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Os extremistas de direita querem dominar a França

Na França, Alemanha, Itália, Suíça e países nórdicos, partidos e movimentos de


extrema-direita vêm ganhando força a partir do final da década de 1980. Por outro
lado, na Europa Oriental, nas antigas repúblicas soviéticas, tanto a extrema-direita
fascista e quanto a não fascista ganham terreno ano após ano desde o colapso da
URSS, como na Eslováquia, na Bulgária, na Hungria, na Polônia e na Rússia.

Nos EUA, a eleição de Donald Trump é claramente uma inflexão para a extrema-
direita do Partido Republicano, além da influência cultural da “alt-right” (que são, na
verdade, neo-fascistas) que se dá por meio de bloggers, vloggers, fóruns online,
redes sociais e programas de rádio (como o de Alex Jones — recentemente excluído
do Youtube e do Facebook por difundir teorias conspiratórias —, Richard Spencer,
entre outros).

Em outros lugares do mundo a extrema-direita vem ganhando notoriedade e


influência. Na Austrália, Pauline Hanson e seu partido, One Nation Party, com
discurso racista, xenófobo e autoritário, ganhou força desde a década de 1990 —
sem que, no entanto, isso se convertesse em sucesso eleitoral. Mas muito do seu
discurso foi internalizado pelo partido de direita australiano, o Liberal Party, e pelo
primeiro-ministro desse partido, John Howard (1996–2007). No Japão, tendências
xenófobas (principalmente contra coreanos) e autoritárias vêm ganhando força
também.

No Brasil, é gestado, desde os governos petistas (2002–2016), uma extrema-direita


que ganhou força pela internet, tendo gurus como Olavo de Carvalho, Rodrigo
Constantino e Felipe Pondé. Isso se converteu em diversos movimentos de rua, que
ganharam força significativa após o golpe parlamentar em 2016, como o MBL, os
“intervencionistas” (a favor do golpe militar), e apoiadores do candidato à
presidência Jair Bolsonaro, que venceu a eleição presidencial de 2018.

Diante desse quadro, algumas perguntas devem ser feitas. Existe hoje, de fato, um
renascimento do fascismo no mundo? O perigo do fascismo se avizinha? O
conceito do fascismo ainda é aplicável para as extremas-direitas que pululam na
Europa, nos EUA e, mais recentemente, no Brasil? O que é a extrema-direita? O que é
fascismo? Como evoluiu a extrema-direita após 1945?

Para respondermos essas questões, é necessário antes definirmos alguns


conceitos. Depois faremos um breve percurso pela história da extrema-direita
mundial pós-segunda guerra.

Extrema-direita, fascismo e direita radical


Por “extrema-direita” deve-se entender o campo político[1] cujas características são:

1. Rejeição ao princípio da igualdade entre homens; isto é, que os indivíduos são


por natureza ou socialmente desiguais, pois pertencem a “raças”, culturas,
povos ou nações diferentes;
2. Rejeição aos princípios da democracia liberal; isto é, propõe que a
democracia ou seja abolida e substituída por um regime autoritário — como no
caso fascismo — ou, ainda, que seja restringida (e eventualmente, mudadas as
condições, abolida), como no caso da direita radical.
Uma observação: a rejeição ao princípio da igualdade é um atributo essencial e
necessário de toda direita política, seja ela democrática ou não. O que caracteriza a
extrema-direita em suas múltiplas permutações — que aqui nomearemos de
fascista, neo-fascista, direita radical e direita autoritária (podendo haver outros
tipos de extrema-direita) — é ser tanto contrária àquele primeiro princípio quanto
rejeitar os valores[2], ordenamento e regras da democracia liberal. Tal como o
fascismo original, a extrema-direita só pode florescer, e criar raízes na democracia
liberal dentro do quadro de desenvolvimento do capitalismo a partir do século XX.

Definamos agora o que se compreende por “fascismo”. De acordo com o historiador


Robert Paxton:

“O fascismo tem que ser definido como uma forma de comportamento político
marcado por uma preocupação obsessiva com a decadência e a humilhação da
comunidade, vista como vítima, e por cultos compensatórios de unidade, de energia e
de pureza, nas quais um partido de base popular formado por militantes nacionalistas
engajados, operando em cooperação desconfortável, mas eficaz com as elites
tradicionais, repudia as liberdades democráticas e passa a perseguir objetivos de
limpeza étnica e expansão externa por meio de violência redentora e sem estar
submetido a restrições éticas ou legais de qualquer natureza”.[3]

Devemos atentar a um ponto específico dessa definição, mas fundamental, isto é,


da preocupação excessiva com a decadência e cultos compensatórios de unidade.
O que isso quer dizer? Em termos mais simples, significa que a ideologia do
fascismo comporta um discurso cujo centro é um mito de decadência e
regeneração de um povo — o que o historiador Roger Griffin chama de mito
palingenético[4].

Talvez um exemplo ajude a esclarecer: no nazismo, a eliminação física dos judeus,


dos “doentes”, dos homossexuais, dos ciganos, dos negros era necessária para
preservar a pureza do Povo racial (Volk) alemão. Um dos mitos centrais do nazismo,
portanto, é a percepção da decadência e “degeneração” da comunidade racial
nacional (Volksgemeinschaft), cuja solução se deu pela destruição de elementos
“estranhos” à raça ariana.

Apesar da definição de Paxton ser útil, necessitamos precisar, tentando explicitar,


com mais detalhes, as suas características. O fascismo é um projeto contra-
revolucionário sui generis, que descreveremos a seguir:

1.1. Contexto

Fortalece-se em momentos de crises políticas, econômicas e sociais em regimes


parlamentares liberais (sem que sejam, necessariamente, democracias liberais).

1.2. Ideologia

1.2.1 Sua ideologia, por um lado, é antiliberal, antimarxista, antidemocrática e


também anticonservadora; por outro, é baseada no ultranacionalismo, isto é, aquela
espécie de nacionalismo que nega a igualdade como valor fundamental, rejeitando,
portanto, tanto a esquerda revolucionária quanto a esquerda liberal e social-
democrata ou mesmo qualquer tipo de direita democrática.

1.2.2 Culto à violência e ao militarismo: O culto a violência significa não só o


emprego da violência como instrumento político, mas a violência é valorizada como
“virtude redentora”, “renovadora do espírito”, “moldadora de caráter”.
1.2.3 Mito de decadência e de regeneração: O mito de decadência e regeneração
sempre expressa ideias de “decaimento”, “apodrecimento” seguidas de meios
redentores que gerarão renascimento e renovação da comunidade-mito
palingenético.

1.2.4 Culto ao chefe ou Führerprinzip: O culto ao chefe é nada mais que conceder
cegamente ao líder a última palavra em todos os aspectos do movimento — sua
palavra e pessoa são sagradas para os militantes (daí o termo em
alemão Führerprinzip ou princípio do líder).

1.2.5 Vitalismo irracionalista e elitista: Esclarecer o conceito de filosofia vitalista ou


vitalismo em poucas palavras não é fácil, dado que ela engloba tanto posições de
filósofos que defendem o vitalismo quanto uma noção mais geral de “visão de
mundo”.

Em termos muito gerais, com risco de ser extremamente esquemático e até


historicamente grosseiro, podemos dizer que filosofia vitalista é aquela que defende
que o princípio ou fundamento das coisas é a vida. Em geral, esse tipo de filosofia,
no século XIX, opunha-se a correntes filosóficas que diziam ser a razão o
fundamento e/ou princípio das coisas.

Esse tipo de filosofia é considerado irracionalista pois, justamente, opõe-se às


filosofias que afirmavam ser a razão o princípio de todas as coisas. Mas o que isso
teria a ver com o fascismo? Ora, muitas das filosofias racionalistas, p.ex., de origem
iluminista, defendiam valores como a liberdade, autonomia do indivíduo, a paz entre
nações, etc. As filosofias e as ideologias vitalistas, em geral, quando aplicadas à
teoria política e social, pelo contrário, acabaram por, em algumas correntes, como é
no caso de alguns precursores do nazismo, não só afirmar ser a vida, em oposição à
razão, ao fundamento das coisas, como também opor normativamente à vida aquilo
que é vil, amorfo, sem-vida.

Isto é, o “Bem” é identificado com a vida, a regeneração, e o “Mal”, com o


degenerado, disforme, etc. A partir dessas teses, muitos ideólogos do nacional-
socialismo puderam “justificar” que existem tipos de vida merecedores de vida e
outros, degenerados, não.

1.2.6 Defensor apenas do capitalismo produtivo na defesa de um anticapitalismo


“reacionário”: O anticapitalismo reacionário é, grosseiramente, a defesa dos
aspectos produtivos da produção capitalista em oposição à esfera financeira
(bancos, etc) que são vistos como “parasitas sociais”.

Em resumo, a ideologia fascista é sincrética e muitas vezes incoerente (por


exemplo, de um lado é antimarxista, mas por outro, defensora do “capitalismo
produtivo” em oposição ao capitalismo financeiro).

1.3. Estrutura

Como o movimento é estruturado de forma extremamente hierarquizada, o líder tem


autoridade máxima; ele é (ou tenta ser) um movimento multiclassista, isto é, que
tenha militantes de classes ou estratos sociais dos mais diversos. Outro elemento
importante é que o partido ou possui unidades/seções ou é estruturado
militarmente por completo.

1.4. Estratégia

Para chegar ao poder, necessita:


1.4.1 Democracia parlamentar em países capitalistas para poder se enraizar
completamente.

1.4.2 Alianças com grupos conservadores para chegar, em cooperação conflituosa,


ao poder.

1.4.3 Movimentos e líderes competentes que não caiam em disputas fratricidas.

1.5. No poder

Quando adquire o poder político, procura silenciar e eliminar seus opositores e


antigos aliados, tenta subordinar toda a sociedade à sua ideologia
(economicamente, militarmente, culturalmente) o que leva a assassinatos em
massa, extermínios e genocídios.

1.6. O conceito de fascismo

Definimos, portanto, o fascismo como projeto contra-revolucionário, cuja


organização política toma a forma de  um movimento multi-classista e
paramilitarizado, que ganha influência e cria raízes em momentos de crises sociais
generalizadas em países tanto em desenvolvimento quanto em estágios mais
avançados do capitalismo ; sua ideologia é a negação do liberalismo, do socialismo
e do conservadorismo, mas une diversos aspectos dessas de forma sincrética
aliado a um culto a violência, a um vitalismo irracional e, fundamentalmente, a um
mito de decadência e regeneração de um povo ou comunidade. Consegue tomar o
poder com apoio de conservadores e governa a partir de uma ditadura, tentando
submeter toda a sociedade à sua ideologia e ao seu líder através de políticas
genocidas.

O fascismo, após a sua derrota na segunda guerra, não aparece mais


necessariamente ligado a um partido, com milícias paramilitares. Ele possui
diversos modos de organização, práticas e ideologias distintas do fascismo entre
guerras, mas mantendo sua preocupação com a decadência e a necessidade de
regeneração violenta da comunidade ou povo. Isso denominamos de
neofascismo[5]. Por exemplo, fóruns e grupos em redes sociais ou conjuntos de
bandas de rock que externam discursos que retém o mito palingenético devem ser
considerados como neofascistas.

A atual extrema-direita, por outro lado, não se limita ao fascismo nem ao


neofascismo.

A nova extrema-direita surge no período que se seguiu a derrota do fascismo e de


um ambiente de paz entre os países do continente europeu. Ademais, devido às
mudanças na economia capitalista e no sistema político (domínio do consenso
neoliberal) aliado às mudanças culturais no pós-68, aparecerá uma direita extrema
com características distintas se comparado à direita fascista do entre guerras.

Nos últimos 30 anos, as pesquisas sobre esse assunto se intensificaram, assim


como o caos terminológico: pesquisadores a nomearam de direita radical, extrema-
direita, direita radical populista, populismo nacionalista, tribalismo reacionário,
populismo, anti-imigrante, etc.[6], sem chegar a um consenso.

No entanto, nos meios acadêmicos estadunidense e europeu, hoje alguns


estudiosos utilizam a definição do politólogo Cas Muddle, sem que haja, ainda,
consenso em torno disso. Muddle classifica tal nova direita como Direita Radical
Populista (Populist Radical Right ou PRR).
Para Muddle, define-se a direita radical por três características: nativismo,
autoritarismo e populismo.

Nativismo é a ideologia que defende que o Estado deve ser partilhado somente por
membros de um grupo nativo (a nação) e que grupos estranhos devem ser
excluídos. O que é definido como “grupo nativo” geralmente é por exclusão, isto é,
por meio de negações como anti-imigrante, anti-árabe, anti-islã, etc.[7]

Por autoritarismo, entende-se a crença em uma sociedade estritamente estruturada,


cuja infringência da ordem deve ser punida.[8] Por fim, o populismo é a ideologia que
concebe a sociedade divida entre o “povo” e uma “elite corrupta”, avessa aos
desejos daquele.

O termo populismo, no entanto, pode ser muitas vezes um termo que se confunde
com o os populismos sul-americanos, como o de Peron, na Argentina.[9] Inspirando-
nos em Muddle e tendo em vista tal objeção que acabamos de mencionar, podemos
agora classificar a nova extrema-direita que surgiu na Europa no pós-guerra.
Denominá-la-emos de Direita Radical. Por tal conceito entende-se um projeto
político ultranacionalista, que floresce em condições específicas do capitalismo
monopolista-financeiro; além disso é também essencialmente “popular-
exclusionário” que formalmente aceita as regras da democracia liberal e
formalmente rejeita a violência como meio legítimo no jogo político democrático.

Por ultranacionalismo popular e pelo neologismo “exclusionário”, deve-se


compreender um projeto político que se constitui em torno de uma nação da qual
membros não legítimos devem ser excluídos e que a sociedade deve ser
estruturada hierarquicamente e de modo desigual (o que Muddle denominou
nativismo e autoritarismo); opõe o “povo” a uma suposta “elite corrupta” (o que
Muddle chama de populismo) e apela a uma dinâmica de bode expiatório, isto é, a
um grupo, etnia ou nacionalidade que é a causa dos problemas nacionais (como
ciganos, muçulmanos e comunistas).

Por fim, a direita radical afirma aceitar as regras da democracia liberal, mas quando
está no poder, ela empreende um governo que procura retirar direitos de minorias e
atacar dissidentes. à respeito das condições econômicas propícias ao seu
desenvolvimento no capitalismo, tentarei dar algumas indicações ao longo do texto,
uma vez que o tema requereria um ensaio por si só.

Apesar de definirmos a direita radical como uma ideologia política diferente do


fascismo ou do neofascismo, como diz Nigel Copsey:

“Ao mesmo tempo existe uma estreita relação entre o populismo de direita radical [o
que aqui entendemos por direita radical] e neofascismo, o que torna a demarcação da
diferença [entre eles] muito problemática.

“Confrontamos esse problema em particular quando consideramos culturas ativistas


e histórias organizacionais. É um fato inegável que dentro de culturas ativistas, existe
uma história de interação entre os chamados atores de direita radical e
(neo)fascistas. Esta interação revela-se por muitas formas, através de múltiplas
afiliações, mobilizações conjuntas, redes transnacionais, media social, apoio a
candidatos, amizades pessoais, etc.”[10]

Alguns exemplos disso: o partido de direita radical dinamarquês, o DF, declarou que
não impediria que membros do Partido Nazista Dinamarquês se associassem ao
próprio DF; também podemos mencionar que elementos neo-fascistas e neo-
nazistas militam no partido de direita radical norueguês, o Partido do Progresso[11].

Essa restrição atesta que a direita radical possui muitas conexões com o fascismo
e o neofascismo. Assim, deve-se atentar ainda a um último ponto: tais partidos
surgiram em ambiente rigorosamente diferente dos partidos fascistas pós-primeira
guerra. É possível que, em situações de crises sociais intensas, tais partidos
possam se tornar, de fato, fascistas/neofascistas, dado os pontos de contato entre
as ideologias e afinidades.

Uma nota importante sobre a direita radical e neofascista: não há, como vimos,
qualquer tipo de política econômica que seja necessariamente vinculada a esse
campo político. Mais Estado, menos Estado, protecionismo econômico ou abertura,
mais gastos com investimentos ou corte de custos são atributos contingentes da
extrema-direita. Para darmos um exemplo: o Front National na década de 80
advogava medidas neoliberais, à la Thatcher e Reagan; em 2012, clamava pela
proteção do Estado de Bem-Estar Social, aumento dos investimentos público e do
salário mínimo. Medidas econômicas são secundárias tanto no programa quanto na
ideologia desses movimentos[12]. Aliás, em um mesmo programa, o partido pode
advogar, com a intenção de ganhar o maior número de votos possível, projetos
contraditórios, como abertura de mercados e proteção da indústria nacional.

Definidos estes conceitos, agora podemos apresentar um breve resumo da história


da extrema-direita no mundo após 1945. Começaremos pela França.

Extrema-Direita na França
A França é a ponta de lança da extrema-direita europeia[13]. É de lá que surgiram
tanto as principais correntes intelectuais neofascistas (como o revisionismo
histórico) quanto o neofascismo da Nova Direita. Também é de lá a origem de um
dos partidos mais fortes de direita radical na Europa: O Front Nacional. O estudo
sobre a extrema-direita, portanto, deve começar por esse país. Mas antes, devemos
resumir a história da longa tradição do fascismo francês antes de 1945.

