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Estado, democracia participativa e empoderamento

por Deisemara Turatti Langoski

Disponível em: http://jusvi.com/artigos/35677/1


Acesso: 19 de jun. 2011
Resumo

O presente artigo pretende discutir a questão da democracia participativa e o


empoderamento, contextualizando a entidade estatal, buscando a razão
concernente de sua instituição. O Estado resulta da associação do povo, que
sistematiza e centraliza o poder, e em contrapartida se destina a favorecer os
interesses da coletividade através de suas funções, mormente a executiva, que
se caracteriza pelo governo e a administração pública. O Estado brasileiro se
consubstancia em um regime democrático, evidenciado pela Constituição
Federal e apresenta a participação popular em muitas circunstâncias
administrativas e políticas de decisões. A democracia é um anseio da
população, propagada entre as gerações, com o intuito da liberdade, igualdade
e a justiça social na vida em sociedade. Pela participação é transferido poder
ao cidadão para que tome parte das decisões públicas que interessam à
coletividade, isto contribui para o empoderamento do sujeito.

Palavras-chave: Interesse público, democracia participativa,


empoderamento.

INTRODUÇÃO

Este estudo inicia-se com algumas questões: Que relação de poder o Estado
quis estabelecer com a inclusão da participação popular na gestão da coisa
pública? O que quis o legislador quando possibilitou juridicamente a
participação popular nas decisões dos governantes? Como se colocam os
indivíduos quando suscitados por procedimentos ao regime democrático
participativo?
Para elucidar estes questionamentos, propõe-se partir da contextualização da
entidade estatal, buscando de forma sucinta na origem do Estado, motivos de
sua existência, para através da identificação de suas funções, esclarecer a
diferença entre elementos da função executiva, quer sejam o governo e a
administração propriamente dita e, por fim neste contexto ressaltar a finalidade
do Estado, que é o bem da coletividade, ou seja, que as ações e decisões
tomadas pelo Estado ou quem o represente tem que estar de acordo com o
interesse público.
Importante entender a dimensão jurídica da democracia participativa no Brasil,
apontando os preceitos constitucionais que fundamentam e apresentam a
questão da participação como condição de cidadania e direito, assegurada
positivamente nas esferas política e administrativa à população.
Por fim, traz-se o assunto empoderamento, embora não se pretenda esmiuçá-
lo, como conseqüência qualificada e válida oriundo da democracia e da
participação popular, para a percepção das mudanças na sociedade, face a
inovadora postura que vem adotando o cidadão, sob este enfoque.
1 Estado: contextualização
É da natureza do homem a sociabilidade. Viver em comunidade é condição
para sua sobrevivência e desenvolvimento. Em contato com outros seres
humanos se aperfeiçoam os aspectos da cultura, política, trabalho, lazer e
individuais (virtudes), bem como fazem surgir novas necessidades da vida
comum (sociedade).
O Estado surge a partir do homem e por via de conseqüência, com a sua
evolução ao longo dos séculos e a necessidade de manter-se agregado,
aperfeiçoou valores, repassou-os aos entes associativos que faziam parte, com
o escopo de encontrar a convivência harmoniosa, paz e a felicidade, ideais e
anseios estes que foram transportados, e ainda hoje há esta exigência de
conformação do Estado ao homem e deste àquele, à unidade maior de
organização.
O termo Estado, que deriva do latim, status (estado, posição, ordem, condição),
significa situação permanente de convivência ligada à sociedade. Para De
Plácido e Silva (1991, p. 205) “[...] é o agrupamento de indivíduos,
estabelecidos ou fixados em um território determinado e submetidos à
autoridade de um poder público soberano, que lhe dá autoridade orgânica”.
Afirma ainda que Estado “[...] é a expressão jurídica mais perfeita da
sociedade, mostrando-se também a organização política de uma nação, ou de
um povo”.
Longe de precisar a definição do que seja o Estado face a sua complexidade,
ater-se-á simplesmente a tecer algumas considerações acerca de sua origem,
pois é o que interessa para o desenvolvimento deste artigo.
Observa-se que o Estado vem evoluindo no decorrer dos tempos, desde a
Polis grega e a Civitas romana. Denominado como tal, era simplesmente
desconhecido até o início da Idade Média, sendo que eram usadas as
seguintes expressões para conceituá-lo: rich, imperium, land, terrae entre
outros. A Itália consta como o primeiro país a utilizar o termo Stato; em seguida
a Inglaterra, a França e a Alemanha, utilizaram o termo Estado para definir a
ordem pública constituída . Contudo, foi com Maquiavel, o criador do direito
público moderno, quem definitivamente introduziu a expressão Estado na
literatura científica. (MALUF, 1995, p. 19).
Surge assim a imperiosa necessidade de que o agrupamento social institua
mecanismos que controlem este Estado primitivo de autotutela e livre arbítrio.
Neste contexto aparece a figura do Estado, definida por Bobbio (1987, p. 73):
O Estado, entendido como ordenamento político de uma comunidade, nasce da
dissolução da comunidade primitiva fundada sobre os laços de parentesco e da
formação de comunidades mais amplas derivadas da união de vários grupos
familiares por razões de sobrevivência interna (o sustento) e externas (a
defesa). [...] O nascimento do Estado representa o ponto de passagem da
idade primitiva, gradativamente diferenciada em selvagem e bárbara, à idade
civil, onde „civil‟ está ao mesmo tempo para „cidadão‟ e „civilizado‟ (Adam
Ferguson).
A transformação das sociedades pré-estatais para uma sociedade civil significa
a organização dos indivíduos além dos grupos meramente familiares ou de
produção, para uma congregação governada por regras escritas. Inserindo-se
nesta nova modalidade de organização, o homem abre mão da sua liberdade
em favor de uma organização governada pela vontade coletiva, denominada
Estado.
Verifica-se que o surgimento do Estado liga-se também ao estabelecimento de
uma ordem social para os grupos humanos que se formam à partir da
expansão do associativismo, opondo-se ao individualismo. Esta ordem social
não se restringe às pessoas que compõem o conjunto social; abrange, no
entender de Pallieri (1969, p. 77), o aspecto geo-político. Afirma o autor que “O
Estado não aparece para regular as relações sociais de alguns em vez das de
certos outros, mas, fundamentalmente, para regular as relações sociais que se
desenvolvem num dado território.” (PALLIERI, 1969, p. 77).

