_ª~rd..a~_g1 freqºentista
não pode seLulilizada.

21
0 leitor interessado deve consultar Kreps (1988), que expõe com clareza as principais versões da teoria
da utilidade esperada. o Teorema de Savage e a contribuiçlo de de Fineni.
~ Para uma resenha sobre a teoria de Keynes sobre probabilidade, ver Carvalho (1992, cap.4.) e Lawson
(1987).
Alguns autores, como Lawson (1988) e Dow (1995), apontam uma diferença
fundamental entre Keynes e os autores subjetivos: incerteza, para Keynes, corresponde
a uma situação que não é possível determinar uma função de probabilidade subjetiva.
~ conhecido_ na tradi~ão neoclá_~~_ há- circunsJâncias em que não é
possível representar jn~ através do uso d~robabi1idades SIJ~~-ao
cQ!ltrário da~ç!Ítica het.ero oXallgeira, tamento neoclássico procura investigar
reci ue ci· -----A . . esta represen~ão é e
'ível e- em·· que
circunstânci~ não. Este tratamento permite o mapeamento dos diversos casos
Conhecidos. Dito de outra form~lLão é !1l!!ª hi~ _ªP!i_oristica, mas sim
UIll resultado obtMo em al~s. -----------.
Keynes (1921, p. 113) utiliza os exemplos de uma guerra na Europa no futuro
próximo e do preço do cobre em 20 anos como exemplos de eventos incertos em que
"there is no cientific basis on which to form any calculable probability whatever".
Como vimos, entr tanto em nto algum a abor~SUJlPe que exista
uma "base científica" para o .cá1cu1º-f!e pro aõrffllades subjetivas. Mais ain~ -os casos
a~ntados por Keynes podem ser trivialmente tratadoSCõmo probabilidade subjetiva,
dependendo unicamente das hipóteses adotadas sobre as preferências dos agentes. Este
ponto é central: a -E!!!!!dagem wbjetb!p não impõe qualquer restrição MJhre as
p'!!fJ!'kdades do munda, nem S1J12Õ~ qu~ _a....JH:flbahilidt:!de seja- uma propriedade do
m~ndo real, qUf-ocorra algum processo__de~1J.fiiz,Qde; -ou q1fC}I~uer àjJriiza~o do
gênero. 3 As únicas restrições impostas por esta abordageIn.-J!..os dive~Q~Jeoremas
obt~ferem-se às relações de preferência dos agentes.
- Deste modo, não basta apontar que Keynes afirma que incerteza se refere a casos
em que probabilidades subjetivas não podem ser calculadas. Há casos em que as
escolhas individuais, derivadas de relações de preferência, podem ser obtidas,
equivalentemente, utilizando-se probabilidades subjetivas. Quais são os casos
considerados por Keynes ou pelos pós-keynesianos? Sobretudo, que argumento mostra
que neste caso não é possível representar a incerteza como probabilidade subjetiva? A
pergunta é legítima dado que são os autores pós-keynesianos que colocam a
impossibilidade de mensuração das probabilidades como uma das especificidades da
contribuição de Keynes. Mas então há que se definir precisamente os conceitos
implícitos nesta afirmativa e demonstrá-Ia.
Será que todos estes argumentos avançados significam que a base da teorià
neoclássica é o resultado de Savage? Ou que o resultado de Savage é sempre satisfeito? J J

Ou que a teoria neoclássica considera o modelo de Savage satisfatório?


A resposta é obviamente não para todas as perguntas. Como toda Jeo.ria.-a-teorÍa )
neoclássica é composta por um~ coleção de ~ são válidosem-.alg1!I1las
Circunstâncias Cnão em outras. O papel da teoria é precisamente elucidar em que
COííãíçôeS- alguns resultados são válidos e quais as conseqüências destes resultados.
Cabe à análise empírica avaliar se determinadas condições são satisfeitas ou se o
modelo prevê adequadamente as variáveis endógenas. 24 O modelo de Savage é apenas
um dos vários modelos sobre teoria da decisão utilizados por autores neoclássicos.
Desde os anos 60. há um grande debate sobre as limitações deste modelo. alguns testes

!J Ao contrário do que afinnam Davidson (1984) e Carvalho (1992, p. 42), nlo há. inclusive, qualquer
hipótese de estacionaridade dos processos econômicos que seja comum a maioria da teoria ncoclássica.
Onde encontra-se esta hipótese nos modelos de equilíbrio geral, por exemplo? Eu retomo este ponto na
~xima seçlo.
• Hey (1997) sistematiza pane da evidência emplrica sobre os modelos ncoclássicos de decisão em
situações de incerteza. Ver o final Lisboa (1998, seção 3) para uma discusslo sobre esta evidência e
referências adicionais.
empíricos em que este modelo não prevê adequadamente o que os agentes escolhem,
além de vários modelos alternativos com maior ou menor sucesso em relação ao modelo
de Savage .
dO\!\
. , I!eve-se r.es:.alta~,. inclusive, que ~o_ ",-~~~/o_d.~ (}~c~s~~u~~i1jzq4Q na_teor~-
ElulllbrlO ge~o utlllza Savage nem, ao menos, supoe que os agentesutlllzem
J!!-º-bgbilidades s~ .decidiníii-iób incerteza. De fato, a teoria ~ equilíbrio
geral es~ncjalmeBte ~ na maioria-das ~iº~!~ade_ do~ ~entc!_~o ~çntido
discutid~anterior" e convexidade das relações de preferência, hiPÓtese 9Y-~erá
discutida posteriormente. De forma alguma, no entanto, é necessária qualquer forma
partIcUlar de tratar a-incerteza utilizando-se probabilidades.
Sistematizando:
• diversos argumentos da teoria neoclássica são feitos sem qualquer referência à
probabilidades - incluindo a teoria do equilíbrio geral.
• O uso de probabilidades na teoria da decisão não implica de forma alguma que
os eventos na realidade possam ser repetidos, nem que os agentes de fato utilizem
probabilidades ao tomarem suas decisões.
• Há vários modelos, o mais famoso sendo o de Savage, que estabelecem
condições suficientes para que as decisões escolhidas por um agente possam ser obtidas
utilizando-se um modelo com função utilidade e de probabilidade (utilidade esperada).
Isto não implica que o agente decida com base neste modelo, e, portanto, resolva um
complexo problema de otimização, mas apenas que a solução deste problema é
equivalente à opção efetivamente escolhida pelo agente, desde que a sua relação de
preferência satisfaça àquelas condições.
• O conceito de probabilidade subjetiva, quando aplicável, procura apenas
mensurar o julgamento implícito feito por um agente sobre a possibilidade de
ocorrência de um evento particular; este evento pode ser um cenário futuro não
repetido. um fato ocorrido cujo resultado o agente não conheça ou qualquer outro
evento desconhecido pelo agente.
Há diversos modelos alternativos ao modelo de Savage na teoria neoclás.~lca
sobre como os agentes escolhem suas decisões em situações de incerteza. A maiona da
profissão parece achar o modelo de Savage o mais adequado. o que não impede. J1(l
entanto. a pesquisa em direções alternativas. No que se segue. eu apresento alguma... da...
alternativas existentes.
• Utilidade Não-Esperada. Nesta abordagem são relaxadas diversas hipót~ que )
levam à existência de funções subjetivas de probabilidade. Epstein (1992). FIshbum
( 1994) e Karni e Schmeidler (1991) sistematizam os principais resultados obtido~ ne,u
literatura, assim como os resultados tradicionais da literatura sobre decisão em SItl1a\'~
de incerteza.
• Case-Based Decision Theory. Nesta abordagem o agente avalia cada ação te:nJll
em vista as suas experiências passadas. Um ponto particularmente importante: de,LI
h:oria é a possibilidade de aversão à incerteza e a possibilidade de um agente par'" de
experimentar ao atingir um certo nível de satisfação. Gilboa e Schemeidler (19'15,
sistematizam esta literatura.
• Alternativas Epistemológicas. Estas alternativas procuram fundamentar com
maior rigor o que significa o agente conhecer um fato. qual a teoria sobre conhecimento
utilizada e como modelar aprendizado. Um problema particularmente importante
investigado nestas alternativas é: como o agente reage quando ocorre um evento que ele
anteriormente considerava impossível ocorrer? (Batigalli 1997; Gardenfors, 1988,
Marirnon, 1997).
• Ausência de Perfect Recal/. Recentemente, alguns autores em teoria dos jogos
passaram a investigar as conseqüências da possibilidade de os agentes esquecerem o
passado. Ou ainda, o que ocorre quando os agentes não sabem se esqueceram o que
ocorreu no passado. Este ponto foi abordado recentemente por Piccione e Rubinstein
(1994) .
• Inconsistência das Decisões Temporais. Finalmente, há uma vasta literatura
procurando investigar porque alguns agentes não confiam em si mesmos. Por exemplo:
fumantes que não confiam na sua capacidade em resistir a ter um maço de cigarros à
mão e portanto não compram cigarros ou os deixam em lugares de difícil acesso. Como
modelar situações em que os agentes atam as suas próprias mãos para no futuro não
correrem o risco de fazerem o que, mais adiante, irão se arrepender? A versão
tradicional deste problema é descrita por Homero quando Ulisses se ata ao mastro do
navio para não sucumbir ao canto das sereias. O'Donoghue e Rabin (1996) discutem
este problema enquanto Rabin (1996) sistematiza a literatura na fronteira entre
Psicologia e Economia. 2s

4- Equilíbrio, tempo e os equívocos de Davidson


Uma das críticas mais comuns à teoria neoclássica afirma que nesta teoria os
agentes podem reavaliar as suas decisões depois de observar o que os demais agentes
fazem e as variáveis de mercado, ou de forma mais retórica, a teoria neoc/ássica viola o
axioma do tempo. ou da irreversibilidade das decisões individuais. Urna forma comum
deste argumento avança algo assim: os autores neoclássicos não levam em conta que,
quando a firma decide o nível de investimento, ela não conhece a demanda de mercado.

I
Uma vez que o futuro chegue e a firma aprende a demanda, o estoque de capital já foi
instalado. O que ocorre se o nível de capital é excessivo? A finna não pode voltar no
tempo e escolher um nível de capital menor!26
Infelizmente. neste caso. os divulgadores da teoria neoclássica têm culpa na
geração do equívoco. F~ como leiloeiro ~On.t.@to. entre outras. ao procurarem
fonnas simplificadas de explicar algum aspecto da teoria. ou ao oferecer uma
interpretação de um fato matemático. aeraram mais confusão-em alguns_grupos
~os do que deveriam. Mas vamos com calma.
Em momento algum a teoria neoclássica afirma que amanhã cada firma terá
perfeitamente o nível de capital desejado dada a realização da demanda. Este argumento
equivocado generaliza uma intuição do modelo sem incerteza para o modelo com
27
incerteza. Suponha que hoje a firma não saiba qual o nível de demanda amanhã, para
simplificar o exemplo digamos que pode ser alto ou baixo. Ela hoje tem que escolher o
nível de capital. Se a firma sabe que a demanda será alta então ela prefere o nível de
capital ka. enquanto se ela sabe que o nível de demanda será baixo ela prefere o nível de
capital kb. onde ka>kb.

~ Deve-se observar que a possibilidade de inconsistência das decisões intertemporais pode ocorrer
mesmo que as preferencias sejam racionais.
~ Ver. por exemplo. Chick (1983. pp. 82-3; 1985).
!7 Dixit e Pindyck (1994) procuram sistematizar uma longa literatura sobre a decisão de investimento em
situações de incerteza.

J
Equilíbrio, neste modelo, é um conjunto composto por um nível de capital hoje,
digamos k, preço amanhã no mercado se a demanda é alta, digamos pa, e preço amanhã
no mercado se a demanda é baixa, pb, tais que:
• a firma espera que estes sejam os preços possíveis amanhã e, hoje,
escolhe o nível de capital k;
• amanhã, se a demanda é alta, então a quantidade produzida pela firma é
igual à demanda do mercado ao preço pa;
• amanhã, se a demanda é baixa, então a quantidade produzida pela firma é
igual à demanda do mercado ao preço pb.
Em geral, o nível de capital escolhido pela firma no primeiro período, k, é
distinto tanto do capital que seria escolhido se soubesse que a demanda seria alta, ka,
como do que seria escolhido se soubesse que a demanda seria baixa, kb. Claro que
amanhã, não importa o que aconteça, a firma vai afirmar: "Ah, se soubesse que esta
seria a demanda então eu teria escolhido outro nível de capital!" Digamos, "se soubesse
que a demanda seria alta eu teria escolhido o nível de capital ka. Se eu soubesse que a
demanda seria baixa eu teria escolhido o nível de capital kb." Não importa o que
aconteça amanhã, a firma não terá o nível de capital ótimo, dada a demanda que, de
fato, ocorre no mercado. No jargão da profissão: o nível de capital k é ótimo ex-ante
mas não é ótimo ex-posto Um mínimo de reflexão, no entanto, mostra que a firma não
tem do que reclamar: ontem, quando tinha que tomar a decisão, ela não tinha como
saber qual seria o nível de demanda, e portanto escolheu o melhor possível dado o
momento em que teve que tomar a decisão. Claro que hoje, uma vez que a incerteza foi
resolvida, ela, se possível, alteraria o nível de capital. Como as decisões são
irreversíveis, isto não é possível. 28
Alguns críticos heterodoxos. como Davidson ( 1984), parecem procurar
encontrar na moderna teoria neoclássica uma versão elaborada do conceito de equilíbrio
de longo prazo utilizada pelos autores clássicos e pelos primeiros neoclássicos.
Equilíbrio. nesta visão. corresponde a uma posição tendencial das variáveis endógenas.
determinada pelos fundamentos econômicos: tecnologia. dotações iniciais e
preferências. Como esperar que os agentes aprendam estes valores e ponanto fonnem
expectativas corretas? Sobretudo. dada a interdependência das decisões individuais.
como garantir a existência de um processo de aprendizado e convergência dos valores
de mercado aos valores de longo prazo?
Segundo Davidson (1984) e. entre outros Carvalho (1992. pp. 64-69). os autores
neoclássicos impõem que os processos econômicos sejam hergóticos" a fim de garantir lJ.;J
a existência de um equilíbrio de longo prazo, em particular garantir que os agentes /
possam aprender as distribuições de probabilidade associadas aos processos econômicos
(Axioma da Ergoticidade). Parte do equívoco com este argumento foi discutido na seção
anterior. De forma alguma o uso de funções de probabilidade implica que os eventos
possam ser repetidos, ou que exista alguma forma de aprendizado. ou. por fim. que estas
probabilidades reflitam as freqüências observadas casos os eventos possam ser
repetidos. Além disso. os conceitos de equilíbrio utilizados na teoria neoclássica recente
são bastantes distintos da clássica noção de equilíbrio de longo prazo. Mas eu volto a
esta questão na última seção.

21 Observe que. neste exemplo. a finna tem inceneza sobre a demanda quando toma a decisAo de
investimento. mas nlo quando decide a quantidade a ser produzida. É trivial. no entanto. generalizá-lo
para o caso em que a finna está incerta sobre a demanda quando escolhe o nlvel de produção. Para um
modelo nesta direçlo. ver Keller e Rady ( 1997).

J
o maior equívoco do argumento de Davidson, entretanto, é que de forma alguma a
teoria neoc/ássica supõe que os processos econômicos sejam ergóticos. Em particular,
eu jamais encontrei esta hipótese, ou qualquer outra vagamente semelhante, na teoria
do equilíbrio geral! Esta afirmação vale tanto para os modelos tradicionais como
Arrow e Debreu (1954) e McKenzie (1954), como para os modelos com ativos
fmanceiros Arrow (1964 [1953]) e Radner (1972, 1982), assim como os modelos com
infmitos períodos como Bewley (1972). Apenas em alguns modelos aplicados à
macroeconomia e fmanças utiliza-se a hipótese de estacionaridade. Mesmo nesta
literatura, no entanto, diversos autores têm apontado a possibilidade de dinâmicas
bastante complexas das variáveis endógenas, incluindo movimentos caóticos. Boldrin e
Montrucchio (1986), por exemplo, mostram essencialmente que qualquer dinâmica é
compatível com os modelos de equilíbrio geral com infinitos períodos. 29 Como então
pode Davidson afirmar a existência de qualquer hipótese sobre estacionaridade dos
processos econômicos nos modelos de equilíbrio geral? Ou ainda, afirmar que esta
hipótese constitui um axioma da teoria neoclássica? A imaginação criadora heterodoxa
atinge alturas surpreendentes.
Os equívocos de Davidson (1984, 1996) são tantos, e com freqüência repetidos por
outros autores pós-keynesianos como Carvalho (1992), que merecem algumas
retificações. Davidson (1984, p. 567) afirma que o "axioma da substituição bruta" "is
the backbone of mainstream economics". O que quer dizer substituição bruta? Na
tradição do equilíbrio geral, esta hipótese impõe uma restrição sobre as preferências dos
agentes e garante que se o preço de um bem aumenta então a demanda por este bem
diminui e a demanda pelos demais bens aumenta. Esta hipótese é suficiente para
garantir, em particular, a unicidade do equilíbrio competitivo em modelos de equilíbrio
geral com mercados completos.
Em que medida uma hipótese pode ser considerada um axioma da teoria
neoclássica? Deve-se esperar. pelo menos, que a maioria dos trabalhos a utilizem. Ora.
a hipótese de substituição bruta é raramente utilizada nos modelos de equilíbrio geral.
Nos tradicionais manuais de equilíbrio geral. como Arrow e Hahn (1971). os principais
resultados são mencionados e. portanto. sempre menciona-se. e com freqüência
demonstra-se. que com a hipótese adicional de substituição bruta obtém-se a unicidade
do equilíbrio. Esta hipótese. no entanto. é sempre apontada como excessivamente
restritiva e qualquer leitura mais superficial da literatura mostra que ela jamais foi
incorporada no mainstream da teoria neoclássica como uma hipótese aceitável. lO
No modelo tradicional de equilíbrio geral utiliza-se apenas a hipótese de
convexidade das relações de preferência, que de forma alguma implica substituição
bruta. Pelo contrário, esta hipótese é compatível com os bens de consumo serem
perfeitamente complementares. ll Mesmo manuais para graduação mostram que na
tradicional teoria do consumidor muitas vezes ocorre exatamente o oposto do que
deveria ocorrer se o "axioma da substituição bruta" fosse utilizado como hipótese.
Varian (1996). para ficar apenas em um exemplo, mostra que é possível que um
aumento do salário real leve a uma diminuição da oferta de trabalho assim como um

2'1 A coletânea organizada por Grandmont (1987) contém diversas contribuições sobre a teoria da
dinâmica em modelos de equillbrio geral. Guesnerie e Woodford (1992) Guesnerie e Chiappori
sistematizam a literatura sobre flutuações endógenas. Becker e Boyd (1997) apresentam uma introdução à
teoria do equillbrio geral com infinitos penodos, sistematizando os principais resultados de estática
comparativa obtidos. incluindo a existência de trajetórias caóticas.
)() Veja. por exemplo. os manuais utilizados por alunos do primeiro ano de doutorado como Kreps (1990).
Mas-Colell. Whinston e Green (1996) e Varian (1992). assim como os manuais sobre equillbrio geral
como 8alasko (1988), Hildenbrand e Kirman (1988). Mas-Colell (1985) e Magill e Quinzii (1996).
). De novo. a referência é qualquer manual de microeconomia ou equillbrio geral recente.
aumento da taxa de juros pode levar a um aumento do consumo corrente. Ambos os
resultados são quase tão antigos quanto a própria micro economia e são possíveis
precisamente por que o axioma da substituição bruta não é suposto em momento algum!
Como pode, portanto, Davidson (1996, p. 567) afirmar que "For an economist to deny
this 'universal truth' [o axioma da substituição bruta] is revolutionary heresy"? Mais
ainda, o que fazer com as contribuições de Aumann (1966) e Yamazaki (1978) que tJ
dispensam até mesmo a hipótese bem mais fraca de convexidade? fi
A não suposição do axioma da substituição bruta coloca diversas dificuldades
para a análise neoclássica precisamente pela possibilidade de existência de múltiplos
equilíbrios. Como fazer estática comparativa? Será que uma mesma economia pode ter
múltiplos eq~líbrios com pro.Priedad.e.. s qualitati.vas distintas? I?~~ (1970) .iniciou (
1IDla lon"a lIteratura que desenvolve uma .~leeal- da estática comparativa em I
e~líbrio geral compatíver.fQ:I.ri-mó!!~P!~s_~~íbrios. As técnicas introduzidas por esta
literatura estão na base da moderna teoria do equilíbrio geral com mercados
incompletos, que em momento algum supõe algo semelhante ao axioma proposto por J
Davidson. 32
Os equívocos de Davidson, no entanto, não estão restritos a tratar como axiomas
da teoria neoclássica hipóteses utilizadas em modelos muito particulares. Em alguns
casos, Davidson (1996, pp. 495-497) inventa resultados, como no caso do modelo de
equilíbrio geral com sunspots proposto por Cass e Shell (1983). Recapitulemos do que
se trata este modelo. Considere uma economia com diversos períodos, mercados para
bens e ativos financeiros em todos os períodos. No primeiro período, os agentes têm
incerteza sobre o futuro, que não necessariamente está vinculada a qualquer incerteza
sobre os fundamentos econômicos - preferências, dotações iniciais e tecnologias. Para
enfatizar que esta incerteza independe de qualquer fundamento econômico, Cass e Shell
a denominam "incerteza sobre manchas solares (sunspots)". O objetivo da análise é
investigar se esta incerteza pode ser relevante para a determinação dos preços e
quantidades produzidas mesmo se as expectativas dos agentes são sempre satisfeitas.
Desta fonDa. no modelo com sunspots são utilizadas todas as hipóteses
usualmente associadas às expectativas racionais. exceto que os agentes têm incerteza
sobre o comportamento das variáveis endógenas. Será que existe um equilíbrio tal que
as expectativas dos agentes são sempre satisfeitas mas este equilíbrio apresenta
propriedades qualitativas distintas do tradicional equilíbrio competitivo? Dito de outra
forma: será que é possível gerar ciclos de otimismo simplesmente por que todos os
agentes estão otimistas? Ou ainda. será que política monetária pode ter efeito real
simplesmente porque todos os agentes acreditam neste efeito? É intuitivamente óbvio I

que todos estes efeitos podem ocorrer casos as expectativas dos agentes possam ser '
eventualmente frustradas. Mas será que todos estes efeitos podem ocorrer mesmo )
quando se impõe que as expectativas dos agentes sejam sempre satisfeitas e todos O.\'
mercados estejam em equilíbrio?
Cass e Shell mostram que se existem mercados completos para a incerteza sobre
sunspots então qualquer equilíbrio com expectativas auto-realizáveis coincide com o
equilíbrio usualmente obtido nos modelos de equilíbrio geral. Caso. no entanto. os
mercados de ativos contingentes à ocorrência dos sunspots sejam incompletos então. em
geral. o conjunto das alocações de equilíbrio aumenta significativamente. Enquanto no
tradicional modelo de equilíbrio geral há. na maioria das vezes. um número finito de
equilíbrios. neste modelo com incerteza endógena há um contínuo de alocações de
equilíbrio distintas. Mais ainda. apenas um número finito destes equilíbrios é eficiente

J~ Ver. por exemplo. Magill e ShatTer (1991) e Magill e Quinzii (1996).


,------------------------------------------------------------------------------- ---

no sentido de Pareto. Desta fonna, a maioria dos equilíbrios nesta economia com
sunspots é ineficiente. 33 Portanto, incerteza endógena, ou sobre sunspots, pode ser
relevante na detenninação dos preços e quantidades, e, em particular, nas propriedades
de bem-estar do equilíbrio, mesmo com expectativas auto-realizáveis.
O que conclui Davidson sobre o modelo com sunspots? Conclui o contrário do
resultado estabelecido:
"These fundamental forces of tastes, endowments, and productive
technology predetermine the economic reality enviroment and produce
th~rogrammed lon~ center of gravity or long-J'\IB eqtHlibrimn
toward which the _~_l!do~ons forces in the economy are aJways
pushing." (Davidson, 1996, p. 496)
Um autor que se propõe a criticar a teoria neoclássica deveria pelo menos ler os artigos
que comenta. 34
Um último ponto sobre o terceiro axioma apontado por Davidson (1984); o
axioma dos reais. Segundo este axioma, os agentes derivam satisfação direta apenas em
consumir bens ou serviços. Este axioma de fato corresponde a uma hipótese utilizada
por quase todos os autores neoclássicos. Ao contrário da conclusão heterodoxa proposta
por Carvalho (1982, p.42) e Davidson (1996), entretanto, esta hipótese não implica
necessariamente na neutralidade da moeda, ou que esta seja de alguma forma
irrelevante. Sobretudo, esta hipótese de fonna alguma implica que os agentes em um
dado período preferem consumir bens ao invés de reter moeda ou qualquer outro ativo
financeiro. Em qualquer modelo neoclássico, os agentes derivam utilidade indireta da
renda e do portifólio particular obtido em cada período e estado da natureza. Em
diversos modelos este portifólio inclui moeda. Esta utilidade indireta decorre,
precisamente, dos diversos motivos usuais apontados na literatura: reserva de valor,
precaução, cash-in-advance, entre outros. Mesmo autores identificados com a
macroeconomia das expectativas racionais, como Lucas (1972), procuram estudar casos
em que não se verifica a neutralidade da moeda. Além disso. há uma longa literatura em
equilíbrio geral que procura investigar precisamente em que circunstâncias a política
monetária pode não ser neutra. 3~ Magill e Quinzii (1992). por exemplo. mostram que em
um modelo de equilíbrio geral com mercados incompletos a política monetária em geral
não é neutra.

