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RESPONSABILIDADE CIVIL
1.1 CONCEITO
Introdução
Já falamos, em aulas anteriores, sobre ato ilícito, assentamos as noções de
dolo e culpa, caracterizamos o princípio da responsabilidade civil e, ao
tratarmos da inexecução das obrigações já cogitamos da indenização do dano
patrimonial, como do dano moral, estudamos a força maior e o caso fortuito
como causas de inimputabilidade.
Cuidaremos, agora, da responsabilidade civil, devemos lembrar que a
idéia de reparação é muito mais ampla do que a de ato ilícito; se este cria o
dever de ressarcir, há entretanto casos de indenização em que se não cogita da
iliceidade da conduta do agente. Daí cuidarmos primeiro da reparação
originária da culpa e depois daquela a que é estranha a sua noção.
O causador de ofensa ou violação do direito alheio, diz o art. 942 do
Código Civil, responde com os seus bens pela reparação do dano causado.
Destaca-se, portanto, em primeiro plano, o agente do ato ilícito, o qual está
sujeito à indenização, quer se trate de dano de natureza patrimonial, quer de
dano moral. Verificados, pois, os pressupostos que estudaremos um a um, cabe
ao agente ressarcir o dano causado, por si ou por seus sucessores, dentro das
forças da herança (art. 943, CC). Tendo a ofensa mais de um autor, todos
responderão solidariamente pela reparação.
O fundamento maior da responsabilidade civil, portanto, está na culpa. No
entanto, como veremos mais adiante, é fato que a culpa não se mostra suficiente
para cobrir toda a gama dos danos ressarcíveis, muito embora os atos lesivos
sejam, em sua grande maioria, causados por uma conduta antijurídica do
agente, por negligência, imprudência ou imperícia. Assim, a evolução da
responsabilidade civil gravita em torno de socorrer a vítima, o que tem levado a
doutrina e a jurisprudência a marchar adiante dos códigos, na busca pela
aplicação da boa justiça, aceitando, em muitos casos, a reparabilidade sem o
fundamento da culpa.
Teorias
A responsabilidade civil se assenta, segundo a teoria clássica, em três
pressupostos: um dano, a culpa do autor do dano e a relação de causalidade
entre ambos.
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Nos primórdios da humanidade, entretanto, não se cogitava do fator
culpa. O dano provocava a reação imediata, instintiva e brutal do ofendido.
Não havia regras nem limitações. Não imperava, ainda, o direito. Dominava,
então, a vingança privada, tornada famosa na pena de talião “olho por olho, dente
por dente”.
Sucede-se o período da composição. O prejudicado passa a perceber as
vantagens e a conveniência da substituição da vindita, que gera a vindita, pela
compensação econômica. Aí ainda não se cogitava da culpa, a composição
ficava a critério da vítima, como forma de reintegração do dano sofrido.
Em estágio mais avançado, quando já existe uma soberana autoridade, o
legislador veda à vítima fazer justiça pelas próprias mãos. A composição
econômica, de voluntária que era, passa a ser obrigatória, e, além disso,
tarifada. É quando o ofensor paga um tanto ou quanto por membro roto, por
morte de um homem livre ou de escravo, surgindo, em conseqüência, as mais
esdrúxulas tarifações. É a época do Código de Ur-Nammu, do Código de Manu
e da Lei das XII Tábuas.
A diferenciação entre “pena” e “reparação”, entretanto, somente começou a
ser esboçada ao tempo dos romanos, com a distinção entre os delitos públicos
(ofensas mais graves, de caráter perturbador da ordem) e os delitos privados.
Nos delitos públicos, a pena econômica imposta ao réu deveria ser recolhida
aos cofres públicos, e nos delitos privados, a pena em dinheiro cabia à vítima.
O Estado assumiu assim, ele só, a função de punir. Quando a ação
repressiva passou para o Estado, surgiu a ação de indenização. A
responsabilidade civil, então, tomou lugar da responsabilidade penal.
É na Lei Aquília que se esboça, afinal, um princípio geral regulador da
reparação do dano, onde surge a figura da “injúria” como elemento
caracterizador da culpa, o que acaba, sob o influxo dos pretores e da
jurisprudência, deitando raízes no Direito Romano.
O direito francês, aperfeiçoando pouco a pouco as idéias românicas,
estabelece nitidamente um princípio geral da responsabilidade civil, calcando
nos seguintes ideais: direito à reparação sempre que houvesse culpa, ainda que
leve, separando-se a responsabilidade civil (perante a vítima) da
responsabilidade penal (perante o Estado); existência de culpa contratual (a de
quem descumpre suas obrigações) e que não se liga a crime nem a delito, mas
se origina apenas de negligência ou imprudência. Era a generalização do
princípio aquiliano: “In lege Aquilia et levíssima culpa venit”, ou seja, o de que a
culpa, ainda que levíssima, obriga a indenizar.