Um resumo dos motivos que levaram o homem a abandonar o estado de


natureza para organizar-se em sociedade, e, nesta, estruturar o Estado
enquanto construção racional necessária a disciplinar e organizar esta
convivência coletiva, é apresentado por Morais (1999, p. 61):
O Estado torna-se fruto da razão. O homem convence-se de que nele
conseguirá obter tudo aquilo que em natureza custa-lhe tão caro e, em muitos
casos, é inatingível; aquilo que vem de suas paixões e desejos que no Leviatã
permanecem, embora transformados. O cidadão não é um outro homem, o seu
cálculo racional apenas tornou-se mais complexo, entendendo que na
sociedade estatal terá multiplicado, ou adquirido, a possibilidade de uma vida
exitosa.
A idéia de que o homem renunciou a parte da sua liberdade individual em prol
do coletivo, em busca do seu próprio bem-estar, está presente no pensamento
de Ehrlich (1986, p. 186), para quem “O individualismo deve conceder à
comunidade, sobretudo ao Estado, tanto quanto precisa para ser justo com o
indivíduo.”
O homem abandona o estado de individualismo para reunir-se em sociedade
construída na convivência coletiva, visando uma organização capaz de reger a
todos a partir da soma das parcelas de liberdade individual que, pela renúncia
de cada membro, lhe foram outorgadas. Foi delegado a este organismo,
denominado Estado, o papel de garantir à sociedade e aos seus membros tudo
aquilo que individualmente a estes fosse difícil ou impossível de obter. Refere-
se tanto às questões ligadas ao bem-estar (segurança, saúde, alimentação,
educação) quanto às de regulação e disciplina das relações mantidas
internamente entre cada um dos membros da coletividade (poder de tutela),
fazendo com que cada membro respeite as regras necessárias à manutenção
da vida em sociedade.
De acordo com Maluf (1995, p. 22), “[...] o Estado é criação da vontade
humana”, “[...] não tem autoridade nem finalidade próprias”, assim mostra
claramente que condiz com “[...] uma síntese dos ideais da comunhão que ele
representa”. Representando os homens unidos em sociedade, sua autoridade é
por eles determinada e sua finalidade deve evidenciar os anseios e aspirações
do povo. Acentua que “[...] os fins do Estado são os da comunidade nacional.”
(MALUF, 1995, p. 309).
Em resumo, interpreta-se a instituição Estado, levando em consideração tanto
o aspecto sociológico quanto o jurídico, como o resultado da associação de um
povo, que sistematiza e centraliza o poder, e em contrapartida se destina a
favorecer os interesses individuais e da coletividade, seguindo uma evolução
progressiva e comum.
Traz-se a seguir, sucintamente, até para situar o contexto deste ensaio, de
acordo com as teorias existentes, os pontos em que doutrinadores localizam o
momento do aparecimento do Estado e suas causas mais satisfatórias, bem
como as funções que lhe são atribuídas.

1. Surgimento e razões concernentes

Para Dallari (1991, p. 44-45), as teorias que explicam o aparecimento do


Estado seriam de três ordens, as quais conjeturam:
a) O Estado sempre existiu, haja vista que, desde o início da humanidade, o
homem encontra-se integrado numa organização social que tem poderes e
autoridade para determinar o comportamento do grupo;
b) Por um certo tempo a sociedade de homens existiu sem o Estado, até que
houve a necessidade de sua formação, com o objetivo de atender os interesses
do grupo;
c) É admitido como Estado unicamente as sociedades políticas dotadas de
características bem definidas.
Situa-se o estudo proposto na segunda teoria, segundo a qual o Estado foi
criado pelos homens para suprir suas necessidades de convivência no coletivo.
Quanto às causas de aparecimento do Estado, leciona Dallari (1991, p. 45-49)
a subdivisão em dois grupos, ou seja, a formação originária e a formação
derivada dos Estados. A formação originária apresenta duas teorias principais:
a) O Estado formou-se natural ou espontaneamente, independente da vontade
ou de um contrato. Como exemplos, apresenta-se a teoria da origem familiar, a
teoria da origem em atos de força, a teoria da origem em causas econômicas
ou patrimoniais e a teoria da origem no crescimento interno da sociedade;
b) Formou-se o Estado a partir da vontade de alguns homens (seria a formação
contratual do Estado);
Já a formação derivada apresenta dois processos, quais sejam:
a) Fracionamento, o qual se dá quando parte do território de um Estado se
desmembra e passa a constituir um novo Estado;
b) A união de Estados, que ocorre quando dois ou mais Estados resolvem unir-
se, formando um novo Estado, adotando uma Constituição comum,
desaparecendo os Estados preexistentes;
O presente estudo baseia-se na formação natural do Estado, de acordo com a
Teoria da origem familiar, segundo a qual o Estado apareceu após fases
sucessivas de transformação: família – tribo – sociedades - Estado. Foi com o
progresso, quando as necessidades coletivas surgem e as sociedades
adquirem forma complexa, então torna-se imprescindível a constituição do ente
Estado.
A este respeito afirma Cavalcanti (1977, p. 118) que o “O Estado é o resultado
da evolução política da sociedade civil que se foi aperfeiçoando até chegar a
um grau mais adiantado de organização.” O Estado é fruto do desenvolvimento
progressivo segundo a evolução histórica e social do homem em sociedade.

1. 2 Funções do Estado

A existência do Estado é motivada pela realização de forma permanente de


atividades consideradas vitais à coletividade. A estas atividades contínuas e
sucessivas dá-se a denominação de funções, que Caetano (1996, p. 148)
define: “actividade específica, complementar de outras actividades também
específicas cujo exercício coordenado é indispensável à produção de certo
resultado.”
Inúmeras são as teorias ditadas pelos doutrinadores que vêm caracterizar
quais sejam as funções do Estado, entre eles, pode-se citar Aristóteles,
Montesquieu, Jellinek, Duguit e Kelsen.1
Acredita-se que foi Jellinek quem mais se aproximou de uma efetiva
classificação das funções do Estado, mesmo insuficiente. Contudo todos os
estudos trouxeram grandes contribuições para a doutrina, embora ainda hoje
elas (funções) venham sofrendo mudanças face às novas posições que o
Estado assume.
Caetano (1996, p. 148), referindo-se à teoria de Jellinek, assevera que as
funções do Estado são na ordem de três: a) função Legislativa,
compreendendo a definição e imposição de regras abstratas para a realização
dos fins do Estado. Condizem materialmente com as leis; b) função
jurisdicional, que procura definir os direitos incertos ou contestados nos casos
concretos, mediante processo rígido para alcançar o fim jurídico do Estado.
Sua forma material são as decisões judiciárias e, c) função administrativa, que
apresenta como premissa a realização de objetivos concretos pelas mais
variadas formas, para preencher o fim cultural. Materialmente são os chamados
atos administrativos. E ainda tem-se a categoria das atividades extraordinárias
do Estado.
Afirma Streck e Morais (2000, p. 153), tradicionalmente, as funções
apresentam-se da seguinte maneira:
legislativa que se manifesta através da edição de normas gerais e obrigatórias
para todos, a executiva que atua através da implementação de soluções
concretas, sendo a função como responsabilidade de governo, com atribuições
políticas, co-legislativas e de decisão, além da administração pública em geral
e a jurisdicional cujo campo é o da solução em específico dos conflitos surgidos
e regulados pelas regras gerais, interpretando e aplicando a lei. (grifos do
autor)
“As funções do Estado vêm sofrendo transformações na exata medida em que
o Estado assume novos contornos.” (STRECK; MORAIS, 2000, p. 151). Já
dizia Cotrin Neto (s.d., p. 12) “É óbvio que a cada período histórico corresponde
uma estrutura particular da estatalidade, [...]”. “Contudo, sempre o Estado é
essencialmente o mesmo, ainda que se lhe ampliem ou reduzam as
atribuições: mas ele padece incoercivelmente a ação do tempo, [...].”
Importante ressaltar que, independentemente da tripartição de funções ser
aceita ou não pelos doutrinadores, espelhar ou não a realidade das atividades
desempenhadas pelo Estado, não há de se olvidar que este é um todo unitário,
apresentando como fim primordial o bem da coletividade e que as diversas
funções conjugam-se e estão em constante “processo de interpenetração”
(STRECK; MORAIS, 2000, p. 152). Quer dizer, o Estado somente atingirá sua
finalidade exercendo e relacionando todas as funções, que possuem caráter
eminentemente complementar.
Compreender ou pelo menos conhecer as funções que a entidade estatal tem
como atribuições é importante para situar o presente estudo dentro do sistema
de organização, especialmente a função executiva do Estado, que diz respeito
às decisões governamentais e a materialidade destas por vias administrativas
para a efetivação das políticas de interesses da sociedade.