Extrema-direita e fascismo francês — do século XIX a 1945[14]

A extrema-direita tem uma longa tradição na França. A herança contra-


revolucionária é uma das fontes do extremismo, como é o caso de Charles Maurras.
Os primeiros grupos ultranacionalistas e populares foram formados após o fim da
ditadura de Luís Bonaparte e da guerra franco-prussiana. O próprio regime de
Napoleão III foi uma ditadura sui generis, que foi erigida por uma aliança entre a
burguesia — fragmentada e fraca após as revoluções de 1848 —, Bonaparte e o
exército, com base popular. Com a guerra franco-prussiana e a queda de Bonaparte,
foi inaugurada a terceira república.
O intelectual antissemita Charles Maurras em seu escritório, em Paris
(1936).

O novo regime, para muitos — desde reacionários, conservadores, e seções


populares — simbolizava a “decadência” e a perda do status da França como
potência. Um novo tipo de nacionalismo, não mais ligado à tradição jacobina, de
esquerda, irrompeu com a Liga dos Patriotas, de Paul Déroulède. Defendiam um
nacionalismo autoritário, irracionalista e militarista, que seria capitaneado por
Déroulède e concentraria o poder em suas mãos[15].

A Liga dos Patriotas uniu-se alguns anos mais tarde a membros da esquerda
blanquista[16]. Eles formariam a base popular do General Boulanger, um general
anti-germânico e nacionalista, que prometia cruzar o rio Reno e reconquistar as
províncias perdidas para a Alemanha.

Ideologicamente os boulangistas eram favoráveis a um nacionalismo popular


estruturado em um regime plebiscitário com um executivo forte. O boulangismo —
compostos por membros tanto da esquerda, quanto da direita — conseguiu algumas
vitórias eleitorais na década de 1880, até se tornar um perigo real para a república
em 1889. Após rumores de golpe de Estado, o governo suprimiu a Liga e Boulanger
fugiu para o exterior. O movimento se dissolveu pouco tempo depois.

Se em 1870 a república tinha problemas de legitimação, também em parte pela


crise econômica dessa década, após 1880 a república ganhara legitimidade e
superara a crise. No entanto, a crise do caso Dreyfus mostraria as potencialidades
para o possível irromper de um movimento popular de direita ultranacionalista.

O Caso Dreyfus dividiu a França no final do século XIX; o caso girava em torno da
suposta traição do capitão Dreyfus por ter sido espião alemão — o que não era.
Dreyfus era judeu, e o antissemitismo presente em setores da população levou a
sua culpabilização imediata. Émile Zola escrevera o famoso artigo J’Accuse…!, em
1898, defendendo Dreyfus.

Descobriu-se que o documento que provara sua suposta traição era forjado. As
consequências do caso estenderam-se muito além da culpabilidade ou não de
Dreyfus. Na verdade, servira como pretexto para determinar o futuro da França:
elitista, antissemita e chauvinista ou democrática e igualitária[17]. No fim, venceram
os defensores de Dreyfus, que garantiram a derrota de nacionalistas autoritários
franceses.
Jornal de conteúdo antissemita La Libre Parole, cujo slogan era “La
France aux Français!” (A França para os franceses!). Foi fundado pelo
jornalista Edouard Drumont e publicado de 1892 a 1924.

O antissemitismo era uma ideologia aglutinadora de massas no país naqueles anos,


muito mais que na Alemanha ou na Áustria. Edouard Drumont, escritor antissemita,
vendeu um milhão de cópias do seu livro La France Juive (A França Judia). Seu
movimento, a Liga da França, chegou a ter 10.000 membros e elegeu deputados em
Algiers, na Argélia. A Liga incitou um pogrom contra judeus em 1898, matando
dezenas. Contudo, a vitória dos dreyfusards levou a derrotas desses grupos[18].

O primeiro proponente de um socialismo nacionalista foi Marquis de Morès. Apesar


de não ter sucesso, Marquis e seu círculo tentaram criar uma ideologia unindo
racismo, socialismo ultranacionalista e ação direta[19]. Quem cunhou o epíteto
“socialismo nacionalista” foi Maurice Barrès. Antes poeta, Barrès desenvolveu uma
concepção mística sobre a terra e os mortos (influenciado por Déroudès) aliado a
um tipo de racismo pseudo-darwiniano, ultranacionalista e autoritário[20].

O fascismo, por sua vez, amadureceu intelectualmente cedo na França, como


demonstram os estudos de Zeev Sternhell. De um lado, um nacionalismo orgânico,
antiliberal, que procurava “redimir” a nação; de outro, um socialismo antimarxista e
antidemocrático, cujo expoente era Georges Sorel, que pregava o uso da violência,
de mitos heroicos para a construção nacional. Ambas ideologias encontrar-se-iam
no Círculo Proudhon, uma agremiação intelectual fundada, entre outros, por George
Valois, futuro chefe do Les Faisceaux (tradução literal dos Fascii italianos)[21], que
formariam um fascismo do sindicalismo nacionalista[22].

Se intelectualmente o fascismo estava maduro antes da Primeira Guerra, faltavam


condições materiais para que um movimento de massas se consolidasse. Por outro
lado, um importante precursor em tal período do fascismo francês foi a Action
Française (AF), movimento ultra-reacionário surgido no final do século XIX, chefiado
por Charles Maurras.

Enxergando a emergência da terceira república e a vitória dos dreyfusards


(partidários de Dreyfus) como padrões de “decadência” da nação francesa, Maurras
une-se a Henri Vaugeois e Maurice Pujo e criam a Action Française. Para Maurras, a
França era um milagre dos milagres, e necessitava de devoção absoluta. Os
inimigos da nação eram os estrangeiros, os judeus, os maçons e protestantes.
Maurras odiava tanto a Revolução Francesa quanto o Iluminismo, já que toda sua
herança havia “trazido desde desordem até o declínio ao país”[23].

Tal liga cresceria após 1902, publicando um jornal que chegou a ter 45.000
assinantes. O movimento contava também com uma ala que, inicialmente criada
para vender os jornais da AF, os Camelots du Roi, frequentemente entrava em
combates físicos com socialistas e sindicalistas. Possuía também uma seção
paramilitar (apesar de não contar com armas de fogo), os Comissários. A doutrina
da AF era essencialmente um reacionarismo xenófobo e corporativista, que pregava
a volta da Monarquia. Os judeus, republicanos, democratas, socialistas e os
estrangeiros (alemães, russos, etc.) eram responsáveis pela “decadência da nação
francesa”, sendo necessário como solução um regime corporativista anti-
democrático, antissemita e xenófobo, chefiado por um rei, que defendesse os
valores católicos e familiares. O movimento floresceu até a década de 20 até que,
em 1926, o próprio Maurras foi excomungado pela igreja católica. Isso causou um
afluxo de membros. O movimento dissolveu-se junto com o fim do regime de Vichy.
O interessante é que Maurras, apesar de seu nacionalismo, apoiou Philippe Pétain e
seus asseclas, e também foi simpático aos nazistas.

Das fileiras da AF originou-se o primeiro forte movimento fascista francês na


década de 1920: O Les Faisceaux, de George Valois. Foi um dos muitos grupos
radicais de direita que foram formados na França durante esse período, tal como as
Jeunesse Patriotes, liderado por Pierre Taittinger, grupo ultranacionalista,
anticomunista e antiparlamentar, que defendia o fortalecimento do poder executivo.

Esses grupos emergiram a partir da crise inflacionária que se abateu sobre a França
(apesar de sua rápida recuperação industrial) no pós-guerra e da vitória de um
governo de centro-esquerda nas eleições de 1924, o Cartel des Gauches. Esse
governo sofrera pesada oposição de grupos conservadores e de empresários
franceses. Pregando um fascismo que apelava diretamente aos trabalhadores, a
ideologia do Les Faisceaux era resolutamente socialista-nacional, violentamente
anti-burguesa e anti-conservadora, tentando conquistar seguidores tanto à esquerda
quanto à direita[24]. A fórmula ideológica que sintetizava o pensamento de Valois
era “nacionalismo + socialismo = fascismo”[25].

O movimento, apesar disso, nunca conseguiu convencer muitos trabalhadores a se


juntarem às suas cortes — a maior parte de seus membros eram oriundos da classe
média. Outro fato importante a ser mencionado era o apoio financeiro aos
Faisceaux por muitos empresários, uma vez que a agremiação de Valois poderia se
tornar um bloco popular anti-esquerda. Isso, ao longo do tempo, foi uma fonte de
problemas para o movimento, dado que sua ideologia anticapitalista conflitava
diretamente com os interesses dos empresários.

O movimento, juntamente a outras agremiações de extrema-direita, entrou em


declínio a partir de 1926, quando assumiu o poder o governo conservador de
Raymond Poincaré, que, somado a melhora econômica do país, arrefeceu os
ânimos da burguesia. Esses fatores tomados em conjunto levaram os empresários
a cortar o financiamento do movimento, levando ao seu declínio. Contudo, o Les
Faisceaux chegaria ao fim quando o próprio Valois abdicara do fascismo, movendo-
se em direção do comunismo na década de 1930. George Valois fez parte da
resistência contra o nazismo e morreu em um campo de concentração, em 1945.

A segunda geração do fascismo francês emerge a partir da década de 1930. A


maior agremiação no pré-guerra foi o PPF, de Jacques Doriot. Outra agremiação de
direita, que na época fora considerada como fascista por muitos socialistas e
comunistas, foi o Croix-de-Feu (Cruz de Fogo), liderada pelo coronel de la Rocque,
veterano da primeira guerra.

O início da década 1930 forneceu novamente um ambiente propício ao


florescimento de movimentos de extrema-direita: tanto a deterioração econômica,
devido à crise econômica mundial, quanto um governo de centro-esquerda fraco,
eleito em 1932, forneceriam combustível para uma crise social.

Nesse período surgiu o Croix-de-Feu, a partir de uma associação de veteranos de


guerra, em 1928. O movimento cresceu muito no início dos anos 1930, chegando a
ter, em 1934, 150.000 membros. Possuindo uma ala paramilitar, os “Dispos” (de
“disponibles”, “disponíveis” em francês) e os membros da Cruz de Fogo
frequentemente digladiavam-se nas ruas contra comunistas e socialistas.

A ideologia do movimento rejeitava tudo aquilo que alegavam poder dividir a nação,
como a luta de classes e o clientelismo político. Eram partidários de um executivo
forte, da diminuição dos poderes do parlamento, mas que mantivesse o sistema
representativo. O corpo doutrinal do movimento fundamentava-se em um “espírito
de fraternidade combatente [repousando sobre] a família e a empresa, concebidos
de acordo com um modelo tradicional e paternalista. Adiciona-se a importância
atrelada à religião cristã, à primazia do espiritual e dos valores tradicionais”[26].

Por outro lado, não eram racistas e o próprio coronel de la Roque condenava o
antissemitismo. Contudo havia, de fato, membros do Croix-de-Feu que eram
fascistas. O movimento não é caracterizado por historiadores, desse modo, como
fascista, mas de direita autoritária. Com a proibição das milícias e grupos militares
pelo governo do Front Populaire de Leon Blum, o movimento transformou-se em
partido, o PSF (Parti Social Français ou Partido Social Francês). Portando os
mesmos valores da Cruz-de-Dogo, além de ferozmente anticomunista, o PSF
possuía 600.000 membros em 1936. Chegou a ter, em 1939, antes da guerra,
1.200.000 membros. Caso houvesse eleições em 1940, seriam uma força
considerável no parlamento francês.

Ainda na década de 1930, deve-se mencionar brevemente um conjunto de escritores


que podemos intitular de intelectuais fascistas. Inspirados por Charles Maurras, e
partilhando crenças sobre a decadência e a ameaça comunista, eles almejavam um
tipo de renascimento espiritual, alguns em termos mais religiosos, outro, em termos
nietzschianos. Eles eram conhecidos como a Jovem Direita (Jeune Droite), dentre
os quais podemos citar Robert Brasilach, Pierre Drieu de la Rochelle e Thierry
Maulnier[27].

O movimento genuinamente fascista de maior sucesso na década de 1930 foi o PPF


(Parti Populaire Français, ou Partido Popular Francês) de Jacques Doriot.
Superando agremiações fascistas menores como os Francistes e o Solidarité
Française, chegou a ter 60.000 membros (apesar de professarem possuir 300.000).
Doriot fora secretário-geral da juventude comunista em 1923 e chegou a ser
candidato a secretário-geral do Partido Comunista Francês (PCF). Foi expulso do
partido em 1933, quando era prefeito de Saint-Denis. Levou consigo para fora do
PCF 1/3 do politburo do partido e também muitos militantes oriundos da classe
operária.

O PPF foi criado em 1936 na mesma Saint-Denis, reunindo ex-membros do PCF e


nacionalistas autoritários. Contou desde o início com o apoio da burguesia
industrial e financeira. Ideologicamente, apesar de nominalmente antiburguês e
antiparlamentar, o PPF não tinha um programa anticapitalista, como nacionalização
de empresas, nem muito menos punha em questão a legitimidade do capitalismo.
Pregava-se a criação de um novo homem, baseado em uma filosofia vitalista e
propunha-se a criação de uma sociedade fundada na cooperação, na família, na
comunidade e na religião, que fosse posta a cabo por um Estado descentralizado e
corporativista. O movimento mostrava o típico estilo de um movimento fascista:
violento, uso de insígnias e adereços militares, cumprimento fascista, culto ao
chefe, etc. O PPF entraria em declínio em 1939, tendo muitos de seus membros se
dissociado do partido.

O fascismo, portanto, não se expandiu na França, nem se tornou um movimento de


massas no final da década de 1930 por alguns motivos:

1. Os conservadores não tentaram se utilizar politicamente dos fascistas,


enfatizando a necessidade de consenso nacional entre os moderados.
2. Além disso, o Front Popular, governo de coalizão entre comunistas e
socialistas, rompeu-se em 1938.
3. Nem as classes médias nem os camponeses sofreram tanto com a crise
econômica da década de 1930 como na Alemanha. Não se pode esquecer
também que, apesar de sua dissolução em 1938, o Front Popular de Léon
Blum foi sedimentado a partir de um forte consenso nas esquerdas sobre a
união contra o fascismo. Uma das medidas tomadas pelo governo foi a
proibição de grupos paramilitares, em 1936.
4. O fascismo só retornaria à França pela derrota militar em 1940. Feito o
armistício entre França e a Alemanha, forma-se no sul do país o regime de
Vichy, chefiado pelo marechal Pétain, herói da primeira guerra mundial, e no
norte, uma zona anexada à Alemanha.
5. Ideologicamente, o regime tentou buscar uma “revolução nacional”, ou seja,
uma reestruturação corporativista do governo aliado a um “tipo de revolução
cultural baseada nos valores conservadores e nas famílias grandes. A
instrução religiosa foi reinserida nas escolas públicas, educação física foi
enfatizada, [consumo de] álcool desencorajado, sendo o motto do regime
Trabalho, Família, Pátria”[28] — em oposição à tríade simbólica da Revolução
Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade.
6. O regime teve três fases: a primeira, em que se tentou institucionalizar a
“revolução nacional”, até 1941; entre 1941 e 43 se destaca o aumento do
autoritarismo, da presença da tecnocracia e do aumento da burocracia
pública. A partir de 1943, o regime tornou-se praticamente uma marionete nas
mãos dos nazistas, tendo Pétain o poder nominal e os nazistas, o factual.
7. Apesar de não haver consenso a respeito da categorização do regime como
fascista ou não, ele parece ter sido mais próximo ao regime de Franco e
Salazar do que a Hitler e Mussolini[29] (de direita autoritária para alguns
especialistas, semi ou parafascista para outros) o que não significa dizer que
eram melhores que regimes puramente fascistas. Tais regimes foram tão
sanguinários e atrozes quanto os assim ditos fascistas: a França de Vichy
ajudou na perseguição e deportação de judeus para campos de concentração
e extermínio; a ditadura de Antonescu, na Romênia, foi responsável pela
aniquilação de 200 a 300 mil judeus.
8. No entanto, o regime de Pétain contou com muitos colaboradores fascistas.
Dentre eles Doriot e seu PPF, que renasceria durante a ocupação nazista,
tornando-se o maior partido fascista na França. Doriot almejava ser o
sucessor de Pétain. O PPF tornou-se uma seção de colaboracionistas
fanáticos: muitos militantes se inscreveram na Legião Francesa de
Voluntários (LVF), que enviou soldados para lutar no front oriental, contra a
URSS, dentro os quais, o próprio Doriot. Outro movimento/partido importante
foi o RNP (Rassemblemént National Populaire) do ex-socialista e trânsfuga,
Marcél Déat, que chegou a ter 20.000 membros em 1942. Outros pequenos
grupos fascistas floresceram nesse período como o movimento social
revolucionário de Eugéne Deoncle, que lutou contra a Resistência, o partido
nacional-socialista de Chritian Message, entre outras agremiações menores.
Além dessas, devemos citar a Milice Française, conhecida pela sua
brutalidade e fanatismo, formação paramilitar, chefiada por Darland, cujo
objetivo era combater a Resistência na França.
9. O autoritarismo de Pétain e seus colaboradores conservadores, reacionários e
fascistas seria esmagado pelos Aliados e pela Resistência, a partir do dia D,
em 6 de junho de 1944.

A conjuntura no pós-guerra

O julgamento de Philippe Pétain, em Paris, no final de julho de 1945.

Logo após o fim do regime de Vichy, a extrema-direita ficou marcada como


colaboracionista e traidora, retornando às sombras da vida política francesa.
Seguiu-se um período de expurgos, principalmente em áreas dominadas pelos
comunistas. Alguns locais exibiram certa amnésia, seguindo a vida como nada
houvesse acontecido[30]. Em outros, um período de julgamentos ocorreu. Milhares
foram levados ao tribunal.