A noção da culpa in abstracto e a distinção entre culpa delitual e culpa
contratual foram finalmente inseridas no Código de Napoleão (arts. 1.382 e
1.383). Passou a responsabilidade civil a se fundar, pois, na culpa (TEORIA DA
CULPA), definição esta que passou a se inserir na legislação de todo o mundo.
Nos últimos tempos, no entanto, vem ganhando terreno a chamada
TEORIA DO RISCO que, sem substituir a teoria da culpa, cobre muitas
hipóteses em que o apelo às concepções tradicionais se revela insuficiente para
a proteção da vítima. Para tal teoria, a responsabilidade seria encarada sob o
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aspecto objetivo: o operário, vítima de acidente de trabalho, tem sempre direito
à indenização, haja culpa ou não do patrão ou do acidentado. O patrão
indenizaria, não porque teria culpa, mas simplesmente porque é dono da
maquinaria ou dos instrumentos de trabalho que provocaram o infortúnio.
Na teoria do risco se subsume a idéia do exercício de atividade perigosa
como fundamento da responsabilidade civil. O exercício de atividade que possa
oferecer algum perigo representa um risco, que o agente assume, de ser
obrigado a ressarcir os danos que venham resultar a terceiros dessa atividade.
Há, nesse caso, inversão do ônus da prova, ou seja, o agente só se exonera da
responsabilidade se comprovar que adotou todas as medidas idôneas para
evitar o dano.
A responsabilidade objetiva, presente neste caso, funda-se num princípio
de eqüidade, existente desde o direito romano: aquele que lucra com uma
situação deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes. Em
suma, quem aufere os cômodos (lucros) deve suportar os incômodos (riscos).
O direito brasileiro manteve-se fiel à teoria subjetiva, como se nota no art.
186 do Código Civil, ou seja, para que haja responsabilidade é preciso que haja
culpa. A reparação do dano tem como pressuposto a prática de um ato ilícito.
Sem prova de culpa, inexiste a obrigação de reparar o dano. Entretanto, em
outros dispositivos e em leis esparsas, adotam-se os princípios da
responsabilidade objetiva, da culpa presumida (arts. 936, 937 e 938, CC) e da
responsabilidade independentemente de culpa (art. 927, parágrafo único, 933 e
1.299, CC). A par disso, há ainda, por exemplo, a Lei de Acidentes do Trabalho
e outras leis especiais, em que se mostra nítida a adoção da responsabilidade
objetiva.
O novo Código Civil assim dispõe:
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar
dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a
atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua
natureza, risco para os direitos de outrem”
Responsabilidade Civil
a) Subjetiva
b) Objetiva propriamente dita ou pura
Imprópria ou impura
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Por esta razão, passaremos a analisar as diferenças geralmente apontadas
entre estas duas espécies de responsabilidade:
RESPONSABILIDADE RESPONSABILIDADE
CONTRATUAL EXTRACONTRATUAL
ÔNUS DA Incumbe ao devedor provar a Incumbe ao autor da ação provar
PROVA ocorrência de alguma excludente que o fato se deu com culpa do
para impedir a sua agente causador do dano
responsabilização
FONTE Se origina de contratos Se origina da inobservância do dever
genérico de não lesar, de não causar
dano, previsto no art. 186 do Código
Civil
CAPACIDADE É restrita. Para que haja É irrestrita. Mesmo o ato praticado
DO AGENTE responsabilização é preciso que os por um incapaz pode gerar direito à
CAUSADOR agentes sejam plenamente capazes reparação, a ser solvido pelos
DO DANO ao tempo da celebração do contrato encarregados de sua guarda (ex.: art.
do qual se origina 928, CC).
GRADUAÇÃO A culpa é escalonada, de forma que Todos os atos seriam indenizáveis,
DA CULPA a responsabilização será mesmo os praticados com culpa
proporcional ao grau de levíssima.
culpabilidade, só ocorrendo nos
casos de dolo ou culpa grave.