5- Convexidade

33 Ver Lisboa (1995) para este resultado e referências adicionais.


).IUm outro exemplo de como Davidson lê incorretamente os resultados neoclássicos. Arrow e Hahn
(1971. p. 361) mostram que em um modelo bastante simples com ativos nominais e bancarrota pode não
haver equilíbrio. Davidson menciona este resultado diversas vezes (1978. p. 365; 1984. p. 571; 1995;
1996. p. 50 I) para suportar o argumento segundo o qual "equilibrium existence proofs are jeopardized in
a world with fixed money contracts over time" (1995. p. 115). Ao contrário do que afirma Davidson. é
bastante simples obter existência de equiHbrio em modelos de equilibrio geral com contratos nominais e
moeda (Cass. 1984; Geanakoplos e Polemarchakis. 1991; Magill e Quinzii. 1992). O exemplo de
inexistência obtido por A"OM" e Hahn deve-se a forma paniclllar como eles modelam a ocorrência de
bancarrota e não a existência de contratos nominais. Recentemente. diversas formulações alternativas do
modelo com bancarrota têm sido propostas que não apresentam os problemas encontrados por Arrow e
Hahn. Ver. por exemplo. Dubey e Geanakoplos (1989).
lS Ver. por exemplo. os artigos organizados por Kareken e WaIlace (1980).
~-------- --------------------------------------------------------------

Uma das hipóteses necessanas para demonstrar a existência de equilíbrio


competitivo nas primeiras versões do modelo de equilíbrio geral é convexidade. Esta
hipótese essencialmente diz o seguinte:
• o conjunto de consumo é convexo e, quando compara duas cestas, cada
consumidor prefere a média destas cestas à pior das duas alternativas;
• o conjunto agregado de produção é convexo: a média de duas técnicas
produtivas é tecnologicamente factível.
Observe que esta hipótese é compatível com os bens de consumo, assim como os
insumos produtivos, serem perfeitamente complementares. Portanto, o argumento usual
de que a teoria neoc/ássica implica que os bens sejam substitutos não é inteiramente
co"etap6 Apesar disto, no entanto, esta hipótese é bastante restritiva, e significa, em
particular, que, caso todos os insumos disponíveis na economia sejam duplicados, a
produção de todos os bens deve crescer no máximo na mesma proporção. Há diversas
evidências empíricas contra esta hipótese e, recentemente, diversos modelos de
equilíbrio geral aplicados à macroeconomia têm procurado relaxá-la a fim de explicar
crescimento econômico per-capita. Estes modelos, em geral, supõem a existência de
externalidades ou inovações tecnológicas que resultam da comg:tição entre firmas e
levam ao aumento da produtividade e da produção per-capita. 7 Há igualmente uma
vasta literatura estudando modelos de equilíbrio geral com retornos crescentes de escala
e monopólios naturais, com especial ênfase no estudo de políticas tarifárias que
restaurem eficiência. (Brown, 1991; Quinzii, 1991; e Villar, 1997).
Do meu ponto de vista, há dois equívocos na crítica heterodoxa à hipótese de
convexidade adotada no modelo de equilíbrio geral. O primeiro equívoco é supor que
esta hipótese implica necessariamente algum argumento marginalista de utilidade
marginal decrescente, ou perfeita substituição entre os fatores de produção. Como já
mencionei, convexidade é compatível, em particular, com os bens de consumo serem
perfeitamente complementares assim como com uma tecnologia à la Leontief. com
coeficientes fixos de produção. Desta forma. esta hipótese é menos restritiva do que
argumentam os críticos heterodoxos.
O segundo equívoco é argumentar que a teoria neoclássica requer convexidade.
ou que os autores neoclássicos têm que supor convexidade. ou qualquer outra conclusão
do gênero. Este argumento é incorreto e está relacionado. parece-me. à suposição
heterodoxa de que a teoria neoclássica é fundamentada em algumas hipóteses essenciais
que garantem cenos resultados fundamentais. Nesta suposição. para demonstrar o
equívoco desta teoria basta demonstrar o equívoco destes resultados. ou das hipóteses
que levam a estes resultados!
De forma alguma este argumento está correto. A teoria neoclássica se
caracteriza. do ponto de vista teórico. por uma coleção de proposições formais que
estabelecem relações de causalidade. O papel· destas relações é estabelecer em que
condições cada resultado é correto e em que condições há contra-exemplos. mas não
proposições gerais. Obviamente. caso as condições especificadas em alguma
proposição. como. por exemplo. convexidade. não se verifiquem. então a proposição
não pode ser utilizada.

Entre os muitos exemplos desta critica. ver Oavidson ( 1984) e Bharadwaj ( 1989).
)f>

)7 Arrow (1964) propõe um dos primeiros modelos na tradiçAo neoclássica que incorpora progresso
técnico como uma forma de externai idade. Neste modelo, a produçAo agregada per-capita ao longo do
tempo apresenta retornos crescentes de escala. Uma versao similar ao modelo de Arrow é utilizada por
Romer (1986, 1990) e Lucas (1988) para discutir crescimento econômico endógeno.
I I

Dito de outra forma: o que caracteriza a tradição neoclássica não é um conjunto


de modelos que devem ser utilizados como norma nos estudos econômicos, mas sim um
projeto de pesquisa que procura mapear, teoricamente, em que circunstância cada
resultado é válido e em que circunstância não. Desta forma, alguns resultados são
corretos quando se assume convexidade, e há contra-exemplos quando não se assume
convexidade. Conhecimento teórico, nesta tradição, significa o mapeamento de relações
de causalidade: quando e sob que condições um conjunto de resultados é válido, quando
e sob condições há contra-exemplos. Os casos não conhecidos definem os campos de
pesquisa. Estes resultados definem o que é conhecido pela teoria neoclássica mas, de
forma alguma, fazer teoria neoclássica implica necessariamente acreditar em algum
destes resultados. Dizer que tudo é possível sob condições gerais é interpretado como
total desconhecimento. À medida em que relações de causalidade são estabelecidas, e os
diversos casos são mapeados, não apenas aumentam as relações conhecidas mas, com
freqüência, novas questões são introduzidas, abrindo novas áreas de pesquisa.
As hipóteses utilizadas em cada análise particular, portanto, apenas refletem a
limitação da teoria ao estudar o problema em questão ou, eventualmente, refletem
restrições impostas pelo próprio problema ou questão investigada. No caso da hipótese
de convexidade, o ponto em questão era investigar condições suficientes para garantir a
existência de um conjunto de preços relativos que permitam a compatibilização das
decisões individuais de consumo e produção em economias com número finito de
agentes. O teorema obtido por Arrow e Debreu (1954) e McKenzie (1954) utiliza a
hipótese de convexidade na demonstração de existência de equilílibrio competitivo.
Além disso, é trivial construir exemplos de economias satisfazendo todas as hipóteses
do teorema à exceção da convexidade e mostrar que, neste caso, não há equilíbrio
competitivo. Desta forma, o teorema de Arrow-Debreu-McKenzie mapeia uma questão
relevante economicamente, a existência de equilíbrio competitivo, gera condições
suficientes para a sua ocorrência, e revela a necessidade de um conjunto de hipóteses
que. em um argumento intuitivo, poderiam passar desapercebidas. J8
Em que medida a hipótese de convexidade é ou não razoável. restritiva ou não.
uma boa aproximação ou não. e. portanto. em que medida este teorema coloca questões
relevantes para análise de política econômica. pertence a um debate que ultrapassa o
próprio resultado. Eu. por exemplo. acho que a hipótese de convexidade é
dramaticamente restritiva e. para dizer o mínimo. deve-se ser muito cuidadoso em
utilizar o modelo de equilíbrio geral de Arrow-Debreu-McKenzie para explicar qualquer
fenômeno econômico. Mais ainda. a hipótese de convexidade é apenas uma das dezenas
de hipóteses deste modelo que eu. e a maior parte da profissão. considero que violam a
minha intuição básica de como funciona uma economia de mercado. Eu passo boa parte
das minhas aulas introdutórias sobre equilíbrio geral apontando as deficiências da
definição de equilíbrio com expectativas racionais, além de outras tantas hipóteses
como. por exemplo. a existência de mercados completos e inexistência de bancarrota. A
pesquisa nesta área desde os anos 50 tem sido, precisamente, tentar obter uma melhor
compreensão destas hipóteses e construir modelos que resolvam estas deficiências. A
importância deste modelo está em fornecer uma primeira aproximação a um problema
intelectualmente bastante complexo e. como todo resultado seminal. apontar a
existência de diversas dificuldades adicionais que nem mesmo eram percebidas
anteriormente.
O desafio da teoria não é apenas saber quais os casos interessantes a serem
estudados e quais os problemas em aberto, mas sim gerar relações de causalidade que

)I Em Lisboa (1998), retomo a discuss!o sobre o papel desempenhado pela análise teórica, em geral
formalizada, no desenvolvimento da tradição neoclássica.

j
permitam uma maior compreensão destes casos. A retórica de que todos os resultados
são possíveis é tão sedutora, por sugerir uma abertura intelectual, quanto vazia, por
refletir a incapacidade de produzir relações de causalidade sobre as variáveis relevantes
e gerar modelos que possam ser testados empiricamente. Cabe à análise teórica procurar
restringir o conjunto dos resultados possíveis gerando proposições que explicitem quais
as hipóteses adotadas e cujas conclusões possam ser testadas. Os testes empíricos levam
a eventual rejeição, ou não, dos modelos, e que permitem uma melhor avaliação das
conseqüências da política econômica e da intervenção nos mercados.
Esta abordagem neoclássica ao conhecimento teórico justifica, inclusive,
exercícios contra-factuais. Por exemplo, é comum o argumento retórico segundo o qual
o aumento do conjunto de ativos financeiros disponíveis em uma economia leva a uma c
maior eficiência econômica, dado que os agentes terão acesso a um conjunto maior de ,~ :\
opções de seguro e operações de "hedge". É possível demonstrar, no entanto, que \
mesmo em um modelo com expectativas racionais este argumento não é correto: um '\. J
aumento dos ativos financeiros disponíveis pode levar a uma piora de todos os agentes!
(Cass e Citanna, 1994; Elul, 1995).
Finalmente, devo mencionar que os próprios neoclássicos vêm estudando com
cuidado precisamente quando a hipótese de convexidade ser relaxada nó elo
. ".,
f"o·o.

~'
~

~
de equilíbrio geral. Cerca de 30 anos atrás, por exemp obert Aumann
mostrou que, em economias com muitos agentes, pode-se demonstrar a eXistência de
\...
, \l
\

equilíbrio competitivo sem a hipótese de convexidade das relações de preferência. As


condições obtidas por Aumann, entretanto, ainda são bastantes restritivas. Yamazaki
(1978) generaliza o argumento de Aumann e mostra que a existência genérica de
equilíbrio quando tanto os conjuntos de consumo quanto as relações de preferência não
são convexos. O modelo de Yamazaki incorpora, em particular, bens indivisíveis. De
novo, no entanto, este resultado requer economias com grande número de agentes.

6- Modelos agregados e a impossibilidade do realismo


Poucos argumentos têm um efeito retórico tão devastador quanto identificar toda
uma corrente de pensamento com um grupo particular de autores; por exemplo
identificar todo o pensamento Keynesiano com a tradição ISILM. O efeito devastador
deste argumento decorre de eleger um grupo particular como porta-voz de uma corrente
de pensamento; a destruição deste grupo implica então a destruição de toda a corrente!39
Há uma longa tradição macroeconômica na teoria neoclássica que procura
utilizar modelos agregados, principalmente o modelo de Solow, para explicar flutuações
do emprego, produção e outras variáveis agregadas. Este grupo tem uma preocupação
profundamente empírica: será que é possível utilizar um modelo simplificado. bastante
estilizado. para explicar a tendência de longo prazo das variáveis macroeconômicas?
Estes modelos foram bastante populares nos anos 50. mas a sua incapacidade em
explicar as flutuações de curto prazo observadas levaram. em parte. ao abandono destes
modelos a partir dos anos 60.

)9 Os neo-ricardianos. por exemplo. com freq'lência utilizam versões elementares do modelo à la Solo,,"

para criticar a teoria neoclássica (Garegnani. 1970.1983). Um exemplo recente deste equivoco na tradiçlo
pós-keynesiana é Oreiro (1996). que utiliza versões triviais dos modelos agregados à la Solow para
discutir. ou procurar discutir. a possibilidade de desemprego involuntário na teoria neoclássica. assim
como relaçOes agregadas elementares para discutir a teoria do fundo do empréstimo e a teoria da
preferência pela liquidez. Qualquer discussão sobre o que a teoria neoclássica pode ou nlo dizer deveria.
pelo menos. utilizar as versões mais rudimentares da teoria do equillbrio geral com mercados financeiros
e do salário-eficiência que estão disponlveis em qualquer livro-texto mais recente.
Durante os anos 80, no entanto, versões estocásticas do modelo de crescimento
incorporando certas formas de retornos crescentes de escala obtiveram um sucesso
relativo em reproduzir as flutuações de curto prazo observadas na economia americana
do pós-guerra. Além disso, a reformulação deste modelo proposta, entre outros, por
Romer (1986,1990) e Lucas (1988), permitiu incorporar crescimento econômico per-
capita ao modelo de Solow, assim como iniciar uma discussão sobre desenvolvimento
econômico na literatura macroeconômica. Como conseqüência, nos últimos 15 anos tem
se observado um forte renascimento desta tradição iniciada por Solow. O sucesso deste
renascimento, no entanto, não está relacionado à maior generalidade do modelos, mas
sim à capacidade destes modelos em gerar previsões compatíveis com os dados
empíricos da economia americana.
Em que medida estes modelos agregados são compatíveis com o modelo Arrow-
Debreu-McKenzie de equilíbrio geral com diversos agentes? Será que é possível falar
em uma função agregada de produção, ou em um consumidor representativo? Estas são
as questões que preocupam os teóricos mas, certamente, não os economistas aplicados,
cujo objetivo é obter um modelo que gere previsões compatíveis com as observações
empíricas. Todo modelo, toda construção simbólica, em momento algum consegue
reproduzir o real. Em que medida pode-se discutir o maior ou menor realismo das
hipóteses? Em que medida esta discussão é relevante para o economista aplicado? Se
todo argumento teórico é uma representação intermediada do real, e os caminhos desta
intermediação parecem ser inacessíveis à própria razão, por que não utilizar o modelo
cujas previsões apresentam maior compatibilidade com as observações empíricas?
Esta reflexão, que em parte segue Friedman (1954), está na base da abordagem
de alguns economistas neoclássicos aplicados, e explica a facilidade com que modelos
com hipóteses contra-factuais são utilizados. 40 Utiliza-se o modelo com melhores
previsões e não com hipóteses mais realistas, qualquer que seja a forma de julgar o
realismo de um conjunto de hipóteses. Esta abordagem metodológica, rotulada com
freqüência instrumentalista, conjuga elementos de Popper e da abordagem
convencionalista."· Por um lado. um modelo ou argumento científico deve resultar em
proposições que possam ser desmentidas por observações empíricas. ou na linguagem
de Popper. possam ser falsificados. Por outro. admite-se que um modelo com hipóteses
contra-factuais possa gerar resultados ou previsões conetas. ou. ao menos. mais
próximas das observações empíricas do que os demais modelos. ou teorias. existentes.
Deste forma. um modelo com hipóteses contra-factuais que gere previsões consistentes
com os dados existentes é preferível a um modelo com hipóteses mais realistas que. no
entanto. gera resultados incompatíveis com os mesmos dados.
Este último ponto é radicalizado por Friedman (1954) que critica a possibilidade
de comparar modelos com base no maior grau de realismo das hipóteses adotadas.
Segundo Friedman, qualquer modelo, qualquer construção teórica, requer a adoção de
simplificações e idealizações do objeto a ser estudado. não sendo possível reproduzir
teoricamente toda a complexidade do real. Desta forma, qualquer teoria deve utilizar.
inevitavelmente. hipóteses contra-factuais. Mas se todas as construções teóricas contêm
elementos contra-factuais. conclui Friedman. não é possível avaliá-Ias a partir do
realismo das hipóteses. mas apenas através das respectivas capacidades de previsão. Em

40 Infelizmente. Friedman (\954) denomina a sua abordagem positivista. o que gerou diversos mal-
entendidos. Este termo é usualmente utilizado para denominar o movimento em filosofia da ciência
desenvolvido nos círculos de Viena. que é significativamente distinto da abordagem proposta por
Fridman. Ver Lisboa (1998) para uma discusslo sobre este ponto e referências adicionais.
41 Em Lisboa (1998). discuto a abordagem instrumentalista assim como as alternativas metodológicas que
seguem Popper e Lakatos.
Lisboa (1998), retomo e aprofundo esta discussão sobre método em Friedman e na
teoria neoc1ássica em geral.
No entanto, a justificativa metodológica do economista aplicado não satisfaz o
economista teórico, que repete as perguntas: em que medida estes modelos agregados
são compatíveis com o modelo Arrow Debreu-McKenzie de equilíbrio geral com
diversos agentes? Será que é possível falar em uma função agregada de produção, ou
em um consumidor representativo? Estas questões são legítimas e o mapeamento
teórico dos casos possíveis certamente pode possibilitar a construção de novos modelos,
permitir resolver dificuldades com os modelos existentes, ou oferecer novas
interpretações para os resultados existentes. O economista teórico, então, com esta
motivação procura responder tais questões.
A resposta a estas questões é que, em geral, uma economia com muitos agentes
não se comporta como uma economia com um agente representativo e uma função de
produção agregada. Há diversas versões deste argumento. A versão mais geral é
conhecida como o teorema de Sonnenschein-Mantel-Debreu e diz, essencialmente, o
seguinte: considere qualquer função de excesso de demanda agregada em uma
economia com C mercadorias. Suponha que esta função satisfaça à identidade de
Walras, seja contínua e homogênea de grau zero nos preços. Então existe uma economia
com mais de C agentes cuja função de excesso de demanda agregada é precisamente a
função dada. Isto é: essencialmente, qualquer relação entre preços de mercado e
demanda por mercadorias pode ser observada em uma economia Arrow-Debreu-
McKenzie! Mas então, em geral, uma economia Arrow-Debreu-McKenzie não
apresenta um equilíbrio compatível com a hipótese de existência de um agente
representativo !42
A controvérsia do capital essencialmente estabelece resultado equivalente para a
demanda por capital através de vários exemplos. É sempre possível construir economias
que satisfaçam todas as hipóteses de modelo de Arrow-Debreu-McKenzie, mas cuja
demanda agregada por capital tenha as mais diversas formas. De fato, é possível
demonstrar o seguinte resultado: construa uma relação qualquer entre taxa de juros e
consumo per-capita. Então existe uma economia com diversas firmas e tecnologias
convexas que gera precisamente esta relação. (Mas-Colell,1989).
O que concluir destes resultados? Não é possível argumentar que o uso destes
modelos agregados é sem perda de generalidade. Em princípio. uma economia com
diversos bens de capital se comporta de forma muito diferente do que uma economia
com um bem de capital. Será que os modelos agregados estão necessariamente errados?
Claro que não! É teoricamente possível que exista uma função de produção agregada.
porém não é provável.
É importante ressaltar, no entanto, que a hipótese de existência de uma função
de produção não é de forma alguma necessária para a teoria do equilíbrio geral:
quanto mais a existência de uma função agregada de produção. Este mito da função
agregada de produção que surgiu com a equivocada controvérsia do capital leva a
terríveis mal-entendidos. A função agregada de produção é utilizada por alguns autores
em macroeconomia. Em que condições a produção de uma economia pode ser
representada por uma função de produção? Do ponto de vista do equilíbrio geral. quase
nenhuma! Mais ainda. esta hipótese é irrelevante para a teoria do equilíbrio geral.
Os exemplos obtidos com a controvérsia do capital. assim como o teorema de
Sonnenschein-Mantel-Debreu, apontam um dos problemas centrais do modelo Arrow-
Debreu-McKenzie de equilíbrio geral: a geração de poucas implicações sobre o que

4~ Ver Mas-Colell, Whinston e Green (1996, pp. 598 a 605) para uma resenha e referências.

j
,------------------------------------ ----

deve ser observado empiricamente. Essencialmente, qualquer comportamento dos


preços no mercado é compatível com esta teoria. Exatamente por esta razão, ao longo
dos últimos anos diversos economistas, principalmente associados às escolas de
Chicago e Minnesota, têm utilizado versões bastante específicas do modelo de
equilíbrio geral, procurando generalizar o modelo de Solow. Neste modelo, ainda com
hipóteses dramaticamente restritivas, os dados obtidos em estudos empíricos
microeconômicos são utilizados para determinar os parâmetros do modelo que, em
alguns casos, não podem ser estimados. 43
Uma versão particular deste modelo, conhecido como modelo do ciclo
econômico real, tem sido utilizado para estudar variáveis macroeconômicas como
crescimento, inflação, desemprego, entre outras. 44 Não me parece haver um consenso
claro na profissão sobre a validade deste exercício. Os resultados empíricos dão margem
a uma certa ambigüidade, enquanto as dramáticas hipóteses teóricas são objeto de
profunda discussão entre os autores neoclássicos. Trata-se, no entanto, de uma
importante área de pesquisa cujo sucesso irá depender da habilidade destes autores em
gerar modelos capazes de explicar as variáveis macroeconômicas ao longo do ciclo
econômico, os movimentos de tendência, e os problemas relacionados ao
desenvolvimento econômico.
Diversos autores, que em geral podem ser associados às escolas de Berkeley.
Harvard, MIT e Princeton - usualmente denominados novos-keynesianos - debatem com
a escola de Chicago sobre quais as hipóteses simplificadoras - e, alerta Friedman.
sempre contra-factuais - que devem ser adotadas. 4s Chicago parece enfatizar hipóteses
que garantam a eficiência dos mercados e que tenham fundamentos microeconômicos.
Os autores novos-keynesianos, por outro lado, enfatizam algumas relações observadas
nos dados agregados e, para as quais, com freqüência, não há micro fundamentos
adequados conhecidos. Estes autores se diferenciam da tradição de Chicago ao
procurarem enfatizar a construção de modelos com microfundamentos que expliquem
diversos resultados freqüentemente associados ao pensamento Keynesiano. como os
efeitos reais da política monetária e a existência de imperfeições de mercado
(extemalidades. retornos crescentes de escala. assimetria de infonnação. entre outras,
Entre as questões centrais discutidas pelos novo-keynesianos destacam-se desem~~o
(Shapiro-Stiglitz. 1984; Saint-Paul. 1996). existência de restrições ao crédito (Stiglatz e
\\"eiss. 1981). concorrência imperfeita (Hall. 1988.1981; Hart. 1982). custo de ajuste
dos preços (Akerlof e Yellen. 1985; Mankiw 1985) e o estudo da ineficiência den\adoI
da incapacidade de coordenação das decisões individuais (Cooper e John. I QXX.
\\"oodford. 1991). O debate entre as escolas de Chicago e novo-keynesiana reflete a
diversidade de opiniões dentro do pensamento neoclássico; diversidade esta que (~,'rn.'
nas diversas áreas - organização industrial. finanças. equilíbrio geral. economia dO!
infonnação. entre outras. Eu retomo e aprofundo o tema da diversidade de posiçõe~ ru
tradição neoclássica em Lisboa (1998).
O conflito entre os resultados da teoria do equilíbrio geral e os mudei,,,
utilizados na macroeconomia resulta em um debate entre os economistas desta'i dLU'
\ t:nt:ntes. Os macroeconomistas utilizam os modelos agregados para obter di\'c~',

.' Alem disso. diversos teóricos do equiUbrio geral tem investigado quais restrições adicional~ ~,
Impostas pelo modelo de equilíbrio geral quando a composiçlo da populaçlo assim como a distribulçio
de renda podem ser observadas e utilizadas como parâmetros. Nestes casos. o modelo de equilíbrio geral
f.era diversas implicaçOes falseáveis. Ver. por exemplo. Hildebrand (\994) e Brown e Matzkin (\9%).
PrestoU (\986) e Cooley (19%) sistematizam a literatura sobre ciclo econômico real e contem diversas
referencias adicionais.
4' Para uma critica dos novos-keynesianos à escola de Chicago. ver Ball e Mankiw (1994).
resultados aplicados, enquanto os teóricos constróem exemplos, ou, na melhor das
hipóteses, provam teoremas mostrando que, em geral, em economias com muitos
agentes, o resultado utilizado pelo macroeconomista não está correto. A resposta do
macroeconomista, em geral, é: "produza um modelo capaz de gerar previsões empíricas
que melhor expliquem os dados e que possa ser utilizado para analisar política
econômica que eu abandono os modelos agregados. Enquanto este modelo melhor não
existe eu utilizo o melhor modelo existente, que é o modelo agregado".
A resposta do teórico é contar uma piada, que pode ser uma solução divertida,
retoricamente eficaz, porém, como todo deboche, talvez reflita uma derrota: "o
macroeconomista é como o sujeito que, a noite, está procurando algo na calçada em
baixo de um poste. Alguém passa e pergunta: o que você está procurando? Responde o
sujeito: a minha chave. E onde você a perdeu? Eu a perdi perto do meu carro que está
parado do outro lado da rua. Então por que você está procurando a chave aqui se você a
perdeu do outro lado da rua? Ora, porque aqui eu tenho luz e do outro lado da rua está
escuro."
Os economistas aplicados estão preocupados em poder fazer prescrições de
política. Como atacar o desemprego; como definir a política de seguridade social; em
que circunstâncias o governo deve regular mercados e como; quais as conseqüências de
uma política monetária restritiva; estas são algumas das questões concretas que têm que
ser atacadas pelos economistas aplicados. Na medida em que os modelos existentes, que
estabelecem relações de causalidade entre política econômica e as variáveis endógenas,
possam ser testados empiricamente, eles podem, eventualmente, oferecer uma melhor
base para a escolha de política. Radicalizando este argumento, talvez seja algo
irrelevante a origem destas relações de causalidade utilizadas. Caso um modelo
econométrico particular ofereça a melhor estimativa da relação entre política fiscal e
nível de emprego existente este deve ser o modelo utilizado na discussão de política
fiscal. Se, ao invés de um único modelo, há diversos modelos concorrentes com sucesso
estatístico semelhante, a discussão acadêmica e de política passa a ser qual o modelo
mais adequado e. neste caso, obviamente há todo o espaço da sociologia do
conhecimento que está na base das opções escolhidas.
Mas. do ponto de vista do economista aplicado. se há um modelo cujas previsões
são as melhores do ponto de vista estatístico, é irrelevante se a relação de causalidade
obtida. que é verificada empiricamente. é derivada de um modelo com agente
representativo. função utilidade Cobb-Douglas ou surge a partir da hipótese de que os
choques agregados na economia são derivados de uma cadeia de Markov com
propriedades específicas. Estas questões, que podem angustiar o teórico e,
eventualmente, ser relevantes numa disputa entre modelos equivalentes do ponto de
vista estatístico, não devem ser utilizadas para descartar a priori modelos cujos
resultados estatísticos podem ser os melhores disponíveis. Há que se fazer políticas e
um modelo cujas previsões sejam as mais consistentes com os dados empíricos é mais
adequado como justificativa do que a ausência de qualquer critério que não uma visão
de mundo apriorística sem qualquer consistência com os fatos estilizados. O economista
teórico pode argumentar que este procedimento equivale a trabalhar às cegas. Como
toda construção teórica é. necessariamente, uma abstração e idealização do real. como
definir o que não seria trabalhar às cegas? Há alguma forma alternativa de compreensão
do real que não tenha como teste último a capacidade de explicar os fatos observados~
Sumarizando o tema desta seção, e independente das disputas entre teóricos
neoclássicos e economistas aplicados, restam algumas conclusões.

46 Esta discussão sobre método é retomada em Lisboa (1998), onde algumas das fragilidades lógicas da
abordagem instrumentalista são discutidas em maior detalhe.
• Diversos economistas neoclássicos questionam o uso dos modelos agregados
devido, em parte, a exemplos como os obtidos na controvérsia do capital.
• Estes exemplos, no entanto, apenas apontam a possibilidade dos modelos
macroeconômicos agregados estarem equivocados. Além disso, argumentam os
economistas aplicados, estes são os melhores modelos disponíveis para avaliar as
variáveis macroeconômicas e, portanto, na ausência de modelos que gerem melhores
previsões, estes modelos devem continuar a ser utilizados.
• Nenhuma das hipóteses que caracterizam os modelos agregados é necessária
para a teoria neoclássica do equilíbrio geral.
Um último comentário sobre a determinação da distribuição de renda no modelo
neoclássico. A hipótese de maximização dos lucros por parte das firmas no modelo de
equilíbrio geral com mercados completos implica que, dados os preços relativos, as
firmas escolhem combinações de insumos que, em alguns casos, leva à igualdade entre
o valor da produtividade marginal dos fatores e seus preços de mercado. Obviamente,
em um modelo com diversos bens de capital não há sentido em falar em um único bem
de capital e, neste caso, este resultado vale para cada bem de capital utilizado, e não,
necessariamente, para qualquer combinação arbitrária de mercadorias diversas, em
particular, não para qualquer índice que procura conferir qualquer sentido à vaga
expressão "capital agregado".
Este resultado requer diferenciabilidade do conjunto de produção, mas pode ser
generalizado para tecnologias não diferenciáveis e apenas reflete a hipótese de
maximização dos lucros. A produtividade marginal de cada insumo, quando está bem
definida, no entanto, é, em parte, determinada pelo conjunto de tecnologias disponíveis
e pela escolha dos insumos de cada firma. Desta forma, a frase "a produtividade
marginal dos fatores determina a distribuição de renda" não tem qualquer sentido! Do
ponto de vista da firma, de fato, o contrário ocorre: dados os preços relativos, as firmas
escolhem as tecnologias adotadas e as combinações ótimas dos fatores de produção
determinando, em particular, a produtividade marginal dos fatores, desde que a
tecnologia seja diferenciável.
Quando se considera o modelo de equilíbrio geral, os preços relativos são
determinados endogenamente e, portanto, os preços relativos. as tecnologias adotadas e
as combinações ótimas dos fatores são determinados simultaneamente. Portanto. de
forma alguma pode-se afirmar que na teoria neoclássica a produtividade marginal dos
fatores determina a distribuição de renda. Sobretudo, em diversos casos considerados
pelo próprio modelo de equilíbrio geral Arrow-Debreu-McKenzie não é possível falar.
nem mesmo, em produtividade marginal, como nas tecnologias à la Leontief. onde os
coeficientes de produção são fixos.