Philippe Pétain foi condenado à morte, mas teve a pena comutada e morreu em
1951, sem quaisquer honras militares ou de Estado. Pierre Laval, chefe do governo
Pétain e da Milícia, foi executado, assim como outros fascistas e colaboracionistas
ilustres, como Robert Brasilach, Drieu de la Rochelle e Darnand. Charles Maurras
morreria na prisão. A França após 1945 seria concebida a partir da ideia da
Resistência e do antifascismo. A Quarta República seria estruturada sobre esse
espectro, cuja constituição foi adotada após um referendo, em 1946[31]. O pacto
fora feito pelos partidários do conservador Charles de Gaulle, liberais e,
principalmente, entre socialistas e comunistas.

Além disso, os 30 primeiros anos seriam os chamados Trinta Gloriosos, isto é, um


período de crescimento econômico e de expansão do Estado de bem-estar social —
uma situação muito complicada para que os neofascistas pudessem criar raízes.
Entre 1947 e 49, com a ajuda do plano Marshall, tanto a economia francesa quanto
a renda nacional já retornariam a níveis do pré-guerra. Desse modo, o Estado
francês seria o impulsionador do desenvolvimento, investindo em setores
estratégicos, como o elétrico e militar. Ademais, muitas áreas foram
nacionalizadas já em 1946, como bancos e companhias de seguros, além de outras
empresas que colaboraram com o regime de Vichy, como a Renault[32].

Durante os anos 1960, o investimento estatal equivaleria a 50% do PIB[33]. Apesar de


problemas inflacionários, a economia gerou bons frutos: o PIB per capita dobrou
entre 1960 e 75, o rendimento dos trabalhadores aumentou significativamente e
houve diminuição expressiva da desigualdade.

Deve-se enfatizar também a expansão considerável da seguridade social:


introdução do seguro desemprego, aposentadoria por invalidez, saúde pública
gratuita e universal, expansão da educação formal (aumento do número de
universitários) e implementação de programas habitacionais (dado o largo déficit de
moradia). A economia deslocou-se para o setor industrial e de serviços, sendo que o
setor de bens de consumo expandiria significativamente, tal como as redes de
supermercados na década de 1950. Por fim devemos citar a expansão de direitos
civis, como leis que garantiam a igualdade entre homens e mulheres[34].

No entanto, se a economia seria um fator estabilizador, a política, entre 1945 e 1958,


passaria por momentos conturbados. A Quarta República seria marcada por
constantes crises de governabilidade (dadas as peculiaridades do sistema
parlamentarista francês[35], como sistema de representação proporcional e o papel
meramente figurativo do presidente[36]) e, após 1950, pelos problemas gerados
pelas guerras de independência nas colônias, o que ajudaria a extrema-direita, como
se verá.

Outro fato que ajudaria a impulsionar o extremismo direitista foi o início da guerra
fria, após 1947. No entanto, os neofascistas encontrar-se-iam em uma situação de
extrema adversidade, dado a força da esquerda, tanto dos socialistas quanto dos
comunistas. Legitimados pela resistência ao fascismo, até 1958 somado os votos
de ambos partidos, a esquerda reformista e revolucionária recebiam não menos que
40% dos votos nas eleições[37].

Viver sob escombros: o lento ressurgir da extrema-


direita
Derrotados, os petainistas e fascistas em geral (nazistas, ex-membros do PPF de
Doriot e do RN, de Marcel Déat, etc) reuniram-se em pequenas revistas como a La
Réstauration Nationale ( Restauração Nacional), que denunciavam os “excessos”
dos expurgos do pós-guerra ( 10.000 pessoas foram executadas entre 1944 e 45,
após a liberação da França) ou em pequenos movimentos como o Jeune Nation
(Jovem Nação).

Uma das primeiras importantes revistas foi o Rivarol, criado por Maurice Gait e René
Malliavin, em 1951, chamada de “a revista de oposição nacional[38]”. Um periódico
que recebia contribuições de fascistas, colaboracionistas, católicos integristas, etc.

Dentre os membros desses pequenos agrupamentos, é importante citar Maurice


Bardèche, ideólogo influente nos movimentos neofascistas na França após a
década de 50. Bardèche foi um dos precursores do “revisionismo” histórico,
característico do neofascismo, isto é, de produzir interpretações falsas e
mentirosas de temas como o holocausto, o nazismo, o regime de Vichy e o
fascismo italiano. Por exemplo, Bardèche afirmava que o fascismo, como sistema
político, não era responsável pelo holocausto, assim como a ciência nuclear não era
responsável pelo bombardeio de Hiroshima[39].

Além disso, Bardèche criaria a revista mensal mais importante do neofascismo


francês: o Défense de l´Occident (Defesa do Ocidente). A propaganda fascista e o
negacionismo eram seus temas prediletos[40]. Eleitoralmente a extrema-direita
retornaria em 1951, por meio da lista UNIR (União Nacional de Independentes e
Republicanos). No geral, as listas de extremistas obtiveram um resultado de 5,5%
[41]. No entanto, os fascistas preferiam adentrar formações políticas de direita
existente, como o RPR do general De Gaulle.

Cruz celta, símbolo do Jeune Nation.

Um dos mais importantes movimentos desse período é do já mencionado Jeune


Nation, dos irmãos Sidos. Criado em 1949, lutavam por um Estado “nacionalista,
autoritário, popular e hierarquizado”, denunciando “a invasão de parasitas
metecos”[42] (termo pejorativo para designar estrangeiros), além de ser
antissionista, antissemita e anticomunista. Atraiu jovens e ex-combatentes da
guerra da Indochina, devido principalmente à derrota em Dien Bién Phu, no atual
Vietnã[43], em março de 1954. Foi um movimento fascista clássico, portando o
símbolo da cruz Céltica – “símbolo da vida universal” e insígnias da tropas
francesas das Waffen-SS ; chegaram a reunir entre 3 e 4 mil militantes[44].

Tentaram realizar um atentado contra a Assembleia Nacional em 1958, depositando


uma bomba no palácio Bourbon[45]. Em 13 de maio do mesmo ano o movimento foi
proibido. Do JN sairia o núcleo duro de militantes da OAS, organização da qual
falaremos mais a frente. O JN foi sucedido por um jornal homônimo e pelo Partido
Nacionalista, também posteriormente posto na ilegalidade[46].

Os anos 50, o golpismo militar e o fim da Quarta


República
Outro evento importante desse período na história da extrema direita francesa foi a
crise militar, gerada pelo conflito na Algéria (entre 1958 e 1961). A extrema direita
pode re-pautar o debate francês por meio das guerras e a perdas subsequentes das
colônias, pois tal fato permitiu reavivar sentimentos nacionalistas a partir dos quais
o público poderia dar apoio às suas pautas[47]. Inicialmente, inclusive, grande parte
da população era favorável à manutenção do império e contra a independência da
Algéria. O movimento pela “Algerie Française” (Algéria Francesa), contrário à
independência, formado por descendentes de franceses na Argélia e elementos
radicalizados do exército, foi uma das expressões disso.

Ademais, a instabilidade da Quarta Republica, devido ao peculiar sistema


parlamentar francês, o apoio dos governos de centro-esquerda liderados pelo
primeiro-ministro Mendès-France, entre 1954 e 58, a uma saída negociada das
colônias[48], aliado às instabilidades econômicas momentâneas (como vimos, a
economia durante esse período performou bem) como o déficit no comércio
exterior e a desvalorização do franco[49] levaram a um tal clima de conflito político
(e potencialmente militar) que golpes de estado foram tentados e até mesmo uma
possibilidade de guerra civil foi aventada.
Argelino capturado por soldado francês.

O exército, assim, derrotado na Indochina e na guerra de Suez, culpava os políticos


e a própria democracia pelo seu fracasso e perda das colônias. Muitos oficiais
católicos foram influenciados pela ideologia contra-revolucionária e, além disso, o
anticomunismo, no contexto da guerra fria, abundava nas formações castrenses[50].
O exército acreditava que “sua missão era integrar a Algéria na comunidade
nacional e continuar a cruzada contra a subversão comunista que, sozinha, aos
seus olhos, impedia-os de atingir esse objetivo. Ao assumir controle cada vez maior
sobre a Algéria, o corpo de oficiais podia posar como a encarnação da França[51]”.

O uso de instrumentos de guerra psicológica, terror da população e tortura era


constante e sistemático. Adeptos da guerra “contra subversiva”, os oficiais e
soldados não se furtaram de cometer atos terroristas e de violência quando quer
que fosse preciso[52]. O grau de selvageria e intransigência entre ambos os lados foi
imenso. Tanto o FLN quanto o exército cometeram graves crimes de guerra — os
franceses foram acusados de empregar métodos utilizados pela Gestapo (polícia
política do nazismo)[53]. Estima-se que 1 milhão de argelinos tenham morrido no
conflito[54].
Dado essa conjuntura, eclodiram diversas tentativas golpistas. O primeiro golpe
posto em marcha contra o governo de Argel aconteceu em 13 de maio de 1958,
comandado por Pierre Lagallairde e pelo general Raul Salam com apoio da divisão
de paraquedistas do general Massu; o objetivo era estabelecer um governo local
que impedisse a independência da Argélia.
A guerra civil era, nesse momento, uma possibilidade real, tendo generais golpistas
planejado atacar Paris com paraquedistas que poderiam se unir a tropas rebeldes
na cidade[55] — unidades paraquedistas rebeldes foram de fato acionadas e
posicionadas na Córsega. Porém, o golpe e a guerra civil foram desarticulados pela
intervenção de Charles de Gaulle.

Cartaz da OAS: “Nós Venceremos”.


Os golpistas clamavam pelo general, pois acreditavam que ele instalaria um
governo autoritário e impediria a tomada de poder pelo FLN (Front de Liberação
Nacional, exército rebelde que lutava pela independência do país), o que não
ocorreu. De Gaulle aproveitou-se da situação para seus próprios fins. Agindo por
fora da constituição, o general anuncia que iria formar um governo. Dado a crise
militar, a Assembleia Nacional, em primeiro de junho de 1958, concede-lhe 6 meses
de poderes emergenciais. Ele, então, consegue aprovar uma nova constituição por
um referendo, que limitou os poderes do parlamento e aumentou significativamente
as atribuições constitucionais do presidente[56].

De Gaulle sairia aclamado por grande parte da população como o herói que salvara
a república e, por outro lado, considerado pela extrema-direita como seu inimigo
mortal. Quando declarou sua famosa frase, “eu vos compreendi” ( je vous ai
compris), muitos fascistas entenderam que De Gaulle seguiria o caminho autoritário
por eles proposto, o que, na verdade, não aconteceu. Ademais, em 1959, o general,
tendo mudado de opinião, tornou-se a favor da autodeterminação da Argélia.

Já no mesmo ano, por tais motivos, extremistas criaram organizações para


defender a causa da Argélia francesa, como a Liga pela Defesa da Argélia Francesa,
de Georges Bidault[57]. Outros grupos a serem mencionados são o FNAF, o Front
Nacional pela Algéria Francesa, de Jean-Marie le Pen e Tixier-Vignancour, antigo
apoiador de Petain[58] e o FAF, Front da Algéria Francesa, que chegou a ter 400.000
membros, os quais eram colonos e organizados em milícias “contra terroristas”[59].
Os dois últimos foram proibidos e desapareceriam após 1960.

Lê-se: golpe de Estado na Algéria — Dirigido pelos generais Salan, Challe,


Jouhaud e Zeller.

Uma segunda tentativa de Golpe foi tentada entre 24 de janeiro e 2 de fevereiro de


1960, quando civis insurretos como Pierre Lagaillarde (ex-paraquedista do exército
francês), Jean-Jacques Susini, Joseph Perez, juntamente a um contingente civil
tentam tomar o poder, incitando o exército à rebelião. A cruz céltica fora pendurada
em todos lugares, mostrando que o movimento se alinhava ao fascismo francês[60].
A chamada semana de barricadas não logrou conquistar seus objetivos. Apesar das
pulsões golpistas, o exército não cedeu à pressão e permaneceu fiel a De Gaulle —
os líderes foram presos, os movimentos pró-Algéria Francesa, proibidos[61].

Em janeiro de 1961 é realizado um referendo sobre a autodeterminação da Algéria,


isto é. sua independência, o qual foi aprovado com 75% dos votos. De Gaulle, alguns
meses depois, diria que “a descolonização é de nosso interesse e,
consequentemente, nossa política[62]”. Dentro dos meios militares, a agitação
cresce devido a esse fato. Dá-se, então, em 22 de abril de 1961, liderado pelo
general Challe e apoiado pelos generais Jouhaud, Salan e Zeller, o último golpe.
Paraquedistas são lançados sobre Alger, pessoas importantes são presas. No
entanto, o apoio dentro das forças armadas e de civis não fora suficiente para tal
objetivo[63]. Em 25 de abril, a insurreição tinha falhado[64].

A OAS: o terrorismo fascista

Bomba da OEA explode no bairro Bab-el-Oued, na Argélia (1961).

Desse fracasso se formou a OAS, organização paramilitar neofascista[65]. Foi


estabelecida em 1961 por oficiais do exército francês como ex-paraquedista
Lagaillarde e o general Salam; um dos principais objetivos era, por meio do
terrorismo, impedir independência da Argélia.

Para Lagaillarde, a OAS deveria “se tornar uma verdadeira ferramenta de combate
revolucionária”; além disso, havia, somente, duas soluções para a o conflito político
no país: “ou o comunismo ou o nacionalismo”[66]. Salan fixaria posteriormente os
três princípios da organização: “preparação do terreno, utilização das massas e
destruição total e massiva do adversário ”[67].

A OAS tinha pouca coesão interna, contudo. A única tese com a qual as diversas
seções concordavam eram a recusa à política de De Gaulle para a Algéria. Havia
três seções principais da organização. Uma encontrava-se em Alger, outra, na
Espanha e a principal, em Paris. A seção metropolitana tentara amalgamar as
diversas correntes extremista presente no país. De tal maneira, a OAS receberia
apoio dos antigos líderes e militantes do Jeune Nation, como Pierre Sidos. A seção
da metrópole, contudo, era um amontoado de grupelhos fascistas, muitas vezes
autônomos entres si.

Outro dado importante a ser mencionado- a organização contava com apoio


externo: Pino Rauti e outros membros do Movimento Social Italiano, partido neo-
fascista, prospectavam fundos e armas para a OAS. Havia também ligações com a
KKK nos EUA e também com Léon Degrèlle, antigo líder do partido fascista REX na
Bélgica e, posteriormente, soldado na divisão Charlemagne, das Waffen-SS[68].

O OAS, apesar de tudo, não tinha apoio da população francesa. Os métodos


terroristas eram largamente rejeitados pela opinião pública. O atentado do dia 8 de
fevereiro de 1962, contra o ministro da Cultura de De Gaulle, Jean-Marie Vincent,
que terminou por desfigurar uma menina de 4 anos, os massacres perpetuados pela
organização, nos quais foram mortas em volta de 500 pessoas[69] e os atentados
contra o próprio De Gaulle, como o de 22 de outubro de 1962, contribuíram para
tanto. A partir de então, realiza-se uma ampla operação conduzida pelo Estado para
prender os membros do movimento e desmontá-lo. As prisões decapitaram a OAS e
ela se vê então em decadência; mas até 1965 esquemas de atentados seriam
desbaratados pela inteligência francesa[70]. Uma anistia geral aos membros da
organização foi assinada por De Gaulle em 1968.

O Poujadismo, a extrema-direita no campo eleitoral


Tal como mencionamos, os anos 50 foram tempos de crescimento econômico, mas
de problemas políticos causados pelas perdas coloniais. Isso implicou aumento dos
impostos como meio de compensar a perda de rendas advindas das colônias
perdidas[71]. Além disso, o crescimento econômico aliado à formação de grandes
conglomerados de supermercados (como o Carrefour) tornava-se uma ameaça aos
pequenos comerciantes, que viam seus negócios perderem importância perante
grandes empresas de comércio. Essas são as causas de curto prazo que
propiciaram a formação do pouhjadismo, um movimento político liderado por Pierre
Poujade. O problema da Algéria francesa não está diretamente implicado em seu
surgimento, mas há algumas conexões, como a rejeição à terceira república[72].

Sua origem remonta a julho de 1953, quando Poujahde organizara uma


manifestação contra o controle fiscal em uma pequena cidade francesa, Saint-Cére,
no departamento de Lot. Isso se espalhou rapidamente e culminou na criação da
UDCA, União da Defesa de Comerciantes e Artesãos. Em 1954, uma lei que que
estipulava a prisão daqueles que se opusessem ao controle fiscal gerou grande
revolta entre pequenos comerciantes e artesãos, o que aumentou a capilaridade do
movimento[73]. Esse tipo de movimento pequeno burguês não era de todo novo, já
que há uma tradição na França de agrupamentos desse tipo como a Confederação
Geral de grupos de pequenos e médios Comerciantes, de 1934[74]. Primeiramente
se restringiu ao departamento do Lot, no sudoeste francês. Porém, em 1954 já havia
se espalhado ao longo do sul do rio Loire.

Inicialmente apolítico e ideologicamente confuso, em 1955 a UDCA SE transformou


em um partido, a UFF (União Francesa e Fraternidade). Pouhjade afirmaria, então :“
Nós, da UDCA, não somos políticos, nós somos pelo bife de vaca, pouco importa se
é comunista ou realista
”[75].