1.3 Estado, Governo e Administração Pública

É comum confundir-se as expressões Estado, Governo e Administração


Pública. Embora se refiram, às vezes, aos mesmos aspectos ou tratem dos
mesmos elementos jurídicos, cada qual tem a sua importância e aspectos
diferenciadores, como será visto a seguir.
O Estado é criação da vontade do homem, não apresenta autoridade e muito
menos finalidades próprias, evidencia os ideais da comunhão que representa.
“Não há e não pode haver uma definição de Estado que seja realmente aceita.
As definições são pontos de vista de cada doutrina, de cada autor.” (MALUF,
1995, p. 19)
Ainda, de acordo com Maluf (1995, p.22) pode ser conceituado nestes termos:
“O Estado é o órgão executor da soberania nacional.” (grifos do autor).
Para Meirelles (1999, p. 54-55), o conceito de Estado se altera de acordo com
o ângulo observado. Traz o autor a visão sociológica de Estado, que se traduz
na “corporação territorial dotada de um poder de mando originário” (Jellinek) ;
Já do ponto de vista político, constitui-se na “comunidade de homens, fixada
sobre um território, com potestade de ação, de mando e de coerção (Malberg);
E, sob o aspecto constitucional, é a “pessoa territorial soberana” (Biscaretti di
Ruffia). (grifos do autor).
Da escola clássica francesa Queiroz Lima (apud MALUF, 1995, p. 18) define:
“O Estado é a Nação politicamente organizada”. (grifos do autor).
Quanto aos termos Governo e Administração, eles caminham num mesmo
sentido e na maioria das vezes são confundidos, embora espelham
diversidades nos seus inúmeros aspectos.
A expressão Governo pode ser enfocada em três sentidos: formal, material e
operacional. No sentido formal, “é o conjunto de Poderes e órgãos
constitucionais”; no sentido material, constitui-se no “complexo de funções
estatais básicas” e, em seu aspecto operacional, “é a condução política dos
negócios públicos.”(MEIRELLES, 1999, p. 58-59).
Salienta que, o Governo traduz a “expressão política de comando, de iniciativa,
de fixação de objetivos do Estado e de manutenção da ordem vigente.”
(MEIRELLES, 1999, p. 58-59). (grifos do autor).
O Governo exerce sua atividade através de um conjunto de órgãos, cujas
funções são criadas para sustentar e realizar os serviços objetivados pelo
governo, e que necessariamente, devem ter “desempenho perene e
sistemático, legal e técnico”. Vê-se, então, que os órgãos instituídos são, na
verdade, os executores, de atos do governo, sendo que este lhe dá “maior ou
menor autonomia funcional”. (FERREIRA, 1995, p. 10).
Para Afonso da Silva (1992, p. 98-99) o “governo é o conjunto de órgãos
mediante os quais a vontade do Estado é formulada, expressada e realizada,
ou o conjunto de órgãos supremos a quem incumbe o exercício das funções do
poder político.” (grifos do autor).
O Governo se manifesta através das funções do Estado, que se perfazem:
legislativa, executiva e judiciária. Neste sentido, Afonso da Silva (1992, p. 98-
99) acrescenta:
A função legislativa consiste na edição de regras gerais, abstratas, impessoais
e inovadores da ordem jurídica, denominadas leis. A função executiva resolve
os problemas concretos e individualizados, de acordo com as leis; [...] se
distingue em função de governo, com atribuições políticas, co-legislativas e de
decisão, e função administrativa, com suas três missões básicas: intervenção,
fomento e serviço público. A função jurisdicional tem por objeto aplicar o direito
aos casos concretos a fim de dirimir conflitos de interesse.” (grifos do autor).
A Administração, pode, também, ser focalizada sob os aspectos formal,
material e operacional. Sob o prisma formal, representa “o conjunto de órgãos
instituídos para consecução dos objetivos do Governo”; sob a acepção
material, constitui-se no “conjunto das funções necessárias aos serviços
públicos em geral” e, sob o aspecto operacional, “é o desempenho perene e
sistemático, legal e técnico, dos serviços próprios do Estado, ou por eles
assumidos em benefício da coletividade.”(MEIRELLES, 1999, p. 59).
De acordo com Afonso da Silva (1992, p. 559), a “Administração Pública é o
conjunto dos meios institucionais, materiais, financeiros e humanos
preordenados à execução das decisões políticas. [...] algo de que se serve para
atingir fins definidos e [...] um conjunto de órgãos a serviço do poder político e
as operações, as atividades administrativas.” (grifos do autor).
Menegale (1950, p. 41) apresenta duas acepções para o termo administração.
“Em sentido lato, administração é tôda atividade humana desenvolvida para
alcançar determinados fins humanos. [...]. Em sentido limitado, administração é
a atividade do Estado para realizar seus fins.” No primeiro sentido de
administração – aspecto geral de administração - predomina o “interêsse
econômico”. Nesta acepção especial de administração – Administração Pública
– “a inserção do elemento de Estado cria, a mais do interêsse econômico, o
interêsse jurídico.” [sic] (grifos do autor).
Comparando Governo com Administração, Ferreira (1995, p. 10-11) diz que
aquela é uma “atividade política, discricionária” e esta é uma “atividade neutra,
normalmente vinculada à lei ou à norma técnica”. Por ser política, a conduta do
governo é independente, mas com responsabilidade constitucional, ao passo
que a administração, além de política, é hierarquizada, profissional, técnica e
legal, não se lhe permitindo tomar decisões que fujam da sua área atributiva e
dos limites jurídico-legais.
Meirelles (1999, p. 60) também traça um comparativo que auxilia na distinção
entre as acepções Governo e Administração Pública. Diz o autor que: “governo
é atividade política e discricionária; Administração é atividade neutra,
normalmente vinculada à lei ou à norma técnica. Governo é conduta
independente; Administração é conduta hierarquizada. O Governo comanda
com responsabilidade constitucional e política, mas sem responsabilidade
profissional pela execução; a Administração executa sem responsabilidade
constitucional ou política, mas com responsabilidade técnica e legal pela
execução.” Enfim, arremata dizendo que: “A Administração é o instrumental de
que dispõe o Estado para pôr em prática as opções políticas do Governo.”
(grifos do autor).
Em suma, para Menegale (1950, p. 68) a Administração consiste em: “Tôda a
atividade tendente a satisfazer fins do Estado.” [sic]. E, as decisões e ações
tomadas pela unidade estatal, seja elas no plano de governo ou da
administração, tem que perfazer o interesse da coletividade.