7- Os equívocos neo-ricardianos
Alguns dos participantes da controvérsia do capital procuram argumentar a
existência de inconsistências lógicas na teoria neoclássica dos preços relativos. Vamos
aos argumentos.
• A controvérsia do capital demonstra que o equilíbrio competitivo pode ser
instável. o que torna inútil este conceito de equilíbrio: uma teoria dos preços de mercado
deve propor preços de equilíbrio e demonstrar que os preços de mercado tendem ao
equilíbrio. ou no jargão desta corrente, os preços de equilíbrio constituem um centro de
gravitação para os preços de mercado (Eatwell e Milgate, 1983a; Garegnani, 1970).
•o equilíbrio competitivo na teoria do equilíbrio geral é incompatível com a
uniformidade da taxa de lucro, mesmo com perfeita mobilidade do capital (Garegnani,
1985, 1990, p. 55; Eatwell, 1979).47
• Há uma teoria alternativa que gera preços compatíveis com uma taxa de lucro
uniforme e cujo equilíbrio é estável; a teoria dos preços de produção (Garegnani, 1985;
Eatwell e Milgate, 1983a).
Vejamos estes pontos com cuidado. O primeiro ponto está inteiramente correto,
ainda que seja completamente exagerado dizer que os economistas neoclássicos
descobriram a possibilidade de instabilidade do equilíbrio com a controvérsia do capital.
A existência de equilíbrios instáveis é conhecida desde o começo da teoria
neoclássica. 48 Mais ainda, é possível demonstrar que estes exemplos não são
patológicos e que há um grande grupo de economias com múltiplos equilíbrios, muitos
sendo instáveis. (Scarf, 1960; Balasko, 1988)
O que dizer sobre a uniformidade da taxa de lucro? Obviamente, havendo
restrições à mobilidade do capital, informação privada com respeito a tecnologia, entre
outras, não há razão alguma que permita concluir que a taxa de lucro deva ser uniforme.
É possível, no entanto, identificar a renda que uma firma obtém por possuir uma
tecnologia mais eficiente patenteada como uma renda derivada da posse desta
tecnologia e, analiticamente, diferenciá-la do lucro obtido pela simples posse de capital.
Na tautologia neo-ricardiana, uma vez descontados todos os fatores que podem explicar
como a taxa de lucro obtida por duas firmas pode ser diferente, então a taxa de lucro
deve ser uniforme, dado que ambas as firmas procuram maximizar lucro.
Mas voltemos à ficção neo-ricardiana sobre a suposta incompatibilidade entre
taxa de lucro uniforme e equilíbrio competitivo no modelo de equilíbrio geral. Para
simplificar ainda mais, suponha que não exista incerteza, ou ao menos que os mercados
sejam completos, assim como nenhum dos fatores que possam levar a taxas de lucro
distintas em equilíbrio. O equívoco neo-ricardiano tem diversas facetas mesmo nos
casos mais triviais. Ao contrário do que argumentam estes autores. a taxa de lucro ~
uniforme em equilíbrio competitivo. Para demonstrar este argumento. considere o
modelo de equilíbrio geral com mercados financeiros e de ações. desen\'ol\'ido ror
Arrow (1964 [1953]) e Radner (1972. 1982). entre outros. Suponha que exista um
equilíbrio com distintas taxas de lucro, digamos firma 1 no setor 1 tem um lucro
superior ao da firma 2 no setor 2. Neste caso. todos os acionistas da firma :! estarto
melhor vendendo suas ações desta firma e comprando ações da firma 1. M~ isto
implica a existência de um excesso de demanda por ações da firma 1 e de oferta de
ações da firma 2. Portanto, os planos originais de consumo, produção e ponifólio 0.\1.1
eram planos de equilíbrio, o que é uma contradição. Portanto, nestas condiç~ c~m
incerteza e com perfeita mobilidade do capital) a taxa de lucro tem que ser uniform,· ,'m
11m equilíbrio competitivo.
Veja bem que este argumento não implica qualquer estória sobre com" 'oC
converge para um equilíbrio ou fábula semelhante. Um dos pontos corretamente'
apontados por Joan Robinson (1978; 1966 [1956]) é que a teoria neoclássica raramente'
discute convergência ao equilíbrio, e que as histórias contadas nesta direção. em l!eral.
não têm qualquer valor teórico. O argumento apresentado no parágrafo anterior ~

,. Garegnani (1985). na verslo publicada em livro. retira a seçlo onde afinnava. equivocadamente. que •
teoria do equilfbrio geral com quantidades dadas iniciais dos diversos bens de capital em geral t
IOcompatlvel com a unifonnidade da taxa de lucro. A confuslo de Garegnani decorria da identlflC~Jo
indevida entre taxa própria de juros e taxa de lucro. A taxa de lucro pode ser unifonne mesmo que ~
taxas próprias de juros sejam distintas. Eu discuto este ponto em Lisboa ( 1993. cap. 4).
" Ver Walras (1954 [1874]) e a discussão de Morishima (\ 977) sobre Walras.
mostra que, se supomos a existência de um equilíbrio com taxa de lucro não uniforme,
obtemos uma contradição, um absurdo, e, portanto, se há equilíbrio competitivo a taxa
de lucro tem que ser uniforme.
A conclusão sobre a necessidade da uniformidade da taxa de lucro em um
equilíbrio competitivo utilizou fortemente a hipótese de ausência de incerteza. O
argumento avançado permanece correto caso se permita a existência de incerteza mas se
suponha mercados completos. É possível demonstrar que, neste caso, todos acionistas
concordam sobre o que significa maximizar lucros e que este deve ser o objetivo da
firma (Magill e Quinzii, 1996, capo 5). Uma vez que exista incerteza sobre o futuro e os
mercados não sejam completos o que quer dizer maximizar lucros? Maximizar lucros
presentes? Mas como descontar estes lucros quando os mercados são incompletos?
Se os mercados são incompletos, há ambigüidade, de fato uma ambigüidade irredutível,
na expressão "maximizar lucros". Em particular, agentes diferentes vão entender
maximizar lucros de forma distinta. Por "entender" eu quero dizer o seguinte. Considere
os diversos acionistas de uma dada firma que têm que decidir qual o plano de produção
deve ser implementado. Em geral não é possível definir um plano de produção que
todos acionistas concordem que a firma deva implementar. Sobretudo, o que a firma
decide neste caso depende sobremaneira da forma como o processo decisório é
estabelecido: qual a regra de decisão (maioria simples, unanimidade); existência de
planos compensatórios para os acionistas descontentes, entre outras questões
institucionais relevantes. Afinal, quem disse que instituições são irrelevantes na tradição
r
neoclássica 9
Esta incapacidade de unanimidade sobre os planos de produção das firmas
quando os mercados são incompletos reflete uma propriedade bem mais profunda do
equilíbrio competitivo: em geral, os agentes irão discordar tanto quanto o possível sobre
os diversos cenários futuros, mesmo quando se supõe expectativas racionais. Sendo algo
mais formal, considere o seguinte exercício intelectual: pergunte a cada agente quanto
ele está disposto a pagar por uma unidade de renda em um dado cenário futuro possível.
Considere o vetor de pagamentos de cada agente - o s-elemento do vetor representa
quanto o agente está disposto a pagar por uma unidade de renda no s-cenário possível
no futuro. Considere. por fim. a matriz obtida colocando-se na coluna j o vetor de
pagamentos correspondente ao agente j. Para quase toda economia com H agentes. I
ativos financeiros e S estados da natureza. esta matriz terá posto igual ao mínimo entre
H e S-1. Este resultado formal significa que os agentes divergem tanto quanto possível
sobre o valor dos possíveis cenários futuros. Veja bem que este resultado não é uma
possibilidade. ou um contra-exemplo. mas sim uma propriedade de todo equilíbrio
competitivo com expectativas racionais. para quase toda economia com mercados
incompletos. Talvez haja algo a aprender com os exercícios neoclássicos ...
A divergência de opiniões sobre o futuro quando os mercados são incompletos.
no entanto. está limitada aos cenários futuros para os quais há restrições à transferência
de renda. que decorrem precisamente da inexistência de mercados completos. Quanto
aos cenários para os quais a renda pode ser livremente transferida. a existência de
mercados de ativos com pagamentos contingentes à ocorrência destes estados impõe a
unanimidade de opiniões. em particular. impõe a uniformização do valor de uma
unidade de renda nestes estados. Em particular. se as decisões de produção das firmas
não alteram o conjunto de operações de "hedge" existentes na economia então há
unanimidade entre os acionistas sobre qual o plano de produção ótimo da firma (Hart.
1979). Este fato apenas reflete a inexistência de possibilidade de arbitragem quando a

." Para uma resenha sobre a teoria do equilibrio geral com mercados incompletos. ver Geanakoplos
( 1990) e MagiJI e ShafTer (1991).
análise se restringe a cenanos para os quais os diversos agentes têm acesso para
investimento em capital ou transferência de renda através da compra e venda de ativos
fmanceiros: diz-se que uma estrutura de ativos financeiros, incluindo ações, satisfaz à
condição de não arbitragem se não é possível a algum agente obter renda positiva em
algum estado da natureza sem qualquer custo em algum estado ou período. Esta
definição não impõe, virtualmente, qualquer restrição de equilíbrio e está na base da
moderna teoria das finanças (Duffie, 1996). Esta definição de não-arbitragem
corresponde, parece-me, precisamente à generalização do que os neo-ricardianos
definem como taxa de lucro uniforme para economias com incerteza, mas não,
necessariamente, mercados completos, e é uma condição necessária para a existência de
equilíbrio competitivo.
De onde surge a confusão neo-ricardiana sobre a incompatibilidade entre taxa de
lucro uniforme e equilíbrio competitivo? Os neo-ricardianos fazem duas hipóteses: em
primeiro lugar, preços de insumos devem ser iguais aos preços dos produtos; em
segundo, há um vetor de quantidades de equilíbrio dos bens de capital, e se o vetor de
quantidades existentes não é igual ao vetor de quantidades de equilíbrio então a taxa de
lucro não é uniforme - e, portanto, os preços de mercado são distintos dos preços de
produção -, o que leva ao deslocamento do capital intra-setores e a convergência, ou
pelo menos a tendência, ao novo equilíbrio. Surpreende a seqüência de argumentos que
deveriam ser demonstrados e são apenas descritos pelos neo-ricardianos como se
fossem verdades auto-evidentes!
Vamos aos equívocos. Em primeiro lugar, por que os preços dos insumos devem
ser iguais aos preços dos produtos? Trivial, dizem os neo-ricardianos, tratam-se das
mesmas mercadorias! Vamos definir mercadorias. Para um neoclássico, mercadorias
devem ser especificadas não apenas pelas características fisicas mas também pela
localização. período e estado da natureza em que estão disponíveis. Trigo hoje e trigo
ano que vem não são a mesma mercadoria, como qualquer ida a uma bolsa de
mercadorias pode demonstrar. Em particular. estas mercadorias. em geral. têm preços
distintos hoje. so
Pois bem, concordemos com os pós-keynesianos e o bom senso e suponhamos
que produção tome tempo. Hoje compram-se insumos a um ceno vetor de preços.
inicia-se o processo de produção e amanhã obtém-se a produção. Suponhamos que hoje
tenhamos utilizado trigo entre os diversos insumos e amanhã entre os nossos produtos
está trigo. Por que o preço do trigo hoje deve ser igual ao preço do trigo amanhã? Não
há nenhuma justificativa econômica para está hipótese. Sobretudo. não é de forma
alguma verdade que os preços das mercadorias em pontos distintos do tempo sejam
iguais. Qualquer modelo com esta previsão será rejeitado empiricamente.
O equilíbrio competitivo na teoria neoclássica é inteiramente compatível com
taxa de lucro uniforme quando há perfeita mobilidade do capital. Este equilíbrio.
entretanto. em geral não é compatível com a suposição de que os preços dos insumos
sejam iguais aos preços dos produtos; este, de fato. é um dos equívocos de Walras na
sua teoria do capital. Uma vez que a arbitrária igualdade entre preços dos insumos e dos
produtos seja abandonada. toda a suposição sobre a existência de um único vetor de
equilíbrio dos bens de capital igualmente desmorona. De fato, no modelo de equilíbrio
geral. um equilíbrio deve especificar os preços relativos e as quantidades produzidas das
diversas mercadorias em todos os períodos e estados da natureza. Não há. em princípio.

50 Ver seção 8 e Lisboa (1998. seção 5.2).

J
razão alguma para que uma mesma mercadoria em períodos diferentes apresente o
mesmo preço, ou que as quantidades produzidas tendam para algum nível particular. Sl
Considere, então, um equilíbrio neoc1ássico. A taxa de lucro é unifonne, ou no
jargão neoclássico não há possibilidade de arbitragem, e, portanto, não há incentivos ao
deslocamento do capital entre setores. Mas os preços dos insumos são, em geral,
distintos dos preços dos produtos. Todas as condições de equilíbrio impostas pelos neo-
ricardianos são satisfeitas mas, no entanto, os preços competitivos são distintos dos
preços de produção. Desta fonna, não há qualquer tendência dos preços de mercado
desta economia para o equilíbrio neo-ricardiano. Mas então, utilizando a própria crítica
neo-ricardiana aos neoclássicos, por que levar a sério uma teoria em que é possível que
os preços de mercado não tendam aos preços de equilíbrio propostos por esta mesma
teoria? A critica neo-ricardiana à teoria neoc1ássica leva à necessidade do abandono da
própria teoria neo-ricardiana!
Finalmente, a esquizofrenia neo-ricardiana propõe ainda um passo além:
detenninar preços e quantidades de fonna independente (Garegnani, 1985, 1990). Algo
do tipo: os preços de produção são detenninados utilizando-se o modelo de Sraffa
enquanto as quantidades são detenninadas utilizando-se alguma versão da teoria da
demanda efetiva; essencialmente, dados os preços de produção e as expectativas dos
agentes determinam-se, unicamente, o nível e a composição do gasto e, em particular, o
nível de produção agregado e de emprego. Esta unicidade da determinação das variáveis
de equilíbrio é, como vimos, um dos pontos centrais do argumento neo-ricardiano e está
na base de diversas criticas destes autores à teoria neoclássica.
O problema desta esquizofrenia é que, ao invés de uma alternativa
metodológica, ela reflete uma possibilidade teórica que deve ser demonstrada e não
simplesmente suposta. Dados o nível e a composição da produção e a taxa de juros, há
um único vetor de preços de produção mas, na ausência de retornos constantes de escala
e outras hipóteses adicionais, este vetor de preços de produção depende do dado nível
de produção, assim como as técnicas escolhidas e a composição da produção dependem
dos preços relativos. A elegante unicidade neo-ricardiana desaparece quando são
incorporadas as inevitáveis interdependências entre produção. técnicas de produção
escolhidas e preços relativos. Não basta. retoricamente. argumentar que o modelo neo-
ricardiano gera a estabilidade. unicidade. e. portanto. a capacidade preditiva, que falta à
teoria neoclássica. É necessário demonstrar estas proposições. ainda mais quando é
trivialmente possível construir contra-exemplos.
Em outro trabalho (Lisboa. 1993. capo 4). construo diversos exemplos
satisfazendo todas as hipóteses neo-ricardianas e mostro que estas interdependências
trivialmente eliminam a unicidade dos valores de equilíbrio, assim como qualquer
possibilidade de demonstrar a estabilidade do equilíbrio neo-ricardiano. Estes contra-
exemplos valem mesmo quando se supõe tecnologias bastantes simplificadas e que os
trabalhadores consomem uma cesta com proporções fixas de diversas mercadorias.
Sistematizando:
• Ao contrário do que argumentam os neo-ricardianos, há preços relativos que
satisfazem todas as condições de equilíbrio destes autores mas que são distintos dos
preços de produção. Não há como justificar. portanto. que os preços de produção
cumpram qualquer papel de centro de gravidade.

" Em particular. é posslvel que alguma mercadoria seja produzida nos períodos iniciais. nlo produzida
em algum período intennediário e volte a ser produzida em períodos futuros. Eu volto a discusslo sobre o
conceito de equilíbrio na teoria do equilibrio geral na última seçlo.
• Os neo-ricardianos propõem separar as teorias dos preços relativos e das
quantidades produzidas. É trivial, no entanto, construir exemplos nos quais,
precisamente pela interdependência inevitável entre preços e quantidades, há múltiplos
preços de produção, além de inexistir qualquer tendência dos preços de mercado aos
preços de produção. Estes exemplos são construídos utilizando-se todas as hipóteses
neo-ricardianas .
• Segundo os neo-ricardianos qualquer teoria dos preços relativos que não
demonstre que os preços de mercado, em um dado momento do tempo, tendam aos
preços de equilíbrio deve ser abandonada. Dos pontos anteriores, segue-se que a teoria
dos preços de produção deve ser abandonada.

8- Alterações no conceito de equilíbrio


Diversas das críticas heterodoxas à teoria neoclássica parecem estar relacionadas
ao significado do conceito de equilíbrio. Nesta seção, procuro discutir uma alteração
que ocorre com o conceito de equilíbrio utilizado pela teoria do equilíbrio geral a partir
do desenvolvimento do modelo Arrow-Debreu-McKenzie. 52 Na tradição neoclássica
que se segue à revolução marginalista supunha-se, com freqüência, a existência de
movimentos tendenciais dos preços e das quantidades produzidas, usualmente
denominados como de longo prazo. 53 Neste caso, caberia à teoria descrever os
movimentos e as flutuações temporárias, ou de curto prazo, dos preços e das
quantidades em tomo dos valores de longo prazo. Mais ainda, caberia à teoria
demonstrar que os desvios de curto prazo eram, de fato, apenas desvios: os preços e as
quantidades produzidas deveriam tender aos valores de longo prazo. Equilíbrio, neste
caso, descreveria os valores tendenciais das variáveis endógenas, e não poderia ser
dissociado da noção de estabilidade. 54
A necessidade de alteração da noção de equilíbrio na tradição do equilíbrio geral
foi sugerida. em parte. por dificuldades teóricas. e não por uma alteração idiossincrática
do objeto estudado. A construção original do modelo de equilíbrio geral. proposto por
Walras (1954 [1874]). utilizava a noção usual de equilíbrio como ponto de repouso. que
se refletia na hipótese de constância dos preços das diversas mercadorias ao longo do
tempo.s~ Como vimos na seção anterior. esta suposição leva aos equívocos neo-
ricardianos. além de gerar diversas contradições internas na própria teoria do capital de
56
Walras. A resolução destas contradições ocorre com o modelo Arrow-Debreu-
McKenzie e requer uma profunda inovação conceitual. ainda que simples do ponto de
vista teórico: a introdução de mecadorias datadas. 57 As mercadorias devem ser
diferenciadas não apenas pelas suas características fisicas, mas também pelo período.
estado da natureza e localização em que estão disponíveis. Mercadorias fisicamente
idênticas disponíveis em períodos distintos são tratadas como mercadorias distintas e.
portanto. em geral apresentam preços distintos. A solução de um modelo dinâmico deve
especificar o comportamento dos preços e quantidades em todos os períodos e estados
da natureza possíveis.

,~ Entre os autores heterodoxos. Garegnani (1976) nota esta alteraçlo no conceito de cquillbrio.
~, Esta suposiçio tembém é comum aos autores clássicos. Ver Milgate (1982).
w Shackle (1967) sistematiza pane desta literatura.
,~ Para uma exposiçlo da tcoria de Walras. ver Morishima (1977).
51> Garegnani (1960) e Eatwell (1987).
,~ Em conversa pessoal. Kenneth Arrow apontou a introduçlo de mercadorias datadas como uma das
inovações teóricas fundamentais para o desenvolvimento da tcoria do equiHbrio geral. Arrow credita esta
idéia a Hicks (1946 [1939]).

J
Este uso particular do conceito de equilíbrio foi generalizado para as diversas
áreas do pensamento neoclássico ao longo dos anos 50 e 60. A crescente utilização de
modelos formais nestas áreas, e, em particular, na teoria da decisão, mostrou que a
suposição de existência de valores tendenciais leva à diversas dificuldades imprevistas.
Na medida em que o modelo seja dinâmico, isto é envolva tempo, em geral não é
possível determinar a escolha dos agentes no presente independente dos valores futuros
esperados. Esta observação trivial leva naturalmente a se considerar como solução do
modelo a trajetória das variáveis endógenas. Com o risco de ser repetitivo: enquanto nos
primeiros autores neoclássicos a solução do modelo era um vetor de preços e
quantidades em tomo do qual os preços e as quantidades de mercado gravitavam ao
longo do tempo, nos modelos neoclássicos recentes a solução do modelo é uma
trajetória que descreve o comportamento do vetor de preços e quantidades ao longo do
tempo. Caso exista incerteza, a solução do modelo é o conjunto das trajetórias possíveis.
As opções teóricas utilizadas, e sistematizadas na especificação do modelo,
resultam em uma restrição particular sobre o comportamento possível das variáveis
endógenas, e, portanto, na trajetória destas variáveis determinada por este modelo. Em
que medida esta trajetória apresenta alguma tendência de longo prazo depende do
modelo específico considerado, mas de forma alguma reflete uma necessidade
decorrente do uso do conceito de equilíbrio. Por exemplo, os modelos dinâmicos de
equilíbrio geral podem gerar tr~etórias bastante complexas para as variáveis endógenas,
incluindo trajetórias caóticas. S A noção de equilíbrio passa, apenas, a qualificar os
valores das. variáveis endógenas determinados pelo modelo considerado, abandonando-
se, portanto, o uso do conceito de equilíbrio como ponto de repouso, assim como
qualquer consideração sobre estabilidade ou convergência no longo prazo. S9
Infelizmente, no entanto, não há consenso entre os autores neoclássicos sobre a
definição do conceito de equilíbrio, existindo pelo menos três conotações distintas de
uso corrente na profissão. Alguns autores tratam equilíbrio simplesmente como a
solução do modelo. Neste caso. equilíbrio apenas qualifica os valores das variáveis
endógenas previslas por uma leoria ou modelo parlicular. É comum. inclusive. diversos
economistas descreverem os valores obtidos como solução do modelo ao invés de
equilíbrio. Certamente. este uso da noção de equilíbrio é semanticamente incorreto.
dado que sugere a noção de ponto de repouso. mas decorre da transformação do sentido
das definições originais que segue o próprio avanço da ciência. a descoberta de
dificuldades imprevistas e a alteração do próprio objeto estudado. A tradição cientifica.
no entanto. com freqüência mantém velhas definições, ainda que os seus sentidos
originais tenham sido lentamente metamorfoseados e, no final, sejam irreconhecíveis.
Outros economistas neoclássicos utilizam o termo equilíbrio para qualificar a
solução de um modelo apenas quando, nesta solução, os agentes estão escolhendo o que
preferem, dadas as informações disponíveis e as suas expectativas sobre o futuro e o que
os demais agentes estão escolhendo. Esta definição de equilíbrio é conhecida na
literatura como equilíbrio subjelivo. 60 Observe que nesta definição de equilíbrio não há
qualquer referência a: "as expectativas estão corretas"; "os agentes não se arrependem";
"oferta igual a demanda"; e afirmações do gênero. Mais ainda. esta definição impõe
restrições apenas sobre os planos dos agentes no primeiro período. Em especial. não há

51 Grandmont (1987) apresenta diversos modelos dinâmicos que geram trajetórias de equilibrio bastante
complexas. Boldrin e Montrucchio (1986) mostram a possibilidade. inclusive. de trajetórias caóticas.
5'/ Isto nAo implica que modelos paniculares nAo possam discutir e. eventualmente. demonstrar a
existência de tendências de longo prazo. Apenas. a demonstraçAo desta tendência nlo é de forma alguma
uma necessidade decorrente do conceito de equilibrio.
60 Kalai e Lehrer (1993).
qualquer restrição sobre como os agentes reavaliam as suas decisões no futuro, dada a
seqüência de eventos particular que ocorre. Por definição, este conceito de equilíbrio
subjetivo é estável no seguinte sentido trivial: nenhum agente tem incentivo a alterar os
suas escolhas no primeiro período, dadas as suas expectativas sobre os cenários futuros.
Neste sentido, e neste sentido apenas, os planos de equilíbrio são estáveis.
Uma extensão da definição de equilíbrio subjetivo é impor a restrição adicional
de que as expectativas dos agentes em cada estado da natureza possível estejam
corretas. Esta extensão corresponde, na teoria dos jogos, precisamente ao conceito de
equilíbrio de Nash. Neste caso, utiliza-se o termo desequilíbrio para caracterizar as
situações em que as expectativas dos agentes podem estar equivocadas. Alguns autores
da tradição do equilíbrio geral, como Hahn (1989), reservam o termo equilíbrio para
denominar os casos em que oferta é igual à demanda em todos os mercados e as
expectativas dos agentes são sempre satisfeitas. O mesmo Hahn, no entanto, em outras
contribuições, utiliza o termo equilíbrio, sempre acompanhado de algum adjetivo, para
designar soluções de modelos de equilíbrio geral distintas do equilíbrio competitivo
usual e onde oferta e demanda podem ser distintas em diversos mercados (Hahn, 1977,
1978). Desde Arrow (1964 [1953]), o caso particular em que as expectativas dos
agentes são sempre satisfeitas em todos os estados da natureza e oferta é igual à
demanda em todos os mercados é denominado de equilíbrio com expectativas
racionais. 61
As definições de equilíbrio de Nash e equilíbrio com expectativas racionais
estão na base da maioria dos resultados obtidos pela teoria neoclássica e, ao mesmo
tempo, são os conceitos mais criticados pelos próprios autores neoclássicos. Exatamente
por serem bastante restritivas, estas definições de equilíbrio geram diversas
conseqüências teóricas que podem ser utilizadas para avaliar em que medida a teoria
produz resultados compatíveis com as observações empíricas. Por outro lado, ambas as
definições são profundamente criticadas por diversos autores neoclássicos como
impondo uma coordenação das expectativas dos agentes ex-ante que fere precisamente a
natureza descoordenada. ou não cooperativa. das situações estudadas.

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61 Infelizmente. o mesmo termo é utilizado em outras áreas em economia. macroeconomia e teoria da


informação. com sentido distinto. Ver. por exemplo, Sargent ( 1987) e Grossman (1989).