Já no mesmo ano conseguira reunir 150.000 pessoas em uma manifestação às


portas de Versalhes, contra aquilo que representava o “local da Babilônia
corrompida”[76] (referindo-se a Paris). Em seu ápice, a UFF contava com uma
organização de estudos, escola de quadros e jornais, como a Fraternidade Francesa,
cujo redator chefe era Serge Jeanneret, antigo membro da Ação Francesa (AF)[77];
além também de existirem associações satélites à UFF como sindicatos de
trabalhadores rurais, associações de jovens, etc.[78]

A UFF foi liderada por Pierre Poujahde, homem de classe média, cuja família
desprezava a república. Em sua adolescência envolveu-se com o partido fascista de
Doriot, o PPF. Apoiou inicialmente a República de Vichy, mas fugiu para a Espanha
quando o colaboracionismo aumentou. De lá viajou para a Inglaterra, onde se alistou
na força aérea. Após 1945, juntou-se ao partido gaullista[79]. Em 1953 se retirou da
agremiação e ajudou a fundar a UDCA.

Campanha eleitoral de Poujade, 1956: “Camponeses da França, os


políticos mentem a vós. O sistema vos arruína para roubar sua terra.
Para salvá-la, Poujade.”

A Ideologia do movimento mudaria ao longo do tempo. O discurso, já em 1955, se


seguirmos as palavras de “Poujahdolf”( neologismo unindo o nome de Poujahde e
Adolf Hitler , epíteto cunhado por seus inimigos políticos), cristalizou-se em torno da
defesa do homem comum contra o “sistema” —utilizando as imagens da república
francesa; também contra o “capitalismo”, aliado a concepções antissemitas,
racistas imiscuídas a ideais anticomunistas e antieuropeus[8]: clamava para que se
defendesse os interesses franceses, especialmente as colônias, existindo aí um
senso de defesa contra os inimigos internos (isto é, os judeus, que “manipulavam” o
“parlamentarismo e o capitalismo”[81]).

O poujahdismo também tinha uma concepção fascistóide da necessidade de um


sistema corporativista e era profundamente anti-intelectualista, em que o intelectual
possuía uma “hipertrofia de uma cabeça frágil e inútil
”[82].

Poujahde era cercado por extremistas. O líder camponês de extrema direita, que
apoiou Pétain e o regime de Vichy, Dorgéres, era um colega próximo[83]. Fascistas e
nostálgicos da colaboração com o nazismo como Jean-Maurice Demarquet, Dides
e o próprio Jean-Marie le Pen estavam presentes nas coortes da UFF[84].

Em 1956, com o slogan “sortez les sortants” (algo como “mandem os corruptos
embora”), os candidatos poujahdistas participaram das eleições para a Assembleia
Nacional. A UFF obteve 11.6% dos votos, conseguindo 52 cadeiras. Os jornais
fascistas como o Rivarol e a Nação Francesa afirmavam: “os 52 deputados são
nossos”[85]. A maioria dos votos vinham de regiões rurais e pequenas cidades. Seu
eleitorado, em grande parte, dado a origem do movimento, era composto de
artesãos e pequenos comerciantes. Funcionários públicos, operários e
trabalhadores em empresas não eram, em percentual de votos, significativos[86].

O movimento começou a perder força à medida que a situação da Algéria se


deteriorava. Quando De Gaulle retorna ao poder, ocorre uma crise e cisão na UFF,
tendo, de um lado, Poujahde e sua defesa da causa da Algéria Francesa, e, de outro,
grande parte dos deputados da UFF, que apoiavam o general. Em virtude dessa
cisão, nas eleições de 1958, a UFF obteve somente 3%( aproximadamente 600.000)
dos votos. No congresso de Angers, pouco tempos depois, o grupo parlamentar foi
dissolvido[87]. Poujahde, por outro lado, radicalizaria sua posição: apoiou o golpe
militar de 1961, em Algers, e também expressava simpatia pela OAS, apesar de
rejeitar o terrorismo[88]. No entanto, nem o movimento nem Poujahde sobreviveram
a De Gaulle, que então hegemonizara a direita e isolara os extremistas.

Era o Poujadismo fascista? Para alguns autores, apesar da retórica, o poujahdismo


não era um movimento fascista, nem mesmo de extrema-direita[89],mas algo como
um populismo de direita[90], já para outros, um “tipo de fascismo primitivo”[91].

Os anos 60 e as novas dificuldades


Manifestação do grupo de extrema-direita Occident contra a revolta
estudantil de 68.

Com o fim da guerra da Algéria, sua independência e o fracasso dos golpistas, a


extrema-direita foi privada de seu motor de mobilização[92]. Para muitos fascistas,
fora o ambiente político oportuno para a tomada de poder, que, devido a
fragmentação e desacordo entre seus pares, se tornara a maior oportunidade
perdida desde o fim da Segunda Guerra. Dessa situação, formaram-se uma miríade
de grupelhos extremistas. Desse modo, os anos 60 na França se provaram
extremamente difíceis para os mais variados grupos extremistas.

Segue uma breve menção aos grupos mais importantes desse período, que, apesar
de tudo, permaneceram marginalizados.

Com o fim da OAS e do Jeune Nation, Pierre Sidos criou o Occident (não confundir
com a revista fascista L´Occident, homônimo). Ele tentou reagrupar os militantes
dispersados dos diversos grupos fascistas que então foram proibidos. O Ocidente
nunca passou de 500 membros. Pretendia defender “o ocidente em todos os
lugares”, não “tolerar as agremiações não francesas”, entre outras ideias
fascistas[93]. Um dos seus ilustres membros era François Duprat, que ganharia
proeminência na extrema-direita nos próximos anos. Além do Occident, Sidos criaria
posteriormente o jornal Le Soleil, para propagar ideais fascistas e ainda também o
movimento L´Ouvre Française, uma tentativa de estruturar uma organização
substituta da Jeune Nation[94]. O Ocidente seria por sua vez também dissolvido e
substituído pelo GUD, Grupo de União Direita[95].

Outro grupelho neofascista importante nesse microcosmo extremista foi a FEN


(Federação de Estudantes Nacionalistas), que fora criada para combater a UNEF
(União Nacional dos Estudantes Franceses), de esquerda. Seu objetivo era criar
uma estrutura organizacional de jovens pró-Algéria francesa e servir de abrigo a
militantes de grupos proibidos como Jeune Nation. Seu mais famoso membro foi
Alian de Benoist, líder intelectual da Nova Direita francesa (Nouvelle Droite)[96].

Se a empresa poujahdista falhou, a extrema-direita tentaria alcançar espaço nas


eleições de 1965, com Tixier-Vignancourt. Simpatizante da Ação Francesa (Action
Française, de Charles Maurras), votou para que Petain obtivesse plenos poderes em
1940 e tornou-se secretário geral de informação sob o regime de Vichy. Após 45 foi
preso, e, quando solto, tornou-se defensor dos colaboradores e petanistas. Em
1952, participou do comitê de suporte à revista L´Occident, de Maurie Bardèche. Foi
eleito deputado em 1956 e perdeu o cargo em 58, com o fim da quarta república.

Apoiador da causa da Algéria Francesa, Tixier-Vignancourt aderiu ao FNAF, cujo


secretário geral era Jean marie le Pen. Apoiava a OAS (como advogado, defendeu
alguns de seus membros) que “era um sobressalto de uma população martirizada e
profundamente angustiada com a ideia de deixar suas terras e tumbas. Ela era, por
outro lado, o reflexo honrável de oficiais franceses que prestaram juramentos os
quais eles estimavam que deviam ser honrados”[97].

Tixier-Vignancourt almejava construir um grupo sob o qual os mais diversos grupos


de direita pudessem convergir. Para tanto, ele decidiu se candidatar a presidente em
1965. TV, como era conhecido, tentara se utilizar das mídias de massa para
propagar sua mensagem. No entanto, como a televisão era controlada pelo Estado,
Vignancourt não logrou obter tempo na televisão. Seu programa eleitoral, no
entanto, era, por um lado, antigaullista, e por outro, composta por temas “liberais” –
como tentativa de angariar um público maior. Não obstante, era percebido pelo
público como oriundo da tradição fascista e colaboracionista francesa, o que
permitiu ao jornal de esquerda Tribuna Socialista dizer: “votar em Tixier-Vignacourt,
é votar em Pétain”[98]. Na eleição, por tal razão, recebeu somente 5,3% dos votos[99].
A extrema-direita só teria êxito eleitoral nos anos 80, com Le Pen e o Front National.

Por que os neofascistas não conseguiram sair de seu gueto ideológico?


Resumidamente: já que a defesa da ordem foi levada a cabo pela direita gaullista,
nem mesmo o maio de 68 se provou útil. O próprio De Gaulle seria eleito após 1968,
coroado, pela direita, como aquele que dissolvera os ânimos revolucionários de
então. A extrema direita fascista e nacionalista, além disso, sofreu também com o
bom desempenho na economia, a popularidade subsequente de Gaulle e de seu
partido, e, por fim, por lutas fratricidas[100].

A Nova Direita (Nouvelle Droite).


Devido a tais condições políticas desfavoráveis na França, um círculo de
intelectuais neo-fascistas formou-se ao redor de Alain de Benoîst. Pode-se,
resumidamente, compreendê-lo como um Think Tank. Seu objetivo era realizar uma
guerra cultural (sua auto-denominação era “gramscianos de direita”) de modo a,
apesar de negarem, possibilitar a tomada de poder por um eventual movimento
político neofascista.

Em suas próprias palavras: “Para nós, ser gramscista é reconhecer a importância do


poder cultural; não se trata de preparar a ascensão ao poder de um partido político,
mas de transformar as mentalidades com a intenção de promover um novo sistema
de valores cuja tradução política dessas ideias não nos diz respeito”[101].

Esse agrupamento foi denominado por jornalistas de esquerda de Nova Direita;


auto-intitulados de GRECE (Grupo de Pesquisa e Estudo sobre a Civilização
Europeia), o grupo produzia revistas e jornais como a Nouvelle École (Nova escola)
e Élements (Elementos), como também construíra círculos de estudos, como o
círculo Galileu, em Lyon, o Círculo Jacques Medicin em Nice, o Montherlant em
Bordeaux, entre outros. O GRECE também recebeu o apoio de editoras, como a
Éditions Copernic e Du Labyrinthe.
Capas da revista Éléments, do GRECE.

Além disso, criou-se também uma associação de oficiais, o clube Clausewitz.


Chegou-se a formar também um grupo de jovens, o Europe-Jeunesse, destinado a
incorporar crianças e jovens de 8 a 20 anos, cujos pais eram membros do GRECE. O
programa de formação era particularmente extremo: seus temas eram a “exaltação
do sangue, da raça, da pátria, [além disso], a lei do clã, adoração de runas, solstícios
e rituais pagãos aos sons de tambores decorados com flamas, no puro estilo da
Juventude Hitlerista”[102].

A GRECE realizou, ao longo dos anos, uma operação midiática para expandir sua
influência: em 1977, Alain de Benoist e Louis Pawels começavam a publicar na
revista semanal do jornal Figaro artigos e matérias cujo conteúdo eram inspirados
em temas da Nova Direita[103]. A partir de 1979, essa operação foi atacada por
jornais e revistas mais ao centro e à esquerda, que tentaram desqualificar essa
empreitada.

Mas o que defendia a Nova Direita? Resumidamente, suas teses eram fundadas no
anti-igualitarismo, isto é, que os homens são por natureza diferentes[104],
recrutando, para ‘’fundamentar” suas ideias, obras de etnologistas, biólogos e
sociólogos[105]. Para Louis Pawels, “A ideologia dominante [diz que] todos os
homens nascem com as mesmas potencialidades. As diferenças são criadas pelo
meio. A Ciência responde que os homens não surgem idênticos da mesma matriz.
Nenhuma sociedade humana vive sem elites(…)”[106].

O principal problema da sociedade, portanto, era a suposta “ideologia”


igualitária[107] que derivara da tradição judaico-cristã. Para superá-la, era necessário
ir às fontes do pensamento pagão pré-judaico/cristão (a uma suposta sociedade
indo européia ou “ariana”) para identificar os motivos e valores que estruturavam
tais sociedades. O objetivo então, para superar o “igualitarismo nivelador” era
estruturar uma sociedade “heróica”, que “supere a si mesma”, construindo uma elite
aristocrática dos “melhores”.
O objetivo dessa sociedade desigual, que não seria somente francesa, mas europeia
(sem imigrantes), seria servir como alternativa, “terceiro campo”, ao comunismo e
ao capitalismo liberal.

Apesar de renegarem o nazismo e “qualquer tipo de totalitarismo”, a similaridade


das teses da nova direita com o nacional-socialismo e o fascismo são bem
claras[108]. A influência de autores como Carl Schmidt, Ernst Jünger o outros
autores da “revolução conservadora”[109] ( autores alemães fascistas mas, muitas
vezes, partidários de outros movimentos fascistas alemães que foram eclipsados
pelo nacional-socialismo) ou mesmo de fascistas como Julius Evola são atestadas
pelo próprio de Benoist[110].
A despeito de suas restrições ao nazismo, a GRECE não rejeitava de imediato o
“realismo biológico” visando a “melhorar a espécie” através de práticas
eugenistas”[111]. Uma posição de seus membros, Yvan Blot, atestava claramente no
primeiro número da revista Rechèrches, em 1974, que “etnia e obediência são os
dois fundamentos da humanidade superior, isto é, a forma mais elevada da vida
conhecida. A etnia é, com efeito, o elemento de diferenciação privilegiado sobre um
plano de virtualidades biológicas. A obediência, adaptado sob uma base racial, é
também a fonte histórica dessa civilização”[112]. Por essas teses, podemos
classificar a nova direita como neo-fascista, tal como faz o historiador Roger
Griffin[113].

O GRECE conseguiu ter alguma influência sobre o campo cultural ou sobre algum
grupo político, como pretendiam? Jean-Yves le Gallou e Yvan Blot, ambos membros
do GRECE, fundaram, com Henri de Lesque, o Club d´Horloge. Esse grupo tinha
como objetivo renovar os ideais da direita gaullista, o RPR e a UDF. Defendem o
neoliberalismo econômico, denunciam o socialismo e defendem o enraizamento
cultural contra o cosmopolitismo[114]. O Horloge era, no início, uma “emanação do
GRECE destinado a facilitar a penetração em certos meios intelectuais e
políticos”[115]. Alguns de seus membros, dentre os quais Yves Le Gallou e Bruno
Megret, tomam parte no Front National e tornam-se participantes da direção[116].
Pouco tempo depois, o Club d´Horloge romperia com a GRECE.

Na década de 80, de Benoist fundou a revista Krisis, que tentara ir “além” da


clivagem direita e esquerda. Apesar de receber contribuições e entrevistar
intelectuais também de esquerda, a revista[117] é impregnada pela visão de seu
editor. Até 2010 ela possuía somente 600 assinantes[118].

Os fins do trinta Gloriosos e as mudanças estruturais na


economia e o fim da expansão do Estado Social
Os anos 70 e 80 seriam marcados, não só na França, como também em outros
países de capitalismo avançado como Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha,
com o fim do período de crescimento e bem-estar social do pós-guerra. Por causa
de mudanças estruturais na economia capitalista (globalização econômica, maior
integração dos mercados mundiais, queda na taxa de lucro, desenvolvimento
tecnológico, passagem para economias com setor de serviços mais forte,
financeirização da economia, etc) tais anos, juntamente as duas crises do petróleo,
seriam caracterizados por um período de baixo crescimento econômico e alta
inflação. Instalar-se-ia então um período em que os governos empreenderiam
ajustes estruturais na economia (cortar gastos públicos, aumentar juros, etc). No
Reino Unido e na Inglaterra, com Margaret Thatcher e Ronald Reagan, suceder-se-ia
a “revolução” neoliberal. Na Alemanha e na França, por outro lado, ao menos entre a
década de 70 e 90, esses ajustes seriam comparativamente mais moderados[119].

Assim, na França, a economia passara de taxas médias de crescimento de 5 para


2%. O desemprego, que permanecera abaixo dos 3 % nos Trinta Gloriosos, chegaria
a 10-12%[120]. No final dos anos 80 o setor industrial (de 37,8% em 1973 a 30,6% em
1985[121]) perderia em importância, para o setor de serviços (51,3% em 73 e 61,9%
em 1985[122]). A expansão do estado de bem-estar ficaria comprometida a partir de
então, com algumas exceções. A partir desse período haveria crescimento da
desigualdade de renda. Isso geraria, em meio a população, insatisfação com a
política, e que levaria à presidência o socialista François Mitterrand, nos anos 80, e,
posteriormente, aumentaria a popularidade do FN, como se verá. Além de tudo,
nessa década aumentaria a população a sensação de insegurança, não só
econômica, devido ao medo de terrorismo a percepção de que o crime havia
aumentado[123].

A Nova Ordem (Ordre Nouveau) e a pré-história do Front


National

O violento grupo extremista de direita “Ordre Nouveau”.

Contudo, mesmo com tais mudanças, o final dos 60 e os 70 seriam difíceis para a
extrema-direita. Mesmo em um tal ambiente, e inspirados pelo sucesso do partido
neofascista italiano MSI, membros de um grupo que unia direitistas fascistas e não
fascistas, uniram-se criando o Ordre Nouveau (ON), em 1969. A tentativa de superar
o faccionalismo era uma tarefa árdua, dado o histórico de brigas e dissidências
entre extremistas. A ON seria a primeira empresa de relativo sucesso nessa
empreitada. A ON era um movimento fascista, contando, inclusive, com uma seção
paramilitar, apesar de secreta.