O art. 186 do Código Civil consagra a regra de que todo aquele que causa
dano a outrem é obrigado a repará-lo, ainda que exclusivamente moral. A
análise deste artigo evidencia que são quatro os elementos essenciais da
responsabilidade civil:
ação ou omissão + culpa ou dolo do agente + relação de causalidade + dano experimentado pela vítima.
a) Ação ou Omissão
Inicialmente, a lei refere-se a qualquer pessoa que, por ação ou omissão,
cause dano a terceiro. No entanto, a responsabilidade pode derivar de ato
próprio, de ato de terceiro que esteja sob a guarda do agente, e ainda de danos
causados por coisas e animais que lhe pertençam.
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O Código prevê a responsabilidade por ato próprio, dentre outros, nos
casos de calúnia, difamação e injúria, de demanda de pagamento de dívida não
vencida ou já paga, e de abuso de direito.
A responsabilidade por ato de terceiro ocorre nos casos de danos causados
pelos filhos, tutelados e curatelados, ficando responsáveis pela reparação os
pais, tutores e curadores. Também o patrão responde pelos atos de seus
empregados. Os educadores, hoteleiros e estalajadeiros, pelos seus educandos e
hóspedes. Os farmacêuticos, por seus prepostos. As pessoas jurídicas de direito
privado, por seus empregados, e as de direito público, por seus agentes. E
ainda, aqueles que participam do produto do crime.
A responsabilidade por danos causados por animais e coisas que estejam
sob a guarda do agente é, em regra, objetiva: independe de prova de culpa.
c) Relação de causalidade
É a relação de causa e efeito entre a ação ou omissão do agente e o dano
verificado. Sem ela não existe a obrigação de indenizar. Se houve dano, mas sua
causa não está relacionada com o comportamento do agente, inexiste a relação
de causalidade e também a obrigação de indenizar.
d) Dano
O dano pode ser material ou simplesmente moral, ou seja, sem
repercussão na órbita financeira do ofendido. A inexistência de dano é óbice à
pretensão de reparação, que, aliás, padeceria por falta de objeto.
Ainda que haja uma violação de um dever jurídico e que tenha havido
culpa, ou mesmo dolo, do agente, nenhuma indenização será devida se dano
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nenhum for causado. Se, por exemplo, um motorista comete várias infrações de
trânsito, mas não atropela nenhuma pessoa e não causa nenhum acidente,
nenhuma indenização será devida, malgrado a ilicitude de sua conduta. A
obrigação de indenizar decorre, pois, da existência da violação de um direito e
do dano, concomitantemente.
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b) Calúnia, difamação e injúria
Calúnia é a imputação falsa de um fato criminoso (ex.: dizer que alguém
furtou um carro). Já difamação é a imputação de fato desonroso, pouco
importado se verdadeiro ou falso (ex.: dizer que certa pessoa está devendo R$
100.000,00 para determinado banco). Injúria é a imputação de uma qualidade
ofensiva, pouco importado também se verdadeira ou falsa (ex.: chamar alguém
de ladrão ou pederasta).
A ofensa à honra, praticada por uma das formas acima mencionadas,
quando causar prejuízos de ordem material ou moral, podem ser indenizáveis
no âmbito civil. É imprescindível, portanto, que tenha havido prejuízo para que
se cogite da reparação.
A prática de ato ofensivo à honra por meio dos órgãos de imprensa, por sua
maior divulgação, repercute mais largamente na coletividade, afetando a estima
e o conceito do ofendido. Por isso, além de eventuais danos materiais, pode o
ofendido padecer de danos de natureza moral (ex: aborrecimento, desgosto,
etc.). Nestes casos, entende a jurisprudência que o dano moral é presumido.
A emissora responsável pela divulgação da informação ofensiva é
solidariamente responsável (por ação ou omissão) pelos danos causados,
cabendo, entretanto, ação regressiva contra o autor do escrito por nela
divulgado, nos termos da SÚMULA 221, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Inobstante ter a Lei de Imprensa, em seus artigos 52 e 56, limitado o valor
máximo cabível a título de indenização por danos morais, bem como o prazo
decadencial para pleiteá-la (3 meses), ambos os dispositivos são tidos como
revogados pela Constituição Federal de 1988, posto que a mesma, ao
recepcionar a indenizabilidade do dano moral, não o fez limitando o seu valor
ou seu prazo.
Por fim, importa ressaltar que podem ser sujeitos passivos de difamação via
imprensa as pessoas jurídicas de direito privado, a elas também cabendo
eventual indenização por danos morais (ex: prejuízo ao bom nome comercial).
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Já o credor que demanda por dívida já paga, nos termos do art. 940 do CC,
ficará obrigado a pagar ou devolver o dobro daquilo que cobrou. Se a demanda
se der em valor maior do que o efetivamente devido, poderá o credor ser
condenado a devolver ou a pagar o equivalente do valor que a mais exigiu.