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J
ENSAIOS ECONÔMICOS DA EPGE

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BRASILEIROS - Victor Duarte Lledó e Pedro Cavalcanti G. Ferreira - Fevereiro
1997 - 41 pág. (esgotado)

301. SISTEMA FINANCEIRO BRASILEIRO: DIAGNÓSTICO E REFORMAS


REQUERIDAS - Rubens Penha Cysne e Lauro Flávio Vieira de Faria - Março 1997 -
68 pág. (esgotado)

302. DESEMPREGO REGIONAL NO BRASIL: UMA ABORDAGEM EMPÍRICA -


Carlos Henrique Corseuil, Gustavo Gonzaga e João Victor Issler - Abril 1997 - 40
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303. AS DELIBERAÇÕES SOBRE ATOS DE CONCENTRAÇÃO: O CASO


BRASILEIRO - Luiz Guilherme Schymura - Abril 1997 - 20 pág.

304. EFFECTS OF THE REAL PLAN ON THE BRAZILIAN BANKING SYSTEM -


Rubens Penha Cysne e Sérgio Gustavo Silveira da Costa - Maio 1997 - 30 pág.

305. INFRA-ESTRUTURA. CRESCIMENTO E A REFORMA DO ESTADO - Armando


Castelar Pinheiro - Maio 1997 - 25 pág. (esgotado)

306. PUBLIC DEBT SUSTAINABILITY AND ENDOGENOUS SEIGNORAGE IN


BRAZIL: TIME-SERIES EVIDENCE FROM 1947-92 - João Victor Issler e Luiz
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307. THE BRAZILIAN 1994 STABILIZATION PLAN: AN ANALYTICAL VIEW -


Eduardo Felipe Ohana - Julho de 1997 - 24 pág.

308. A INDETERMINAÇÃO DE SENIOR E O CURRÍCULO MÍNIMO DE ECONOMIA


- Antonio Maria da Silveira - Julho de 1997 - 39 pág.

309. HIPERINFLAÇÃO: IMPOSTO INFLACIONÁRIO E O REGIME DE POLÍTICA


ECONÔMICA - Fernando de Holanda Barbosa - Julho de 1997 - 31 pág.

310. TAXA DE CÂMBIO E POUPANÇA: UM ENSAIO SOBRE O EFEITO


HARBERGER-LAURSEN-METlLER - Fernando de Holanda Barbosa - Julho de
1997 - 23 pág.

311. A CONTRIBUIÇÃO ACADÊMICA DE MÁRIO HENRIQUE SIMONSEN -


Fernando de Holanda Barbosa - Julho de 1997 - 22 pág. (esgotado)

312. ANAIS DO III ENCONTRO NACIONAL SOBRE MERCADOS FINANCEIROS.


POLÍTICA MONETÁRIA E POLÍTICA CAMBIAL - Parte I - BALANÇA
COMERCIAL E FLUXO DE CAPITAIS - Rubens Penha Cysne (editor) - Agosto de
1997 - 103 pág.

j
313. ANAIS DO IH ENCONTRO NACIONAL SOBRE MERCADOS FINANCEIROS
POLÍTICA MONETÁRIA E POLÍTICA CAMBIAL - Parte H - MERCADO DE
CAPITAIS - Rubens Penha Cysne (editor) - Agosto de 1997 - 85 pág.

314. ANAIS DO IH ENCONTRO NACIONAL SOBRE MERCADOS FINANCEIROS


POLÍTICA MONETÁRIA E POLÍTICA CAMBIAL - Parte IH - MERCADOS
FINANCEIROS E POLÍTICA MONETÁRIA - Rubens Penha Cysne (editor) -
Agosto de 1997 - 73 pág.

315. IMPACTO DA INFRA-ESTRUTURA SOBRE O CRESCIMENTO DA


PRODUTIVIDADE DO SETOR PRIVADO E DO PRODUTO BRASILEIRO -
Pedro Cavalcanti Ferreira e Thomas Georges Malliagros - Agosto de 1997 - 34 pág.
(esgotado)

316. REFORMA TRIBUTÁRIA NO BRASIL: EFEITOS ALOCATIVOS E IMPACTOS


DE BEM-ESTAR - Pedro Cavalcanti Ferreira e Carlos Hamilton Vasconcelos Araújo
- Setembro de 1997 - 40 pág. (esgotado)

317. A CAPM WITH HIGHER MOMENTS: THEORY AND ECONOMETRICS -


Gustavo M. de Athayde e Renato G. Flôres Jr. - Outubro de 1997 - 32 pág.

318. MANDATORY PROFIT SHARING, ENTREPRENEURIAL INCENTIVES AND


CAPITAL ACCUMULATION - Renato Fragelli Cardoso - Dezembro de 1997 - 43
pág.

319. A NOTE ON GROWTH AND INFLATION - Pedro Cavalcanti Ferreira - Dezembro


de 1997 - 11 pág.

320. IMPOSTO INFLACIONÁRIO E OPÇÔES DE FINANCIAMENTO 00 SETOR


PÚBLICO EM UM MODELO DE CICLOS REAIS DE NEGÓCIOS PARA O
BRASIL - Pedro Cavalcanti Ferreira e João Mauricio L. Rosal - Janeiro de lWS - 33
pág.

32 I. COMO SE EQUILIBRA O ORÇAMENTO DO GOVERNO NO BRASIL?


AUMENTO DE RECEITAS OU CORTE DE GASTOS? - João Victor h~lcr c Lua1
Renato Lima - Março 1998 - 32 pág.
.. ..,..,
.'-_. INFLATIONARY FINANCING OF PUBLIC INVESTMENT ANO (:CO'O\UC
GROWTH - Pedro Cavalcanti Ferreira - Abril 1998 - 31 pág.

THE EFFECT OF INFLATION ON GROWTH INVESTMENTS: A 1'011 - ('1,\\"


de Faro - Abril 1998 - 15 pág.

A MISÉRIA DA CRÍTICA HETERODOXA PRIMEIRA PARTE: SOB RI AS


CRÍTlC AS - Marcos de Barros Lisboa - Maio 1998 - 44 pág.

1
.. * .... :.

N.Cham. PIEPGE EE 324


Autor: LISBOA, Marcos de Barros
Título: A miseria da critica heterodoxa: primeira parte: so

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FGV -BMHS

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A Miséria da Crítica Heterodoxa
Segunda Parte: Método e Equilíbrio na Tradição
N eoclássica

Marcos de Barros Lisboa


J I

Não é a vitória da ciência que distingüe o nosso século dezenove, mas a vitória do
método científico sobre a ciência.
Nietzsche

"Mas então ... " eu arrisquei a afmnar, "você ainda está muito longe da solução... "
"Eu estou muito perto de alguma", William disse, "mas eu não sei qual."
"Então você não tem uma única resposta para as suas perguntas?"
"Adso, se eu tivesse eu ensinaria teologia em Paris."
"Eles tem sempre a resposta verdadeira em Paris?"
"Nunca," William disse, "mas eles estão sempre muito confiantes nos seus erros."
"E você", eu disse com uma impertinência infantil, "nunca comete erros?"
"Frequentemente," ele disse. "Mas ao invés de conceber apenas um, eu imagino muitos,
pois então eu não sou escravo de erro algum."
Umberto Eco, O Nome da Rosa

1- Introdução
A primeira parte deste ensaio, Lisboa (1998), discutiu o equívoco de diversas
críticas heterodoxas à tradição neoclássica. Grande parte destas críticas caracteriza-se
por apontar o irrealismo de alguma hipótese particular utilizada em certos modelos desta
tradição. Sobretudo, o uso do conceito de equilíbrio é usualmente citicado por impor,
segundo os autores heterodoxos, restrições sobre o comportamento dos processos
econômicos incompatíveis com o funcionamento de uma economia de mercado. Possas
(1987, p. 22), por exemplo, afirma que a possibilidade de estudar a dinâmica econômica
utilizando o conceito de equilíbrio
"( ... ) deve ser descartada, através da rejeição da própria noção de
equilíbrio enquanto hipótese genérica e apriorística, com base no
princípio elementar e aceitável a qualquer ciência - e sob este aspecto

I Paulo Guilherme Correa e Leonardo Rezende comentaram uma versão preliminar e reduziram o número
de equívocos. Certas longas conversas e discussões resultam na impossibilidade da delimitação da
autoria: mesmo quando a conclusão permanece inalterada, o argumento invariavelmente se transforma,
incorporando algo do outro. Muito deste ensaio foi elaborado em longas conversas com meu irmão
Ricardo Henriques. Ainda que várias das conclusões não lhe agradem, incluindo um certo otimismo com
a possibilidade da ciência, parte deste ensaio lhe pertence. Outra parte pertence a minha mulher, Magda
Lisboa que, além do mais, fez diversos comentários e correções. Infelizmente, não tenho com quem
compartilhar os erros que ainda restem.
dispensando uma discussão filosófica mais profunda - de que quaisquer
hipóteses ou métodos de análise que se pretendam abrangentes,
independentemente dos critérios de validação que se julguem aplicáveis,
deve respeitar as características mais evidentes do objeto estudado."
Em que medida o conceito de equilíbrio impõe restrições incompatíveis com a
própria natureza de uma economia de mercado? Será que este conceito reflete alguma
opção metodológica específica da tradição neoclássica, que a distingüe das abordagens
heterodoxas? Sobretudo, quais são os princípios metodológicos desta tradição? Estas
são algumas das questões que este artigo procura discutir.
Qualquer discussão sobre metodologia, no entanto, sempre apresenta muitas
dificuldades. Em geral, o pesquisador em alguma área específica de conhecimento
pouco conhece sobre metodologia e o especialista em metodologia, ou filosofia da
ciência, pouco conhece sobre os demais campos de pesquisa. Como resultado, com
freqüência ambos afirmam barbaridades sobre os respectivos campos e eu certamente
não escaparei desta síndrome.
A teoria neoclássica sofre, no entanto, de uma dificuldade adicional: o uso,
talvez excessivo, da linguagem matemática, que dificulta sobremaneira o acesso para
não especialistas. Esta é a minha desculpa para este artigo. Ao discutir como
compreendo as principais características metodológicas da tradição neoclássica, talvez
possa esclarecer alguns argumentos utilizados nesta tradição que são de difícil acesso
para o pesquisador com pouco treino formal. Reconheço de saída, porém, o meu pouco
treino em metodologia e filosofia da ciência assim como a idiossincrasia de algumas, ou
várias, das minhas opiniões. O receio do erro, no entanto, não deve ser um obstáculo à
tentativa de diálogo.
Há uma longa literatura que procura discutir método em economia na tradição
neoclássica. 2 Esta literatura é virtualmente tão antiga e heterogênea quanto a própria
tradição neoclássica. Se, como procuro argumentar em Lisboa (1998) e ao longo deste
artigo, há tamanha divergência de modelos e resultados teóricos nesta tradição, não deve
surpreender igual divergência nas discussões sobre como proceder a pesquisa científica,
como validar um argumento e o papel da evidência empírica. Autores com posições
teóricas tão distintas como John Stuart Mill e Ludwig von Mises concordam na
impossibilidade da análise indutiva e na verdade apriorística da teoria. Por outro lado,
Paul Samuelson e Milton Friedman, autores da tradição neoclássica que, nos modelos
utilizados, parecem discordar mais sobre algumas especificações paramétricas do que
sobre as hipóteses fundamentais, defendem posições radicalmente distintas sobre a
necessidade de verificação empírica das hipóteses utilizadas.
A tradição neoclássica tem como principais referências metodológicas as
abordagens instrumentalista e de inspiração popperiana. Estas abordagens, inclusive,
estiveram no centro das discussões sobre metodologia em economia dos últimos 20
anos. 3 Do meu ponto de vista, no entanto, essas discussões em economia apenas ecoam
os debates ocorridos nos anos 60 e 70 em filosofia da ciência que se seguem à
divulgação dos argumentos relativistas, principalmente Feyerabend (1993 [1975], 1981)
e Kuhn (1996 [1962]).
A próxima seção sistematiza a abordagem metodológica instrumentalista, da
qual Friedman (1954) é o representante mais influente em economia. Esta abordagem se
caracteriza por uma visão bastante pessimista sobre a possibilidade de compreensão do
real. Este pessimismo se traduz em uma visão pragmática da construção científica, na

2 Blaug (1992 [1980], parte 2) e Caldwell (1982, partes 2 e 3) sistematizam a literatura sobre método em
economia na tradição neoclássica. Ver, também, Machlup (1978, capo 4).
3 Ver, por exemplo, as coletâneas de artigos organizadas por Latsis (I 976b ), de Marchi e Blaug (1991).
qual a capacidade preditiva dos modelos revela-se o principal critério na avaliação das
contribuições teóricas. Como discuto no final da seção, no entanto, esta abordagem não
está isenta de dificuldades lógicas.
A terceira seção discute alguns princípios metodológicos que, acredito,
caracterizam a tradição neoclássica recente. Estes princípios são de natureza popper-
lakatiana e se referem à atitude da teoria frente ao fracasso de suas previsões. Seguindo
a interpretação de Lakatos, que por sua vez segue as observações em história da ciência
de Kuhn, um argumento falsificado deve ser abandonado apenas se existe um
argumento alternativo, que corrobore os fatos compatíveis com o argumento anterior,
explique algum fato novo e não apresente um grau menor de falseabilidade. Eu utilizo
alguns exemplos para mostrar, em particular, como as usuais saídas convencionalistas
criticadas à exaustão por Popper, salvar a teoria através de hipóteses ad hoc ou
argumentos que reduzam a falseabilidade da teoria, são sumariamente rejeitados pela
tradição neoclássica.
A quarta seção discute o papel dos diversos conceitos de equilíbrio na tradição
neoclássica, principalmente na teoria do equilíbrio geral. Procuro argumentar que este
conceito decorre, precisamente, da natureza não coordenada das decisões individuais em
uma economia de mercado, enfatizada seguidamente pelos autores heterodoxos. 4 A
previsão da teoria sobre o comportamento das variáveis endógenas que resultam destas
decisões requer a especificação da estrutura institucional em que ocorre o processo de
interação dos diversos agentes, as expectativas de cada agente sobre os demais e o
processo de tomada de decisão individual. Nesta seção, são discutidos os diversos
elementos constitutivos deste processo de interação, as hipóteses usualmente adotadas
na tradição neoclássica e, sobretudo, o papel desempenhado pelas restrições impostas
nas expectativas individuais. O conceito de equilíbrio utilizado é, usualmente,
completamente caracterizado pela especificação das expectativas e estratégias
individuais. Além disso, ao contrário do que argumentam os heterodoxos, este conceito
de forma alguma restringe o conjunto dos processos econômicos que podem ser
previstos pela teoria.
A quinta seção discute diversos princípios metodológicos da tradição
neoclássica que refletem a natureza formaliza dos argumentos teóricos. Ao contrário do
que propõem alguns críticos, a análise teórica formalizada não tem como objetivo
apenas demonstrar a consistência interna de algum argumento verbal ou generalizar
exemplos. 5 Do meu ponto de vista, a formalização explicita a necessidade de hipóteses
que podem passar desapercebidas pela análise verbal, apontam dificuldades conceituais
imprevistas e sugerem problemas em aberto. Apresento diversos exemplos em que a
necessidade de algumas hipóteses para certos resultados foi percebida apenas
posteriormente à análise formal. Similarmente, outros exemplos mostram que as
implicações e restrições impostas por alguns conceitos apenas são perfeitamente
compreendidos graças à análise formal.
Uma das maiores dificuldades com a análise teórica formal, no entanto, é a
interpretação dos resultados. Em que medida uma proposição representa a solução
adequada a uma questão teórica em economia? A crítica heterodoxa enfatiza as
reduções e simplificações inevitáveis na construção formal. Talvez de forma
surpreendente, a análise formal permite igualmente o oposto do que afirma a crítica:
generalizar o resultado obtido para casos inesperados pela análise verbal. Uma vez
formalizada uma proposição, o resultado estabelecido é correto em qualquer caso que
não viole alguma das hipóteses formais. Desta forma, um resultado aparentemente

4 Ver Carvalho (1992) e Possas (1987) para uma sistematização deste argumento e referências adicionais.
5 Esta critica encontra-se, por exemplo, em McCloskey (1994, capítulos 10 e 11).
aplicável a um caso específico, uma vez compreendidos os passos formais que garantem
a sua validade, revela-se correto e generalizável para diversos outros casos,
conceitualmente distintos, porém que compartilhem os passos lógicos requeridos.
Alguns exemplos são oferecidos na quinta seção.
Por fim, o mérito maior da formalização talvez seja, precisamente, apresentar as
limitações do argumento proposto, sugerindo a sua própria superação: o que ocorre
quando esta ou aquela hipótese é alterada; quando esta alternativa definição de
equilíbrio é utilizada? A angústia, inevitável, da pesquisa neoclássica é saber-se
necessariamente temporária, parcial e, no longo prazo, inevitavelmente superada.
Enquanto o argumento verbal se exercita em esconder as suas limitações e fragilidades,
a precisa especificação das simplificações e reducionismos envolvidos na análise formal
delimitam o alcance das contribuições e, sobretudo, revela suas inevitáveis restrições. O
projeto de pesquisa neoclássico é necessariamente dinâmico: estas restrições
caracterizam alguns dos problemas em aberto e, algumas vezes, até mesmo apontam os
caminhos da sua própria superação.
A quinta seção utiliza o modelo Arrow-Debreu-McKenzie para exemplificar
como a análise teórica formalizada permite apontar, com precisão, tanto as limitações
do próprio modelo, quanto dificuldades conceituais inimaginadas pela análise
econômica que a precede. Sobretudo, ao definir estas limitações e dificuldades, o
modelo Arrow-Debreu-McKenzie sugere os caminhos da sua própria superação. Entre
os exemplos mais conhecidos encontram-se a importância da definição precisa do
conceito de mercadoria, a necessidade de incorporar mercados seqüenciais e ativos
financeiros, o papel das expectativas e a possibilidade de racionamento, a análise das
externalidades, dos bens públicos e tarifas, a incorporação de comportamento
estratégico, assimetria de informação e a determinação endógena dos ativos financeiros.
As limitações óbvias do modelo Arrow-Debreu-McKenzie levaram, nos últimos 30
anos, a uma profunda investigação destas questões e ao desenvolvimento de diversos
modelos alternativos. Uma vez mais, cada um destes modelos, ao propor uma solução,
aponta novas dificuldades conceituais imprevistas e problemas a serem resolvidos. 6
Acredito que O Capital de Marx seja, provavelmente, mais profundo do que o
modelo de equilíbrio geral Arrow-Debreu-McKenzie. No entanto, quantas relações de
causalidade, quantas construções teóricas alternativas, quantos conceitos e proposições
analíticas, quantas investigações empíricas foram produzidas a partir d' O Capital?
Quanto conhecimento novo foi adicionado à teoria econômica pelos marxistas? Há, ao
menos, consenso sobre a que vem O Capital; digamos, um consenso maior do que o
existente sobre Finnegans Wake? Ou será que a multiplicidade de interpretações sugere
uma riqueza conceitual que termina se esgotando na construção retórica, revelando-se
incapaz de iniciar um projeto de pesquisa? Talvez, a tradição marxista de leitura d 'O
Capital tenha se aproximado perigosamente da pesquisa cabalística, procurando a
revelação que se esconde na ordem secreta de contar as letras. E se com a revelação
vem a crença na descoberta da verdade, e talvez uma certa euforia messiânica, muitas
vezes desta crença faz-se a inquisição.

2- Instrumentalismo
As abordagens metodológicas instrumentalista e popperiana têm como ponto de
partida uma crítica ao positivismo lógico. 7 Esta corrente em filosofia da ciência enfatiza

6A seção 5 apresenta apresenta algumas destas contribuições e oferece diversas referências bibliográficas.
7 Introduções à filosofia da ciência e ao positivismo lógico podem ser encontradas em Blaug (1992
[1980]), Caldwell (1982), Laudan (1990) e Suppe (1977).
- ----------

a necessidade de se utilizar apenas hipóteses que tenham sido empiricamente


demonstradas corretas. São considerados científicos os argumentos e hipóteses
confirmados pela experiência, evitando-se desta forma, segundo os positivistas, as
ambigüidades, imprecisões e discussões estéreis usualmente associadas à metafisica.
A validação do conhecimento a partir da experiência têm diversas dificuldades
conhecidas, pelo menos, desde Hume. Para ficar no mais famoso exemplo, considere
uma proposição universal empírica como "todos os cisnes são brancos". Esta
proposição não pode ser confirmada pela experiência porque, não importa quantos
sejam observados, jamais será possível observar todos os cisnes. Este exemplo tem uma
história que o justifica. Até o século XIX todos os cisnes conhecidos na Inglaterra eram
brancos. A colonização da Austrália revelou, no entanto, a existência de pássaros
idênticos aos cisnes, porém negros. Pode-se simplesmente afirmar que, por serem
negros, estes pássaros não podem ser cisnes, posto que todo cisne é branco. Mas neste
caso, a proposição não seria universal, mas singular, apenas definindo o que existe e já é
conhecido. Ao contrário, o objetivo da construção científica é, em parte, procurar prever
o que ainda não foi verificado e, por isto mesmo, é desconhecido e potencialmente
distinto dos casos conhecidos.
Desta forma, a construção de proposições universais empíricas tem como
dificuldade a impossibilidade de verificação da sua verdade: toda proposição empírica
universal não tautológica pode se revelar equivocada. Este ponto, com freqüência
denominado Problema da Indução, é enfatizado por diversos autores no debate com o
positivismo lógico, principalmente Popper (1968 [1937]), e resulta em diversas
dificuldades teóricas. Como prosseguir a construção científica se não é possível
demonstrar que hipóteses ou proposições universais do tipo "todo dia o sol se levanta"
ou "todos os cisnes são brancos" são corretas? Será possível falar em conhecimento, ou
ainda progresso científico? É possível diferenciar entre argumentos científicos e não
científicos? Estas questões estão no centro tanto da abordagem instrumentalista quanto
popperiana.
A abordagem instrumentalista tem entre seus principais autores em economia
Friedman (1954) e Machlup (1978), e se caracteriza por um profundo ceticismo sobre a
possibilidade de compreensão do funciomento da realidade econômica. 8 Friedman
enfatiza a impossibilidade de qualquer construção teórica reproduzir o real. O objetivo
da teoria é postular leis de movimento, correlação ou previsão universais enquanto o
real é necessariamente singular e complexo. Desta forma, segundo Friedman, a
formulação teórica caracteriza-se precisamente pela necessária adoção de hipóteses
contra-factuais e simplificações que procuram delimitar os argumentos envolvidos e
abstrair os elementos considerados pouco relevantes para a análise do fenômeno a ser
estudado:
" (... ) A hypotheses is important if it 'explains' much by little, that is, if it
abstracts the common and crucial elements from the mass of complex
and detailed circumstances surrounding the phenomena to be explained
and permits valid predictions on the basis of them alone." Friedman
(1954, p. 188)
Segundo Friedman, todo modelo, toda construção abstrata, é necessariamente
uma construção idealizada do real, e, portanto, necessariamente falsa. Como então

8 Infelizmente, não parece haver um acordo na literatura sobre a denominação das principais correntes,
alguns autores incluindo Machlup na tradição convencionalista. No que se segue, eu defmo o que entendo
como instrumentalismo na tradição neoclássica. A mesma terminologia é utilizada por Boland (1979), que
discute a abordagem proposta por Friedman e seus principais críticos. Boland, ainda que bastante crítico
da abordagem instrumentalista, procura evitar as usuais leituras superficiais da contribuição de Friedman.
discutir o realismo das hipóteses? Se todo modelo ou teoria se caracteriza pela adoção
de hipóteses necessariamente contra-factuais, como argumentar que um conjunto de
hipóteses é mais razoável do que outro? Há dois critérios possíveis, segundo os autores
instrumentalistas. O primeiro é a capacidade do modelo, ou construção teórica, em
explicar uma seqüência de eventos. A dificuldade com este critério, entretanto, é a
virtual impossibilidade de falsificação: é sempre possível construir diversos argumentos
alternativos para explicar a mesma seqüência de eventos observados, sem ~ue seja
possível, a priori, demonstrar que alguma destas explicações está equivocada. Há, no
entanto, um segundo critério para distingüir entre os diversos modelos propostos: a
capacidade do modelo em prever adequadamente eventos futuros.
"In predictions of future events we belive we that know the
conditions and factors at work and can teU what the outcome wiU be; in
explanations of past events what we know is the outcome and we are
called upon to teU what are the responsible conditions and the
significance of the forces at work. Thus, logically there is little difference
( ... ) Pratically, the difference may be great: it is easy to show that a
prediction was wrong ( ... ) while it may be difficult, if not impossible, to
disprove an explanation." (Machlup, 1978, p. 117)
Desta forma, o critério adequado segundo estes autores para avaliar um modelo ou
teoria particular é em que medida as suas previsões são corroboradas pelas observações
empíricas.
" ( ... ) the relevant question to ask about the 'assumptions' of a theory is .
not whether or not they are descriptively 'realistic', for they never are,
but whether they are sufficiently good approximations for the purpose in
hand. And this question can be answered only by seeing whether the
theory works, which means whether it yields sufficiently good
approximations". (Friedman, 1954, p. 188)
A abordagem instrumentalista caracteriza-se por uma visão profundamente
pragmática da construção científica. Cabe a cada modelo ou teoria gerar proposições
que possam ser testadas empiricamente. Utiliza-se, então, o modelo cujas previsões
sejam melhor corroboradas pelos dados existentes. É irrelevante se as hipóteses
utilizadas pelo modelo são inconsistentes com alguma observação empírica ou mesmo
as hipóteses utilizadas por outros modelos que estudam problemas distintos. Cada
problema empírico estudado pode, no limite, requerer um modelo alternativo. A
validade do modelo depende apenas da sua eficiência preditiva. Os autores
intrumentalistas reconhecem a possibilidade de modelos com hipóteses contra-factuais
gerarem resultados compatíveis com as observações empíricas. Sobretudo, na medida
em que todo modelo ou construção teórica necessariamente utilize hipóteses contra-
factuais não há como justificar a escolha do modelo a ser utilizado senão precisamente
pela sua capacidade de previsão. 10
A abordagem instrumentalista apresenta algumas dificuldades. Por um lado,
como coloca Blaug (1992 [1980], p. 99):
"lts weakness is that of alI black-box theorizing that makes predictions
without being able to explain why the predictions work: the moment the
predictions fail, the theory has to be discarted in toto because it lacks an

9Ver Machlup (1978, pp. 116-126).