2. Finalidade do Estado: bem comum x interesse público

2.1 Considerações gerais sobre o bem comum

Para compreender e diferenciar o princípio do bem comum originado pelo


Estado e a finalidade essencial desta instituição, quer seja, o interesse público,
é necessário que se faça alguns esclarecimentos sobre estes dois temas,
embora apresentem significações afins, tendo em vista o uso terminológico
pelos doutrinadores que ora se referem a um, ora a outro.
O princípio do bem comum é peça fundamental para entender as relações
sociais, seja dos indivíduos entre si, como destes com a sociedade, sendo que
sua perfeita captação proporciona, quando respeitado, o bom e harmônico
convívio social.2 (MARTINS FILHO, 2000, p. 10).
O ser humano procura aperfeiçoar sua natureza humana junto a outros
semelhantes, bem como busca satisfazer suas necessidades e melhorar sua
condição sustentado por sentimentos de confiabilidade nos demais homens.
Por este motivo vivem agrupados, formam instituições e se encontram em
“sociedades complexas organizadas politicamente”, vinculados por regras que
dispõem sobre seus direitos e deveres, sobre normas de convivência, pelas
quais sujeitam-se. (PERES, 1987, p. 110).
A existência do homem em sociedade condiz com um ser que procura com
empenho nas instituições a que pertence (família, comunidade, sociedade,
Estado), as quais cria e nas quais atua, atender, bem como corresponder, às
expectativas de suas necessidades físicas, intelectuais e sociais.
Peres (1987, p.100), em estudo acerca do bem comum aduz às palavras do
Papa João XXIII, na Encíclica Pacem in Terris:
A razão de ser de quantos governam tem raízes, por completo, no bem
comum. [...]. Na época atual se considera que o bem comum consiste
principalmente na defesa dos direitos e dos deveres da pessoa humana. Daí
que a missão principal dos homens deva tender para duas coisas: de um lado
reconhecer, respeitar, harmonizar, tutelar e promover tais direitos; de outro,
facilitar a cada cidadão o cumprimento de seus respectivos deveres.
Por bem comum, entende-se algo cujo conteúdo e meios visam o interesse não
particular de pessoa física ou jurídica ou até de determinado grupo social, mas
atinja os anseios do maior número possível de indivíduos que compõem o
Estado. Muitas vezes o alcance não será geral, nem sequer o conteúdo atingirá
bens considerados lícitos pela população ou por parte da mesma, pois nem
todos concordam com as proposições ou atividades executadas.
Segundo Dallari (1991, p. 91), a delimitação conceitual de bem comum varia de
acordo com a realização pessoal dos indivíduos que compõem o espaço físico
da unidade estatal. Afirma que o Estado “[...] busca o bem comum de um certo
povo, situado em determinado território. Assim, pois, o aperfeiçoamento
integral da personalidade dos integrantes desse povo é que deve ser o seu
objetivo, o que determina uma concepção particular de bem comum para cada
Estado, em função das peculiaridades de cada povo.”
Azambuja (1997, p. 124) ao discorrer sobre o tema, traz a preciosa lição de
Jean Dabin (La Philosophie de l‟Ordre Juridique Positive. Ed. Sirey, Paris,
1939, pág. 160.) acerca da concepção de bem comum: [...] conjunto dos meios
de aperfeiçoamento que a sociedade politicamente organizada tem por fim
oferecer aos homens e que constituem patrimônio comum e „reservatório da
comunidade: atmosfera de paz, de moralidade e de segurança, indispensável
ao surto das atividades particulares e públicas; consolidação e proteção dos
quadros naturais que mantém e disciplinam o esforço do indivíduo, como a
família, a corporação profissional; elaboração, em proveito de todos e de cada
um, de certos instrumentos de progresso, que só a força coletiva é capaz de
criar (vias de comunicação, estabelecimentos de ensino e de previdência);
enfim, coordenação das atividades particulares e públicas tendo em vista a
satisfação harmoniosa de todas as necessidades legítimas dos membros da
comunidade.
Martins Filho (2000, p. 4), em estudo sobre o bem comum, diz que o mesmo:
“[...] nada mais é do que o próprio bem particular de cada indivíduo, enquanto
este é parte de um todo ou de uma comunidade.” Quer dizer que o bem da
sociedade é o bem da(s) pessoa(s) que a compõem.
O bem comum exprime a existência de um valor imprescindível para a
manutenção e sobrevivência de qualquer sociedade, ou seja, para que a
comunidade permaneça, os homens que a constituem deverão auxiliar-se
mutuamente, ser solidários3 uns com os outros.
A solidariedade constitui-se na “alma do bem comum”4, pois cada indivíduo
que compõe a sociedade busca a sua própria felicidade e este é o bem maior
almejado e por todos os demais membros da comunidade. Portanto, constitui-
se num bem universal, o qual pela sua natureza, há que ser proporcionado pelo
ente maior, que é o Estado.
Dallari (1991, p. 90-91) alega neste sentido que, “[...] peculiar e próprio do
Estado são as manifestações sistemáticas da vida solidária dos homens.
Conservar, ordenar e ajudar são as três grandes categorias a que se pode
reduzir a vida do Estado.” (grifos do autor). Assim, é da competência do Estado
a promoção do bem comum e o bem-estar dos indivíduos.
Na realização do bem comum o Estado busca assegurar os direitos sociais e
individuais, a liberdade, a segurança, o desenvolvimento, a igualdade, a justiça,
garantir a dignidade da pessoa humana, fundados numa sociedade fraterna e
harmônica, livre de preconceitos, valores estes preconizados pela Constituição
Federal, em seu preâmbulo5. As formas que o Estado usar para garantir estes
bens devem ser legítimas, legais, morais, justas e vir especialmente saciar
interesses superiores da coletividade.
É imprescindível, contudo, que cada indivíduo veja no princípio do bem comum
a sua própria concretização e auxilie com o todo (sociedade). Todos os
indivíduos devem colaborar para o bem comum da sociedade, o que pode ser
realizado através dos seguintes comportamentos, de acordo com Martins Filho
(2000, p. 9):
a) Obter e exercitar as virtudes morais (convívio social sadio e harmônico);
b) Realizar com competência a atividade profissional ou trabalho ao próximo;
c) Participar direta ou indiretamente nas atividades do Estado (exercer os
deveres de cidadão);
d) Incitar a paz e harmonia na sociedade (respeitar a liberdade).
Não depende exclusivamente do Estado a efetivação do bem comum, a ação é
conjunta, ou seja, há que haver a participação dos indivíduos que o compõem,
no cumprimento de seus deveres e no exercício de seus direitos junto à
sociedade, concomitantemente com os direitos e deveres da unidade estatal,
os quais, todos, estão agasalhados e recolhidos na Constituição.
Ressalta-se que além do bem comum potencializar o bem particular, ao ser
procurado com empenho, também busca o próprio bem visado pelo indivíduo.
“O bem comum está, portanto, para permitir aos indivíduos a consecução de
seus bens particulares, mas é superior a estes: o bem particular de um
indivíduo não pode ser buscado em detrimento do bem comum da sociedade.”
(MARTINS FILHO, 2000, p. 7). O bem comum da sociedade está acima do
bem particular querido pelo indivíduo, isto porque aquele tem por escopo todo o
grande número de indivíduos que compõem o Estado e este é individualíssimo,
privado, particular de cada um.
A perseguição efetiva do bem comum pelo administrador público, nas
hipóteses em que se verifica divergência com o bem buscado pelo particular,
na verdade não configura esse confronto, haja vista os efeitos da prevalência
do bem comum sobre o interesse particular, que são:
1. mediatos – a defesa do bem comum se espraiará necessariamente ao bem
particular do administrador que a promove, uma vez que melhora as condições
gerais da sociedade ou da comunidade na qual se insere;
2.imediatos – o contraste entre o reconhecimento teórico, pelo administrador,
da necessidade da promoção do bem comum e do interesse público, e a
prática de atender primariamente ao seu interesse privado (desvirtuado do seu
verdadeiro bem particular), gera um conflito interior no administrador, capaz de
desnortear a sua capacidade de promover efetivamente o bem comum
(hipocrisia ou duplicidade entre o discurso e a prática), que só se resolve com a
efetiva opção pelo interesse público, capaz de gerar no administrador a
consciência do dever cumprido, essencial para o bom desempenho da missão
que lhe é afeta (coerência entre o discurso e a prática). (MARTINS FILHO,
2000, p. 10).
O conflito entre o bem comum e o interesse particular existe quando o que o
indivíduo ou o administrador público procura não condiz com aquele próprio
para o bem almejado, julgado necessário e imprescindível para a vida, em
conformidade com sua natureza (bem particular).
De qualquer forma compete ao Estado fazer cessar os conflitos de interesses
na sociedade e determinar a quem faz juz o bem em discussão, conforme o
ordenamento jurídico.
2.2 O interesse público