Era um agremiado de colaboracionistas, antigos membros do poujadismo, ativistas


a favor da Algéria Francesa, militares extremistas, e neofascistas em geral, alguns
membros ilustres: Jean-François Galvaire, que se tornou líder da ON; François
Duprat, do Rivarol e Defense de l´Occident; membros da campanha de Tixier-
Vignancourt; Jean Marie le Pen, ex-deputado poujahdista e membro do FAF e Pierre
Clementi ( membro do governo de Pétain, entre 1940 e 44), entre outros.

Seu objetivo era combater a esquerda e realizar uma “revolução nacional” (ou seja,
instaurar um regime fascista), como expressava um documento do movimento:
“para fazer a revolução, é necessário um partido revolucionário (…). Um tal partido
não pode se conceber realizar uma luta em todos os níveis, sem que haja uma
participação em todas as atividades do país (…). Nenhuma forma de combate pode
ser negligenciada nem nas nas nem nas urnas (…). partido ideológico e e partido de
ação, o partido deve visar, igualmente, a se tornar um partido de massas”[124].

Seu congresso de constituição foi realizado em Paris, em 1970, no hotel Lutetia,


contando com 3000 pessoas[125]. Adotaram como símbolo a cruz céltica que, como
já mencionado, expressava a tradição da qual a ON se filiava.
Congresso do Ordre Nouveau, década de 70. Observar a cruz céltica no
cartaz.

O programa, por sua vez, escrito e adotado em 1972, afirmava-se como


“anticapitalista, antiliberal e antimarxista”, defendendo um regime presidencial forte
(isto é, autoritário), sendo a economia incentivada pelo Estado, com a finalidade de
ser uma terceira via na Europa. O programa, em suas próprias palavras, dizia se
apoiar “sobre a denúncia do capitalismo e do marxismo (…), sobre o desenvolvimento
do neopatriotismo, pois amar a pátria, é amar a Europa(…). [Ademais] nosso
patriotismo será a cimento do bloco ocidental contra o bolchevismo. [Além disso,
apoia-se sobre] a hierarquia de valores, pois é necessário a criação de uma nova elite
constituída pelos melhores e não pelos mais ricos (…); nós somos orgulhosos de
nossa tradição ocidental e sua defesa é o mais sagrado dos deveres. Nós cremos na
desigualdade entre os homens e na resistência dos melhores nos governos (…)”[126].

Em suma, o movimento almejava “fazer a revolução nacional”, suprimir a


democracia, transformá-la em um estado nacionalista, corporatista e autoritário,
dirigido por uma elite, cujas palavras de ordem seriam “Unidade, Dever e
Sacrifício”[127]. Além disso, a liderança da ON pensava ter achado um novo fator de
atração em favor do neofascismo: a rejeição a imigração[128]. O Front National
exploraria incessantemente tal demanda.

Em junho de 1971, a ON funda um jornal, Pour une Ordre Nouveau, e depois, um


jornal dirigido às universidades, o Jeune Ordre. Por fim, contava com uma estrutura
militar clandestina, o GIN, que atacava fisicamente a extrema-esquerda e também
era uma tentativa de sindicato fascista, a UGT[129].

Os eventos da ON eram constantemente enfrentados por ativistas da esquerda,


especialmente os comunistas: em 26 de fevereiro de 1970, p.e.x, uma reunião que
contaria com oradores do MSI e do partido neonazista alemão NPD, teve que ser
cancelada[130]. O movimento se expandiu além da região de Paris, inaugurando
seções em cidades como Calais, Saint-Etiènne, Lille, Marselha, Bordeaux[131].

No entanto, quanto aos resultados eleitorais, a ON pouco conseguiu. Em junho de


70, o candidato da ON na eleição municipal obteve somente 3%, e, em setembro,
0,5%. O melhor resultado foi em 1973, Pais-de-Calais, quando o candidato do
movimento se aliou aos gaullistas em uma lista eleitoral de centro, recebendo 22%
dos votos[132].

Em 1972, o líder da ON, Brigneau, e François Duprat chegaram a conclusão que era
necessário uma nova organização para ganhar votos. Daí nasceria o Front
National[133].

A Ordre Nouveau seria proibida em 1973, após embates nas ruas com movimentos
trotskystas. Mas, antes de procedermos até a história do FN, exporemos um pouco
a história da extrema-direita católica, influente nos meios extremistas na França.

Marcel Lefebvre (Tourcoing, 1905 — Martigny, 1991), o arcebispo


fundador da Fraternidade Sacerdotal de São Pio X.

O Catolicismo integrista e a extrema-direita religiosa

A corrente integrista do catolicismo manifestou-se com força entre os anos 70 e 80.


No início do século XX, uma rede secreta anti-modernista na igreja católica, sob o
nome de Sapinière, dirigida pelo Monsenhor Umberto Benigni, tinha como objetivo
ser uma “polícia” contra todas os desvios modernos; essa corrente também
influenciou o regime de Vichy. O abandono da fé, o liberalismo, e o progresso eram
vistos como fontes da “subversão”, tal como o comunismo[134].
Dessa corrente funda-se, entre outras, o La Cité Catolique, liderado por Jean Ousset.
O movimento tornou-se uma revista, Verbe, que objetivava ser um “orgão de
formação cívica pela contra-revolução”[135]. Marcel Lefebvre, o expoente da
extrema-direita religiosa e do qual falaremos agora, era um dos que fazia parte do
grupo do La Cité.

Opondo-se às deliberações do Concílio do Vaticano II, que Marcel Lefebvre


denunciava “o papa Paulo VI, a franco-maçonaria, a laicidade do estado e os inimigos
da realiza social de Cristo”[136], o prelado fundou a fraternidade sacerdotal São Pio X,
em Écone, na Suíça, conseguindo congregar milhares de pessoas.

Desse movimento contra-reformista católico, por exemplo, fundou-se, em 1976, o


comitê Solidariedade Cristã, cujo programa propunha ideias que são muito
influentes hoje em comunidades católicas de direita. O programa propunha
“defender a família” pela “recusa do aborto e da pornografia” além do respeito a
identidade nacional francesa, supressão da representação sindical,
reestabelecimento da pena de morte na França (após 1981), etc[137].

Em 1976, Lebfevre é suspenso a divinis (proibido de celebrar missas e conferir


sacramentos) pela ordenação ilícita de quinze padres[138].

Lebfreve defendia a “tradição” católica, expressão que para o prelado significava


algumas coisas específicas: que a liturgia católica fora fixada no século XVI, a
batina(vestimenta), no século XVII e a doutrina social da igreja, no século XIX[139]. A
verdade da igreja era imutável e não podia ser posta em questão.

As simpatias políticas de Lebfevre eram coerentes com sua ideologia: Salazar,


Franco e Pinochet eram objetos de deferência por sua parte, tal como Le Pen,
presidente do FN, com quem estava “plenamente de acordo”[140] com suas
posições que “defendiam a lei de Deus”[141]. Em suma, o integrismo era oposto à
reforma litúrgica, ao ecumenismo, à liberdade religiosa e tudo aquilo que a igreja
adaptara do mundo moderno[142].

Lebéfvre tornou-se então líder dos católicos integristas, que, desde o Vaticano II,
consideravam viver em “uma igreja ocupada” resultado “da subversão marxista no
seio da igreja católica”[143]. Contudo, ao ordenar quatro bispos em 1988, Lebfévre
seria excomungado da igreja. Uma parte do movimento se juntaria ao prelado na
cisma. Uma outra parte, a fraternidade Saint-Pèrre, permaneceria na igreja. Morreria
poucos anos depois, em 1991.

A cisma deixou cicatrizes na instituição. Com o papa Bento XVI, tentou-se uma
reaproximação com os integristas: O Vaticano declarou-se aberto aos lebfevristas.
A autorização, pelo papa, em 2007, de se celebrar missas em latim foi um dos sinais
que mostravam tal tentativa de acolhimento. Em 2009, os quatro bispos
excomungados em 1988 foram readmitidos[144].

O Front National
A Fundação (1972-3)
Sede da Front National (1978): François Duprat de pé, ao centro; a flama
tricolor à direita e Jean-Marie Le Pen no canto à esquerda.

Da ON se formou o Front Nacional (FN). Na verdade, mais especificamente, foi


idealizado por François Duprat, antigo membro da OAS, teórico do neofascismo
francês, negacionista do holocausto e antissemita. Em 1971, como há pouco
mencionamos, ele afirmava ser necessário um partido que permitisse “alargar a
audiência” da extrema-direita[145].

Para tanto, necessitava-se de uma figura que pudesse tornar o partido mais
respeitável. Jean-Marie le Pen foi o escolhido para essa tarefa. Antigo deputado
poujahdista, paraquedista que lutara na guerra da Argélia e secretário-geral da
campanha de Tixier-Vigancourt, ele era a figura mais indicada para liderar a nova
agremiação. No entanto, Le Pen não era uma personalidade completamente
imaculada: em 1963, fundara a SERP (Sociedade de Estudos e Relações Públicas),
que publicou, dentre outras coisas, LPs de músicas nazistas. Além disso Le Pen
seria acusado posteriormente de ter praticado tortura durante a guerra da
Algéria[146].
O FN foi criado, em 5 de outubro de 1972, desse modo, como uma tentativa de se
inserir na ordem política da nova república, tal como fizera o MSI, na Itália[147]. Até o
logo do Movimento Social Italiano foi copiado, a flama tricolor.

Tal como a ON, o FN era um partido de tendências: colaboracionistas, petanista, ex-


membros da OAS, católicos tradicionalistas, até mesmo realistas[148].

O programa inicial do FN era moderado, em comparação aos objetivos


explicitamente fascistas da ON. Defendia-se, por exemplo, utilizando um tom mais
moderado, “um estado forte por uma França livre e fraternal, capaz de fazer
respeitar suas leis para defender os franceses da ameaça exterior e da
subversão”[149].

Os militantes mais radicais foram impedidos de empreenderem ações violentas. Em


1973, Jean-Marie le Pen consegue superar os 5% em Paris. Mas os outros
candidatos do partido não superam 0,5%. Isso já gerava muito atrito em um partido
relativamente novo. Com a dissolução da ON em 1973, Le Pen vai adquirindo um
controle cada vez maior dentro da agremiação.

A travessia do deserto (1973-83)[150]

O período que vai até 1983 é nomeado por militantes históricos do partido de
“travessia do deserto”, dado as imensas dificuldades impostas naquele tempo[151].
Além disso, partido era dominado ainda por radicais que foram atraídos por
François Duprat. Neofascistas dos Grupos Nacionalistas Revolucionários e os
neonazistas da FANE são grupos que representavam bem quem integrava o partido
de então[152]. Mesmo que houvesse outras tendências, o partido, à época, pode ser
caracterizado como neofascista[153].

Inicialmente, tal como a Ordre Nouveau, obtiveram resultados pífios: em 1974,


receberam 0,7 % dos votos nas eleições presidenciais. Para piorar, o FN sofrera
concorrência do Parti de Force Nouvelles (Partido de Forças Novas — PFN), cujo
líder era Brigneau, um dos dirigentes da ON. Essa disputa na extrema-direita
estendeu-se além do palanque eleitoral: em 1976, a casa de le Pen seria alvo de um
atentado, e François Duprat foi morto em 1978 — apesar de não haver evidências
sobre o autor de ambos crimes[154].

Em 1978, o desempenho piorara: 0,28% nas eleições para o legislativo. Essa


performance eleitoral medíocre se arrastaria por mais alguns anos, a tal ponto que,
em 1981, Le Pen não concorreu sob o signo do FN, mas sob o nome “comitê Le
Pen”[155], e os candidatos a deputado concorreram sob a insígnia RLP (Liga dos
Libertados para a Pátria)[156].

Não obstante, a situação no país mudaria de figura no final dos anos 70. O
crescimento econômico se reduziu, a inflação e o desemprego aumentaram, assim
como as desigualdades sociais[157]. Mas o FN, ainda mal estruturado, pouco
conseguira se aproveitar dessas condições: nas eleições de 1983, pôde obter com
J. M. le Pen 11,3% dos votos, no XX Arrondissement, bairro de Paris[158]. No entanto,
mudanças estruturais na sociedade francesa a partir da década de 70, que pudemos
delinear acima, contribuiriam para criar o ambiente propício ao crescimento do
partido.

A França e suas mutações na década de 80 e a


ascensão eleitoral do FN (1984-1990)
A partir de 1981 os franceses viveriam um período de decepção com o governo
socialista de François Mitterand (1981 a 1988). Apoiado pelo Partido Comunista
Francês, prometera amplas reformas, mas entregou políticas de austeridade.

Pela primeira vez desde o início da Quinta república, os socialistas governariam em


coalizão com os comunistas. O aumento do desemprego e a ameaça aos padrões
de vida conquistados no pós-guerra contribuíram para que Miterrand ganhasse com
51.7% dos votos[159].

O programa de Mitterand tinha prometido amplas reformas, que foram, de fato, ao


menos no início, implementadas: aumento de impostos sobre os mais ricos,
aumento de 10% no salário mínimo, criação de 55.000 empregos no setor público,
além de maior descentralização política e da ampliação da democracia em nível
local[160].

Além disso, promoveu-se a nacionalização de certos setores na economia: a


participação do Estado no produto industrial passou de 16% para 30%, e a
proporção de trabalhadores em empresas públicas passou de 11% para quase 25%
da força de trabalho[161]. O governo expandiu direitos sociais: a semana de trabalho
diminui para 39 horas e foi garantido o pagamento de uma quinta semana de férias
remuneradas[162]. A maior promessa dos socialistas, contida em seu programa
radical e encorajada pelo próprio Miterrand, foi a ilusão de um rompimento com
capitalismo[163].

No entanto, devido às condições internacionais adversas, que provocaram a


desvalorização do franco, e às medidas acima descritas, o país viu-se em uma
situação de aumento significativo da inflação. O governo socialista teve então que
implementar medidas de austeridade. Congelou salários e preços entre julho e
novembro de 1982. A indexação do salário à inflação foi abolida. Aumentaram os
juros. Um programa de privatizações foi iniciado, contemplando indústrias navais,
de carvão e aço. Em 1985 a inflação cairia para 5 %, mas o desemprego
permaneceria acima de 10%[164]. A partir de então, as desigualdades de renda e
propriedade[165] também se acentuariam.

O estelionato eleitoral dos socialistas e comunistas provar-se-ia catastrófico para a


esquerda por muitos anos. Além disso, a ala esquerda dos socialistas, comunistas e
sindicatos criticaram seriamente tais medidas. O neoliberalismo envergonhado de
Mitterand tornou-se muito impopular, o que contribuiu para retirar a força eleitoral
da esquerda no geral- já nas eleições de 1982, perdeu-se 7% dos votos em relação a
1976[166].

Por outro lado, houve também progressos em direitos civis, desde a década de 70,
como legalização do aborto e autorização de venda de contraceptivos (isso em
meio ao governo de direita de Giscard d´Estaing) e a abolição da pena de morte[167].
Os avanços nos direitos civis e também o aumento das reivindicações de direitos de
mulheres, gays, antimanicomial provocariam uma reação de setores mais
reacionários[168], que se refletiu no discurso do FN, em especial na sua defesa da
“família” e da “tradição”.

Ademais, o aumento da criminalidade (e de sua percepção pelo público), da


insegurança e da imigração, que eram temas de preferência do FN, foram pautados
pela direita gaullista nas eleições de 80, o que contribuiu para criar o ambiente de
legitimação do discurso da direita extrema. Além disso, a UDF e o RPR, partidos
gaullistas, empreenderam uma campanha de demonização da esquerda, através do
discurso contra a “marxização da sociedade francesa”[169]; ou seja, antes de ganhar
os votos, “a extrema-direita ganhou os espíritos”[170].

Tomado tais fatores em conjunto[171], pode-se compreender com mais facilidade a


expansão eleitoral do Front.

Assim o FN obtém suas primeiras grandes vitórias. Em janeiro de 1984, pela


primeira vez desde a fundação do partido, Le Pen tem seu nome incluso na
pesquisa Figaro-Sofres, que media a popularidade dos políticos e partidos. Em
março, Le Pen é convidado ao programa “A Hora da Verdade”, que aumentou
significativamente a sua exposição midiática e tornou-o amplamente conhecido no
país.
Cartaz do Front National, anos 80.

Por fim, em junho do mesmo ano, nas eleições europeias, O Front National obtém
11,2% dos votos (mais de 2 milhões de votos). Ao contrário do Poujahdismo, que
tivera sua base eleitoral em pequenas cidades e no campo, o voto do FN vinha de
regiões metropolitanas maiores (mas que, incrivelmente, oriundas de locais com
poucos imigrantes — a “a ameaça da imigração” era mais um fantasma do que um
medo real[172]). Seus melhores resultados estavam entre as classes mais
abastadas e mais instruídas, industriais e grandes comerciantes, além de membros
da classe média e católicos praticantes[173]. Por fim, devemos mencionar que
muitos do ex-colonos franceses que fugiram da Algéria também votaram no FN[174].

Com essa organização, o Front National pode também, em março de 1986,


conquistar quase 10% dos votos e adentrar na Assembléia Nacional[175] e, nas
eleições presidenciais de 1988, Jean Marie le Pen chegaria a 14,4% dos votos[176].
Entre pequenos comerciantes e artesãos, Le Pen vê seu percentual aumentar,
refletindo a situação em que tais estratos se encontravam[177].