10 Friedman relativiza em diversos momentos a capacidade preditiva como o único critério para a
avaliação da teoria. Sobre este ponto, ver Boland (1979).
underlying structure of assumptions, an explanans that can be adjusted
and improved to make better predictions in the future."
Por outro lado, a abordagem instrumentalista leva a uma inevitável circularidade
lógica. Esta abordagem propõe avaliar um modelo pela sua capacidade de gerar
previsões consistentes com as observações empíricas. Qual o critério deve ser utilizado
para avaliar o sucesso do modelo? Como justificar o uso de um critério particular? Será
o critério parte da especificação do próprio modelo? Mas então, há tantos modelos
quanto são os critérios e, no entanto, critério algum que permita a comparação entre os
diversos modelos. Mas a justificativa da capacidade de previsão como princípio
metodológico decorre precisamente da necessidade de ordenar e escolher entre os
modelos disponíveis. Portanto, é imperativa para esta abordagem a existência de um
critério que permita comparar os diversos modelos. Seguindo os requisitos impostos
pela abordagem instrumentalista, o critério de avaliação que deve ser utilizado para a
escolha entre os diversos modelos existentes deve ser escolhido a partir da capacidade
de previsão do próprio critério. Entretanto, a avaliação desta capacidade de previsão
dos diversos critérios requer, uma vez mais, algum critério que lhe seja anterior.
Ironicamente, a abordagem instrumentalista requer algum argumento metafisico que
justifique o critério de escolha entre os modelos, ou então está condenada a uma
inevitável circularidade lógica.
As dificuldades lógicas, no entanto, não devem ofuscar diversos resultados
obtidos pela abordagem instrumentalista, nem ao menos sugerir uma prática
maniqueísta que propõe testes sempre adequados ao modelo proposto, garantindo a sua
corroboração. A prática da construção de modelos com capacidade de previsão e o teste
destas previsões têm caracterizado as escolas identificadas com esta abordagem,
principalmente Chicago e Minnesota. Autores como Friedman, Lucas e Prescott, para
ficar apenas nos exemplos mais conhecidos, destacam-se por desenvolver modelos com
previsões empíricas que, com freqüência, são rejeitadas empiricamente, impondo a
necessidade de reformulação teórica. I I Sobretudo, como discuto adiante, estes autores
com freqüência seguem alguns princípios metodológicos que procuram evitar a
utilização de hipóteses ad hoc e outras estratégias criticadas por Popper e diversos
filósofos da ciência que teriam como objetivo permitir a compatibilização dos modelos
utilizados com qualquer evidência empírica. Pelo contrário, como exemplificam as
referências na última nota de pé de página, estes autores com freqüência apontam que os
modelos por eles propostos não são compatíveis com as evidências empíricas. As
eventuais inconsistências entre os modelos propostos e os resultados obtidos, impõem,
segundo estes autores, como área de pesquisa a necessidade de superação, ou ao menos
reformulação, dos modelos utilizados, e a incorporação de questões inicialmente
desconsideradas. A abordagem instrumentalista caracteriza-se por uma preocupação
permanente em comparar versões simplificadas dos modelos teóricos disponíveis com
os dados disponíveis ou, ao menos, com fatos estilizados.

3- Popper, Kuhn e Lakatos: evitando as estratégias


convencionalistas
Popper compartilha com os autores intrumentalistas o cetICIsmo sobre a
possibilidade de compreensão do real e a crítica ao positivismo lógico: todo
conhecimento é necessariamente conjecturaI não sendo jamais possível demonstrar que

II Entre os exemplos mais recentes, destacam-se Prescott (1986), Mehra e Prescott (1985) e Lucas (1988).
a verdade é conhecida. 12 As dificuldades com os argumentos indutivos levam Popper a
propor o Princípio da Falseabilidade para demarcar os argumentos científicos dos
argumentos não científicos ou metafisicos. Um argumento é falseável se existe um
conjunto finito de possíveis observações que demonstram a sua falsidade. 13 Portanto,
um argumento falseável se caracteriza por proibir a ocorrência de um conjunto de
eventos. Uma vez observado o que o argumento proíbe, demonstra-se o seu equívoco.
Popper define como argumento científico todo argumento falseável.
A demarcação dos argumentos científicos a partir do conceito de falseabilidade
decorre de pelo menos duas justificativas. Por um lado, o problema da indução
inviabiliza a possibilidade de verificar a verdade de algum argumento que estabelece
uma proposição universal. Por isso mesmo, é apenas possível verificar se uma
proposição universal está errada. Por outro lado, na medida em que um argumento
falseável possa ser testado empiricamente é possível verificar se o teste rejeita ou não o
argumento. No primeiro caso, diz-se que o argumento foifalsificado.
O critério de falsificação evita a circularidade lógica da abordagem
instrumentalista. De fato, a dificuldade com a abordagem instrumentalista é a
necessidade de algum teste que demonstre a correção ou adequação de algum modelo
ou teoria. Mas este teste, para ser estabelecido, requer alguma teoria que o precede,
iniciando a circularidade lógica que fragiliza esta abordagem. O princípio da
falseabilidade, por outro lado, estabelece que um argumento científico apenas afirma
que um conjunto de eventos não pode ser observado. Não é possível demonstrar que
este argumento está correto. No entanto, caso eventualmente se observe um evento
proibido pelo argumento demonstra-se o seu erro. Segundo Popper, o argumento deve,
então, ser rejeitado.
Caso o modelo não seja falsificado dizemos que o modelo foi corroborado pelos
testes. Como enfatiza Caldwell (1991, pp. 3-4), o termo corroborado é utilizado para
evitar qualquer interpretação do modelo foi demonstrado correto ou verdadeiro. A
abordagem de Popper é inconsistente com qualquer argumento sobre a descoberta da
verdade: todo argumento, todo conhecimento é necessariamente conjuntural. Não é
possível descobrir a verdade, mas apenas o erro.
Há uma vasta literatura em economia discutindo em que medida a tradição
neoclássica segue o princípio da falseabilidade de Popper. 14 Por um lado, alguns
autores, como Caldwell (1982) e McCloskey (1983, 1985) argumentam que os autores
neoclássicos em geral não abandonam modelos falsificados. Por outro, a própria
possibilidade de se utilizar o princípio da falseabilidade como critério de demarcação
dos argumentos científicos· apresenta diversos problemas conceituais. No
desenvolvimento de ambas as críticas, Caldwell e McCloskey essencialmente
reproduzem o debate ocorrido em filosofia da ciência nos anos 60 e 70 sobre a

12 Para uma leitura de Popper como cético sobre a possibilidade da razão, ver Boland (1997, parte 5) e
Caldwell (1991).
13 Ver Popper (1968 [1937], caps. 1 e 2,1983, p. xx).
14 Este foi o objetivo, por exemplo, da coletânea de artigos organizada por Latsis (1976b). Ver, também,
Blaug (1992 [1980]) e Caldwell (1982) para um sumário desta história. A influência de Popper em
economia é, no entanto, anterior aos anos 70, mas, parece-me, foi algo superficial até este período, ao
menos no mainstream neoclássico. Hutchison (1938) parece ter sido o primeiro autor a propor utilizar
Popper como fundamento metodológico em economia. Hayek e Friedman também foram influenciados
por Popper (Boland, 1997, p. 63 e Hutchison, 1981, pp. 221-224). Há uma grande lista de autores que
utilizam Popper e Lakatos como referências fundamentais, incluindo Blaug (1976; 1992 [1980]), Boland
(1997), Latsis (1976a), Leijonhufvud (1976) e de Marchi (1991). Para uma visão crítica desta tentativa,
ver Caldwell (1982) e McCloskey (1983, 1986). Uma abordagem metodológica alternativa, que
desconsidera o debate relativista e popperiano, é proposta por Stigum (1991).
possibilidade de utilizar alguma noção de "avanço do conhecimento", que se segue ao
aparecimento dos trabalhos de Feyerabend (1993 [1975], 1981) e Kuhn (1996 P962]),
entre outros. No que se segue, sistematizo a minha compreensão destas críticas.'
A visão convencional em filosofia da ciência neste século aceita a premissa que
qualquer argumento ou proposição somente pode ser considerado como conhecimento
científico se validado empiricamente. Na tradição do positivismo lógico, esta validação
procura distinguir as proposições e hipóteses corretas. Na tradição popperiana, se
reconhece a impossibilidade de se estabelecer a correção de qualquer argumento
universal, dados os problemas com o princípio da indução conhecidos desde Hume.
Neste caso, um argumento somente é aceito como conjectura científica se há um
conjunto possível de observações empíricas que demonstrem a sua falsidade. Aceita-se,
então, conjecturalmente a proposição ou hipótese como verdadeira caso as observações
empíricas não falsifiquem o argumento. Desta forma, tanto a tradição do positivismo
lógico quanto a tradição popperiana têm na realização de testes empíricos uma etapa
fundamental na delimitação e escolha dos argumentos científicos considerados corretos
ou, ao menos, corroborados.
A realização de testes empíricos para validar um argumento ou proposição
apresenta, no entanto, diversas dificuldades fundamentais. O teste empírico de qualquer
argumento usualmente requer a adoção de diversas hipóteses auxiliares. Estas hipóteses
definem e selecionam tanto os dados empíricos quanto os testes estatísticos a serem
utilizados. Além disso, os argumentos falseáveis são usualmente definidos em
condições ideais que não são satisfeitas emFiricamente, ou, ainda, podem requerer a
especificação de variáveis não mensuráveis.' Neste caso, cabem às hipóteses auxiliares
especificar uma versão particular do argumento que possa ser testada empiricamente.
Considere então uma teoria - um argumento falseável e um conjunto de hipóteses
auxiliares - que tenha sido falsificada. Qual elemento desta teoria deve ser rejeitado?
Afinal, é sempre possível argumentar que o teste rejeitou alguma das hipóteses
auxiliares mas não o argumento central e, desta forma, justificar a manutenção de
qualquer argumento.
Estas dificuldades foram apontadas, particularmente, por Feyerabend (1993
[1975], 1976, 1981). Talvez de forma algo surpreendente, muitos destes pontos foram
igualmente enfatizados por Popper, principalmente no seu debate com os autores
convencionalistas. 17 Estes últimos destacam a possibilidade de compatibilizar os fatos
empíricos com um argumento falseável através do uso de hipóteses auxiliares. Como
coloca Blake:
"A nice adaptation of conditions will make any hypothesis agree with the
phenomena. This will please the imagination but does not advance our
knowledge." (apud. Popper, 1968 [1937], p. 82)
Este ponto é aceito por Popper, que enfatiza a diferença entre um argumento ser
falseável e a possibilidade de demonstrar que o argumento foi, de fato, falsificado:
"I have always mantained ( ... ) that it is never possible to prove
conc1usively that an empirical scientific theory is false." (1983, pp. xxi-
xxii)'8

IS Para uma sistematização do debate em filosofia da ciência nos anos 60 e 70, ver Laudan (1990, 1996) e
Suppe (1977, 1989).
16 A impossibilidade de testar um argumento independente da adoção de hipóteses auxiliares é usualmente
denominada de "Duhem-Quine thesis" na literatura sobre metodologia.
17 Ver, por exemplo, Popper (1968 [1937], capo 4).
18 Ver, também, (popper, 1968 [1937], pp. 41-42).
Popper enfatiza a diferença entre o princípio da falseabilidade, uma definição puramente
lógica que demarca os argumentos científicos, e a possibilidade de se demonstrar que
algum argumento foi de fato falsificado, que requer a utilização de hipóteses auxiliares.
O uso destas hipóteses inviabiliza poder afirmar que o argumento, e não as hipóteses,
foi falsificado pelos testes empíricos. Este mesmo ponto é enfatizado por Lakatos (1970,
pp.16-17), que exemplifica como observações que falsificam a teoria da gravitação de
19
Newton podem ser compatibilizadas através da introdução de hipóteses auxiliares.
Além disso, Lakatos, seguindo a usual crítica ao positivismo lógico, enfatiza que
mesmo as observações empíricas não podem ser definidas independente da teoria,
necessitando da determinação dos critérios de escolha, observação e validação dos
dados empíricos.
"Indeed, ali brands of justificationist theories of knowledge which
acknowledge the senses as a source ( ... ) of knowledge are bound to
contain a psychology of observation. Such psychologies specify the
'right', 'normal', 'healthy', 'unbiased', 'careful' or 'scientific' state of
senses - or rather the state of mind as a role - in which they observe truth
as it is." Lakatos (1970, p. 15)
A resposta de Popper a estas dificuldades é propor um conjunto de regras
metodológicas. Estas regras procuram evitar as estratégias convencionalistas, como
denomina Popper. Em primeiro lugar, deve-se evitar a adoção de hipóteses que não
aumentam o grau de falseabilidade de uma teoria, denominadas por Popper de ad hoc. 2o
Estas hipóteses procuram ajustar a teoria aos fatos observados sem, no entanto,
aumentar a capacidade preditiva da teoria ou o conjunto de observações empíricas que
mostrem que a teoria foi falsificada. As hipóteses ad hoc, segundo Popper e Lakatos,
são inaceitáveis. Em segundo, uma teoria deve ser considerada falsificada
"only if we discover a reproducible effect which refutes the theory. In
other words, we only accept the falsification if a low-Ievel empirical
hypothesis which describes such an effect is proposed and corroborated."
Popper se refere a este tipo de hipótese como "falsifying hyphotesis" (1968 [1937], p.
82). A terceira restrição proposta por Popper se refere ao que ele denomina de
argumentos básicos aceitos. Popper define como argumento singular um argumento
universal que é restrito por um conjunto de condições iniciais. O papel destas condições
é especificar uma situação particular em que este argumento é válido. Um argumento
básico aceito é um argumento singular que é observável por testes intersubjetivos e
repetidos que são aceitos pela teoria existente.
"If accepted basic statements contradict a theory, then we take them as
providing sufficient grounds for its falsification only if they corroborate a
falsifying hyphotesis at the same time." (1968 [1937], pp. 86_87)21
Desta forma, a contribuição de Popper à metodologia da ciência é
essencialmente normativa e não positiva. Como sistematiza Caldwell (1991, p. 4):
"Scientific theories are bold conjectures. The best theories are those that
forbid much, for they can be the most severely tested. The best tests are
intersubjective and repeatable. Refutations should be taken seriously.
Even in situations where clean tests are difficult, scientists should specify

19 Segundo alguns críticos, Lakatos (1970) além de concordar com as dificuldades em falsificar uma
proposição também negaria a própria possibilidade de algum argumento ser falseável, o que
corresponderia a um lamentável equívoco lógico. Ver Berkson (1976, pp. 51-52).
20 Ver por exemplo (1968 [1937], pp. 82-83).
21 Ver, também, (1968 [1937], p. 253).
in advance what sorts of results would lead them to abandon their
theories. Auxiliary hyphoteses should be added as little as possible, and
on1y when their addition increases the degree of a theory's falsifiability.
Scientists should adopt a critical attitude in which they attempt to seek
refutations rather then confirmations, even of their own theory. ,,22
Enquanto Popper investiga critérios normativos para o desenvolvimento da
razão crítica, Kuhn (1996 [1962]) investiga a prática da pesquisa na história da ciência e
obtém uma caracterização algo distinta. Uma tradição científica, ou paradigma como
propõe Kuhn, se caracteriza por compartilhar uma visão comum sobre os problemas a
serem resolvidos assim como as técnicas a serem adotadas para resolver estes
problemas. 23 Além disso, há um processo de auto-validação da tradição pela
comunidade que referenda os modelos e resultados obtidos: cabe aos autores da
comunidade avaliar a pesquisa e resultados dos demais, garantindo a manutenção da
tradição. Deste modo, desenvolvem-se critérios que delimitam as práticas e hipóteses
aceitas pela comunidade, que ganham o status de norma do discurso científico.
Kuhn, no entanto, concorda com o princípio da demarcação proposto por
Popper?4 O discurso científico se caracteriza por proposição falseáveis que,
eventualmente, se revelam incompatíveis com os fatos reconhecidos como verdadeiros
pela própria tradição.
"Discovery comences with the awareness of anomaly, i.e., with the
recognition that nature has somehow violated the paradigm-induced
expectations that govem normal science. It then continues with a more or
less extended exploration of the area of anomaly. And it closes on1y
when the paradigm theory has been adjusted so that the anomalous has
become the expected." (Kuhn, 1996 [1962], pp. 52-53)
A capacidade de um paradigma em ajustar a teoria às observações empíricas é
limitada e o acúmulo de anomalias que não podem ser explicadas pela teoria pode levar
ao reconhecimento de uma crise do pensamento e, eventualmente, a própria alteração do
paradigma. 25 Kuhn enfatiza a natureza revolucionária deste processo: tanto os conceitos
teóricos fundamentais quanto os métodos e aplicações da teoria devem ser radicalmente
alterados. Sobretudo, os princípos fundamentais que caracterizam paradigmas distintos
podem ser incomparáveis, impossibilitando qualquer discurso sobre desenvolvimento
científico. 26 No jargão relativista, paradigmas distintos podem ser incomensuráveis.
Estes pontos são discutidos por Lakatos (1970), que procura combinar as regras
metodológicas propostas por Popper com a observação de Kuhn sobre a prática
observada na história da ciência. Lakatos propõe diferenciar entre a "falseabilidade
ingênua" e a "falseabilidade sofisticada". Esta última reconhece a impossibilidade de
diferenciar entre argumentos teóricos e fatos empíricos assim como a possibilidade de
manutenção da teoria mesmo quando esta é falsificada através do uso de hipóteses
auxiliares. Este ponto é reconhecido por Popper que, como vimos, reconhece as
dificuldades em falsificar uma teoria. Popper, no entanto, enfatiza a ocorrência de
experimentos cruciais na história da ciência que apontam a fragilidade da teoria

22 Caldwell (1991) faz uma mea culpa sobre ter confundido em (1982) as dificuldades em falsificar um
argumento com o principio (lógico) da falseabilidade com as propostas metodológicas de Popper que
grocuram, precisamente, atacar aquelas dificuldades.
No posfácio à segunda edição, Kuhn (1996 [1962]) faz uma auto-crftica sobre a escolha do termo
r,aradigma e propõe, alternativamente, o termo matriz disciplinar.
4 Ver, por exemplo, Kuhn (1970).
2S Kuhn (1996 [1962]), especialmente capítulo 8.
26 Kuhn (1996 [1962]), especialmente capítulos 9 elO.
existente e sugerem a necessidade de construção de uma teoria alternativa (1983, pp.
xxiii-xxiv). Lak:atos, por outro lado, e seguindo em parte Kuhn, propõe que uma teoria
é falsificada apenas quando uma teoria alternativa com maior grau de falseabilidade é
desenvolvida.
"( ... ) a scientific theory T isfalsified if and only if another theory T' has
been proposed with the folloWing characteristics: (1) T' has excess
empirical content over T: that is, it predicts noveis facts, that is, facts
improbable in the light, or even forbidden, by T; (2) T' explains the
previous success of T, that is, alI the unrefuted content of T is included
(within the limits of observational error) in the content of T'; and (3)
some ofthe excess content of T' is corroborated." (Lak:atos, 1970, p. 32)
Na ausência de uma teoria alternativa e dada a existência de observação que
contradiz o argumento utilizado, como prosseguir a teoria? Lak:atos (1970)
essencialmente segue Popper, utilizando o conjunto de regras metodológicas que
restringem as alterações e hipóteses auxiliares aceitáveis a fim de evitar as estratégias
convencionalistas. Essencialmente, estas regras impõem que as alternativas teóricas
propostas não reduzam o conjunto de observações que falsifiquem a teoria original:
"( ... ) a series of theories is theoretical/y progressive (... ) if each new
theory has some excess empirical content over its predecessor, that is, if
it predicts some novel, hitherto unexpected fact." ( ... ) "If we put forward
a theory to resolve a contradiction between a previous theory and a
counterexample in such a way that the new theory, instead of offering a
content-increasing (scientific) explanation, only offers a content-
decreasing (linguistic) reinterpretation, the contradiction is resolved in a
merely semantical, unscientific way. A given fact is explained
scientificalr only if a new fact is also explained with it." (Lak:atos (1970,
pp.33-34i
Lak:atos (1970) propõe o conceito de programa de pesquisa científico como
alternativa ao conceito de paradigma discutido por Kuhn. 28 Na terminologia de Lak:atos,
um programa se caracteriza por um hard core de hipóteses fundamentais aceitas pela
tradição como inquestionáveis. Além disso, há um protective belt de modelos
específicos falseáveis, que utilizam diversas hipóteses auxiliares. Qualquer anomalia
observada pela tradição deve ser resolvida por modificações nas hipóteses utilizadas nos
modelos do protective belt, mas de forma alguma o programa propõe alterar as
hipóteses que caracterizam o hard core. As hipóteses que constituem o Hard Core
caracterizam, por esta razão, o que Lak:atos define como heurística negativa.
Como enfatiza Musgrave (1976), Lak:atos propõe que os programas de pesquisa
tenham uma heurística positiva: um programa de pesquisa tem um projeto de longo
prazo que procura antecipar eventuais dificuldades e apontar possíveis soluções.
"( ... ) the positive heuristics consists of a partially articulated set of
suggestions or hints on how to change, develop the 'refutable variants' of

27Ver, também, Lakatos (1970, pp. 47-52) e Popper (1968 [1937], pp. 112-135).
28 Existe um debate na literatura sobre em que medida o programa de pesquisa científica proposto por
Lakatos apenas combina elementos de Kuhn e Popper, ou propõe mudanças radicais. Do meu ponto de
vista, há muito pouco de original no conceito de programa de pesquisa. Este ponto é enfatizado por Kuhn
(1970). A interpretação que proponho deste conceito parece ser a usual nesta literatura. Para o debate
sobre a originalidade das constribuições de Lakatos, ver o volume organizado por Cohen, Feyerabend e
Wartfsky (1976), especialmente os artigos de Agassi (1976), (1976), Feyerabend (1976) e Musgrave
(1976).
the research programme, how to modify, sophisticate, the 'refutable'
protective belt." ( ... )
"A 'model' is a set of initial conditions (possibly together with some of
the observational theories) which one knows is bound to be replaced
during the further development of the programme, and one even know,
more or less, how. This shows once more how irrelevant 'refutations' of
any specific variant are in a research programme: their existence is fully
expected, the positive heuristic is there as a strategy both for predicting
(producing) and digesting them. Indeed, if the positive heuristics is
clearly spelt out, the difficulties of the programme are mathematical
rather than empirical." (Lakatos, 1970, apud. Musgrave, 1976, p. 467).
Generalizando as definições anteriores, Lakatos define um programa de pesquisa como
teoricamente progressivo se as novas teorias do protective belt prevêem novos fatos,
além de serem compatíveis com os fatos que são corroborados pelo programa existente.
Além disso, este programa é empiricamente progressivo se ao menos uma destas novas
previsões é corroborada. Um programa de pesquisa que não satisfaça estes critérios é
dito ser degenerado. A substituição dos programas de pesquisa ocorre quando um
programa alternativo falsifica o programa anterior, no sentido definido por Lakatos. Em
particular, este programa alternativo tem que ser progressivo e apresentar maior grau
de falseabilidade.
Em que medida a tradição neoclássica segue algo próximo ao conceito de
programa de pesquisa proposto por Lakatos? Sobretudo, em que medida pode-se falar
em hard core e protective belt nesta tradição? Alguns autores em filosofia da ciência,
como Musgrave (1976), criticam o conceito de hard core argumentando que em
diversos casos não se observa a existência de qualquer hipótese fundamental
considerada inquestionável pelos participantes do projeto de pesquisa. Musgrave cita
como exemplo a fisica newtoniana.
Esta mesma crítica, parece-me, pode ser aplicada às tentativas de utilizar o
conceito de programa de pesquisa científico em economia. 29 Afinal, há alguma hipótese
que caracterizera o hard core da tradição neoclássica? O uso de equilíbrio? Mas qual
conceito de equilíbrio? Como discuti em Lisboa (1998, seção 8), o conceito de
equilíbrio sofreu diversas transformações fundamentais ao longo da primeira metade
deste século, sendo virtualmente abandonado do centro da tradição neoclássica o
conceito de equilíbrio de longo prazo, tal como utilizado pelos autores clássicos e
primeiros autores neoclássicos. Seria então o individualismo metodológico? Mas, neste
caso temos o problema inverso. A produção neoclássica, principalmente em
macroeconomia, se caracteriza por não utilizar este princípio de forma essencial até
meados dos anos 70. Pelo contrário, as alterações geradas pela adoção deste princípio na
macroeconomia foram tão radicais que se utilizou o termo "revolução novo-clássico"
para descrever esta transformação. Será, como querem alguns pós-keynesianos, a
geração de modelos em que se supõe a neutralidade da moeda? Mas, como apontei em
Lisboa (1998, seção 7), há uma vasta literatura em teoria neoclássica que tem apontado
os efeitos reais da política monetária em modelos de equilíbrio geral. Será, então, a

29 Este foi o objetivo, por exemplo, da coletânea de artigos organizada por Latsis (1 976b), especialmente
Latsis (1976a) e Leijonhufvud (1976). Ver, também, Weintraub (1985) e Backhouse (1991) para duas
tentativas de utilizar o conceito de programa de pesquisa para a teoria do equilíbrio geral. Para uma visão
crítica da aplicabilidade do conceito de programa de pesquisa de Lakatos em economia, ver de Marchi e
Blaug (1991).
hipótese de oferta igual a demanda em todos os mercados? Porém, neste caso, o que
fazer com os modelos com racionamento e desempregofO
Desta forma, a tradição neoclássica parece capaz de gerar dezenas de contra-
exemplos para qualquer tentativa mais óbvia de defInição do hard core. Estas
difIculdades sugerem que, ao contrário do que defendem diversos heterodoxos, parece
não haver qualquer óbvio princípio fundamental que caracterize esta longa tradição.
Que hipótese ou argumento é comum aos autores da revolução marginalista, às escolas
austríaca e sueca, à abordagem de equilíbrio parcial de Cambridge e ao equilíbrio geral,
à síntese neo-clássica, às macroeconomias novo-clássica e novo-keynesiana e à teoria
dos jogos? Afinal, que hipótese, que proposta de política econômica ou que princípio
metodológico caracteriza todo este vasto grupo de autores?
Mesmo as tentativas de utilizar o conceito de programa de pesquisa científIca
para campos específIcos de pesquisa na tradição neoclássica apresentam difIculdades.
Weintraub (1985) procura defInir a teoria do equilíbrio geral como programa de
pesquisa e propõe que entre as hipóteses do hard core estariam "todos os agentes têm as
informações necessárias", "todos os agentes são racionais" e "as decisões individuais
planejadas são compatíveis". Eu concordo que estas hipóteses caracterizam a maioria
dos trabalhos em equilíbrio geral. Mas de forma alguma estas hipóteses são aceitas
como inquestionáveis, ou como fazendo parte da "heurística negativa", como defme
Lakatos. Caso contrário, o que fazer com as contribuições de Radner (1979, 1982) sobre
informação assimétrica, a literatura sobre racionamento e desemprego e os modelos que
incorporam jogos evolucionários em equilíbrio geral, em que alguns agentes se
comportam de forma irracional?3l Será que toda esta vasta literatura, incorporada nos
livros-textos mais recentes, está fora da teoria do equilíbrio geral?
A tradição neoclássica, do meu ponto de vista, segue diversas das regras
metodológicas propostas por Popper e Lakatos, que procuram evitar as usuais
estratégias convencionalistas. Suponha que alguma tradição científIca utilize um modelo
rejeitado em alguns testes empíricos e um modelo alternativo é proposto que explica um
conjunto maior de casos que o modelo anterior, isto é: os fatos empíricos aceitos pela
tradição rejeitam o novo modelo em um número de casos menor do que o modelo
existente. Suponha, entretanto, que este novo modelo apresente um grau menor de
falseabilidade: o conjunto de observações empíricas que levariam à rejeição do novo
modelo é menor do que o conjunto associado ao modelo existente. Neste caso, o novo
modelo não substitui, ou falsifIca no sentido de Lakatos, o modelo antigo. Modelos que
reduzem o grau de falseabilidade não são aceitos. Sobretudo, não são aceitos novos
modelos que resolvam uma eventual falsifIcação pela eliminação de hipóteses auxiliares
que tenham como conseqüência a simples redução no grau de falseabilidade do
argumento. Além disso, caso um modelo seja falsifIcado, abre-se como campo de
pesquisa o projeto de construção de modelos alternativos, que sejam compatíveis com
os fatos aceitos, e que sejam progressivos no sentido de Lakatos. Deve-se, sobretudo,
evitar as estratégias convencionalistas: hipóteses ad hoc, utilizar a inadequação das
hipóteses auxiliares para justifIcar o fracasso do modelo ou introduzir argumentos não
falseáveis. No que se segue, discuto rapidamente alguns exemplos do exercício destes
princípios na tradição neoclássica.
O primeiro exemplo é o conjunto de proposições obtidas em modelos dinâmicos
em macroeconomia e fInanças que supõem a existência de um agente representativo,
além de em geral impor hipóteses bastante restritivas sobre incerteza, existência de