Interesse constitui-se no vínculo de interação que existe entre o homem e um


bem, sendo que a condição deste é saciar algo à vida daquele, quer dizer a
pessoa encontra nesse bem uma vantagem, uma utilização.
A origem da palavra interesse provém do latim e traz por si só a compreensão
do seu significado: "inter" (entre) + "esse" (ser) = "interesse" (ser entre). Quer
dizer, o interesse é o elo de ligação entre o sujeito e o bem, que se
interrelacionam, haja vista que o sujeito vai atrás daquilo que julga ser um bem
que irá saciá-lo.
Quando quem procura um bem é uma sociedade, está-se na presença do que
se determina de interesse público6, que transparece como a vinculação de
dependência entre a sociedade e o bem comum que ela deseja, buscado por
todos os que estão investidos de um poder público na sociedade.
Seguindo nesta esteira, compete ao administrador público, numa sociedade
politicamente organizada, a promoção do bem comum, colocando em prática
por meio de suas ações e comandos o interesse público da coletividade.
A definição de interesse público não é pacífica no ordenamento jurídico, uma
vez que a doutrina simplesmente fixa linhas generalizadas, ficando ao encargo
do administrador a tarefa de averiguar a preservação do mesmo, porque as
necessidades de cada época se alteram e, conseqüentemente o direito
permanece em constante transformação. Novos tempos trazem novas
necessidades para o ser humano e, o Estado há de se remodelar com o novo
indivíduo.
De acordo com Borges (ANO, p.112), “entre os conceitos jurídicos
indeterminados invocáveis no direito público, é o interesse público o de mais
difícil determinação.”
Contudo, traz-se a definição de interesse público de alguns doutrinadores, para
a compreensão, especialmente na contextualização do presente estudo.
De Plácido e Silva (1991, p.498), conceitua interesse público nestes termos:
“Ao contrário do particular, é o que assenta em fato ou direito de proveito
coletivo ou geral. Está, pois, adstrito a todos os fatos ou todas as coisas que se
entendam de benefício comum ou para proveito geral, ou que se imponham por
uma necessidade de ordem coletiva.”
Martins Filho (2000, p.11), em seu estudo, assim define o interesse público:
“[...] é a relação entre a sociedade e o bem comum por ela perseguido, através
daqueles que, na comunidade, têm autoridade (governantes, administradores
públicos, magistrados, etc).”
Mello (1999, p.59), conceituou o interesse público como “[...] o interesse
resultante do conjunto de interesses que os indivíduos pessoalmente têm
quando considerados em sua qualidade de membros da Sociedade e pelo
simples fato de o serem.”

Já Borges (1996, p. 114), diz que “[...] o interesse público é um somatório de


interesses individuais coincidentes em torno de um bem da vida que lhes
significa um valor, proveito ou utilidade de ordem moral ou material, que cada
pessoa deseja adquirir, conservar ou manter em sua própria esfera de valores.”
O interesse público não está dissociado dos interesses dos indivíduos que
compõem a sociedade, constitui-se num julgamento face aos variados
interesses pessoais, ou seja, é vínculo com o conjunto de necessidades dos
indivíduos, cuja satisfação submete a determinadas condições, sendo estas os
interesses individuais.

Esclarece Borges (1996, p. 114), a respeito da responsabilidade dos indivíduos


perante o interesse público tutelado pelo Estado, que:
Esse interesse passa a ser público, quando dele participam e compartilham um
tal número de pessoas, componentes de uma comunidade determinada, que o
mesmo passa a ser também identificado como interesse de todo o grupo, ou,
pelo menos, como um querer valorativo predominante da comunidade. Sem
dúvida, pode bem acontecer que uma parcela da comunidade não reconheça
ou identifique aquele interesse como seu, ou cujo próprio interesse se ache,
até, em colisão com esse querer valorativo predominante. O interesse público,
em uma ordem democrática, não se impõe coativamente. Somente prevalece,
em relação aos interesses individuais divergentes, com prioridade e
predominância, por ser um interesse majoritário. O interesse público e o
interesse individual colidente ou não coincidente, são qualitativamente iguais;
somente se distinguem quantitativamente, por ser o interesse público nada
mais que um interesse individual que coincide com o interesse individual da
maioria dos membros da sociedade.
Deve-se conceber o interesse público como resultado de uma associação entre
o interesse pessoal dos indivíduos e as prerrogativas do Estado na
administração da coisa pública, o qual tem por norte o bem comum da
coletividade. Quando o Estado não atua em estrita obediência à finalidade
pública não está atendendo ao interesse público e, via de conseqüência, o todo
resta prejudicado, aqui considerados os interesses do coletivo.
Em síntese, o interesse público convive com o direito pessoal do indivíduo, não
estando de forma alguma dissociado dos seus interesses, ou seja, de uma
forma ou de outra o interesse público atende aos interesses dos membros que
compõem a sociedade. O certo é que no âmbito do direito do Estado, o
interesse público estará presente com maior ou menor intensidade, sendo que
consiste no princípio basilar para o adequado desempenho e funcionamento
eficiente da Administração Pública enquanto função do Estado, a qual possui
por escopo atender aos interesses e necessidades da coletividade.