Nem mesmo as declarações revisionistas de Le Pen em 1987, ao dizer que as


câmaras de gás dos nazistas foram “um detalhe” na história[178] puderam retirar
seus votos. Reproduzimos aqui ipsis litteris o que disse: “sou apaixonado pela
história da segunda guerra mundial. Eu me faço um certo número de questões. Eu
não disse que as câmaras de gás não existiram. Eu mesmo não as pude ver. Eu não
estudei a questão em detalhe. Mas eu creio que é um detalhe na história da segunda
guerra mundial”[179].

Esse discurso de Le Pen não é algo fortuito: de um lado, tenta amenizar sua retórica,
para que o partido se torne mais respeitável, por outro, declarações desse tipo,
servem para incitar seus apoiadores mais radicais. Essa duplicidade provoca
também tensões dentro do partido, mas permitem atrair a atenção das mídias e
justificar a existência do partido no âmbito eleitoral, atraindo os eleitores mais
radicais[180].

O discurso e a ideologia frontistas

“Família tradicional fascista” — Le Pen, sua esposa e filhas. Marie Le


Pen, sua sucessora, está sentada à esquerda.

Mas o que defendia tal agremiação? A ideologia do FN era sincrética, constituída


por um amálgama de ideias das diversas formações de extrema-direita
francesas[181]: de Charles Maurras, do tradicionalismo católico, da tradição
contrarrevolucionária (como Joseph de Maistre) e do fascismo francês dos anos 20
– 30. Resumidamente era baseada na defesa do estado forte e da “lei e da ordem”,
do ultranacionalismo, da anti-imigração, do anticomunismo e na proteção aos
“valores tradicionais”[182]; mas por outro lado, na década de 80, Le pen era afeito às
ideias privatistas e neoliberais de Thatcher e Reagan, como a defesa do Estado
mínimo, privatizações e menos burocracia, tudo isso envolvido em uma forte
retórica “anti-sistema”.

A herança contrarrevolucionária é peculiarmente forte, já que o FN, na contramão da


direita francesa, era contra a herança de 1789: “a ideologia dos pretensos direitos
dos homens, herdeiros de 1789, é responsável, como o Iluminismo, pela decadência
da nação francesa”[183].

Mais detalhadamente, o “lepenismo” era a defesa de uma “identidade popular” — a


nação francesa e o povo eram redefinidos etnicamente (de preferência, brancos)
[184] — que se opunha ao igualitarismo e às “oligarquias existente”, a vontade de se
construir uma elite, exaltação da vitalidade e da virilidade (do patriarcado), o anti-
intelectualismo, a preocupação com um Estado forte, mas que mantivesse somente
as funções essências para a vida nacional e possibilitasse à família escolher os
caminhos que quisesse. Um discurso essencialmente simples que responderia às
múltiplas inseguranças (econômicas, sociais, etc) do eleitorado francês[185].

Além do culto ao chefe, os mitos do FN eram estruturados em torno da


preocupação obsessiva com a “decadência” e desagregação do tecido nacional,
responsabilidade da “oligarquia cosmopolita”, “dos homossexuais com AIDS”, e dos
“inassimiláveis” (estrangeiros e de outras etnias) e, por fim, a necessidade de uma
“verdadeira revolução francesa”[186]. Pode-se concluir então que o FN era um
partido neofascista ou criptofascista ( cripto pois ele tenta esconder seu caráter
fascista na adesão aos princípios da democracia lieberal e da rejeição, ao menos
pública, do fascismo clássico- entendendo o fascismo clássico não só o Fascismo
italiano, mas todos os movimentos e regimes fascistas das décadas de 20 e 30.

Por outro lado, o discurso devia ser atenuado, para que pudesse ser mais palatável
ao público em geral. Bruno Mégret e Jean-Yves Gallous, membros do Club d
´Horloge, ligado ao GRECE, foram particularmente influentes nessa questão. Para
que a xenofobia e o racismo fossem disfarçados, termos como “preferência
nacional” são introduzidos no léxico de Le Pen e políticos de FN. Esse termo em
particular significa privilegiar os franceses em detrimento aos estrangeiros.
Simplesmente é a versão depurada do slogan fascistizante do “A França aos
franceses”. Em suma, “tornar aceitável propostas que são consideradas
inaceitáveis”[187].

A tentativa de conquista do poder e a cisão (1990–


1998)
A partir desses sucessos eleitorais e das contínuas declarações antissemitas de Le
Pen, a direita francesa opôs-se a qualquer possibilidade de coligação com o FN.

Ademais, em 1990, e o roubo de túmulos do mais antigo cemitério francês leva a


protestos de militantes antirracistas; tudo isso, além do apoio a Saddam Hussein na
guerra primeira guerra do Golfo, resulta na queda da popularidade de Le pen e do
FN.

No entanto, isso seria breve. A contínua crise social na França, além dos problemas
do partido socialista e da direita gaullista, conduz a um mal-estar generalizado com
a democracia, com os partidos e com os políticos. Nesse mesmo ano, 45% dos
franceses afirmam que a democracia não funciona bem e que, em regra geral, 55%
dos eleitos são geralmente corruptos[188]. A entrada de imigrantes agora se tornara
um problema central para os eleitores, tanto é que Jacques Chirac, então
presidente, afirmara que a sociedade francesa sofria de “overdose de
imigração”[189]. Por tais razões, a popularidade de Le Pen alcança níveis elevados:
32% do público disse estar de acordo com suas ideias, em uma sondagem de
1992[190].

O plano do FN agora, portanto, era a conquista do poder. Estabelecida no congresso


de Nilza, em 1990, que fora, pela primeira vez, uma reunião partidária composta por
delegados, a profissionalização do partido foi feita então de várias formas. Bruno
Megret, à frente da delegação geral, reorganiza o partido em três áreas:
comunicação, estudos e formação. O partido é reestruturado em secretariados, que
se ocupam de setores específicos- finanças, eleições, etc[191].

Tal como o partido comunista na década de 50, o FN, dada a reorganização feita,
propagou-se pela sociedade, formando uma grande estrutura que penetrava grande
parte das esferas do tecido social francês, com várias organizações de base — além
de possuir um jornal próprio, o National Hebdo. Podemos citar alguns: o FN da
juventude (organização fundada em 1974), cujo objetivo era formar quadros no
meio universitário e no ensino médio; a Federação Nacional da Empresa Moderna,
que visava unificar e congregar empresários em volta do partido; o Círculo nacional
de Combatentes, que “tinha por objeto a promoção do ideal patriótico e da defesa
material e moral de antigos combatentes que se reconhecessem nos valores do
FN”[192]. Além desses, muitas outras associações poderiam ser aqui mencionadas
como Front Ecológica (meio ambiente), a Aliança contra o Racismo, o Centro
Nacional de Táxis, etc[193].

Ademais, o FN cria uma estratégia para fortalecer e consolidar suas posições:


forma grupos parlamentares, um Conselho Científico e publica muitas brochuras
detalhando suas propostas, como as “50 medidas concretas para a imigração” em
1991 ou, em 1993, as 300 medidas para o renascimento da França”[194].

Manifestação de extrema-direita, em Montpellier (1990): “Pena de morte


aos assassinos de crianças.

A estratégia, além de tudo, agora seria de se contrapor ao poder dos socialistas-


tentar-se-ia então re-pautar o debate nacional, isto é: ao invés de centrar no conflito
econômico, como fazia o PS, o FN agora empreende a luta ideológica pela
“identidade nacional”[195]. Além disso, o partido expande seus temas, como propor
medidas sobre o meio-ambiente e realiza uma inflexão em sua plataforma
econômica: uma vez que o socialismo real entrara em colapso, o partido poderia
adotar o slogan “o social sem o socialismo”, defendendo políticas protecionistas e
contra a globalização, deixando de lado algumas posições neoliberais[196] (contudo,
a virada anti-neoliberal completar-se-á somente em 2012). Essa posição
antiglobalização também mirava a UE: com o tratado de Maastrich, em 1992, a
integração europeia tornou-se alvo preferencial das diatribes do partido.

Por tais motivos, o restante da década seria frutífera para o Front National: 13,8%
nas eleições regionais de 1992 (4 pontos a mais que 1986); 12,4% nas eleições
legislativas de 1993[197]. Em 1995, o FN obteria 15 % dos votos, pouco mais de 4,5
milhões, dentre os quais em bairros da classe operária (20 % dos votos em algumas
dessas regiões), retirando votos do Partido Comunista Francês e entre
desempregados[198].

Nesse ano, o FN pode assumir o controle de quatro cidades: Vitrollès, Marigane,


Orange e Toulon. Aqui o partido pode mostrar sua real face atrás de sua defesa da
nação e “valores tradicionais”: nepotismo, clientelismo e corrupção eram comuns.
Na cidade de Vitrolles, por exemplo, cortou-se gastos do município, mas não para os
dirigentes do FN: spa, perfumes, charutos e 33 carros de cortesia foram comprados
nesse período para os membros do partido.

Além disso, algumas medidas simbólicas anti-esquerda foram tomadas, como a


renomeação de ruas (em Vitrolle, renomeou-se a Avenida Salvador Allende para
Avenida Madre Teresa, p.e.x); ademais, medidas de censura foram impostas a
livrarias: jornais como Le Monde e Liberation foram substituídos por publicações de
extrema-direita como Identité, Present, Éléments (do GRECE) e livros de fascistas
como Robert Brasilac e Julius Evola também foram impostos aos livreiros[199].

Mesmo assim, o FN colheria resultados semelhantes na eleição legislativa de


1997(14,9%). O voto no Front National era, em grande parte, ideologicamente
motivado: 67% dos eleitores do partido indicavam que haviam votado devido à
preocupação com a imigração e 65% estavam preocupados com a segurança[200].
Em 1998, o FN se regozijaria com seus resultados nas eleições municipais: 15,3%
dos votos, o maior percentual desde a criação do partido.

No entanto, o FN é percebido pela maior parte da população como um perigo: em


pesquisas realizadas pelo Instituto Sofres, 73% em 1994 consideravam-no como
um perigo à democracia e 85% como um partido sectário[201]. Além disso, o FN não
era aceito como um partido capaz de governar: em 1993, 84% não apoiavam que le
Pen se tornasse ministro e 53% julgavam que o partido não estava apto a
governar[202].

O que explica a manutenção do crescimento do partido? Podemos aventar algumas


hipóteses: a desilusão com a esquerda no poder nos anos 80 e o fim da URSS,
como polo oposto ao mundo capitalista, foram, certamente, forças que abalaram a
credibilidade, tanto do partido socialista quanto do partido comunista. Ambos
perderam força na década de 90. Tanto é que o FN angariou muitos votos de
operários em 1995, como dito. Prova disso é seu desempenho eleitoral: em 1997,
por exemplo, os socialistas receberam somente 25.7% dos votos e os comunistas,
9.9%. A economia no geral, crescia a taxas menores, mas, excetuando o ano de
1993, não houve recessão[203]. O desemprego, por outro lado, permaneceu alto —
acima de 9 % durante a década de 90[204] — o que pôde explicar também o eventual
apoio de desempregados ao FN.

No entanto, há outro motivo: o FN pôde pautar o debate e sua rejeição à imigração e


aos imigrantes era um fator pelo qual muitos eleitores escolhiam o FN. Como
mencionado, 67% escolheram a agremiação pela preocupação com a imigração;
isso é explicado pelo preconceito: o racismo é endêmico na França — em 1999, 68%
reconheciam ter tendências racistas[205]. A preocupação com a segurança e pautas
de Lei e Ordem também continuaram influentes, o que ajudou o FN.
O sucesso, contudo, não gerou somente bons resultados. Por ambições e projetos
diferentes, além da tentativa de Le Pen de marginalizar a dissidência interna, o FN
sofre em 1999 seu primeiro cisma: Megret pretendia, para chegar ao poder, realizar
alianças com a direita tradicional. Para tanto, mudanças programáticas tornar-se-
iam necessárias. Para Le Pen, por outro lado, qualquer concessão em termos do
programa do partido era inaceitável.

Além disso, outro problema que se desenvolveu foi o crescente questionamento em


torno da liderança de Le Pen. Ademais, tanto seu comportamento agressivo perante
alguns membros do partido, quanto declarações que desgastavam a imagem do FN,
incomodava muitos militantes[206]. Em contrapartida, Bruno Mégret parecia ocupar
posições cada vez mais importantes dentro da agremiação: em fevereiro de 1997,
sua esposa se torna prefeita de Vitrolles e, em março do mesmo ano, ele é eleito
para o comitê central do partido. Enfim, as disputas e divergências entre Bruno
Mégret e Le Pen tornavam-se ainda mais pessoais[207].

Declínio e disputas internas (1998–2011)


Assim, em janeiro de 1999, Mégret e grande parte dos eleitos e do aparato do
partido deixam o FN para trás e criam o MNR (Movimento Nacional Republicano). O
FN perdera 141 de 273 conselheiros regionais, 500 de 1249 conselheiros
municipais, 2 prefeitos entre 4 eleitos pelo partido, 3 de 8 conselheiros nacionais, 3
de 13 deputados no parlamento europeu e 40 % de inscritos[208]. Na primeira eleição
pós-rompimento, o FN amarga seu primeiro grande recuo nas urnas: 5,7 % nas
eleições europeias de 1999 (o MNR recebe 3,3%)[209]. Nas eleições subsequente até
2002, Le Pen e o FN perderiam ainda mais espaço no campo político nacional.

No entanto, em 2002, Le pen ganha 16,9% dos votos e pode chegar ao segundo
turno, sendo derrotado por uma aliança entre socialistas e os conservadores
gaullistas. Após tal período de refluxo, o que aconteceu para que o FN ganhasse
novamente tantos votos? Le Pen pode, novamente, se postar como defensor de
reinvindicações sociais que não haviam desaparecido da França (insegurança
econômica, medo do crime e imigração). Os atentados de 11 de setembro e a onda
anti-islã também proporcionaram a Le Pen a situação ideal para proferir diatribes
racistas que encontravam eco em meio a sociedade francesa[210]. Além disso, o
carisma de Le Pen ajudou-o a recuperar votos.
Após esse breve surto de apoio, o FN sofreu um declínio eleitoral. A razão disso fora
a ascensão de Nicolas Sarkozy à direção do partido de centro-direita (UMP).
Utilizando-se de uma retórica parecido com a de Le Pen e apropriando-se do
discurso anti-imigração e securitário do Front National, a UMP pode vencer em
2007, capturando para si o apoio antes dado aos extremistas. Le Pen obteria
somente 4,3% dos votos, o pior resultado desde a década de 80[211].

Outro motivo para o declínio foram as dificuldade financeiras: nos anos 2000,
perdeu 2/3 do seu financiamento público e chegou a dever 9 milhões de euros,
obrigando o partido a demitir funcionários e vender propriedades[212]. Além das
dificuldades financeiras, os problemas internos aumentavam exponencialmente. A
questão da sucessão de Le Pen tomava corpo. Formaram-se então dois campos
divergentes[213]: o primeiro, composto de membros históricos com Jacques
Bompard, prefeito de Orange e Bernard Anthony; o segundo, que tinha a frente a
filha de Le Pen, Marine.

Marion Anne Perrine Le Pen, mais conhecida como Marine Le Pen, já ocupava
cargos importantes dentro do partido, como conselheira regional em Pas-de-Calais
e recebia bastante atenção midiática, além de presidir a seção de juventude do FN.
As hostilidades entre os grupos cresciam a cada dia, de tal modo que se montou
uma operação para enfraquecê-la, apresentando-a como alguém “manipulada pelas
mídias para dividir o FN”[214], criticando sua estratégia de des-demonização, etc. Por
outro lado, Jean Marie le Pen dá suporte à filha, opondo-se aos seus inimigos no
partido. A disputa foi travada, então, entre Marine le Pen e Bruno Gollnisch, um
neofascista que foi condenado por declarações as quais questionavam a existência
do Holocausto[215]. Marine, seria, por fim, a vencedora da batalha intrapartidária.

No entanto, apesar de todos os contratempos, os efeitos contínuos da crise


econômica de 2008 e a insatisfação com o governo Sarkozy (mesmo tendo tal
governo propostos políticas dignas do programa partidário do FN, como o
banimento da Burca, em 2010, e a intensificação do discurso anti-imigração[216])
proporcionaram uma leve recuperação ao FN: 6,3% nas eleições europeia de 2009 e
11,4% nas regionais de 2010. No geral, á nas regiões norte e sul do país onde o FN
tem suas melhores performances[217].

O Renascimento sob Marine Le Pen e a tentativa de


conquista do Poder (2011–…)

Marie Le Pen em um comício nas eleições de 2017 para primeiro


ministro da França. Fonte: Reuters
Tendo vencido a disputa, Marine le Pen empreendeu a estratégia da des-
demonização do FN. Ela consistiu em três partes: a primeira foi tentar eliminar (ou
restringir) elementos neonazistas e extremistas do partido, como também
proibir[218] qualquer manifestação intrapartidária de antissemitismo, negacionismo
do holocausto, etc. Marine, em 2012, condenou o nazismo como “uma abominação
e o apogeu da barbárie”[219]. Seu próprio pai foi expulso após declarações
antissemitas e negacionistas em 2015[220].

Contudo, Marine faz declarações que mostram seu posicionamento dentro do


partido: ela afirma ser contra o casamento homossexual, que a questão da
“preferência nacional” estava mantida no seio do partido, e conclui que “o FN não
mudará sua natureza”[221].