30 Na próxima seção, eu ofereço diversas referências para estes desenvolvimentos da teoria do equilíbrio
~eral.
I Para referências sobre estas generalizações do modelo de equilíbrio geral, ver a quinta seção.
mercados e racionalidade. Entre estas proposlçoes encontram-se a correlação entre
preços dos ativos financeiros e consumo e estimativas sobre a diferença entre a
rentabilidade dos títulos do governo e ações, que não são verificadas empiricamente. 32
Estes resultados são, no entanto, trivialmente compatíveis com o modelo de equilíbrio
geral dinâmico, que apresenta um grau significativamente menor de falseabilidade. 33
Precisamente por esta razão, não se utiliza este modelo na sua generalidade para
procurar explicar os fenômenos empíricos incompatíveis com os modelos simplificados.
Deve-se utilizar no protective belt, utilizando o termo de Lakatos, apenas modelos
falseáveis e testáveis, mesmo que isto implique na adoção de hipóteses restritivas. Além
disso, deve-se rejeitar qualquer argumento do tipo: o modelo com hipótese específica
foi falsificado devido à hipótese específica; na realidade este resultado é plenamente
compatível com o modelo de equilíbrio geral. Corno o modelo de equilíbrio geral
apresenta menor grau de falsificação, este argumento não é aceito. O objetivo da
pesquisa é obter modelos alternativos com maior grau de falsificação do que o modelo
que foi falsificado. Além disso, este modelo alternativo deve ser progressivo: propor
novas hipóteses que sejam corroboradas.
O segundo exemplo são os paradoxos de Allais e Ellsberg que falsificam a teoria
da utilidade esperada. Ambos os paradoxos levaram ao desenvolvimento de uma vasta
literatura sobre modelos alternativos da teoria da decisão sobre incerteza. 34 Ora, um
ponto pouco enfatizado na literatura é que estes paradoxos são perfeitamente
compatíveis com a teoria da decisão utilizada na teoria do equilíbrio geral, da qual o
modelo de Savage é um caso bastante particular. Uma alternativa retórica disponível aos
economistas neoc1ássicos seria aceitar que o modelo de Savage não representa
adequadamente as decisões individuais em algumas circunstâncias mas enfatizar que a
teoria da decisão neoc1ássica, utilizada na teoria do equilíbrio geral, é plenamente
compatível tanto com os ditos l'aradoxos quanto com os dados empíricos. De fato, não é
possível falsificar esta teoria!3
Ao contrário, no entanto, desde a descoberta destes paradoxos a alternativa
jamais foi resgatar a teoria da decisão utilizada na teoria do equilíbrio geral para
substituir o modelo de Savage, mas sim procurar desenvolver um modelo alternativo.
Isto porque o modelo de decisão utilizado na teoria do equilíbrio geral apresenta um
grau de falseabilidade menor do que o modelo de Savage. De fato, quase não é possível
rejeitar aquele modelo e, portanto, utilizando-se a expressão de Lakatos, aquela
alternativa não seria um progresso teórico. Uma vez mais, este progresso requer uma
teoria que não só explique todos os fatos explicados pela teoria anterior mas também
consiga prever fatos novos e apresente um grau maior de falseabilidade.
O terceiro exemplo se refere à hipótese de racionalidade, que tem sido objeto de
inúmeros testes empíricos nos últimos 30 anos. Um típico teste é apresentado por
McNeil, Pauker, Sox e Tversky (1982). Suponha que você apresenta os sintomas de
uma certa doença e o médico apresenta dois tratamentos alternativos: cirurgia e
radiação. Você tem que decidir qual dos dois tratamentos será utilizado. As seguintes
informações são fornecidas sobre ambos os tratamentos:
Cirurgia: de cada 100 pacientes submetidos à cirurgia, 90 sobrevivem ao
pós-operatório, 68 estão vivos ao final do primeiro ano e 34 estão vivos
ao final do quinto ano.

32 Ver, por exemplo, Mehra e Prescott (1985) e Campbell, Lo e MacKinlay (1997).


33 Ver, por exemplo, Boldrin e Montrucchio (1986) e Becker e Boyd (1997).
34 Ver Lisboa (1998, terceira seção) para uma discussão e referências.
35 Ver Polemarchakis (1983).
Radiação: de cada 100 pacientes submetidos à radiação, todos
sobrevivem ao tratamento, 77 estão vivos ao final do primeiro ano e 22
estão vivos ao final do quinto ano.
Foram entrevistadas 247 pessoas: 18% preferem cirurgia e 82% preferem radiação.
Considere agora o mesmo exercício, apenas os dados são apresentados na
seguinte forma:
Cirurgia: de cada 100 pacientes submetidos à cirurgia, 10 morrem
durante a cirurgia ou pós-operatório, 32 estão mortos ao final do primeiro
ano e 34 estão mortos ao final do quinto ano.
Radiação: de cada 100 pacientes submetidos à radiação, nenhum morre
durante o tratamento, 23 estão mortos ao final do primeiro ano e 78 estão
mortos ao final do quinto ano.
Foram entrevistadas 236 pessoas utilizando-se esta forma alternativa de descrever os
36
dados: 44% preferem cirurgia e 56% preferem radiação.
Este tipo de resultado sugere que a forma de apresentar as opções é relevante
para o processo de tomada de decisão. Obviamente, uma leitura mais formalista da
hipótese de racionalidade é plenamente compatível com este resultado. As opções
disponíveis a algum agente não podem ser definidas independente das suas descrições.
Se um estatístico considera os dois cenários descritos acima como equivalentes, isto não
significa que todo agente o faça. Pelo contrário, os dados descritos acima mostram que
muitos agentes consideram estes cenários como distintos - ainda que muitos agentes
revejam as suas escolhas uma vez alertados para a similaridade dos dados apresentados.
Neste caso, cada agente teria uma relação de preferência definida sobre o conjunto das
descrições das diversas opções, e não, como no caso particular de Savage, sobre o
conjunto das conseqüências.
Esta leitura formalista permite compatibilizar resultados descritos por McNeil,
Pauker, Sox e Tversky com a hipótese de racionalidade, mas é obviamente
insatisfatória. Em primeiro lugar, parece razoável impor a seguinte restrição adicional à
definição de racionalidade: opções que resultem nas mesmas conseqüências devem ser
avaliadas de forma equivalente pelos agentes. Esta restrição adicional, no entanto, não
se segue, necessariamente, à definição de racionalidade apresentada em Lisboa (1998,
seção 2), sendo, no entanto, desejável, pelo menos, por um motivo principal: a sua
ausência reduz o grau de falseabilidade da teoria. De fato, a definição mais geral de
racionalidade é virtualmente não falsificável. Por isto mesmo, a tradição neoclássica em
geral define o conceito de racionalidade desta forma mais restrita e, portanto, interpreta
os resultados acima como apontando a falsificação da hipótese de racionalidade. Cabe à
investigação teórica e empírica verificar em que medida esta falsificação generaliza para
outras aplicações da teoria, em que medida estes resultados são significativos em cada
caso, e, eventualmente, propor uma construção teórica alternativa que compatibilize os
resultados obtidos sem, no entanto, reduzir o grau de falseabilidade da teoria.
De forma alguma estes exemplos devem ser interpretados como negando o papel
da retórica na produção científica em economia. Apenas, parece-me que entre os
atributos da retórica validados pela tradição neoclássica encontram-se precisamente o
critério de progresso da ciência discutido por Lakatos, em parte seguindo Popper, que
elimina como aceitáveis a utilização de modelos que resolvem inconsistências com os
dados mas reduzem o grau de falseabilidade ou sejam degenerados. Este princípio

36Para uma introdução à literatura sobre racionalidade e os resultados dos testes empíricos, ver Arrow,
Colombatto, Perlman e Schmidt (1996), BeU, Raiffa e Tversky (1988), Kagel e Roth (1995) e Hey (1997).
estabelece regras bem definidas para a substituição dos modelos existentes. Não basta
apontar as limitações com os modelos existentes, é necessário propor um modelo
alternativo que corrobore os sucessos do modelo anterior, não reduza o grau de
falseabilidade da teoria e explique algum fato novo.

4- A tradição neoclássica e o conceito de equilíbrio


Se, como venho argumentando ao longo deste ensaio, a teoria neoclássica não se
define pela crença em alguns modelos formais para explicar uma economia de mercado,
o que define este conjunto de conhecimento como uma teoria? Se há tantos neoclássicos
críticos do modelo de equilíbrio geral e, mesmo, do uso de equilíbrio em economia,
como chamá-los de neoclássicos? Se neoclássico não se define por acreditar que
mercados sempre funcionam, toda economia tende ao pleno emprego, política monetária
expansionista leva a inflação sem qualquer efeito real no longo prazo, como, então,
definir esta teoria?
A teoria neoclássica, como entendo, se desenvolve a partir da revolução
marginalista e se caracteriza por dois princípios básicos: 37
• em uma sociedade de mercado os agentes tomam decisões
independentemente de qualquer coordenação a priori;
• cada agente toma suas decisões tendo em vista o seu interesse, as suas
expectativas sobre o futuro e sobre o que espera que os demais agentes
irão fazer.
O primeiro princípio é bastante restritivo e sugere como ponto de partida da
investigação teórica uma teoria das decisões individuais. As variáveis macroeconômicas
são, então, obtidas a partir da agregação das decisões individuais. O segundo princípio
estabelece que cada agente é capaz de decidir qual das opções ele prefere e que ele
escolhe a alternativa preferida. Note que não há qualquer restrição sobre como o agente
prefere. Eu posso preferir por exemplo uma distribuição de renda mais justa, ou o meu
prazer pode depender do prazer dos demais agentes. Neste caso, ao ser altruísta eu estou
agindo no meu interesse.
Uma vez estabelecidos estes princípios, como avançar a teoria? A dificuldade
óbvia: o que é melhor para cada agente fazer depende do que ele espera que os demais
agentes irão fazer e, em particular, do resultado do conjunto das decisões individuais, os
preços de mercado. Esta interdependência das decisões individuais foi enfatizada por
Marx e Walras no século passado. Em diversos momentos d' O Capital, principalmente
na discussão sobre fetichismo da mercadoria, Marx (1867) enfatiza como as relações
sociais em uma sociedade de mercado são intermediadas por mercadorias, o mercado
assumindo o papel de restabelecer o vínculo social entre os agentes que, na aparência,
são independentes. De fato, e este me parece ser um ponto central do argumento de
Marx, a aparente independência dos agentes em uma sociedade de mercado é de
natureza contraditória: por um lado cada agente é livre para escolher o que desejar
dentro do seu conjunto de escolhas factíveis, por outro lado a sua sobrevivência depende
de antecipar os objetos socialmente necessários, os bens que a sociedade, através do
mercado, demonstra necessitar para a sua reprodução. Paradoxalmente, afirma Marx,
tudo que interessa ao produtor é o valor de troca da mercadoria, mas a obtenção deste
valor de troca requer uma forma material específica, um valor de uso, que se revele, no

37Visão semelhante é defendida por Hahn (l984a) e Arrow (1968). Hahn, entretanto, também incorpora o
uso de equilíbrio como um terceiro princípio. Eu discuto o papel do conceito de equilíbrio posteriormente.
mercado, socialmente necessano. Mas a ida ao mercado somente ocorre depois do
trabalho realizado, do trabalho que assume uma forma específica, codificada, que
eventualmente pode não ser socialmente necessária.
Marx rejeita, em diversos momentos, o mito de Robinson Crusoé, do agente
capaz de, autonomamente, prover a sua reprodução; ou para ficar no jargão marxista,
prover os bens necessários à sua reprodução material. A reprodução da sociedade, a
produção dos bens necessários ao consumo e a produção dos bens futuros requerem a
coordenação das decisões de produção a serem tomadas. Mas uma economia de
mercado se caracteriza precisamente pela inexistência desta coordenação a priori: a
contradição entre o caráter privado da apropriação e o caráter social da produção, no
jargão marxista. Cada agente tem que tomar a sua decisão de produção, investimento,
emprego de tecnologias, entre outras, antes de ir ao mercado e portanto antes de
conhecer as necessidades sociais, ou a demanda de mercado. Esta contradição, na minha
compreensão da visão de Marx, marca a natureza da economia de mercado e coloca de
imediato a possibilidade da crise.
Marx não discute, no entanto, em que medida a crise é uma necessidade: será
que as decisões individuais podem vir a se revelar compatíveis, ou será esta
compatibilidade impossível? Em que circunstâncias a crise é uma necessidade, em que
circunstâncias a crise é uma possibilidade? Por fim, será que existe um conjunto de
preços esperados tal que se os agentes tomam estes preços como dados ao escolherem as
suas decisões de produção e consumo, oferta será igual a demanda em todos os
mercados e os preços de mercado são iguais aos preços esperados? Surpreendentemente,
do meu ponto de vista, tanto os economistas clássicos quanto Marx parecem responder
afirmativamente a esta última questão. Em todos estes autores há a hipótese de
existência de um vetor de preços - usualmente denominado preço natural ou de
produção - tal que oferta é igual a demanda em todos os mercados, com a possível
exceção do mercado de trabalho. Em momento algum ocorre a estes autores a pergunta:
mas será que estes preços existem? Ou ainda: em que circunstâncias estes preços
existem?
Em Walras, e na tradição neoclássica do equilíbrio geral, este problema é
discutido pela primeira vez com profundidade. Vamos supor que o que cada agente
prefere esteja bem definido, dadas as suas expectativas sobre os preços de mercado.
Walras propõe investigar a seguinte questão: será que existe um vetor de preços tal que,
se todos os agentes tomam suas decisões tendo por base estes preços, as decisões
individuais são compatíveis com a disponibilidade de recursos? Obviamente, a pergunta
natural que se segue é: será que os preços observados no mercado tendem a estes preços
de equilíbrio? Uma vez mais, surpreendentemente, os autores clássicos, e em certa
medida Marx, respondem afirmativamente a ambas as questões. 38 Cada resposta
afirmativa dos autores clássicos esconde um problema complexo cuja resposta, com
freqüência, requer hipóteses e conceitos adicionais.
O estudo destes problemas pela teoria do equilíbrio geral levou ao aparecimento de
diversas definições alternativas de equilíbrio, cada definição com justificativa,
motivação e conseqüências bastante distintas. O que define equilíbrio? Em que medida
este conceito implica numa restrição sobre o objeto a ser estudado que é incompatível

38 Possas (1989) aponta corretamente que a posição de Marx sobre este ponto é ambígua. Dadas as
técnicas disponíveis, Marx, como os clássicos, supõe a existência de uma tendência dos preços de
mercado aos preços associados a uma taxa de lucro uniforme. Marx (1887, capo 12), entretanto, aponta,
igualmente, a existência de uma tendência à alteração das técnicas produtivas decorrente do investimento
em inovações tecnológicas. Esta alteração leva à ocorrência de mais-valia extraordinária, no jargão de
Marx, ou lucro extraordinário, no jargão dos primeiros autores neoclássicos.
com a própria natureza deste objeto, como afirma Possas (1987, p. 22)? No que se
segue, eu apresento a minha compreensão do conceito de equilíbrio.
Considere uma economia com diversos agentes tomando decisões de forma
independente. Suponha, além disso, que as conseqüências que cada agente espera obter
depende não apenas da sua própria decisão mas também das decisões tomadas pelos
demais agentes. Desta forma, caso as decisões sejam tomadas simultaneamente, a
escolha da alternativa de cada agente depende das suas expectativas sobre as opções
escolhidas pelos demais. Como cada agente forma suas expectativas? Qual a relação
entre as expectativas de cada agente e a sua própria escolha? Em que condições as
expectativas de cada agente são consistentes com as decisões de fato escolhidas?
A investigação destas questões está no núcleo da moderna teoria neoclássica. O
estudo da interação das decisões individuais, em que a conseqüência para cada agente
depende das decisões tomadas pelos demais, requer a especificação de diversos
elementos, entre os quais se destacam:
• quais as opções cada agente considera possível escolher;
• qual a seqüência das decisões tomadas pelos agentes;
• quais as conseqüências para cada agente de cada conjunto possível de
decisões tomadas por todos os indivíduos, incluindo regras de
consistência ex-post (o que ocorre se o que cada agente deseja fazer não
é compatível com as disponibilidades da economia: racionamento,
desemprego, etc ... );
• que restrições são impostas nas expectativas dos agentes sobre como os
demais indivíduos tomam suas decisões e sobre as variáveis agregadas
(preços relativos, entre outras);
• que instituições existem definindo as regras o jogo (o que cada agente
observa, que mensagem cada agente pode enviar, quais os mercados
existentes em cada período, quais os contratos disponíveis e em que
circunstância os agentes esperam que estes contratos sejam cumpridos);
• como cada agente toma sua decisão.
A especificação de cada um destes ítens define um modelo particular no qual,
eventualmente, relações de causalidade podem ser estabelecidas. O papel da teoria,
nesta abordagem, é precisamente mapear as relações de causalidade em cada
especificação possível destes diversos elementos. Os casos em que não conseguimos
estabelecer relações de causalidade definem a fronteira da pesquisa.
Tradicionalmente, a teoria neoclássica tem considerado duas principais formas
alternativas para investigar estas questões: a teoria dos jogos e a teoria do equilíbrio
geral. A teoria dos jogos enfatiza o papel desempenhado pelas expectativas sobre as
estratégias adotadas pelos demais agentes na tomada de decisão de cada indivíduo. Isto
leva ao estabelecimento de relações de causalidade entre as expectativas individuais e os
comportamentos observados em cada economia. A complexidade desta abordagem
resulta da necessidade de uma especificação precisa das opções disponíveis para cada
agente e da seqüência particular em que cada agente decide. Alterações marginais nas
regras do jogo podem levar à alterações significativas nos resultados obtidos.
A maior dificuldade teórica desta abordagem, no entanto, resulta da própria
natureza do problema investigado. O espaço das expectativas individuais é, do ponto de
vista matemático, significativamente amplo e o mapeamento dos resultados possíveis
depende das restrições impostas sobre as expectativas a serem consideradas. Este
problema é particularmente relevante quando os agentes tomam decisões de forma
seqüencial. A pesquisa teórica em teoria dos jogos tem focado precisamente em
estabelecer relações de causalidade entre as hipóteses sobre as expectativas individuais,
o comportamento dos agentes derivado destas expectativas e as propriedades dos
resultados obtidos. 39
O termo equilíbrio é freqüentemente utilizado para designar um conjunto particular de
hipóteses sobre a especificação das opções teóricas utilizadas e, em especial, sobre as
expectativas consideradas. Assim, por exemplo, no conceito de equilíbrio subjetivo
impõe-se que cada agente escolhe a decisão que maximiza a sua satisfação dadas as suas
expectativas sobre o comportamento dos demais. Em equilíbrio de Nash há a restrição
adicional que as expectativas de cada agente estejam corretas.
Em jogos com decisões seqüenciais o conceito de equilíbrio de Nash apresenta diversas
dificuldades. Os resultados obtidos nestes jogos dependem sobremaneira da
especificação das expectativas dos agentes mesmo sobre trajetórias factíveis porém
impossíveis de ocorrer dadas as ações tomadas pelos próprios jogadores. Com
freqüência, argumentos intuitivos não levam em conta as trajetórias contra-factuais: o
que eu devo fazer caso o outro faça algo que eu tenho certeza que ele não vai, ou pode,
fazer. No entanto, e este é um dos fatos obtidos pela teoria dos jogos, trajetórias contra-
factuais são relevantes na análise de jogos seqüenciais. Em particular, é necessário
analisar as expectativas dos agentes mesmo sobre trajetórias fora do equilíbrio de Nash.
Os conceitos de equilíbrio perfeito em sub-jogo, equilíbrio Bayesiano perfeito,
equilíbrio seqüencial, entre outros, refletem restrições alternativas sobre as expectativas
individuais sobre trajetórias contra-factuais.
A teoria do equilíbrio geral propõe uma abordagem alternativa ao estudo da
interação das decisões individuais. Cada escolha individual, nesta abordagem,
corresponde a troca, consumo e produção de um conjunto de bens, ou mercadorias. Há
um conjunto de mercados onde estes bens são trocados e cada agente possui
expectativas sobre a relação de troca, ou preço relativo, entre cada par de mercadorias.
Além disso, supõe-se que cada agente é capaz de ordenar as cestas segundo uma relação
de preferência. A análise das decisões individuais, nesta abordagem, requer a
especificação das expectativas de cada agente sobre os preços de mercado que, em
princípio, podem depender dos comportamentos individuais. Numa primeira
aproximação, o modelo original de equilíbrio geral, devido a Walras (1954 [1874]),
Arrow-Debreu (1954) e McKenzie (1954), simplifica este problema com a seguinte
hipótese comportamental: cada agente escolhe a sua alternativa como se os preços
relativos não dependessem da sua própria ação. Além disso, supõe-se que todas as
trocas ocorrem simultaneamente. O problema clássico apresentado por Walras é
estabelecer condições suficientes para a existência de um vetor de preços relativos que
garanta a compatibilização das decisões individuais, e foi parcialmente resolvido por
Arrow-Debreu-McKenzie. Mais ainda, como mostra Arrow (1951), esta coordenação é
eficiente no sentido de Pareto: a melhora de qualquer agente implica, necessariamente,
que algum outro agente deva ficar pior.
Como toda contribuição seminal, o modelo Arrow-Debreu-McKenzie sugere
tantos, ou mais, problemas quantos são resolvidos. Entre os diversos méritos deste
modelo está estabelecer hipóteses precisas sobre como os agentes tomam decisões, a
existência de mercados e o tratamento da incerteza. É exatamente a precisão formal das

39 Para uma introdução intuitiva a teoria dos jogos, ver Dixit e Nalebuff (1993), Gibbons (1992) e Kreps
(1990a). Uma introdução tecnicamente mais sofisticada e elegante é encontrada em Osbome e Rubinstein
(1994). Greif (1997) sistematiza a literatura sobre instituições, teoria dos jogos e história econômica.
Moulin (1988) sistematiza a literatura sobre teoria dos jogos e escolha social. Binrnore (1994) utiliza
teoria dos jogos para estudar instituições e justiça social.
hipóteses e dos argumentos utilizados que permitem uma melhor compreensão das
condições e restrições requeridas para obtenção deste resultado; condições e restrições
estas que, em uma análise informal, podem passar desapercebidas. A teoria do
equilíbrio geral se desenvolve, precisamente, procurando superar as restrições
apresentadas pelo modelo Arrow-Debreu-McKenzie. Este desenvolvimento levou à
construção de modelos com mercados seqüenciais e ativos financeiros, imperfeições no
mercado de capitais e trabalho, expectativas racionais e não racionais, bancarrota,
assimetria de informação e comportamento estratégico, entre outras generalizações.
Sobretudo, este desenvolvimento se caracteriza pela multiplicidade de noções de
equilíbrio utilizadas, que com freqüência refletem restrições distintas sobre as
expectativas individuais. 40
A existência de tantos modelos alternativos, distintas noções de equilíbrio e
formalizações do processo de decisão individual, reflete a existência de diversos grupos
com visões conflitantes dentro da própria tradição neoclássica: alguns autores acham as
noções existentes e dominantes de equilíbrio, equilíbrio de Nash e expectativas
racionais, perfeitamente adequadas e consideram as pesquisas que procuram
desenvolver noções alternativas de equilíbrio equivocadas; outros acreditam que a
noção de racionalidade utilizada na maioria dos modelos é adequada e suficientemente
geral para tratar quase todas as questões que os críticos em geral discutem; outros,
ainda, acham que as teorias da decisão existentes são problemáticas porque elaboradas
para jogos estáticos e isto explica alguns resultados paradoxais obtidos em jogos
dinâmicos; muitos, talvez a maioria dos economistas neoclássicos, acreditam que os
mercados tendem a ser eficientes na maioria das vezes; alguns estão dispostos a aceitar
o receituário dos manuais para alunos de doutorado como expressão da fronteira da
ciência; outros passam a maior parte da profissão apontando os limites e fragilidades
dos argumentos mais usuais. É nesta diversidade e pluraridade de pensamento que,
talvez, resida a origem do sucesso desta tradição. Não se deve desprezar, no entanto, a
uniformização da linguagem através do uso de modelos formais que caracteriza esta
tradição e que permite a comunicação e divulgação das idéias de uma forma impensável
apenas com a linguagem verbal.
Desta forma, ao contrário da visão heterodoxa corrente, não me parece ser
consistente tratar a tradição neoclássica como uma teoria - ou paradigma no sentindo
proposto por Kuhn. A existência dos dois princípios unificadores, que eu sistematizei no
começo desta seção, de forma alguma defme um corpo teórico. É a escolha dos modelos
específicos para estudar/explicar os fenômenos observados que define uma teoria ou
paradigma. A abordagem da utilidade esperada proposta por Savage constitui uma teoria
da decisão - ou paradigma - com diversas implicações teóricas e aplicadas. Em que
medida este paradigma é empiricamente bem sucedido define, em parte, o seu sucesso
em se transformar no padrão hegemônico.
Fazer teoria na tradição neoclássica implica propor restrições ao conjunto dos
fenômenos que podem ser empiricamente observados o que pode, eventualmente, levar
à rejeição dos próprios argumentos propostos. As opções teóricas utilizadas em um
argumento particular especificam, por exemplo, a estrutura temporal utilizada no
modelo e as hipóteses sobre o processo de tomada de decisão de cada agente. Quando a
teoria é construída utilizando modelos formais, estas opções podem ser expressas em
equações que refletem as relações de causalidade obtidas e restringem o conjunto dos
valores das variáveis endógenas previstos pelo modelo. Equilíbrio, neste caso, apenas
identifica o conjunto dos valores compatíveis com as opções teóricas utilizadas. Como

40 A próxima seção sistematiza alguns destes modelos, além de apresentar diversas referências
bibliográficas.
observa wn crítico heterodoxo sobre o conceito de equilíbrio utilizado por Lucas
(1981):
"( ... ) o equilíbrio corresponde a wna solução matemática
(portanto lógica) de wn sistema de equações simultâneas do modelo
economlCO considerado, e o desequilíbrio, portanto, a wna
impossibilidade lógica; logo, não surpreende que ele não seja sequer
cogitado seriamente (... )" (Possas, 1997, p. 31)
De fato, o conceito de equilíbrio reflete as restrições obtidas sobre as variáveis
endógenas do modelo que decorrem das opções teóricas adotadas. A "possibilidade de
desequilíbrio" em wn modelo particular, neste caso, corresponde apenas à rejeição
destas opções teóricas utilizadas. Desta forma, pode-se criticar as restrições sobre as
expectativas utilizadas por Lucas ou a hipótese de que o comportamento agregado pode
ser representado pela solução do problema de wn agente médio. Hipóteses alternativas
vão levar a resultados distintos sobre o comportamento das variáveis endógenas e, nesta
linguagem, a wn equilíbrio distinto.
Em Lisboa (1998, seção 8), procuro argwnentar, no entanto, que não há
consenso entre os autores neoclássicos sobre o sentido atribuído ao conceito de
equilíbrio. Esta falta de consenso não deve, no entanto, sugerir wn falso debate. Caso se
interprete o conceito de equilíbrio apenas como qualificando a solução proposta de wn
modelo particular, então, de fato, o uso do conceito de equilíbrio é wn dos princípios
que definem a tradição neoclássica, mas o uso deste conceito parece não impor qualquer
restrição metodológica sobre o objeto a ser estudado. Caso se interprete o conceito de
equilíbrio como significando que as expectativas dos agentes são sempre satisfeitas,
então o uso do conceito de equilíbrio não é wna condição necessária para fazer modelos
na tradição neoclássica, ainda que este uso caracterize a maior parte das contribuições
na tradição neoclássica. Desta forma, parece-me, não há qualquer princípio
metodológico relacionado ao conceito de equilíbrio que diferencie de forma não
ambígua as contribuições neoclássicas e heterodoxas.