3 Democracia participativa

A democracia evidencia um anseio do povo, propagado entre as gerações,


buscando a liberdade, igualdade e a justiça social na vida em sociedade. “O
homem, livre e entusiasta, constrói a felicidade e a vida, no esplendor da
convivência democrática, com um sentimento de liberdade e de alegre
confiança no futuro.” (FERREIRA apud SANT‟ANA, 2003).
Corroborando, Afonso da Silva (1992, p. 115) diz que “[...] a democracia é um
processo de convivência social em que o poder emana do povo, há de ser
exercido direta ou indiretamente, pelo provo e em proveito do povo.” (grifos do
autor)
A Carta Política de 1988, funda-se no princípio democrático, enunciado
especialmente pelo preâmbulo e artigos 1º e 3º, incisos II e IV.7 A Constituição
institui o Estado Democrático de Direito fundado nos princípios da soberania
popular, em que o povo acaba por ser a única fonte do poder, e pela
participação, direta ou indireta, do povo no poder, consubstanciado este na
vontade popular.
O princípio da democracia participativa, inserido no artigo 1°, parágrafo único
da Constituição Federal do Brasil, agasalha os postulados da democracia
representativa e participativa. Ainda que o sistema representativo seja o
elemento nuclear da definição de democracia, a Constituição estabelece que a
democracia representativa e a participativa são compatíveis, elas não se
excluem ou concorrem entre si, mas se complementam na estruturação do
Estado Democrático.
Frisa-se o disposto no enunciado citado que "Todo o poder emana do povo,
que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos
desta Constituição", este dispositivo assinala a presença no regime brasileiro
de um modelo de democracia participativa, semidireta ou plena, em que o
cidadão exerce a soberania popular para além do voto, preserva em potencial
os cidadãos. (PILATTI apud SANT‟ANA, 2003).
O princípio democrático que fundamenta o Estado Democrático traduz a
complexidade em que se estrutura a própria unidade estatal, neste sentido
Canotilho (apud MARTINÉZ, 2004), esclarece:
Em primeiro lugar, o princípio democrático acolhe os mais importantes
postulados da teoria democrática representativa [...] Em segundo lugar, o
princípio democrático implica democracia participativa, isto é, a estruturação
de processos que ofereçam aos cidadãos efetivas possibilidades de
aprender a democracia, participar nos processos de decisão, exercer
controle crítico na divergência de opiniões, produzir inputs político-
democráticos. É para este sentido participativo que aponta o exercício
democrático do poder [...], a participação democrática dos cidadãos [...], o
reconhecimento constitucional da participação direta e ativa dos cidadãos como
instrumento fundamental da consolidação do sistema democrático [...] e
aprofundamento da democracia participativa. (grifos nossos).
Os valores de democracia enunciados pela Constituição brasileira irradiam
sobre todos os elementos que estruturam o Estado, bem como atinge a ordem
jurídica, a qual deverá, por força destes valores democráticos, absorver a
vontade popular e ajustar-se ao interesse da coletividade. (AFONSO DA
SILVA, 1992, p. 108). Esta vontade popular que o Estado precisa sentir para
conformar-se com a democracia dá-se com a participação efetiva do povo na
formação dos atos de governo e nos processos decisórios. Isto possibilita a
sociedade livre, justa e solidária, como propõe o art. 3º, II da CF, com a
efetivação do processo de convivência social (Estado + povo).
O regime democrático brasileiro apresenta a “idéia de participação”, em que “O
princípio participativo caracteriza-se pela participação direta e pessoal da
cidadania na formação dos atos de governo. (AFONSO DA SILVA, 1992, p.
128). (grifos do autor).
O princípio democrático deve “institucionalizar a prática democrática da
política”, como forma de regular e de por limites nas ações e decisões tomadas
ou ainda controlar o poder dos que detém o domínio, neste sentido Canotilho
(apud MARTINÉZ, 2004) afirma:
O princípio democrático não elimina a existência das estruturas de domínio
mas implica uma forma de organização desse domínio. Daí o caracterizar-se o
princípio democrático como princípio de organização da titularidade e exercício
do poder. Como não existe uma identidade entre governantes e governados e
como não é possível legitimar um domínio com base em simples doutrinas
fundamentantes é o princípio democrático que permite organizar o domínio
político segundo o programa de autodeterminação e autogoverno: o poder
político é constituído, legitimado e controlado por cidadãos (povo), igualmente
legitimados para participarem no processo de organizar da forma de Estado e
de governo.
A democracia que está aparecendo é participativa ou republicana, eis que
tradicionalmente esta tem por base a efetiva participação dos cidadãos nas
decisões do governo, ou seja, no processo político e isto é primordial para
garantir o Estado de Direito.
Salienta-se ainda citando Canotilho (apud MARTINÉZ, 2004) que o princípio
democrático deve nortear-se pelos direitos fundamentais, já consagradas
constitucionalmente:
Tal como são um elemento constitutivo do Estado de Direito, os direitos
fundamentais são o elemento básico para a realização do princípio
democrático. Mais concretamente: os direitos fundamentais têm uma função
democrática dado que o exercício democrático do poder: 1) significa a
contribuição de todos os cidadãos [...] para o seu exercício (princípio-direito da
igualdade e da participação política); 2) implica participação livre assente em
importantes garantias para a liberdade desse exercício (o direito de
associação, de formação de partidos, de liberdade de expressão, são, por
exemplo, direitos constitutivos do próprio princípio democrático); 3) co-envolve
a abertura do processo político no sentido da criação de direitos sociais,
econômicos e culturais, constitutivos de uma democracia econômica, social e
cultural. (grifos do autor).
A presença de cidadãos participativos nas ações governamentais, faz com que
os governos não atendam a lei simplesmente por obrigação ou
constrangimento, mas porque percebem que é de interesse da coletividade,
estando de acordo com os direitos fundamentais preconizados pela
Constituição Federal. Isto porque a participação é uma determinação política e
constitucional, que possui proteção jurídica.
E, a Constituição Federal de 1998 apresenta inúmeros dispositivos que
referenciam as formas democrática de participação plena dos cidadãos em
processos decisórios.8 De acordo com Santos e Avritzer (apud PEREIRA,
2005), a democracia participativa consiste em um dos principais meios por
meio da qual a emancipação da população está se reinventando neste século,
possibilitando restaurar e concretizar a autonomia e igualdade de condições.
Ostrom (apud PEREIRA, 2005) assevera que “é o espaço público aberto e a
forma como ele se conecta a formas de Estado mais estruturadas que tornam o
processo de governar acessível aos cidadãos”. É neste espaço que as pessoas
da sociedade aprendem o significa real do que é conviver em uma democracia,
em que existe a liberdade e a igualdade da participação em debates públicos,
em que a opinião da população torna-se a cada dia mais relevante e, se
progride para uma cultura da investigação pública e se fortalece este ideal na
sociedade.
A democracia participativa apresenta como premissa o interesse do povo na
autodeterminação ou autonomia política, num processo de estrutura que requer
a plena participação dos cidadãos. O princípio da participação, incluindo aqui o
âmbito legislativo e judicial e não somente no plano das ações governamentais
e de execução, está diretamente ligado à legitimidade das instituições
democráticas, fazendo com que a participação nos processos decisórios
aproxime o cidadão das discussões e decisões públicas em que os interesses
da coletividade estejam envolvidos de forma direta. (CANOTILHO apud
OLIVEIRA FILHO, s.d. ).
“A democracia participativa é o caminho do futuro. Há que formar no povo a
consciência constitucional de suas liberdades, de seus direitos fundamentais,
de sua livre organização de poderes.” (BONAVIDES, 2005).