A segunda foi retraduzir a questão anti-imigração e anti-islã, que era propagada[222]


anteriormente pelo FN como um fator que ameaçava a identidade cultural francesa,
para uma questão de defesa da laicidade, do secularismo e da república francesa —
Marine le Pen declararia em 2010 que defendia, acima de tudo, valores
republicanos[223].

A terceira e última estratégia foi tentar se mostrar como uma alternativa crível e
responsável aos outros partidos franceses. O Burocrata Florian Phillipot, apontado
como diretor de campanha em 2011, apontava nessa direção[224].

Mesmo com tal mudança, o programa partidário, por um lado, ainda defende a
repatriação de imigrantes ilegais, o fim da imigração ilegal, a oposição a construção
de mesquitas, rebaixar a maioridade penal para 13 anos, mais poder a polícia, saída
da UE, imposição de disciplina e “autoridade” nas escolas, etc. Por outro lado, a
estratégia acima descrita levou o partido a rejeitar antigas propostas como controle
sanitário nas fronteiras para o combate contra a AIDS ou aumento de poderes à
polícia agir contra imigrantes[225].

Por fim, quanto às políticas propostas pelo FN, desde que Marine le Pen assumiu o
controle do partido, a defesa de propostas neoliberais foi deixada de lado pelo foco
em políticas keynesianas e defesa do estado do bem-estar social para os
“franceses” (não imigrantes). A nova agenda econômica do FN advoga políticas
como aumento do poder de compra da população, controle de preços, imposto
maior para os mais ricos; ao mesmo tempo crítica a globalização e propõe políticas
de proteção a empresas francesas[226]. Por outro lado, há ainda a presença de
elementos neoliberais, como a crítica a sindicatos e ao “assistencialismo”[227].

Essas mudanças geraram resultados. A gap de gênero daqueles que votavam no FN


deixou de existir, isto é, hoje tanto mulheres quanto homens, em proporção
semelhante, votam no partido — como também de jovens (em 2012, 26% dos
adultos entre 28 e 26 votaram no partido[228]). Ademais, pesquisas de união revelam
que as ideias do FN têm grande aceitação entre o público francês: a maior parte dos
franceses tem opiniões negativas sobre o islã e 67% consideram que há muitos
estrangeiros no país; por fim, 52% defendem o retorno da pena de morte( abolida
em 1981)[229].

Os frutos colhidos pelo FN deram-se também eleitoralmente: na eleição presidencial


de 2012, Marine recebeu 17,9% no primeiro turno — 7,5% a mais que em 2007. Já
nas eleições europeias de 2014, o partido obteve quase 25% dos votos; no primeiro
turno das eleições regionais de 2015, alcançou quase 28% dos votos. O ápice deu-
se na eleição de 2017: Marine le Pen obteve 21.03% no primeiro e conseguiu
impressionantes 33.94% dos votos válidos no segundo turno[230]. Em 2018, o
partido decidiu mudar de nome, para Rassemblement National, como uma tentativa
de atrair mais eleitores[231].

Apesar das mudanças, houve realmente transformação na matiz política do partido?


Para Alexandre Dézè, especialista na história do FN, o programa do Front National
não mudou em seus fundamentos. A crítica antissistema, a defesa da preferência
nacional e a “nação”, a rejeição à União Europeia, a ideia de decadência pela qual a
sociedade francesa passa, o discurso anti-imigrantes, racista e xenofóbico, a
denúncia da insegurança e do desemprego e sua “relação” com a imigração, a
condenação do “globalismo” e da “globalização”, a ideia da necessidade do
restabelecimento da lei e ordem e da soberania popular permanecem[232].

Ora, se não houve mudança real, mas suavização do discurso, o partido permanece
um partido neofascista que não se revela, explicitamente, como tal: isto é,
criptofascista. Por outro lado, alguns cientistas políticos, como Cas Muddle,
classificam o Front National, ao menos desde 2007, como partido de direita radical
(Radical Right Parties)[233]. Obviamente, o FN permanece no espectro da extrema-
direita, mas sua orientação política (neofascista, direita radical, nacional populismo,
etc) dentro desse espectro ainda é objeto de controvérsias.

O FN e seus laços internacionais


O FN coopera com partidos de direita radical e neofascistas no parlamento europeu.
Junto ao FPÖ na Áustria, a Lega Nord na Itália, o PVV de G. Wilders na Holanda, o
Front National forma o EPL, Europa das Nações e das Liberdades. Marine Le Pen
tem boas relações com Georgia Mellone, líder do sucessor do neo-fascista MSI/NA,
o Fratelli d´Italia, e com antigos deputados daquela agremiação234.

Além disso, tal como muitos partidos de extrema-direita na Europa, há intensa


cooperação com a Rússia de Vladimir Putin. Prova disso é a presença de Andrei
Issaiev, membro do partido de Putin, Rússia unida, no congresso do FN novembro
de 2014. Nesse evento, Andrei relembrou a “amizade histórica” da Rússia e da
França, criticou a União Européia e as sanções comerciais que então foram
impostas a seu país.[235] Ademais, Marine le Pen visita a Rússia com frequência,
assim como sua sobrinha, Marion Marechal Le Pen, figura ligada ao extremismo
católico.[236] Para Marine le Pen, a Rússia e Putin, com suas pretensões imperiais e
imbuída de xenofobia, são modelos a serem seguidos.[237]

Há fortes evidências de financiamento externo do partido pela Rússia: em 2014 o


First Czechean-Russian Bank emprestou 9 milhões de euro à agremiação.[238] Tal
empréstimo não poderia ser feito sem o aval do Kremlin. A divulgação na mídia
francesa de milhares mensagens de texto de um burocrata russo atesta que a
Rússia Unida não só forneceu dinheiro ao partido como também pagou sites com
viés pró-FN.[239]

Causas do Sucesso do FN com Marine le Pen


Quais são os motivos para tamanho sucesso do FN? O descontentamento com a
política tradicional, com a União Europeia e o fato da imigração — tema muito
promovido pelo FN — ter se tornado um problema nacional, explicam essa ascensão
da extrema-direita francesa (como em todo os países do oeste europeu).[240] O
racismo, a xenofobia (anti-islã e também antissemitismo) também são sentimentos
que infectam grande parte da população francesa e são amplamente explorados
pelo Front National. Tais temas são caros aos eleitores do partido: 80% destes são
contrários à imigração.[241]

Outra importante causa na ascensão do FN é a naturalização de seus discurso e


normalização da imagem do partido, realizada pela mídia e por outros atores
políticos, em especial a direita tradicional. A atenção desproporcional dada a Marine
le Pen e ao FN é inversamente proporcional a sua importância[242]. Por exemplo, o
jornal conservador Le Figaro, em manchete de 26 de maio de 2014, de modo
hiperbólico, dizia que o FN tinha se tornado “o primeiro partido da França”, dado
seus resultados nas eleições locais. O recurso às matérias não-políticas, que
exploram a “lado humano” de Marine le Pen, como sua vida privada, também são
fortes recursos de normalização da imagem do Front National[243].

Ademais, a percepção pelo eleitorado de que não há alternativa entre os partidos


tradicionais (PS e a UMP) foi reforçada pois as políticas econômicas do governo
François Hollande foram muito similares às de Nicolas Sarkozy, como medidas de
austeridade, “reformas estruturais”, combate às leis trabalhistas, etc.[244] Essas
medidas neoliberais têm grande impacto sobre os operários, como o
enfraquecimento dos sindicatos, dos quais, em 2014, somente 8% da força de
trabalho é membro[245] — o que, como vimos são justamente aquela fração do
eleitorado que migrou do PCF para o FN.[246]

Devemos também mencionar as mudanças na estrutura econômica da sociedade


francesa, isto é, desindustrialização e passagem para uma economia centrada em
serviços[247], juntamente às já mencionadas reformas neoliberais, produziram tanto
maior desemprego — maior entre os jovens (22.3% em 2017[248]) — quanto mais
trabalhos precarizados e com menor remuneração (somente 13% dos adultos, em
2010, por exemplo, estavam empregados no setor industrial, ao passo que 44% no
de serviços[249]). Por fim, além de tudo, a desigualdade de renda também aumentou.
[250] Tudo isso promove um grau de insatisfação nos setores médios e na classe
trabalhadora, a qual explodiu recentemente na manifestação dos Gilets Jaunes. O
FN tem atraído setores precarizados, em especial mulheres e jovens.[251]

Além disso, a virada “à esquerda” na economia do FN, como descrevemos acima,


por outro lado, ajuda a atrair eleitores que buscam alternativa à falta de opções
entre os partidos da ordem. Nas eleições de 2017, no entanto, a esquerda liderada
por Jean-Luc Mélenchon, a Françe Insoumise ( França Insubmissa) com sua
proposta de superação da quinta república e introdução de verdadeiras reformas
estruturais[252] (democracia participativa, economia verde, revogação das reformas
trabalhistas neoliberais, imposição de limites ao mercado financeiro e rejeição a
tratados de livre-comércio) pode , pela primeira vez, desde a década de 80, fornecer
uma alternativa radical pela esquerda que pode competir com o FN- tanto é que
Mélenchon conseguiu 19.58% dos votos, somente 1.8% menos que Marine le Pen.
[253]

Por fim, não podemos deixar de citar os próprios méritos do Front National, como
contar com líderes carismáticos (Jean Marie e Marine le Pen) e possuir uma
estrutura partidária que possibilitou ao FN se expandir localmente e nacionalmente
(uma vez que, sem tal estrutura, a longo prazo, nenhum partido de extrema-direita
pode sobreviver[254]).

Outros Movimentos de Extrema-Direita


Membros do Bloc Identitaire.

O FN não é o único ator político da extrema-direita. Outros movimentos (bem)


menores devem ser aqui brevemente mencionados.[255] Por exemplo, neonazistas
como o FANE nos anos 70 e o PNFE, dos anos 80, são pequenas agremiações
comuns nesse espectro.[256]

O Renouveau Français, neofascista, criado em 2005, e tradicionalista católico; há


também outros como o Ouvre Française e o Jeunesses Nationalistes, ambos
ultranacionalistas, antissemitas e que reivindicam a herança do regime de Petain.
Existem também agrupamentos ainda menores como os neonazistas Jeunesse
Nationalistes Révolutionnaires e a Troisième Voie (Juventudes Nacionalistas
Revolucionárias e Terceira Via, respectivamente). O último deu origem ao Nouvelle
Resistance, uma agremiação que mistura ideias anarquistas, vindas de Proudhon, e
nazistas, como ad e Jean Thiritart.[257] A mistura entre ideias fascistas e
anarquistas é algo já feito, no pós-guerra, por movimentos solidaristas, isto é, ligas
neofascistas com influências de Proudhon.[258]Podemos citar o movimento realista
ou legitimista, que busca a restauração da monarquia na França ( o mais antigo
deles foi fundado em 1955, o restauração Nacional, de inspiração maurrasiana).[259]

Manifestação do Generation Identitaire, em Paris (2017).


Dentre todos, talvez, o mais importante é o Bloc Identitaire (Bloco identitário), criado
em 2003. Liderado por Fabrice Robert e Phillippe Vardon, a ideia principal é
“defender” a Europa do “multiculturalismo”, preservando sua “identidade étnica”, por
isso se foca em campanhas e mensagens anti-imigração e anti-islã. Conta com uma
agência de notícias, a Novopress, uma seção de mulheres, chamada de “Antígonas”,
e uma seção de juventude, o Génération Identitaire (Geração Identitária). A
estratégia dos identitários é ocupar espaços culturais e políticos onde antes a
esquerda tinha hegemonia — inspiração da Nova Direita, de Benoist. Além de muitos
ativos na internet, pode-se participar do financiamento do movimento comprando a
cerveja (feita por eles), livros e roupas.[260]

A Extrema-direita francesa online


Tal como em outros países, a extrema-direita francesa possui uma rede online,
denominada por Dominique Albertini e David Doucet de fachosfera[261], que põe a
cabo a guerra pela hegemonia política e ideológica. Ela é constituída por um
conjunto de sites, redes sociais e blogs que promovem, de modo ora
descentralizado ora centralizado, as diversas correntes da extrema-direita francesa
(além de contar com a influência da extrema-direita europeia e americana). Até
mesmo um site pornô, que pretendia ser o primeiro canal de pornô político do
mundo, chegou a fazer parte de tal rede ( hoje extinto) — daí ficou conhecida a atriz
pornô e militante neofascista Eléctre.[262]

O mais antigo[263] deles foi o sos-racaille.org, criado em 2002 e fechado em 2003: o


nome era uma troça com o sos-racisme.com, que combatia o racismo. O centro do
site era seus fóruns, onde extremistas discutiam livremente suas “ideias” — racismo,
islamofobia, neonazismo e teorias conspiratórias abundavam. O site serviu de
inspiração para muitos sites extremistas subsequentes. O autor do atentado contra
o presidente recém-eleito Jacques Chirac, em 2002, Maxime Brenerie, ex-membro
do MNR e da UR ( Unité Radicale — grupo formado por militantes do Troisème Voie),
diz ter feito parte dos desses mesmos fóruns. Devemos citar aqui também um dos
mais antigos, mas que até hoje perdura, o fdesouche.com, criado em 2006, por
Pierre Sautorel, ex- MNR, de Bruno Megret. O site divulga pequenas notícias sobre
os temas anti-imigração, anti-islã e insegurança, geralmente em tom
sensacionalista e permeado de teorias conspiratórias.

Outros sites e portais, que se dizem sites de “re-informação” (em termos atuais, que
divulgam fake News), como a ojim.fn (que critica a mídia tradicional) também
infestam a rede. Um deles é o Polemia.com, um “think tank” de extrema-direita
criado por Jean-Yves Gallou, antigo membro do GRECE e ex-membro do FN. Os
temas abordados são, como esperado, textos anti-imigração, anti-islã e contra a
mídia; além de tudo, a Polemia ainda publica livros. Por fim, devemos citar o
tvlibertes.com, um portal de notícias de extrema direita, que tem como objetivo
servir de ponto de contato e local de intercâmbio entre as diversas correntes da
direita extrema francesa.

Até os católicos integristas estão online. O site lesalonbeige.blogs.com é um


desses locais de onde proliferam suas ideias. Tal site, fundado em 2004, abusa do
discurso de ódio contra o aborto, casamento gay e “ideologia de gênero”. Ele teve
uma influência significativa sobre os que participaram na grande manifestação
promovida pela direita extrema e conservadora em 2014, a “Manif pour Tous”
(Manifestação por todos), a qual era contra a aprovação do casamento civil
homossexual pelo governo de François Hollande.
O comediante francês Dieudonné M’bala M’bala.

Como no Brasil, youtubers com milhões de visualizações em seus vídeos de


conteúdo neofascista e antissemita alastram-se pela internet. O comediante
Dieudonné M’bala M’bala, ele próprio não branco, cujo pai nasceu em Camarões, faz
piadas de conteúdo antissemita e negacionista do Holocausto. Teve um canal com
milhares de inscritos até ser deletado em setembro de 2014. Hoje possui um canal
substituto, mas com menos inscritos.

Diudonné é amigo do ideólogo extrema direita Alain Soral, com quem inclusive fez
alguns vídeos. Soral, ex-comunista e ex-membro do FN, possui livros conhecidos no
meio extremista, nos quais proferia “esclarecer” “os desenhos maléficos da
oligarquia mundialista” e de uma “esquerda que quer abolir a democracia”. Um
projeto no qual Soral enxerga “todo o poder do lobby sionista”, mas também uma
“franco-maçonaria” vista como “a nova ordem dos jesuítas da Republica Mundial”.
[264]

Teorias da conspiração e negacionismo não são exclusividade de Diedonné e Soral,


mas também de Hrvé Rysse, de Vincent Reynaud, entre outros. Reynaud, cujos
vídeos alcançaram a cifra de milhões de visualizações, é um neonazista confesso.
Opondo-se até mesmo a Marine le Pen, ele profere: “Minha Europa morreu em 30 de
abril de 1945 com o suicídio daquele que a encarnava, Adolf Hitler.”[265].