5- O papel da análise formal na construção teórica neoclássica


5.1 Conjecturas, provas e refutações
Entre os diversos elementos característicos da tradição neoclássica, poucos
foram investigados tão superficialmente quanto o papel desempenhado pela análise
formal na construção teórica. Alguns autores, como McCloskey (1994, capítulos 10 e
11), parecem tratar a formalização apenas como a matematização de algwna intuição
econômica que a precede. Neste caso, os resultados formais seriam vistos, na melhor
das hipóteses, como demonstrando a consistência interna de algwna intuição
econômica, ou, talvez, generalizando algwn exemplo conhecido. No que se segue eu
proponho alguns exemplos e argwnentos que procuram apontar o equívoco desta visão.
Comecemos pelos casos mais óbvios: modelos e argwnentos inicialmente
teóricos, cujo desenvolvimento necessitou de instrwnentos formais sofisticados, que
alteraram as instituições, mercados e políticas existentes. O primeiro, e talvez mais
óbvio exemplo, foi o impacto da moderna teoria das finanças, principalmente a partir da
fórmula desenvolvida por Black e Scholes e da moderna teoria de apreçamento, na
introdução de novos, e significativamente mais complexos, ativos fmanceiros e,
eventualmente, até mesmo no desenvolvimento de novos mercados. O segundo exemplo
é a alteração das políticas de regulação e privatização decorrentes do desenvolvimento
da teoria dos jogos, principalmente nos últimos 30 anos. Os novos desenhos
institucionais dos leilões, o desenvolvimento de mecanismos sofisticados de incentivos
assim como a melhor compreensão da interação estratégica, permitiram a introdução de
formas alternativas de regular, e até mesmo desenhar, mercados de forma a obter uma
maior eficiência alocativa no fornecimento de bens públicos e monopólios naturais.
Estes exemplos, mais do que conhecidos e divulgados, apenas exemplificam a
eventual influência de argumentos originalmente formais e abstratos, porém não quais
as peculiaridades destes argumentos em comparação aos argumentos verbais. Será que
este mesmo desenvolvimento teórico seria possível sem o uso da linguagem formal? Ou
será que há algo de peculiar nesta análise? Uma versão convencional, otimista sobre o
papel desta análise, propõe que a formalização, algo como uma técnica computacional,
permite a realização de um maior conjunto de argumentos e encadeamentos lógicos,
porém ao custo de uma inevitável simplificação das questões envolvidas. Eu não
disputo esta visão, porém proponho alguns argumentos complementares. A meu ver, há
algumas peculiaridades adicionais nos argumentos formais, distintas destas usuais
considerações, que explicam, ao menos em parte, o sucesso da tradição neoc1ássica em,
permanentemente, incorporar novas questões e propor novos modelos; a "cheia"
neoc1ássica, como qualifica Possas.
A análise formal não é o ponto de partida da investigação teórica neoc1ássica,
mas uma tentativa de organizar e precisar uma questão conceitual que a antecede. Esta
questão, em geral, envolve uma conjectura - "nestas condições determinado resultado
deve ocorrer" - que eventualmente pode ser bastante sofisticada, envolvendo diversas
relações de causalidade, ou, mesmo, diversas influências simultâneas. A primeira etapa
na análise formal é procurar precisar os conceitos e questões envolvidas, além de
abstrair as variáveis que se revelam irrelevantes para a conjectura. Procura-se verificar a
veracidade da conjectura através de uma demonstração formal ou, ao contrário,
demonstrar a sua falsidade através da construção de contra-exemplos. Em geral, esta
versão inicial da conjectura é bastante imprecisa, sujeita à diversas interpretações
alternativas. Neste caso, a obtenção de contra-exemplos ilumina dificuldades
inesperadas, aponta a necessidade de novas ou alternativas hipóteses e, eventualmente,
leva à redefinição dos conceitos utilizados originariamente. Ao longo deste processo,
novas definições e conjecturas são geradas, abrindo novas áreas de pesquisa.
Este método de construção de resultados corresponde, em parte, ao processo de
conjectura, prova e refutação discutido por Lakatos (1976), seguindo a construção
inicial de Popper (1989 [1963]).41 Cabe a investigação teórica propor conjecturas,
demonstrar a sua veracidade, ou produzir contra-exemplos que demonstrem a sua
falsidade. O eventual fracasso da conjectura pode revelar a necessidade de uma hipótese
inesperada, redefinição dos conceitos envolvidos, ou ainda sugerir uma nova linha de
pesquisa. Sobretudo, a construção científica, nesta visão, se caracteriza por um retomo
freqüente aos conceitos e conjecturas originais, que são permanentemente
transformados ao longo deste processo. Esta prática sugere diversos mal-entendidos, ao
manter conceitos cujos significados são constantemente alterados em função da eventual
ocorrência de contra-exemplos. Este, como argumentei em Lisboa (1998, seção 8), é
precisamente o processo que leva à alteração do conceito de equilíbrio na tradição do
equilíbrio geral. Por isso mesmo, Lakatos enfatiza a necessidade da história da ciência
como instrumento para mapear as transformações e redefinições ocorridas, assim como
as alternativas abandonadas.

41 Alguns críticos procuram diferenciar esta contribuição de Lakatos, em geral reconhecida como
relevante e original, da sua discussão posterior sobre o Programa de Pesquisa Cientifico, usualmente
considerada menos original, apenas combinando, segundo alguns críticos, elementos de Popper e Khun.
Uma vez mais, ver a coletâna de artigos Cohen, Feyerabend e Wartfsky (1976).
Desta fonna, ao longo do processo de estabelecimento de conjecturas e contra-
exemplos, diversos novos conceitos são propostos e relações de causalidade, algumas
vezes inesperadas, são estabelecidas. A análise fonnal em economia, no entanto, não se
restringe ao desenvolvimento de uma linguagem e ao mapeamento de relações de
causalidade que, eventualmente - e este é um risco inevitável - podem perder o vínculo
com a motivação econômica original. Versões específicas das construções fonnais
devem ser estabelecidas, versões estas que possam ser empiricamente falsificadas. Estas
versões específicas cumprem um duplo papel: Por um lado, o eventual sucesso destas
versões específicas em explicar os dados conhecidos legitimam o exercício teórico. Por
outro, as falsificações que eventualmente ocorram apontam novas áreas de pesquisa e
delimitam a validade do argumento teórico. Assim, por exemplo, a moderna teoria do
equilíbrio geral, ainda que bastante fonnalizada e abstrata, tomou-se relevante na
tradição neoclásssica na medida em que versões específicas desta teoria foram eficazes
na construção de modelos testáveis em diversos campos aplicados de pesquisa,
principalmente macroeconomia e finanças. 42 A eventual falsificação destes modelos
indica os problemas em aberto e sugere novas direções na pesquisa fonnal.

5.2 Apontando dificuldades inesperadas


O processo de fonnalização das conjecturas intuitivas, muitas vezes, demonstra
a necessidade de hipóteses inesperadas, além de outras vezes apontar dificuldades
analíticas e conceituais imprevistas pela análise verbal. Consideremos o modelo de
equilíbrio geral Arrow-Debreu-McKenzie. Quais as contribuições usualmente
associadas a este modelo? Trata-se do primeiro modelo a demonstrar condições
suficientes para a existência de equilíbrio competitivo. Esta demonstração requer tanto
uma maior precisão dos conceitos utilizados quanto eventualmente aponta dificuldades
analíticas e conceituais inesperadas.
Para ficar apenas em uma dificuldade, consideremos a hipótese de existência de
tantos mercados quantas são as mercadorias, utilizada no modelo Arrow-Debreu-
McKenzie. A dificuldade com esta hipótese decorre da natureza intertemporal das
decisões de consumo assim como das decisões de produção e investimento.
Suponhamos que os consumidores vivam diversos períodos e que tanto investimento
quanto produção de mercadorias não sejam instantaneamente realizados. Neste caso,
tanto os planos de consumo quanto de produção e investimento incluem mercadorias
que apenas estarão disponíveis no futuro. Desta fonna, supor a existência de mercados
para todas as mercadorias significa que, no primeiro período, os agentes podem trocar
mercadorias que somente estarão disponíveis no futuro, ou mesmo mercadorias
contingentes à ocorrência de certos estados da natureza.
Um exemplo talvez ilustre as dificuldades com esta hipótese. O lucro decorrente
do investimento em capital fixo depende tanto dos preços dos diversos bens de capital e
insumos hoje como também dos diversos preços possíveis no futuro do bem a ser
produzido. De fato, em geral a decisão de investimento da finna depende dos preços
esperados de todas as mercadorias em cada cenário, ou estado da natureza, possível.
Considere os diversos cenários futuros possíveis para a finna: no primeiro cenário a
economia está em expansão, o preço do bem de consumo é x e o preço dos insumos é y;
no segundo, a economia também está em expansão porém algum competidor produziu
um substituto ao bem produzido pela finna por um preço bem menor e, portanto, a
finna pode apenas cobrar preço z; e assim por diante. Esta lista deve incluir todos os

42Ver, por exemplo, Cooley (1995), Campbelll, Lo e Macinlay (1997) para aplicações da teoria do
equilíbrio geral em macroeconomia e fmanças.
cenários que a firma acredita que poderão ocorrer: cada cenário deve especificar todas
as variáveis que não estão sobre o controle da firma. Observe que o bem produzido pela
firma pode ter um preço diferente em cada cenário possível no futuro. Por isso mesmo,
é conveniente, do ponto de vista da teoria, tratá-los como mercadorias distintas.
O absurdo da hipótese de existência de tantos mercados quantas são as
mercadorias revela-se com precisão uma vez que o argumento formal é construído.
Seguindo o nosso exemplo, esta hipótese implica que, no primeiro período, a firma pode
trocar o bem de consumo produzido no segundo período no estado da natureza "a
economia está em expansão e a inovação do competidor fracassou" pelo bem de
consumo amanhã no estado da natureza "a economia está em expansão e a inovação do
competidor foi bem sucedida". As dificuldades teóricas em analisar uma economia de
mercado se tomam óbvias uma vez que o modelo é especificado e a intuição verbal
deve ceder lugar a conceitos formalmente precisos.
A natureza contra-factual da hipótese de existência de todos os mercados, no
entanto, não deve esconder que, até a construção do modelo Arrow-Debreu-McKenzie,
o pensamento econômico não tinha pensado profundamente sobre o que significa existir
tantos mercados quantas são as mercadorias, como tratar analiticamente a existência de
diversos cenários futuros possíveis, entre outras questões. Desta forma, a formalização
deste modelo aponta diversas dificuldades imprevistas pelo pensamento econômico que
o precede e aponta naturalmente as soluções desejadas.
A preocupação formal da tradição neoc1ássica eventualmente revela que
hipóteses aparentemente inócuas têm profundas implicações teóricas e são bem mais
restritivas do que sugere uma análise inicial. Um exemplo é o conceito de conhecimento
comum (common knowledge) proposto por Aumann (1976). Suponha que dois agentes
têm informações distintas e privadas sobre algum evento: cada agente observa alguma
variável porém não sabe o que o outro agente observou. Estas variáveis podem estar
relacionadas à ocorrência do evento. Além disso, suponha que, antes da chegada da
informação privada, estes agentes compartilhavam a mesma distribuição de
probabilidade sobre os diversos eventos (common prior). Considere a probabilidade
subjetiva que cada agente associa à ocorrência do evento, dada a sua informação
privada. Por exemplo, eu atribuo probabilidade x% do preço da ação subir 10 pontos
enquanto o agente 2 atribui uma probabilidade de y% ao mesmo evento. No entanto,
enquanto a minha probabilidade é derivada de alguma conversa com o dono da empresa,
a probabilidade do agente 2 deriva de trabalhar no mercado financeiro. Isto é, tanto eu
quanto o agente 2 temos acesso a alguma forma de informação privada que não é
conhecida pelo outro agente. Suponha que eu saiba a probabilidade subjetiva do agente
2, que também conhece a minha probabilidade. Não sei, no entanto, por que o agente 2
tem esta probabilidade, da mesma forma que o agente 2 não sabe por que tenho esta
probabilidade. De forma surpreendente, do meu ponto de vista, Auman mostra que se
estas probabilidades subjetivas são conhecimento comum então elas devem ser iguais,
independente da natureza de informação privada. Este resultado, parece-me, mostra a
existência de diversos aspectos sutis e surpreendentes no conceito de conhecimento
comum e na hipótese de commom prior que devem ser investigados. 43
Outro exemplo, envolvendo ainda o conceito de conhecimento comum, é a
possibilidade de ocorrência de trocas unicamente por que os agentes possuem
informações distintas e privadas. Este ponto foi investigado por Milgrom e Stokey
(1982). Considere uma economia com diversos períodos e agentes em que a alocação
dos bens no primeiro período é eficiente no sentido de Pareto - portanto ex-ante não há

43 Dekel e Gul (1997) e Geanakoplos (1994) sistematizam a literatura sobre conhecimento e teoria dos
jogos.
incentivo à ocorrência de trocas. Suponha que esta eficiência seja conhecimento
comum. No segundo período agentes diferentes recebem informações distintas e
privadas sobre o futuro. Após a chegada destas informações os mercados são abertos.
Milgrom e Stokey mostram que nestas condições não é possível que haja ocorrência de
trocas, ainda que agentes distintos tenham informações distintas sobre o futuro!

5.3 Sugerindo novas áreas de pesquisa


A superação das dificuldades associadas à hipótese de existência de tantos
mercados quantas são as mercadorias impõe, de imediato, duas condições. Em primeiro
lugar, os mercados devem abrir seqüencialmente em todos os períodos. No primeiro
período, podem existir mercados para alguns bens futuros mas não todos; isto é, há bens
no futuro que somente podem ser trocados no futuro. Em segundo, dado que os agentes
não podem trocar todos os bens no primeiro período, eles utilizam ativos financeiros
para transferir renda entre alguns períodos e estados da natureza. Desta forma, a natural
generalização do modelo Arrow-Debreu-McKenzie se caracteriza pelos seguintes fatos:
há diversos períodos e possíveis estados da natureza no futuro representando a incerteza
dos agentes. Em cada período e estado da natureza, mercados de bens e ativos
financeiros são abertos e trocas ocorrem. Cada ativo financeiro especifica pagamentos
futuros que podem depender tanto do período quanto do estado da natureza que venha a
ocorrer. Cada agente tem uma relação de preferência sobre os bens e, dada a sua
expectativa sobre os preços futuros possíveis, escolhe comprar um conjunto de bens e
ativos financeiros hoje.
Esta extensão do modelo Arrow-Debreu-McKenzie foi desenvolvida já no começo dos
anos 50 por Arrow (1964 [1953]), que propõe o modelo com mercados seqüenciais e
ativos financeiros, e mostra que, na existência de suficientes ativos financeiros
(mercados completos), há um equilíbrio neste modelo seqüencial que gera as mesmas
alocações que são obtidas em equilíbrio competitivo no modelo Arrow-Debreu-
McKenzie, no qual todas as trocas ocorrem no primeiro período, não há mercados
financeiros e os mercados de bens não são reabertos nos períodos futuros. Sobretudo, a
partir do modelo proposto por Arrow mostra-se o papel das expectativas racionais no
equilíbrio competitivo, que são irrelevantes no modelo Arrow-Debreu-McKenzie. Neste
último modelo, a irrelevância das expectativas decorre da existência de todos os
mercados no primeiro período.
Desta forma, a análise formal tem como mérito demonstrar uma relação de
causalidade - condições suficientes para a existência de equilíbrio competitivo - mas,
sobretudo, apontar a existência de hipóteses inesperadas, sugerir construções teóricas
alternativas e apontar novas linhas de pesquisa. A cada hipótese necessária a algum
resultado corresponde um problema em aberto: "em que condições esta hipótese não é
necessária"; "será que esta condição é empiricamente razoável"; e assim por diante. A
teoria do equilíbrio geral moderna, por exemplo, inicia com o modelo Arrow-Debreu-
McKenzie e, ao mesmo tempo, aponta, quase imediatamente, as generalizações
inevitáveis: não-convexidade, ativos financeiros e mercados seqüenciais.
A construção de modelos seqüenciais, por sua vez, aponta, naturalmente, um problema:
o que ocorre nos diversos mercados ao longo do tempo depende crucialmente das
hipóteses sobre o que os agentes esperam sobre o futuro. Uma questão natural que pode
ser investigada é a generalização da definição de equilíbrio utilizada pelos modelos
tradicionais. Será que existe um conjunto de preços esperados tal que se todos os
agentes esperam estes preços então oferta será igual a demanda em cada mercado em
cada período e estado da natureza? Outra questão natural que pode ser investigada é a
seguinte. Suponha que os agentes têm dadas expectativas sobre o futuro, que podem

- j
inclusive vir a se revelar erradas. Será que existe um vetor de preços hoje tal que os
mercados de bens e de ativos correntes estão em equilíbrio? Como estudar a
possibilidade de racionamento e desemprego nos mercados correntes? O que acontece
se há possibilidade de os agentes não pagarem seus débitos? Como modelar
comportamento estratégico em equilíbrio geral? O que acontece se diferentes agentes
têm acesso a informações diferentes? Será que há equilíbrio? Que tipo de equilíbrio? O
que acontece se os agentes têm expectativas arbitrárias no primeiro período, porém esta
economia dura um grande número de períodos? Será que as expectativas dos agentes
convergem? Ou não? E se convergem, para onde? Como os agentes reagem à chegada
de novas informações?
Quase todas estas perguntas foram investigadas nos anos que se seguiram às
primeiras versões do modelo de equilíbrio geral e, principalmente, nos anos 70.
Algumas destas perguntas, hoje, são muito bem compreendidas, como por exemplo a
conseqüência da inexistência de mercados financeiros completos, e outras, talvez a
maioria, nem tanto. No que se segue, sumarizo algumas destas contribuições.44
• Modelos com comportamento estratégico e grande quantidade de agentes.
Nestes modelos os agentes se encontram nos mercados e barganham sobre os termos de
troca. Os termos de troca podem depender dos agentes envolvidos na barganha e
agentes diferentes podem obter preços diferentes no mercado. Nestes modelos estuda-se
o que ocorre quando o número de agentes se torna arbitrariamente grande; por exemplo,
o resultado obtido converge para o equilíbrio com expectativas racionais ou não? (Gale,
1986a, 1986b; Mas-Colell, 1982a, 1982b)
• Modelos com firmas escolhendo preços e quantidades. Muitas vezes estes
modelos têm a seguinte estrutura temporal: no primeiro período as firmas escolhem que
tipo da planta e o nível máximo de produção; no período seguinte cada firma descobre
quais os possíveis níveis de demanda e escolhe preço e/ou quantidade produzida
(Novshek e Sonnenschein, 1978; Sonnenschein, 1982). Em outros casos, a firma
escolhe simultaneamente preços e quantidades produzidas. A existência de incerteza,
neste caso, leva à possibilidade de racionamento ou variação involuntária de estoques. 45
• Modelos nos quais a firma não conhece a função demanda, que muda
aleatoriamente entre períodos. Este último tipo de modelo é um caso particular da
extensa literatura sobre aprendizado. 46
• Modelos que relaxam a restrição de expectativas racionais: nos mercados
correntes os preços são calculados de modo a garantir a igualdade entre oferta e
demanda. As expectativas sobre preços futuros, no entanto, podem estar completamente
equivocadas. Versões alternativas deste modelo permitem a desigualdade entre oferta e
demanda mesmo nos mercados correntes, levando a possibilidade de racionamento e
desemprego. 47 (Grandmont, 1988; Dreze 1974)
• Modelos em que as expectativas individuais devem, apenas, ser consistentes
com as informações passadas (Rational Beliefs). Estes modelos, em geral, supõem

44 Devo enfatizar que a lista que se segue está longe de ser completa.
45 Tirole (1989) oferece uma resenha sobre este tema na tradição do equilíbrio parcial. Milgrom e Roberts
(1992) é, na minha opinião, o melhor Iivro-texto neoclássico em microeconomia, tratando da teoria da
organização e organização industrial. Laffont e Tirole (1993) sistematizam a literatura sobre regulação.
Wilson (1993) discute a teoria de fixação de preços em mercados não competitivos (preços não lineares).
46 A literatura sobre aprendizado é bastante extensa. Marimon (1997) sistematiza parte da literatura.
Jovanovic (1997) oferece uma resenha da literatura que relaciona aprendizado e crescimento econômico.
47 Crés, Citanna e Villanacci (1996) mostram a possibilidade de racionamento e desemprego mesmo aos
preços walrasianos.
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longas séries históricas, porém nenhuma hipótese é feita sobre a estacionariedade dos
processos estocásticos que eventualmente existam (Kurz, 1994,1996).
• Modelos com ativos financeiros e mercados incompletos. Nestes modelos,
pode não existir equilíbrio competitivo, ainda que este seja um resultado patológico.
Além disso, o equilíbrio, em geral, é ineficiente: dado qualquer equilíbrio há uma
alocação factível, dados os mercados existentes, que melhora todos os agentes. 48
• Modelos com ativos fmanceiros e imperfeições nos mercados de capitais
incluindo restrições ao crédito, requerimento de colateral e bancarrota. (Geanakoplos e
Dubey, 1989; Cass, Siconolfi e Villanacci, 1991; Lisboa, 1996).
• Modelos com assimetria de informação, ativos financeiros, mercados
seqüenciais e preços revelando informação. (Grossman, 1989; Radner, 1972, 1979,
1982)
• Modelos com assimetria de informação e comportamento estratégico nos
mercados de ativos financeiros. (Allen e Gale, 1994; Bisin e Gottardi, 1997; Lisboa,
1997; Prescott e Townsend, 1984)
• Modelos em que os agentes possuem regras de comportamento não
necessariamente derivadas de comportamentos otimizantes e que investigam se algum
tipo de comportamento particular é selecionado pelo mercado com o passar do tempo
(Jogos evolucionários). Em algumas versões destes modelos restrição alguma de
equilíbrio é imposta. 49
• Modelos sobre preços dos ativos financeiros que não utilizam qualquer
hipótese de equilíbrio. Estes modelos, em geral, supõe a impossibilidade de algum
agente obter renda positiva com certeza sem qualquer custo (ausência de arbitragem).50
• Modelos em que o governo, ou algum principal, tem que tomar uma decisão
cujas conseqüências dependem das reações de demais agentes. Qual o projeto público
que deve ser financiado e como financiá-lo? Será que quem atribui maior valor ao
projeto deve contribuir com mais recursos? Mas como fazê-lo se a valorização do
projeto por cada agente é conhecida apenas pelo próprio agente? Como desenhar um
sistema tributário? Como leiloar um bem de modo a maximizar a receita obtida quando
não sabe quanto os possíveis compradores estão dispostos a pagar por este bem
(Desenho de Mecanismos e Teoria da Implementação).51

5.4 O papel da interpretação na compreensão dos resultados formais


A análise teórica neoclássica é usualmente criticada pelas diversas
simplificações utilizadas na formalização de argumentos econômicos, o que reduz a
complexidade dos argumentos, causalidades e conceitos considerados. Talvez de forma
algo surpreendente, este mesmo processo de simplificação, muitas vezes, estabelece
argumentos que transcendem o caso específico estudado, permite diversas

48 Geanakoplos (1990), Magill e Shaffer (1991) e Magill e Quinzii (1996) sistematizam os principais
resultados desta literatura.
49 Resenhas sobre esta literatura podem ser encontradas em Kandori (1997), Samuelson (1997) e Weibull
(1995).
so Duffie (1996) apresenta a teoria moderna de fmanças. Campbell, Lo e MacKinlay (1997) sistematizam
a literatura sobre testes econométricos e os seus principais resultados neste campo de pesquisa.
SI Para uma resenha sobre a teoria dos leilões e as evidência empíricas, ver Milgrom (1989). Salanié
apresenta a teoria do desenho de mecanismos assim como a teoria dos contratos de forma intuitiva. Moore
(1992) e Palfrey (1992) discutem a teoria da implementação. Guesnerie (1995) e Starrett (1988)
sistematizam a teoria da economia do setor público.

