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Progressivamente – e um tanto
a contragosto dos psicanalistas, é
preciso reconhecer – o termo “pâni-
co” foi passando a fazer parte da clí-
nica contemporânea.
No início, isso é, ao longo dos
anos oitenta, tratava-se de uma
constatação no campo da prática:
Dr. Mario Eduardo cada vez mais amiúde começavam
Costa Pereira a chegar a seus consultórios indiví-
duos desesperados, autodiagnos-
ticando-se como portadores de uma
certa “síndrome do pânico” e solici-
tando muito mais alívio e reasse-
guramento do que propriamente uma elucidação de seus conflitos incons-
cientes.
O quadro era típico: tratava-se, em geral, de um adulto entre os 20 e 45
anos de idade, queixando-se de grande angústia, de medo de morrer e de
insegurança extrema. Seu temor maior era o de ser acometido, de uma hora
para outra, de ataques de ansiedade, contra os quais nada poderia fazer.
Nesses momentos, a sensação era a de estar morrendo, perdendo o controle
ou de estar ficando louco. Muitos descreviam as crises como tendo sido a
pior experiência de toda sua existência. Eles fariam qualquer coisa para
não ter que passar por tudo aquilo novamente.
O início dos ataques era abrupto, e, com freqüência, as circunstâncias
objetivas não eram suficientes para justificar o surgimento de tamanho mal-
estar. A seus olhos, os acessos de ansiedade pareciam sem sentido, incom-
preensíveis, absurdos.
Em poucos minutos, a progressão vertiginosa da ansiedade atingia seu
ápice, mergulhando o sujeito no mais absoluto terror. As intensas sensa-
ções físicas experimentadas durante a crise reforçavam a convicção de que
um terrível processo letal estaria em curso e que a morte seria o desfecho
inevitável. Taquicardia, falta de ar, intensa opressão sobre o tórax, boca
seca, tonturas, vertigens, impressão de ter um buraco abrindo-se sob seus
pés, levando-o a uma sensação de queda sem fim, mãos frias, sudorese
generalizada, ondas de frio e de calor percorrendo todo o corpo, diarréia e
palidez eram alguns dos inúmeros sintomas corporais que compunham, em
diferentes combinações, o quadro apresentado pelo paciente.
Desesperado, ele sente que deve “fazer alguma coisa”, mas o quê?
Nada lhe parece eficaz: correr, gritar, clamar por ajuda, ir para o Pronto
Socorro, respirar profundamente, chorar? Ele tenta um pouco de tudo isso,
sem qualquer resultado.
Em alguns minutos, a crise desaparece tão absurdamente quanto co-
meçara, deixando em seu rastro uma profunda sensação de medo, de des-
moralização e um verdadeiro terror de que tudo reinicie a qualquer mo-
mento.
Mario Eduardo Costa Pereira na SBPdePA
Tendo passado por essa experiência tão assustadora e tão cheia de sin-
tomas físicos, o sujeito adquire a convicção de que está sendo vítima de
alguma gravíssima doença física, provavelmente de origem cardíaca, a qual
pode matá-lo subitamente, sem nenhum aviso. Ele desespera-se, implora
por ajuda.
A repetição desses ataques e sua impotência em descobrir uma causa
orgânica para seus males, apesar das infindáveis investigações médicas a
que geralmente se submete, contribuem para que mergulhe em um estado
de insegurança e de apreensão permanentes.
Passa a ter medo de que lhe advenha uma morte fulminante e desespe-
ra-se, pois fica convencido de que ninguém sabe o que está lhe ocorrendo e
de que ninguém poderá ajudá-lo.
O único recurso disponível termina sendo o de se refugiar em um am-
biente “protegido”, geralmente em casa, próximo a uma ou mais pessoas
de confiança, a quem possa recorrer em caso de novo ataque. A restrição de
seu espaço físico e existencial parece-lhe preferível ao risco de ser surpre-
endido por uma nova crise de angústia em circunstâncias em que não possa
dispor de socorro imediato.
Passa, então, a evitar de sair à rua e deixa de freqüentar lugares fecha-
dos ou dos quais não possa sair rapidamente em caso de um novo ataque.
Seu mundo social estreita-se radicalmente, dando lugar a um enorme
entrincheiramento no próprio lar, associado a um terrível sentimento de
desamparo e ao medo de morrer a qualquer instante. A angústia passa a ser
um problema em si mesma.