O Front National online e as tentativas de extremistas


para intervirem no processo eleitoral

Manif pour Tours, 2014. No cartaz, lê-se: “A família, patrimônio da


humanidade”. Fonte: IP3 PRESS/MAXPPP/Aurelien Morissard

Por fim, o próprio FN: desde os começos do anos 90, o partido utiliza-se da internet
para divulgar suas ideias. Chegou-se até a produzir um jogo de computador,
proibido pouco depois de sua produção, no qual Jean Marie le Pen deveria juntar
flamas tricolores (símbolo do FN) desviando de seus inimigos, como François
Mitterand e Jacques Chirac.[266]

O FN foi um dos primeiros partidos políticos a criar um site, o qual não fora um
mero resumo de seu programa partidário, mas um instrumento que lhe permitiu
dialogar com um público além da sua base. Na campanha de 2002, antes de existir
o Youtube, o FN produziu videos de Le Pen em que se propagava a imagem de um
homem idoso conectado ao seu tempo: tentava fazer batalhas de Rap, fumava
Narguilé e entrava em chats de internet.[267]

O Front National foi também um dos pioneiros na propagação de sua ideologia


pelas mídias sociais como Facebook e Twitter: a página do Facebook de Marine le
Pen, em 2014, possuía 500 mil curtidas[268], hoje conta com 1,5 milhão de curtidas
(para efeito de comparação, Macron possui 2,3), enquanto no Twitter, ela possui
2,13 milhões de seguidores. Há evidências significativas, no entanto, de uso de bots
para multiplicar o efeito de divulgação e de curtidas nas redes sociais.[269]

Em suma: a Web serve tanto como meio de mobilização de pautas e militantes do


FN, quanto veículo de divulgação e legitimação de seus discursos.[270] Por outro
lado, a internet se mostrou também danosa à imagem do Front National e sua
tentativa de des-demonização, mesmo com a estratégia centralizadora de
divulgação do partido.[271] Militantes e partidários extremistas têm livre expressão:
mensagem antissemitas e racistas são frequentes. Assim, dentro do FN, um
pequeno comitê foi criado para vigiar tais elementos e puni-los.[272]

Temos que ainda mencionar um ponto importante: tal como ocorreu nas eleições
estadunidenses, houve um esforço online de grupos extremistas para intervir nas
eleições francesas de 2017; se não diretamente ligada ao FN, parece ser uma
ofensiva global da extrema-direita contra seus adversários. Um conjunto de e-mails
falsos, cuja origem vinha do 4chan, rede social utilizada amplamente por
neofascistas online, foi jogado na web poucos dias antes das eleições sob a
alegação de conter escândalos de Macron.[273]

Pesquisas detalhadas mostram que o uso da hashtag “Macronleaks” alcançou


picos entre os dias 5 e 7 de maio (dia da eleição). A origem do tráfego na internet
era tanto francesa (39.5% dos posts) quanto estadunidense (35.8%). Redes de bots
(perfis falsos) foram utilizados para disseminar a história.[274]

Notas e Referências

[1] Baseio-me em parte em CARTER, 2017 in MUDDLE, 2017, pp.29–67

[2] IDEM, p. 31
[3] PAXTON, 2007, p. 358–9. Para as outras referências da definição dada, ver
ELLEY (1984); PATTON (2007); PAYNE (1995); GENTILE (2002); CARSTEN (1980);
MOSSE (1999); THALHEIMER in BAUER, O. MARCUSE, H. ROSENBERG, A (1970) ;
BAUER in BAUER, O. MARCUSE, H. ROSENBERG, A (1970) DE FELICE ( 1995a);
GRIFFIN (1992); EATWELL ( 1995) ; LINZ (1976; 1980); POULANTZAS in GRIFFIN
(1998); WIPPERMANN (1997); STERNHELL (1995;1999; 2015) MAYER( 1977) . Essa
definição é a mesma utlizada em uma artigo anterior sobre o fascismo-
https://voyager1.net/historia/dicionario-fascismo/?fbclid=IwAR1WosjGjjq-
noZKLcPB0zgBYADy6mzLPbhbxkn_PdXwyI_knNI67Uy6zlc
[4] GRIFFIN ,1992, p. 32–3
[5] IDEM, p. 170–74
[6] IDEM, p. 23
[7] IDEM, p. 22
[8] MUDDLE, 2007, p. 12–3
[9] LÖWY, 2014
[10] COPSEY, 2017 in RYDGREN, 2017, p. 116
[11] IDEM, p. 117
[12] VER MUDDE, 2007, cap. 2
[13] Expressão de Ignazi, 2000.
[14] TODO BASEADO EM PAYNE (1995), EATWELL ( 1995),MORGAN (2003),
CARSTEN (1981), STERNHELL (1980), (2012) e WINOCK (2015).
[15] PAYNE, 1995, p. 43
[16] CARSTEN, 191, p. 11
[17] IDEM, p. 45
[18] IBIDEM
[19] IBIDEM
[20] STERNHELL, 1994
[21] IDEM, p. 46
[22] IDEM, p. 86
[23] APUD CARSTEN, 1981, p. 14
[24] PAYNE, 1995, p. 292
[25] STERNHELL, 1980, p. 486
[26] MILZA, 2018, p. 168
[27] EATWELL, 1995, pp.211–2
[28] PAYNE, 1995, p. 397
[29] IDEM
[30] EATWELL, 1995, p. 301
[31] IDEM, p. 302–3
[32] PRICE, 2014, p. 320
[33] IDEM, p. 321
[34] IDEM, pp. 327–41
[35] IDEM, p. 343
[36] EATWELL, 1995, p. 303
[37] IDEM, pp. 343–63
[38] GAUTIER, 2017, p.18
[39] MILZA, 2002, p.
[40] GAUTIER, 2017, p. 19
[41] IDEM, p. 21
[42] RIOUX, 2015 in WINOCK, 2015, p.221
[43] MILZA, 2002, p. 66
[44] IDEM, p. 67
[45] GAUTIER, 2017, p. 39
[46] IDEM, p. 45
[47] FRANCO de ANDRADE, p. 786
[48] PRICE, 2014, pp. 352–5
[49] GAUTIER, 2017, p.50
[50] GAUTIER, 2017 p. 58
[51] PRICE, 2014, p. 356
[52] GAUTIER, 2017, p. 52-3
[53] IDEM
[54] DAVIES, 2002, p.123
[55] PRICE, op. Citada, p. 359
[56] IDEM, p. 360
[57] GAUTIER, 2017, p.66
[58] MILZA, 2002, p.82
[59] IBIDEM
[60] DAVIES, 2002, p. 127
[61] MILZA, 2002, p.82
[62] GAUTIER, 2017, p. 71
[63] DAVIES, 2002, p. 125
[64] GAUTIER, op. Citada, p.71–2
[65] IDEM, p. 80
[66] IDEM, p. 73
[67] IBIDEM
[68] IDEM, p. 77
[69] DAVIES, 2002, p. 125
[70] IDEM, p.78–9 e EATWELL, 1995, p. 310
[71] MILZA, 2002, p.
[72] DAVIES,2002, p. 129
[73] GAUTIER, 2017, p. 86
[74] IDEM
[75] APUD MILZA & BERNSTEIN, 2015, p. 463
[76] IDEM, p. 87
[77] MILZA & BERNSTEIN, 2015, p. 464
[78] IDEM
[79] EATWELL, 1995, p. 306
[80] FRANCO de ANDRADE, p. 789
[81] EATWELL, op. citada, p. 307
[82] GAUTIER, 2017, p. 88
[83] IDEM, p. 92
[84] IDEM
[85] GAUTIER, 2017, p. 90
[86] MILZA, op. Citada, p. 73
[87] GAUTIER, 2017, p.93
[88] IDEM, p. 94
[89] DAVIES, 2002, p. 129
[90] Ver GAUTIER, op. Citada p.94–5 e MILZA, op. Citada, p. 74
[91] DAVIES, 2002, p. 129
[92] FRANCO de ANDRADE, p. 789
[93] EATWELL, op. citada, p. 307
[94] GAUTIER, 2017, p. 88
[95] IDEM, p. 92
[96] IDEM
[97] GAUTIER, 2017, p. 90
[98] IDEM, p. 99
[99] EATWELL, 1995, p. 311
[100] MILZA, 2002, p. 132
[101]APUD GAUTIER, 2017, p. 159
[102] MILZA, op. Citada, p. 161
[103] IDEM, p. 197
[104] IDEM, p. 198–207
[105] Ver, p.ex, a suposta argumentação ”neutra” de Benoist em BENOIST, 1977,
p178-80, a respeito de “raças” e inteligência. Se a argumentação é mais sútil, o
modo de apresentar os supostos fatos que demonstram a superioridade da
“inteligência” intelectual dos brancos e a maior inteligência “perceptiva” ou
“sensível” é como Benoist tenta convencer seu leitor a respeito de suas teses. Ao
utilizar escritos de biólogos a respeito da diferença entre “inteligências”, Benoist
mostra não ser um ideólogo tosco, mas refinado em suas argumentações. No
entanto, o resultado é o mesmo.
[106] APUD GAUTIER, op. Citada, p. 165
[107] DE BENOIST, 1977, p. 16
[108] MILZA, 2002, p. 206
[109] EATWELL, 1995, p. 314
[110] DE BENOIST, op. Citada, p. 432–6
[111] IDEM, p. 200
[112] APUD GAUTIER, op. Citada, p. 166
[113] GRIFFIN, 1991, p.
[114] GAUTIER, op. Citada, p. 163
[115] GAUCHER APUD GAUTIER, op. Citada, p. 164
[116] IDEM
[117] “KRISIS”, in LECOUR, 2007, p.188-9
[118] Le Monde — Les élans ratés de la nouvelle droite < acessado dia 07/01/2019>
[19] A bibliografia é muito extensa, portanto, vou citar somente livros mais fáceis de
ser encontrados- infelizmente, a maior parte está em inglês. Nem sempre os autores
concordam entre si, lê-los criticamente pode ajudar a construir um panorama geral
sobe esse período. Para as mudanças no capitalismo a partir dos anos 60 e 70 nos
países centrais ver BARAN & SWEEZY (1966) e, como introdução, HARVEY
(1992,cap. 7–11). Para as transições par o capitalismo financeiro-monopolista ver
MAGDOFF & SWEEZY (1987) .Para as mudanças mais recentes ver FOSTER &
MCCHESNEY (2012) e ROBERTS (2016). Para as questões do capital financeiro e
mudanças no padrão da acumulação ver os ensaios em CHESNAIS (2005) e
CHESNAIS (2010), além de LAPAVITSAS (2013), DUMÉNIL&LEVY (2004) e, como
introdução, DURAND (2017) . Sobre o neoliberalismo em geral ver MIROWSKI (2013),
HARVEY (2008) e sobre o percurso histórico desses (e também do desenvolvimento
ideológico) nos países centrais-em especial, Inglaterra e Estados unidos, ver
STEADMAN JONES(2012). Para os efeitos da desigualdade, ver PIKETTY, 2013,
cap.7–12. Ver a bibliografia.
[120] PRICE, op.citada, p. 384–8
[121] IDEM, p. 392
[122] IBIDEM
[123] PERRINEAU, 2015, p. 248–9
[124] APUD GAUTIER, 2017, p. 192
[125] IDEM, p. 193
[126] ORDRE NOUVEAU APUD GAUTIER, op. Citada, p. 199
[127] IDEM
[128] EATWELL, 1995, p. 316
[129] GAUTIER, op. citada, p. 197
[130] IDEM, p. 195
[131] IDEM, p. 194
[132] IDEM, p. 193–4
[133] EATWELL, 1995, p. 316
[134] GAUTIER, 2017, p. 335
[135] LEBFEVRE APUD GAUTIER, 2017, p. 338
[136] MILZA, op. Citada, p. 142
[137] MILZA,2002, p. 142
[138] GAUTIER, op. Citada, p. 338
[139] IDEM, p. 339
[140] GAUTIER, op. Citada, p. 338
[141] IDEM, p. 339
[142] IDEM, p. 340
[143] IBIDEM “Catoliques Tradicionalistes” in LECOUER, 2007, p. 88 “integristes” in
LECOUER, 2007, p. 175
[144] GAUTIER, op. Citada, p. 349
[145] DÉZÈ, 2017, p.35
[146] NPA COMISSION, 2015 in LEPLAT, 2015, p. 117
[147] IDEM, p. 138
[148] GAUTIER, 2017, p. 372
[149] FRONT NATIONAL APUD GAUTIER, op. Citada, p. 217
[150] Inspirado em Dèzé (2017, cap. 2).
[151] DÉZÈ, op. Citada, p. 37
[152] IDEM, p. 38
[153] IDEM
[154] EATWELL, 1995, p.318
[155] DÉZÈ, op. Citada, p. 38
[156] IDEM
[157] PERRINEAU, 2015 in WINOCK, 2015, p. 248
[158] IDEM
[159] PRICE, op. Citada, p. 420
[160] IDEM, p. 425
[161] IDEM, p. 426
[162] IDEM, p. 427
[163] IDEM, p. 425
[164] IDEM, p. 426-9
[165] World Inequality Database — Income inequality, France, 1900–2014 <acessado
dia 23/12/2018>
[166] PERRINEAU,2015 in WINOCK, 2015, p.
[167] IDEM
[168] A partir de DÉZÈ, op. Citada, p. 41
[169] PERRINEAU,2015 in WINOCK, 2015, p. 255
[170] IDEM, p. 252
[171] Baseado em DÉZÈ, op. Citada, p. 40–1
[172] MILZA, 2002, p. 243
[173] DÉZÈ, op. Citada, p. 90
[174] EATWELL, op. Citada, p.321
[175] PERRINEAU, 2015 in WINOCK, 2015, p. 259
[176] IGNAZI, 2000, p.
[177] DÉZÉ, op. Citada, p.91
[178] PERRINEAU, 2015 in WINOCK, 2015, p. 263
[179] LE PEN PAUD DÉZÈ, op. Citada, p.42
[180] DÉZÈ, op. Citada, p. 43
[181] MILZA, op.citada, p.248
[182] IGNAZI, 2000, p. 186
[183] APUD GAUTIER, op. Citada, p. 378
[184] GAUTIER, 2017, p. 377
[185] IDEM
[186] MILZA, 2002, p. 250
[187] DÉZÈ, op. Citada, p.42
[188] MILZA, op. Citada, p. 276
[189] IDEM, p. 279
[190] IDEM, p. 280
[191] DÈZÈ, op. Citada, p.44
[192] APUD MILZA, 2002, p .237
[193] IDEM
[194] DÈZE, op. Citada, p. 44
[195] IGNAZI, 2000, p. 196
[196] IVALDI, 2015 in CRÉPON, DÉZÈ, MAYER, 2015, p. 172
[197] DÉZÈ, op. Citada, p. 46
[198] MILZA, 2002, p.
[199] NPA, 2015 in LE PLAT, 2015, pp. 121-2
[200] IGNAZI, 2000, p. 237
[201] DÈZÈ, op. Citada, p. 46
[202] IDEM, p. 47
[203] OECD — Real GDP forecast < acessado dia 25/12/2018>
[204] OECD — Harmonised unemployment rate (HUR) < acessado dia 25/12/2018>
[205] PRICE, op. Citada, p. 402
[206] DÈZÈ, op. Citada, p.47
[207] IDEM, p. 48
[208] IDEM, p. 49
[209] IGNAZI, op. citada, p. 238
[210] PERRINEAU, 2015 in WINOCK, 2015, pp. 286–7
[211] IDEM, p. 288
[212] DÉZÈ, op. Citada, p.50
[213] IDEM, p. 51
[214] LIBÉRATION APUD DÉZÈ, op. Citada, p.51
[215] L’Express — Bruno Gollnisch condamné pour ses propos sur l’Holocauste
<acessado dia 01/01/2019>
[216] NPA, 2015 in LEPLAT, 2015, p. 152
[217] DÈZÈ, op. Citada, p. 104–5
[218] L’Express — L’exclusion de Jean-Marie Le Pen du FN <acessado dia
03/11/2018>
[219] LE PEN APUD IVALDI, 2016, in AKKERMAN, LANGE, ROODIJN, 2016, p.232
[220] IDEM
[221] DÉZÈ, op. Citada, p. 53
[222] Ver acima
[223] IVALDI, 2016, in AKKERMAN, LANGE, ROODIJN, 2016, p. 237
[224] IDEM, p. 238
[225] IDEM, pp. 228–9
[226] IVALDI, 2015 in CRÉPON, DÉZÈ, MAYER, 2015, p. 174
[227] IDEM, p. 175
[228] DÉZÈ, op. Citada, p. 96
[229] APUD IVALDI, 2016, in AKKERMAN, LANGE, ROODIJN, 2016, p. 239
[230] L’Express — Résultats de l’élection présidentielle 2017 < acessado dia
05/10/208>
[231] The Guardian — Marine Le Pen rebrands Front National in push for support
<acessado dia 13/ 11/2018> e DÈZE, op. Citada, p. 54
[232] DÉZÉ, op. Citada, p. 66–70
[233] MUDDLE, 2007.
[234] MESTRE & MONOT, 2014 in CRÉPON, DÉZÈ, MAYER,2014, p.69
[235] IDEM, p. 70
[236] IDEM
[237] IDEM, p. 71
[238] IDEM, p. 72
[239] IDEM
[240] CAMUS, 2017 in HILLENBRAND, 2017, p. 27
[241] MAYER, 2017 in RYDGREN, p. 436
[242] DÉZÉ, op. Citada, p. 119–21
[243] IDEM, p. 122
[244] LÖWY and SITEL, 2016 in PANITCH AND ALBO, 2016, p. 59
[245] PRICE, op. Citada, p. 398
[246] ARZHEIMER, 2015 In RYDGREN, 2015
[247] PRICE, op. Citada, p. 398
[248] OECD (2018) — Youth unemployment rate (indicator). doi: 10.1787/c3634df7-
en <acessado dia 01/01/2019>.
[249] IDEM
[250] World Inequality Database — Income inequality, France, 1900-2014 <acessado
dia 01/01/2019> Observar o aumento da desigualdade a partir dos anos 80.
[251] CAMUS, 2017 in HILLENBRAND, 2017, p. 27
[252] l’Humanité — LA FRANCE INSOUMISE DÉTAILLE SON PROJET ET SON
CALENDRIER <acessado dia 09/11/2018>
[253] l’express — Résultats de l’élection présidentielle 2017
[254] MUDDLE, 2007, p. 256–77
[255] NPA ANTI-FASCIST COMISSION in LEPLAT, 2015, pp. 176-82
[256] Ver GAUTIER, op. Citada, cap. 8
[257] IDEM, cap. 10
[258] IDEM, cap. 7
[259] CAMUS, 199, pp. 30–1
[260] BOURON, p. 111
[261] LABERTINI & DOUCET, 2016.
[262] IDEM, p. 234
[263] Todo o texto dessa parte é baseado em LABERTINE & DOUCET, op.cit.
[264] IDEM, p. 141
[265] IDEM, p. 252
[266] IDEM, p. 63
[267] IDEM, p. 76
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