4. Empoderamento

De acordo com Cavalcante Pereira (2006) empoderamento (Empowerment)


significa, de forma generalizada:
[...] a ação coletiva desenvolvida pelos indivíduos quando participam de
espaços privilegiados de decisões, de consciência social dos direitos sociais.
Essa consciência ultrapassa a tomada de iniciativa individual de conhecimento
e superação de uma situação particular (realidade) em que se encontra, até
atingir a compreensão de teias complexas de relações sociais que informam
contextos econômicos e políticos mais abrangentes.
A emancipação propiciada ao cidadão, por esta tomada de parte legítima das
discussões públicas e dos processos decisórios, favorece o despontar do
empoderamento na coletividade. Esta consciência de “poder” participar
efetivamente das ações e condutas públicas é necessária para que a pessoa
supere processos de dominação política e promova mudanças sociais, além do
que contribui para o fortalecimento individual e coletivo da cidadania, da
dignidade humana, da liberdade e da igualdade, preceitos estes que se
constituem diretrizes da democracia participativa.
Gohn (2004), destaca que a categoria empoderamento não apresenta um
caráter universal, haja visto que:
Tanto poderá estar referindo-se ao processo de mobilizações e práticas
destinadas a promover e impulsionar grupos e comunidades - no sentido de
seu crescimento, autonomia, melhora gradual e progressiva de suas vidas
(material e como seres humanos dotados de uma visão crítica da realidade
social); como poderá referir-se a ações destinadas a promover simplesmente a
pura integração dos excluídos, carentes e demandatários de bens elementares
à sobrevivência, serviços públicos, atenção pessoal etc., em sistemas
precários, que não contribuem para organizá-los – porque os atendem
individualmente, numa ciranda interminável de projetos de ações sociais
assistenciais.
“O „empoderamento‟ da comunidade, para que ela seja protagonista de sua
própria história [...]. Trata-se de processos que tenham a capacidade de gerar
processos de desenvolvimento auto-sustentável [...].” (GOHN, 2004).
Esta idéia do empoderamento deve instigar nos indivíduos a possibilidade de
realização plena dos seus direitos e representar para a sociedade “[...] espaço
institucional de articulação e emergência de novos agentes/atores políticos
envolvidos na transformação democrática da relação Estado-sociedade.”
(CAVALCANTI PEREIRA, 2006).
De acordo com Putman (apud GOHN, 2004), comunidades cívicas e capital
social são definições básicas para a compreensão do empoderamento.
Caracteriza-se comunidades cívicas como "cidadãos atuantes e imbuídos de
espírito público, por relações políticas igualitárias, por uma estrutura social
firmada na confiança e na colaboração". A prática democrática tem como
derivações “relações horizontais, espírito de reciprocidade e cooperação.”
Já quanto ao capital social, para Putman (apud GOHN, 2004):
“[...]o cerne da idéia da teoria do capital social é que as redes têm valor [..].
Enquanto capital físico refere-se a objetos físicos e capital humano refere-se a
propriedades dos indivíduos, capital social refere-se à conexão entre
indivíduos, redes sociais e às normas de reciprocidade e lealdade que nascem
deles. Neste sentido, capital social é a "virtude cívica" e esta [...] é mais
poderosa quando imersa numa densa rede de relações sociais recíprocas.
Uma sociedade de muitos indivíduos virtuosos, mas isolados, não é
necessariamente rica em capital social ".
Cavalcante Pereira (2006) assevera que “O empoderamento devolve poder e
dignidade a quem desejar o estatuto de cidadania, e principalmente a liberdade
de decidir e controlar seu próprio destino com responsabilidade e respeito ao
outro.”
De acordo com Baquero (apud BAQUERO, BAQUERO, KEIL, s.d.), o
empoderamento interpretado como [...] processo e resultado, pode ser
concebido como emergindo de um processo de ação social, no qual os
indivíduos tomam posse de suas próprias vidas pela interação com outros
indivíduos, gerando pensamento crítico em relação à realidade, favorecendo a
construção da capacidade pessoal e social e possibilitando a transformação de
relações sociais de poder. No Brasil, presencia-se uma resignificação do
contexto da participação efetiva e plena do cidadão na coisa pública,
contribuindo para o empoderamento dos mais variados setores populares,
ainda que seja de forma a clarear as formas jurídicas desta participação,
enunciada pela Carta Política, e redefiní-las sob os direitos fundamentais da
democracia. Contudo, apesar destas ações serem lentas oportuniza e capacita
a sociedade a se organizar e defender seus interesses em defesa da cidadania
e dos seus direitos.
Neste contexto, assevera Gohn (2004) que a participação da sociedade civil é
importante “ [...] não apenas para ocupar espaços antes dominados por
representantes de interesses econômicos, encravados no Estado e seus
aparelhos. A importância se faz para democratizar a gestão da coisa pública,
para inverter as prioridades das administrações [...].” Alcançar a democracia de
forma justa e igualitária, traz como implicação motivar e propiciar que os
indivíduos participem ativamente da gestão pública. Para isto o Estado deve
incentivar e valorizar a participação popular.
Para que a participação seja ativa e alcance os preceitos da democracia
participativa, Gohn (2004) apresenta alguns pressupostos, os quais devem
estar presentes nesta efetivação:
a. Uma sociedade democrática só é possível via o caminho da participação dos
indivíduos e grupos sociais organizados.
b. Não se muda a sociedade apenas com a participação no plano local, micro,
mas é a partir do plano micro que se dá o processo de mudança e
transformação na sociedade.
c. É no plano local, especialmente num dado território, que se concentram as
energias e forças sociais da comunidade, constituindo o poder local daquela
região; no local onde ocorrem as experiências, ele é a fonte do verdadeiro
capital social, aquele que nasce e se alimenta da solidariedade como valor
humano. O local gera capital social quando gera autoconfiança nos indivíduos
de uma localidade, para que superem suas dificuldades. Gera, junto com a
solidariedade, coesão social, forças emancipatórias, fontes para mudanças e
transformação social.
d. É no território local que se localizam instituições importantes no cotidiano de
vida da população, como as escolas, os postos de saúde etc. Mas o poder local
de uma comunidade não existe a priori, tem que ser organizado, adensado em
função de objetivos que respeitem as culturas e diversidades locais, que criem
laços de pertencimento e identidade sócio-cultural e política. (grifos do autor)
Neste contexto da participação, o empoderamento, perpassa idéia de
democracia participativa e garantia de direitos, envolvendo sobremaneira o agir
do indivíduo, em “processos de reflexão sobre a ação” com vistas a
conscientização sobre diferentes fatores que envolvem sua vida (econômica,
política e cultural), os quais coadunam com a realidade, incidindo diretamente
sobre o sujeito. (BAQUERO, BAQUERO, KEIL, s.d.).
O empoderamento do indivíduo perpassa pela consciência de sua condição
de cidadão na sociedade, sujeito dotado de poder, legitimamente garantido
pelo princípio democrático, que lhe confere o direito de participar dos
processos governamentais de cunho decisórios, com intuito de agir diretamente
sobre os fatores que influenciam sobre a qualidade de sua vida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Estado sendo instituição originária da organização dos homens em


sociedade, apresenta como fim precípuo o interesse público, este constitui-se
norte das ações e decisões buscadas no desenvolvimento das funções
estatais.
No caso brasileiro, o Estado está estruturado de forma que vige os princípios
democrático e participativo, consolidados pela Constituição Federal, desde o
seu preâmbulo e ainda em inúmeros dispositivos, os quais vem concretizar os
anseios da população, quer seja a liberdade, a igualdade, a dignidade e a
justiça social.
Para alcançar estes valores, o indivíduo tem que deixar de lado a acomodação,
emancipar-se como cidadão e de forma ativa e plena dispor dos poderes que
estão assegurados constitucionalmente para participar das decisões políticas e
administrativas.
Na condição de cidadão, o indivíduo tem que se empoderar e imbuir-se de
vontade para tomar parte e participar dos debates públicos e das decisões
sobre os interesses que melhor atenderão as necessidades sejam elas
coletivas ou individuais, as quais irão compor as políticas públicas.