J
interpretações alternativas e sugere diversas formas quase imediatas de generalizar o
resultado obtido. Esta "riqueza interpretativa", que caracteriza a análise formal
neoclássica, permite que diversos problemas aparentemente fora do alcance dos
modelos existentes sejam resolvidos através, simplesmente, da reinterpretação original
dos conceitos utilizados.
Em geral, uma vez estabelecido um teorema propõe-se uma interpretação que
relaciona as definições abstratas aos conceitos econômicos que as antecedem e
motivam. Usualmente, no entanto, autores com pouco treino formal identificam
indevidamente o teorema à interpretação particular proposta, o que leva a diversos
equívocos lamentáveis. Esta parece ser uma das dificuldades de algumas críticas
heterodoxas que insistem em seguir uma interpretação particular de algum resultado
formal, como no caso da hipótese de racionalidade. Um teorema, do meu ponto de vista,
deve ser lido não segundo alguma intuição particular, mas sim procurando entender os
casos que ele proíbe, ou, o que é equivalente, o conjunto das interpretações que, com
ele, são compatíveis. Assim, por exemplo, de forma alguma deve-se ler o teorema da
impossibilidade de Arrow como válido apenas para políticas públicas, ou sobre a
possibilidade de escolha de políticas públicas. Deve-se investigar quais as restrições,
hipóteses, o teorema impõe. Quais são os casos em que o teorema de Arrow não se
aplica, que circunstâncias particulares são proibidas pelas hipóteses do teorema?
Desta forma, um modelo ou teorema não deve jamais ser lido com base em uma
interpretação particular, ou apenas como a legitimação formal de algum argumento
intuitivo. A construção formal aponta caminhos imprevistos pelo argumento intuitivo,
além de possibilitar o tratamento de questões que imaginava-se fora do alcance do
resultado original. De fato, parte significativa do desenvolvimento da teoria neoclássica
nesta segunda metade do século ocorreu através da re-interpretação das condições
impostas por modelos específicos.
Entre os diversos exemplos desta riqueza interpretativa na teoria do equilíbrio
geral destacam-se o tratamento de externalidades proposto por Arrow (1969), a
incorporação de incerteza com mercados contingentes, discutida por Debreu (1959, capo
7), e a incorporação de custos de transação, discutida, entre outros, por Kurz (1974). Em
todos estes casos, problemas aparentemente incompatíveis com o modelo Arrow-
Debreu-McKenzie são trivialmente incorporados como casos particulares do modelo
geral. Este tratamento dos problemas através da re-interpretação dos conceitos
eventualmente requer uma generalização dos argumentos formais utilizados, porém,
sobretudo, aponta, com freqüência, dificuldades e limitações inesperadas tanto dos
modelos existentes quanto dos conceitos utilizados. Assim, por exemplo, a análise da
incerteza discutida por Debreu requer a existência no primeiro período de tantos
mercados quantas são as mercadorias que eventualmente venham a existir nesta
economia. Mais ainda, nesta análise todas as trocas ocorrem no primeiro período. Desta
forma, o tratamento proposto por Debreu aponta naturalmente a sua superação: o
desenvolvimento da teoria do equilíbrio geral com mercados seqüenciais e ativos
financeiros.
Diversos exemplos deste processo de generalização de resultados através da
proposta de novas interpretações ocorreram em teoria dos jogos. Durante os anos 50 e
começo dos anos 60 um dos grande obstáculos ao desenvolvimento em teoria dos jogos
era como tratar jogos com informação incompleta, em que algum agente desconhece
algum fato sobre a estrutura do jogo. Todos os resultados conhecidos nesta época
utilizam a hipótese de que todos os agentes conheciam a estrutura do jogo, incluindo o
payoff e as estratégias disponíveis para cada agente (jogos com informação completa).
Sabia-se, apenas, como tratar jogos com informação imperfeita, nos quais a estrutura do
jogo é conhecida, porém a ação escolhida por algum agente não é necessariamente
observada pelos demais agentes.
Nos anos 60, Vickrey (1961) e Harsanyi (1967/1968) mostraram que jogos com
informação incompleta podem ser resolvidos como se fossem jogos com informação
imperfeita: a incerteza dos agentes sobre a estrutura do jogo pode ser formalizada, em
alguns casos, como a incerteza sobre a decisão escolhida por um jogador adicional em
um jogo expandido, cuja estrutura é conhecida por todos os jogadores. Neste novo jogo,
há um jogador adicional, natureza, que escolhe a estrutura particular do jogo. Assim,
por exemplo, suponha que eu não saiba qual o conjunto das estratégias disponíveis para
o meu adversário, mas a minha incerteza sobre este conjunto possa ser representada por
uma função probabilidade. Considere o jogo em que o primeiro movimento pertence a
natureza que escolhe o conjunto de estratégias para o meu adversário aleatoriamente,
seguindo essa função de probabilidade. A ação da natureza é conhecida apenas pelo
meu adversário, que observa a ação da natureza, mas não por mim. Desta forma, um
jogo com informação incompleta pode ser transformado em um jogo com informação
completa, porém imperfeita. Este argumento, essencialmente, requer uma re-
interpretação de alguns conceitos e permitiu uma impressionante expansão da teoria nos
anos 70 que passou a poder tratar diversos problemas até então inacessíveis.
Uma vez mais, este desenvolvimento da teoria aponta diversos novos problemas
inesperados: que restrições devem ser impostas sobre as expectativas ex-ante dos
agentes; qual o tipo de solução do modelo deve ser investigada; qual o conceito
adequado de racionalidade; foram algumas das discussões colocadas. 52 De forma
análoga, a introdução de jogos com sinais no começo dos anos 70, em princípio uma
estrutura particular do tradicional jogo com informação imperfeita, permitiu, por um
lado, tratar um vasto conjunto de problemas relacionados a assimetria de informação,
incluindo mercado de seguros, venda de ações, entre outros. Por outro, a análise destes
jogos apontou a existênciá de diversos problemas com o conceito de equilíbrio de Nash
em jogos dinâmicos. 53 •54
O papel da teoria na tradição neoclássica é, em parte, tentar articular os diversos
modelos que resultam das diversas especificações teóricas utilizadas e estabelecer
relações de causalidade que eventualmente possam ser falsificadas. "Sob estas
condições, esta definição de equilíbrio - isto é 'com esta hipótese sobre as expectativas
dos agentes'- e estas hipóteses adicionais, este fenômeno deve ser observado". Cabe à
teoria igualmente investigar questões fundamentais introduzidas pela própria abordagem
neoclássica: qual a relação entre as diversas definições de equilíbrio utilizadas, em que
medida deve-se esperar que uma determinada definição produza conclusões compatíveis
com os dados empíricos; será que é razoável utilizar uma definição de equilíbrio
particular; o que significa racionalidade quando há comportamento estratégico; o que é
razoável supor que um agente saiba ao iniciar um jogo; o que significa saber; qual a
diferença entre saber e acreditar; entre outras.

52 Ver, por exemplo, Morris (1994) para uma discussão sobre a hipótese de common prior em geral
adotada nesta literatura e as coletâneas de artigos organizada por Arrow, Colombatto, Perlman e Schmidt
(1996) e Bell, Raiffa e Tversky (1988) para uma discusão sobre os diversos conceitos de racionalidade.
53 Ver Spence (1973), Rothschild e Stiglitz (1976). Para uma introdução intuitiva a esta literatura, ver
Gibbons (1992, capo 4).
54 Um simples exemplo do papel desempenhado pela interpretação é encontrado no comentário de
Bartigalli (1996) ao artigo de Mariotti (1996), ambos contidos na coletânea organizada por Arrow,
Colombatto, Perlman e Schmidt (1996). Através de uma re-interpretação dos resultados formais,
Bartigalli mostra como resolver uma incompatibilidade lógica apontada por Mariotti na tentativa de
generalizar o modelo de Savage para teoria dos jogos.
A validade destes exercícios é em geral estabelecida comparando-se o resultado
obtido com as relações de causalidade conhecidas e, quando possível, com os dados
empíricos ou, ao menos, com os fatos estilizados. Exercícios que estabelecem relações
de causalidade surpreendentes ou sugerem dificuldades inesperadas são extremamente
valorizados. Procura-se, em particular, tratar problemas lógicos ainda não discutidos
pelos modelos existentes e propor explicações para fenômenos empíricos incompatíveis
com os modelos existentes. Conhecimento nesta tradição não corresponde a apontar que
todos os casos são possíveis, pois de certa forma isto define a total ausência de
conhecimento, mas sim discutir e sistematizar os casos em que são estabelecidas novas
relações de causalidade que contrariam os resultados conhecidos.
A prática de ensino de teoria nas instituições neoclássicas reflete esta
necessidade da crítica e da superação dos modelos e argumentos existentes. Os alunos
de primeiro ano de doutorado estudam as variações clássicas do modelos tradicionais.
No segundo ano, os alunos que estudam teoria aprendem sobre as extensões, variações e
limitações destes modelos básicos. A formação do aluno apenas se completa, no
entanto, na medida em ele consegue romper com os modelos tradicionais, estabelecer
novas relações de causalidade, provar ou desmentir alguma conjectura, apontar
inconsistências nos modelos existentes ou investigar uma nova questão empírica. De
forma alguma aceita-se a sistematização do conhecimento existente como tese de
doutorado. "O que há de novo? O que se aprende com este trabalho?" são as perguntas
corriqueiras em uma defesa de tese ou em um seminário. Um campo de pesquisa "está
vivo", no jargão desta tradição, quando diversas formulações novas e surpreendentes,
tendo em vista as conjecturas existentes, são estabelecidas em pouco tempo. Tomando
emprestado uma expressão da sociologia do conhecimento, a pes~uisa na tradição
I neoclássica se caracteriza como Knowledge in Flux (Gardenfos, 1988). 5
I
4- Conclusão
Este ensaio teve como objetivo discutir algumas questões relacionadas ao
conceito de equilíbrio e algumas regras metodológicas, que, do meu ponto de vista,
caracterizam a tradição neoclássica. No que se refere ao conceito de equilíbrio, a crítica
heterodoxa usualmente se dirige a um conceito que não o utilizado pela tradição
neoclássica recente. Equilíbrio, segundo alguns destes autores, implicaria em alguma
forma de estabilidade temporal das variáveis endógenas, o que, como discuti neste
ensaio e em Lisboa (1998, seção 7), de forma alguma é correto. Também não é correto
propor que fazer tradição neoclássica implica utilizar algum conceito específico de
equilíbrio. Pelo contrário, como procurei mostrar na quarta seção, a tradição neoclássica
se caracteriza precisamente pela multiplicidade de conceitos de equilíbrio utilizados,
que seguem motivações e justificativas bastante distintas.
Do ponto de vista metodológico, parece-me que a tradição neoclássica combina
elementos instrumentalistas com regras de inspiração popperiana que procuram evitar as
armadilhas convencionalistas. Os elementos instrumentalistas estão na base da
justificativa da utilização de hipóteses contra-factuais em modelos aplicados.
Obviamente, todo macroeconomista sabe que não há um único bem ou agente na
economia, ou que há diversos exemplos de tecnologias com retornos crescentes de
escala. A resposta de diversos autores neoc1ássicos a estas críticas é sistematizada na
abordagem metodológica instrumentalista proposta por Friedman: toda teoria é
necessariamente uma distorção e simplificação do real, não sendo possível uma
construção teórica realista. Neste caso, deve-se avaliar os diversos modelos não

55 Boland (1987) e Caldwell (1991) defendem que Popper propõe uma visão similar da ciência.
segundo o seu realismo, posto que nenhum modelo o é, mas sim segundo a sua
capacidade de previsão. Desta fonna, se a hipótese de existência de um consumidor
representativo produz resultados compatíveis com os dados empíricos, este deve ser o
modelo utilizado. Esta abordagem metodológica não está isenta de dificuldades lógicas,
como discuti na segunda seção, mas corresponde a uma importante vertente da tradição
neoc1ássica. Esta vertente não desqualifica a explicação como atributo desejado da
teoria, porém, da mesma forma, não rejeita modelos aplicados com hipóteses contra-
factuais cujas capacidades preditivas, segundo as técnicas estatísticas usuais, sejam as
melhores disponíveis. S6
OS princípios metodológicos de inspiração popperiana procuram evitar as
armadilhas convencionalistas. Na terceira seção, discuti alguns exemplos em que
modelos que permitem compatibilizar a evidência empírica com a teoria, porém
reduzem o grau de falseabilidade dos argumentos, são rejeitados por esta tradição.
Obviamente, estas regras metodológicas apenas restringem o campo dos argumentos
científicos mas não pennitem a reconstrução do sonho da razão indutiva positivista,
como alertou com freqüência Popper. Além disso, o sucesso de um paradigma de fonna
alguma depende apenas da sua capacidade heurística. Há diversos aspectos relacionados
à sociologia do conhecimento, a uma certa concordância com fonnas hegemônicas de
compreensão da realidade, que certamente são importantes na determinação da escolha
do paradigma. S7 Desta fonna, o sucesso da escola de Chicago no debate sobre
macroeconomia na tradição neoc1ássica reflete, em certa medida, uma ideologia liberal.
O exato papel desempenhado por estas questões no sucesso de Chicago pertence à
história do pensamento e à sociologia da ciência.
É preciso, entretanto, evitar igualmente a ingenuidade maniqueísta, que atribui
unicamente à sociologia do conhecimento a influência de Chicago. O fracasso dos
argumentos, utilizados pela tradição macroeconômica anterior, em explicar a crise das
principais economias, que se inicia no fmal dos anos 60 e começo dos anos 70, levou ao
aparecimento de diversos paradigmas alternativos com os mais diversos fundamentos
teóricos. O renascimento de Chicago deveu-se, ao menos em parte, à capacidade desta
escola em produzir diversos modelos alternativos ao longo dos anos 70 e 80
compatíveis com as observações empíricas. O desenvolvimento de correntes de
pensamento alternativas à Chicago na tradição neoc1ássica, e que procuram incorporar
fundações microeconômicas distintas na construção de modelos macroeconômicos,
revela a impossibilidade, parece-me, de identificar esta tradição a algum projeto
ideológico, ou, ao menos, esta identificação é muito mais sutil do que sugere a crítica
heterodoxa. S8 A tradição macroeconômica neoc1ássica não se esgota na escola de
Chicago, como revela o pensamento novo-keynesiano e as críticas a esta escola dos
economistas da tradição de equilíbrio geral (Cass e Shell, 1980,1983; Farmer, 1995;
Grandmont, 1987, 1988).
Deste modo, a tradição neoc1ássica se caracteriza pela construção de proposições
analíticas e empíricas que, em certa medida, seguem princípios metodológicos de
natureza popperiana. Nos exemplos discutidos na terceira seção, a existência de
inconsistências entre os resultados dos modelos e os fatos empíricos levou à abertura de
diversas fronteiras de pesquisa e não à utilização das estratégias convencionalistas

56 Mesmo Friedman (1954) procura relativizar o papel da previsão como único critério de escolha entre as
diversas teorias. Ver Boland (1979, 1987).
57 Latour e Woolgar (1988) discutem a prática da ciência em um laboratório de pesquisa biológicas. A
sofisticação e ordem propostos pela filosofia analítica parecem secundárias neste retrato instigante do
Erocesso de pesquisa. Agradeço a Maria Corrêa esta referência.
S Este tipo de critica heterodoxa encontra-se, por exemplo, em Ganem (1996).
criticados por Popper. É precisamente a recusa em adotar estas estratégias que explica,
ao menos em parte, o dinamismo desta tradição em incorporar novos temas, desenvolver
modelos alternativos e apontar alternativas de pesquisa. A história desta tradição, sendo
menos linear do que sugere qualquer noção de progresso, eventualmente retoma a idéias
antigas reformuladas pelas técnicas recentes, como o modelo de crescimento de Solow,
e reavalia alguns conceitos originais tendo em vista os novos resultados teóricos, como
no caso do conceito de equilíbrio. Esta caracterização dinâmica da tradição neoclássica
explica, ao menos em parte, a dificuldade em definir qualquer conjunto de práticas,
"axiomas" ou resultados que lhe conferem alguma unidade. Mesmo os dois princípios
que eu apresentei na quarta seção, dificilmente seriam aceitos pela macroeconomia da
síntese neoclássica. Pelo contrário, a adoção destes princípios pelas principais escolas
de macroeconomia nos anos 70 transformou de tal modo a macroeconomia neoclássica,
que esta transformação ficou conhecida como "revolução novo clássica".
A crítica heterodoxa, no entanto, contém um elemento perverso: a incapacidade
de incorporar a tradição neoclássica como projeto de pesquisa, em que os resultados
conhecidos são tratados como respostas provisórias, e a superação das limitações
teóricas e fracassos empíricos dos modelos conhecidos defmem a fronteira da pesquisa.
Ao ler os resultados neoclássicos, os heterodoxos apontam as hipóteses utilizadas, como
se as restrições impostas tivessem passadas desapercebidas por todos os demais leitores.
Publicam-se nos jornais especializados as novas relações de causalidade conhecidas, os
novos testes estatísticos utilizados, os novos dados empíricos obtidos. As limitações do
estado atual da ciência são, em geral, por demais óbvias. E o óbvio, o conhecido, não
justifica publicação.
Sobretudo, a eventual utilização de alguma hipótese em um modelo particular de
forma alguma implica que fazer teoria neoclássica requer supor que esta hipótese seja
empiricamente verificada. Esta conclusão está inteiramente incorreta. Do ponto de vista
da teoria, a construção de proposições formais permite o mapeamento de relações de
causalidade puramente abstratas. Eventualmente, algum resultado necessita de uma
hipótese particular, digamos convexidade. Portanto, deve-se ler o resultado como: "caso
a hipótese de convexidade seja adotada neste modelo então resultado x é correto".
Jamais, no entanto, deve-se ler o resultado como: "todo neoclássico supõe que a
hipótese de convexidade é empiricamente correta". Este mapeamento das relações de
causalidade aponta a necessidade de hipóteses para algum argumento, ilumina as
restrições desempenhadas por alguma hipótese, ou aponta novas áreas de pesquisa, que
poderiam passar desapercebidas pela análise verbal.
O papel da pesquisa científica neoclássica é precisamente procurar resolver as
limitações dos resultados conhecidos. Estas limitações podem ser teóricas, as relações
de causalidade conhecidas utilizam hipóteses consideradas restritivas, ou empíricas, os
modelos conhecidos são falsificados pelos dados disponíveis. Desta forma, por
exemplo, durante anos o grande volume de troca entre países desenvolvidos contrastava
com as previsões dos modelos de economia internacionais utilizados pela tradição
neoclássica. A tradição neoclássica, consciente deste fracasso, tentou diversas
alternativas teóricas que permitissem explicar este fenômeno. Esta explicação, no
entanto, deveria evitar o caminho fácil das hipóteses ad hoc e os argumentos não
falseáveis. Os modelos introduzidos por Krugman, que procuram explicar este
fenômeno utilizando retornos crescentes de escala e concorrência monopolista, tiveram
um impacto gigantesco na profissão precisamente por que respeitam minimamente estes
requisitos. 59

S9 Helpman e Krugman (1985) sistematizam os principais resultados desta vasta literatura.


A angústia, inevitável, da pesquisa neoclássica é saber-se necessariamente
temporária, parcial e, no longo prazo, inevitavelmente superada. O mérito desta tradição
é apontar alternativas, ainda que obviamente limitadas, e testá-las empiricamente. A
inevitável falsificação abre campos de pesquisa e sugere caminhos a serem percorridos.
O resultado desta atitude acadêmica é a imensa capacidade de renovação desta tradição,
ou "cheia" como denomina Possas.
A tradição heterodoxa, por outro lado, caracteriza-se pela crítica permanente a
uma versão estilizada de algum modelo neoclássico. A cheia do mainstream deve-se,
em parte, a própria natureza destas críticas, que enfatizam as restrições impostas por
alguma hipótese particular, sem propor, no entanto, uma construção alternativa que
reproduza os sucessos do modelo existente, resolva as dificuldades apontadas, e
solucione algum problema adicional. Ao contrário, a tradição neoclássica caracteriza-se
por uma permanente construção de modelos alternativos, substituição das hipóteses
utilizadas e incorporação de novos problemas. Desta forma, a crítica heterodoxa
defronta-se, angustiada, com um objeto em permanente mutação. A justificativa da
crítica requer, então, o curioso desafio de sempre procurar mostrar que os novos
modelos propostos preservam velhos vícios, que, disfarçada pela aparente mudança, há
alguma hipótese inescapável que caracteriza esta tradição e viola a natureza da
sociedade de mercado. Este exercício com freqüência nega o desenvolvimento desta
tradição, como nas transformações no conceito de equilíbrio utilizado, no abandono de
velhos modelos e nas alterações nas recomendações de política econômica. Sobretudo, a
diversidade de opiniões, interpretações dos resultados obtidos, identificação dos
problemas em aberto, entre outras, parece desqualificar qualquer tentativa superficial de
encontrar algum princípio unificador que caracterize os autores identificados pelos
heterodoxos como neoclássicos.
Ao contrário da crítica heterodoxa, não me parece que a cheia do mainstream
deva-se a um projeto ideológico, como aponta Ganem (1996), ou a defesa de alguma
forma de política econômica liberal, ou qualquer outro fator programático. 6o Sobretudo,
não me parece haver qualquer argumento heterodoxo que seja incompatível com os
princípios centrais da tradição neoclássica. A regra metodológica/retórica do jogo, no
entanto, é o abandono de alguma teoria apenas quando é proposta uma teoria alternativa
com maior grau de falseabilidade capaz de explicar os fatos explicados pela teoria
anterior e algum fato novo adicional. Infelizmente, parece-me, este desafio foi ignorado
pela heterodoxia, que, no melhor dos casos, se satisfaz em apontar os limites dos
modelos neoclásicos auxiliares existentes e estabelecer princípios genéricos de uma
teoria ideal que jamais se realiza. Talvez o destino inevitável da heterodoxia seja correr
da "cheia" que, persistente, arrogante e imperialista, invade os nichos que se
imaginavam fora do alcance neoclássico. O fracasso da crítica que desconhece o seu
inimigo é a surpresa com a casa tomada, e, sobretudo, a necessidade permanente de re-
inventar, justificar e diferenciar o seu objeto de estudo.
Mas afinal, onde está a alternativa heterodoxa? Que teoria têm estes autores
sobre as flutuações de emprego, produção, os preços dos ativos fmanceiros e a estrutura
a termo das taxas de juros? Qual a sua teoria de leilões? Qual o mecanismo mais
adequado para a venda de ativos? Qual sua teoria sobre a relação entre comércio
internacional e taxa de câmbio? Qual a proposta de política monetária? Quais os dados
estatísticos que justificam esta proposta de política? Quais os critérios utilizados para
mensurar justiça social? Que testes empíricos estes autores utilizam para verificar a
validade das suas teorias? Quais as implicações falseáveis? Em que casos estas teorias,

60Há inclusive teóricos do equilíbrio geral preocupados com conceitos como exploração e justiça social e
que se defmem como marxistas. Ver Roemer (1981, 1985).
--------------------------------------

se existem, apresentam melhores ou priores resultados do que os modelos neoclássicos?


Além da lista dos princípios ideais que uma teoria econômica deve satisfazer, que mais
fizeram os heterodoxos? Que argumento heterodoxo avança além de considerações e
ponderações que não propõem qualquer proposição falseável ou analítica? Afmal, há
alguma teoria científica heterodoxa, no sentido de Popper, ou, ao menos, algum
conjunto de proposições analíticas que iluminem alguma relação de causalidade? Ou,
ainda, há algum argumento indutivo, dedutivo, empiricista, pragmático nesta tradição?
Afmal, a que vêm os heterodoxos?

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ENSAIOS ECONÔMICOS DA EPGE

300. CRESCIMENTO ENDOGENO, DISTRIBUIÇAO DE RENDA E POLITICA


FISCAL: UMA ANÁLISE CROSS-SECTION PARA OS ESTADOS
BRASILEIROS - Victor Duarte Lledó e Pedro Cavalcanti G. Ferreira - Fevereiro
1997 - 41 pág. (esgotado)

301. SISTEMA FINANCEIRO BRASILEIRO: DIAGNÓSTICO E REFORMAS


REQUERIDAS - Rubens Penha Cysne e Lauro Flávio Vieira de Faria - Março 1997-
68 pág. (esgotado)

302. DESEMPREGO REGIONAL NO BRASIL: UMA ABORDAGEM EMPÍRICA -


Carlos Henrique Corseuil, Gustavo Gonzaga e João Victor Issler - Abril 1997 - 40
pág.

303. AS DELIBERAÇÕES SOBRE ATOS DE CONCENTRAÇÃO: O CASO


BRASILEIRO - Luiz Guilhenne Schymura - Abril 1997 - 20 pág.

304. EFFECTS OF THE REAL PLAN ON THE BRAZILlAN BANKING SYSTEM -


Rubens Penha Cysne e Sérgio Gustavo Silveira da Costa - Maio 1997 - 30 pág.

305. INFRA-ESTRUTURA, CRESCIMENTO E A REFORMA DO ESTADO - Annando


Castelar Pinheiro - Maio 1997 - 25 pág. (esgotado)

306. PUBLlC DEBT SUSTAINABILlTY AND ENDOGENOUS SEIGNORAGE IN


BRAZIL: TIME-SERIES EVIDENCE FROM 1947-92 - João Victor Issler e Luiz
Renato Lima - Junho de 1997 - 38 pág. (esgotado)

307. THE BRAZILIAN 1994 STABILIZATION PLAN: AN ANALYTICAL VIEW -


Eduardo Felipe Ohana - Julho de 1997 - 24 pág.

308. A INDETERMINAÇÃO DE SENIOR E O CURRÍCULO MÍNIMO DE ECONOMIA


- Antonio Maria da Silveira - Julho de 1997 - 39 pág.

309. HIPERINFLAÇÃO: IMPOSTO INFLACIONÁRIO E O REGIME DE POLÍTICA


ECONÔMICA - Fernando de Holanda Barbosa - Julho de 1997 - 31 pág.

31 o. TAXA DE CÂMBIO E POUPANÇA: UM ENSAIO SOBRE O EFEITO


HARBERGER-LAURSEN-METZLER - Fernando de Holanda Barbosa - Julho de
1997 - 23 pág.

311. A CONTRIBUIÇÃO ACADÊMICA DE MÁRIO HENRIQUE SIMONSEN -


Fernando de Holanda Barbosa - Julho de 1997 - 22 pág. (esgotado)

312. ANAIS DO IH ENCONTRO NACIONAL SOBRE MERCADOS FINANCEIROS,


POLÍTICA MONETÁRIA E POLÍTICA CAMBIAL - Parte I - BALANÇA
COMERCIAL E FLUXO DE CAPITAIS - Rubens Penha Cysne (editor) - Agosto de
1997 - 103 pág.

J
313. ANAIS DO lU ENCONTRO NACIONAL SOBRE MERCADOS FINANCEIROS
POLÍTICA MONETÁRIA E POLÍTICA CAMBIAL - Parte 11 - MERCADO DE
CAPITAIS - Rubens Penha Cysne (editor) - Agosto de 1997 - 85 pág.

314. ANAIS DO lU ENCONTRO NACIONAL SOBRE MERCADOS FINANCEIROS


POLÍTICA MONETÁRIA E POLÍTICA CAMBIAL - Parte lU - MERCADOS
FINANCEIROS E POLÍTICA MONETÁRIA - Rubens Penha Cysne (editor) -
Agosto de 1997 - 73 pág.

315. IMPACTO DA INFRA-ESTRUTURA SOBRE O CRESCIMENTO DA


PRODUTIVIDADE DO SETOR PRIVADO E DO PRODUTO BRASILEIRO -
Pedro Cavalcanti Ferreira e Thomas Georges Malliagros - Agosto de 1997 - 34 pág.
(esgotado)

316. REFORMA TRIBUTÁRIA NO BRASIL: EFEITOS ALOCATIVOS E IMPACTOS


DE BEM-ESTAR - Pedro Cavalcanti Ferreira e Carlos Hamilton Vasconcelos Araújo
- Setembro de 1997 - 40 pág. (esgotado)

317. A CAPM WITH HIGHER MOMENTS: THEORY AND ECONOMETRICS -


Gustavo M. de Athayde e Renato G. Flôres Jr. - Outubro de 1997 - 32 pág.

318. MANDATORY PROFIT SHARING, ENTREPRENEURIAL INCENTIVES AND


CAPITAL ACCUMULATION - Renato Fragelli Cardoso - Dezembro de 1997 - 43
pág.

319. A NOTE ON GROWTH AND INFLATION - Pedro Cavalcanti Ferreira - Dezembro


de 1997 - 11 pág.

320. IMPOSTO INFLACIONÁRIO E OPÇÕES DE FINANCIAMENTO DO SETOR


PÚBLICO EM UM MODELO DE CICLOS REAIS DE NEGÓCIOS PARA O
BRASIL - Pedro Cavalcanti Ferreira e João Maurício L. Rosal- Janeiro de 1998 - 33
pág.

321. COMO SE EQUILIBRA O ORÇAMENTO DO GOVERNO NO BRASIL?


AUMENTO DE RECEITAS OU CORTE DE GASTOS? - João Victor Issler e Luiz
Renato Lima - Março 1998 - 32 pág.

322. INFLATIONARY FINANCING OF PUBLIC INVESTMENT AND ECONOMIC


GROWTH - Pedro Cavalcanti Ferreira - Abril 1998 - 31 pág.

323. THE EFFECT OF INFLATION ON GROWTH INVESTMENTS: A NOTE - Clovis


de Faro - Abril 1998 - 15 pág.

324. A MISÉRIA DA CRÍTICA HETERODOXA PRIMEIRA PARTE: SOBRE AS


CRÍTICAS - Marcos de Barros Lisboa - Maio 1998 - 44 pág.

325. A MISÉRIA DA CRÍTICA HETERODOXA SEGUNDA PARTE: MÉTODO E


EQUILÍBRIO NA TRADIÇÃO NEOCLÁSSICA - Marcos de Barros Lisboa - Maio
1998 - 44 pág.

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