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Marcos A.da Se ANPUH NicleodeS@ 4, Reflexdes sobre o procedimento Adalberto Marson “4.,.) 0 que tanto se lamenta n&o é bem o desapareci- mento da histéria e sim 0 esfacelamento desta forma de histéria que, em segredo, mas de corpo inteiro, estava re- ferida a atividade sintética do sujeito;” M. Foucault — £ archéologie du savoir, p. 24. Geralmente, quando aqueles que estudam histéria se véem diante da questéo tedrica, formam a expectativa de poder resolver, pelo menas, duas dificuldades: 12 ) como distinguir 0 que seja realmente uma teoria, e 22 ) como estabelecer a juncdo da teoria com a pratica. Ambas supSem a importancia vital da teoria para se entender e conhecer alguma coisa (no caso: histéria), atribuindo-lhe, de um lado, o estatuto de uma certeza prévia e, de outro, definindo sua validade pelo grau de adequacdo as necessidades imediatas da prdtica. Nessa direcdo, a expectativa torna-se quase sempre insoliivel e frustradora. Se, num primeiro momento, o dominio de alguma armagao teérica pode confortar a exigéncia de expli- cag¢a4o completa, j4 em outro momento as dificuldades no trato do mundo empirico dos fatos e acontecimentos podem decretar a inutilidade dos modelos concebidos, diante de realidades, documentagao ou simples pro- vas que os invalidem. Desde jd, quero esclarecer que a questo no serd aqui discutida sob tais preocupacées imediatistas. Na primeira parte, tentarei sistematizar as nogées, categorias e princ{pios mais gerais e mais freqiientes com os quais se tem efetuado o procedimento histérico na recriagéio do pasado. Na segunda, inicio a discuss&o e a critica mais ampla dos pressupostos deste procedimento, no sentido de se pensar a possibilidade de uma outra his- toricidade dentro das condigdes também poss(veis de se conceber e ensinar histéria. E bom ressaltar que essas reflexes foram problematiza- das no 4mbito da pratica do professor de historia e se dirigem para aque- 37 les que estéo, preferencialmente, nesta condi¢do'® (e nao, propriamente, na de pesquisadores ou historiadores), o que justifica a quase omissdo da “questo metodolégica”’, isto é, 0 modo pelo qual se efetua a investi- gago (ou pesquisa). Estaremos sempre lidando com 0 dominio da inter- pretagdo, em suas varias modalidades. A questo inicial vem a ser uma dupla interrogagao sobre 0 processo de conhecimento na sua fase jé inteiramente acabada e convertida em matéria de reprodugio através do processo pedagégico: ou seja, indagar o que tem significado para nds o ato de conhecer (no caso: em histéria) e, ao mesmo tempo, em que consiste este especial conhecimento histérico. Em outras palavras, isto traz a tona o historiador e seu objeto (o passado), © modo como a historicidade tem sido edificada e as regras de procedi- mento do historiador (sujeito cognoscente) em sua visio e apropriacéo do passado. O conhecer em histéria Levantar estas indagagdes é remexer em querelas antigas da historio- grafia e enfrentar complicadas discuss6es filoséficas. A no ser em redu- tos localizados e tradicionais, parece que ninguém mais discute a histori- cidade nos termos em que, no século XIX, se rivalizavam eruditos versus ensa(stas, positivistas versus roménticos: se é uma Ciéncia ou uma Arte. Hd-uma aceitagdo corrente, hoje, do estatuto cientifico do conhecimento histérico, conforme um padr&o disseminado de objetividade e racionali- dade de seus fundamentos, e tendo em vista certos critérios mais rigoro- sos de investigag&o. O_trabalhé do historiador tornou-se uma operacéo sofisticada, mediante um Conjunto de regras metodolégicas e técnicas, \ complementada por uma variedade de interpretacdes e montada em cer- tos meios de controle do objeto analisado através dos recursos da classi- (}) ficagdo e da quantificagdo, de tal modo a se conseguir um méximo p | | de distanciamento formal deste objeto. O que as varias correntes tedricas ‘Y || tém disputado, em polémica cerrada, é a primazia de possuir 0 melhor 1 \ critério de tal racionalidade e a determinac&o que melhor preencha todos | os vazios e ocultamentos. Na relacdo sujeito-objeto, o sujeito (aquele ! que pensa e conhece) torna-se a figura central de todo o processo de conhecimento, e este passa a ter como finalidade essencial a instauragao a posse de uma verdade, aceita como objetiva, ainda que seus critérios se mostrem relativos aos quadros cronolégicos ou aos jufzos do observa- dor. O poder dado a este sujeito nasce no interior desta operagdo mesma, 16 38 Este texto originou-se de duas conferéncias no Curso de Atualizagéo em His- toria para treinamento de Professores de Histéria de 2° grau, organizado pela ‘equipe de Estudos Sociais da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedag6gicas. da Secretaria de Educaco do Est. de Séo Paulo, em agosto e outubro de 1980.

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