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NOTAS DE RODAPÉ
1 Na história Aristóteles é considerado o precursor do estudo das funções do
Estado, em seguida Montesquieu foi quem expôs a teoria da tripartição das
funções independentes entre si em Executivo, Legislativo e Judiciário.
(STRECK; MORAIS, 2000, p. 152). Segundo Duguit, dando ênfase ao acto
jurídico, o qual pode ter as formas de acto-regra, acto-condição e acto
subjectivo, assim se classificam as funções do Estado: a) função legislativa,
condiz com a prática de atos-regra; b) função administrativa, condiz com
prática de atos-condição, atos subjetivos e das atividades dos serviços públicos
e, c) função jurisdicional, visa a resolução e decisão de questão de direito que
lhe é submetida. E Kelsen, que afirma: “toda a função do Estado é uma função
da criação jurídica: o processo evolutivo e graduado da criação normativa”.
Consubstancia-se na teoria da pirâmide das normas, assim constituída: 1º (no
vértice) Constituição; 2º (em seqüência e abaixo) leis e, 3º ( na base) decisões
judiciais e administrativas. (STRECK; MORAIS, 2000, p. 149-157).
2 Para Martins Filho (2000, p. 10): “Para se formar um conceito de bem
comum, necessário se faz conjugar 5 noções básicas: finalidade, bem,
participação, comunidade e ordem. a) Finalidade é o objetivo para o qual tende
o ser e que o move por atração (causa final, que melhor explica o ser). b) Bem
é aquilo que apetece a todos, atraindo como um fim a ser buscado. c)
Participação é ter uma parte de um todo (concepção material), ou ter
parcialmente o que outro tem totalmente (concepção espiritual). d) Comunidade
é a comunhão existente entre os que participam de um mesmo bem e possuem
uma finalidade comum. e) Ordem é a hierarquia entre seres distintos
(subordinação de uns em relação a outros), que têm algo em comum
(participação de uma mesma natureza ou fim).”

3 De acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa Larousse Cultural (1992,


p.5), o termo solidário “Diz-se de cada uma das pessoas que, isoladamente,
respondem pela totalidade de uma obrigação conjunta ou que sejam, também
isoladamente, credoras de um direito comum.”

4 Segundo Lima (apud MARTINS FILHO, 2000, p. 5).: “A alma do Bem Comum
é a Solidariedade. E a solidariedade é o próprio princípio constitutivo de uma
sociedade realmente humana, e não apenas aristocrática, burguesa ou
proletária. É um princípio que deriva dessa natureza naturaliter socialis do ser
humano. Há três estados naturais do homem, que representam a sua condição
ao mesmo tempo individual e social: a existência, a coexistência e a
convivência. Isto vale para cada homem, como para cada povo e cada
nacionalidade."
5 Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional
Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-
estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de
uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia
social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução
pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
6 Reporta-se no estudo unicamente no sentido de esclarecer a espécie de
interesse público primário ou geral, sendo que se usa a terminologia interesse
público para referir-se a esta espécie. Contudo, esclarece-se que
hodiernamente, no Direito Moderno, face ao aumento das necessidades
decorrentes das relações sociais, identificam-se três espécies de interesse
público: primário ou geral, difuso e coletivo. Pazzaglini (2000, p. 39-40)
diferencia estas espécies de interesse público nestes termos: “O interesse
público primário, ou geral, diz respeito a toda a sociedade (v.g. isonomia de
direitos; liberdade de pensamento, de crença religiosa, de reunião, de exercício
de qualquer trabalho, ofício ou profissão; inviolabilidade da intimidade, da vida
privada, da honra, da casa, da correspondência e de dados; boa gestão da
Administração Pública; direitos sociais ao trabalho, segurança e previdência). O
interesse Público difuso, outrossim, atinge um número indeterminado de
pessoas, sem vínculo jurídico de agregação entre elas, diante de fatores
indivisíveis ou essencialmente genéricos, tais como ambiental (v.g., poluição
atmosférica, sonora, de resíduos sólidos, de mananciais e de recursos
hídricos); urbanístico (v.g., ocupação desordenada ou desconforme do solo,
loteamentos clandestinos, especulação imobiliária); de probidade administrativa
(v.g., desmandos no trato do patrimônio público ou na prestação de serviços
públicos essenciais); de educação (v.g., não acessibilidade de todos ao ensino
fundamental gratuito, diversidade de condições para admissão a outros níveis
de ensino); de saúde (v.g., desigualdade de acesso às ações e serviços de
saúde), do consumidor (v.g., publicidade enganosa). [...] O interesse público
coletivo, que não pode contratar com aqueles, refere-se a categorias
específicas de indivíduos, a determinados segmentos da sociedade, em função
de uma relação ou vínculo jurídico comum que os congrega, tais como partidos
políticos, sindicatos, associações profissionais, consumidores de certos
produtos (v.g., reajuste de aposentadoria ou do sistema financeiro da
habitação, progressividade da contribuição previdenciária aos funcionários
públicos, cobrança abusiva de mensalidade escolar, planos de saúde
discriminatórios, irregularidades de consórcios ou de fornecimento de cartões
de crédito).”

7 Preâmbulo já citado em nota do item 2.1. Para enfatizar a importância que


possui o preâmbulo, contribui Miranda (apud Martinez, 2004) que: “O alcance
político e literário do preâmbulo é evidente em qualquer Constituição. Ele
reflete a opinião pública ou o projeto de que a Constituição retira a sua força;
mais do que no articulado e nas palavras adquirem aqui todo o seu valor
semântico e a linguagem todo o seu poder simbólico [...] Para nós, o preâmbulo
é parte integrante da Constituição, com todas as suas conseqüências. Dela não
se distingue nem pela origem, nem pelo sentido, nem pelo instrumento em que
se contém. Distingue-se (ou pode distinguir-se) apenas pela sua eficácia ou
pelo papel que desempenha [...] Tudo quanto resulte do exercício do poder
constituinte – seja preâmbulo, sejam preceitos constitucionais – e conste da
Constituição em sentido instrumental, tudo é Constituição em sentido formal.”
Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático
de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a
dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do
povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos
termos desta Constituição. [...] Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e
solidária; [...]; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
8 Aponta-se vários exemplos: a) participação da comunidade nas ações de
seguridade social (art. 194,VII); b) participação dos trabalhadores e
empregadores nos órgãos colegiados dos órgãos públicos, para defesa de
interesses profissionais ou previdenciários (art. 10); c) colaboração de
associações representativas da coletividade no planejamento municipal (art.
29, XIII); d) colocação das contas dos municípios à disposição dos cidadãos,
que poderão questionar-lhes a legitimidade (art. 31, § 3º);e) participação dos
usuários dos serviços públicos na administração direta e indireta (art. 37, §3º);f
) realização de audiências públicas das comissões do Legislativo com
entidades da sociedade civil (art. 58, II); g) participação da comunidade, na
gestão administrativa das ações de seguridade social (art. 194, parágrafo
único, VII); h) participação da comunidade nas ações e serviços públicos de
saúde (art. 198, III); i) colaboração da sociedade na promoção e incentivo da
educação, direito e dever de todos (art. 205); j) colaboração da comunidade
com o poder público, para a proteção do patrimônio cultural brasileiro (art. 216,
§ 1º); k) exercício, pela coletividade, do dever de preservar o meio ambiente
para as presentes e futuras gerações (art. 225); l) participação das entidades
não governamentais nos programas de assistência integral à saúde das
crianças e adolescentes (art. 227, §1º); m) participação popular, por meio de
organizações representativas, na formulação das políticas e controle das ações
de assistência social, em todos os níveis (art. 204), bem como em defesa da
criança e do adolescente (art. 227, § 7º).

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