Em todos os casos ora referidos, não haverá responsabilidade civil quando o
autor-demandante desistir da ação antes de ofertada pelo réu-demandado a
contestação, ou seja, é excludente de responsabilidade a desistência da ação
antes da apresentação de defesa pelo demandado, nos termos do art. 941 do
Código Civil.
Por fim, resta mencionar que a aplicação de tais penas, de caráter material
ou civil, não pode ser requerida nos próprios autos onde ocorrida a demanda
por dívida não vencida ou já paga (em simples contestação), mas apenas e tão
somente através de reconvenção ou de ação própria.
As penas que se pode pleitear nos mesmos autos onde se demanda por
dívida vencida ou já paga, são apenas as previstas nos artigos 16 a 18 do Código
de Processo Civil, ou seja, as penas de litigância de má-fé. Isso se dá, pois esta
última é pena de caráter processual, aplicável àqueles que descumprem o dever
de lealdade, de boa-fé processual, nos próprios autos onde isso é observado.
Já as penas previstas nos artigos 939 e 940 do Código Civil são, como dito,
de caráter material, e não se aplicam nos mesmos autos, mas em sim em
processo próprio, com contraditório e dilação probatória próprios, razão pela
qual não se confundem umas com as outras. É inclusive imprescindível,
segundo maciço entendimento jurisprudencial a respeito, a prova de má-fé do
demandante para que se tenha direito à reparação civil dos prejuízos causados,
o que também só é possível quando também for possível dilação probatória a
respeito.
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Também é irrelevante, in casu, a demonstração de legalidade do ato. Em
matéria de direito de vizinhança já vem a jurisprudência há muito,
proclamando que a licença ou permissão da autoridade para o exercício de
determinada atividade não autoriza que se causem danos a terceiros (vizinhos).
É possível que o ato ou a atividade desenvolvida pelo causador do incômodo
seja perfeitamente normal e não abusivo, estando até autorizado por alvará
expedido pelo Poder Público, e, mesmo assim, dê direito à reparação civil, se
causados danos a terceiros. Podem os vizinhos pleitear a redução ou até a
cessação do incômodo, se preponderante apenas o interesse do prejudicado em
particular (art. 1.277 e seguintes, CC), ou uma indenização, se preponderante o
interesse público (art. 927, CC c/c o art. 14, §1º, Lei 6.938/81).
A formulação de políticas de proteção ao meio ambiente gerou o princípio
“poluidor-pagador”, que consiste em impor ao poluidor a responsabilidade
pelos danos causados ao meio ambiente, arcando com as despesas de
prevenção, repressão e reparação da poluição provocada. Não se deve entender,
no entanto, que tal princípio crie um direito de poluir, desde que o poluidor se
predisponha a indenizar os danos causados, mas sim que cria o dever não
poluir, o dever de prevenir o dano, que desestimula a prática de atos
predatórios e prejudiciais ao meio ambiente pela possibilidade de sua
indenizabilidade.
Dado o caráter de ordem pública de que goza a proteção do meio ambiente,
institui-se a solidariedade passiva pela reparação do dano ecológico, o que
significa dizer, por exemplo, em um distrito industrial onde seja impossível
individualizar-se o responsável pelo dando ambiental, todos são solidariamente
responsáveis. Isso decorre do interesse público de que seja totalmente reparado
o prejuízo causado, constituindo-se faculdade do credor/vítima da poluição a
escolha de mover o processo contra este ou aquele devedor, podendo escolher
todos ou aquele que goza de melhor situação financeira. No entanto, como a
solidariedade não se presume, resulta da lei ou da vontade das partes (art. 265,
CC), no caso do dano ambiental, aplica-se o disposto no art. 942, caput, do
Código Civil, para fundamental tal entendimento, em consonância com o §3º do
art. 225 da Constituição Federal.
O dano ecológico ou ambiental pode ser reparado por meio de Ação Civil
Pública ou Ação Popular, nos termos dos arts. 5º e 1º da Lei 7.347/85.
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“Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua
companhia;
II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas
condições;
III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no
exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;
IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por
dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;
V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a
concorrente quantia.
Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que
não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos
terceiros ali referidos”
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o que significa dizer que a vítima pode buscar a reparação somente dos pais,
sendo desnecessária a inclusão dos filhos no pólo passivo da ação indenizatória.
Entretanto, a responsabilidade dos próprios filhos sobre os danos causados é
subsidiária, posto que, nos termos do art. 928 do Código Civil, os filhos só
respondem pelos prejuízos causados se os responsáveis (no caso os pais) não
dispuserem de meios suficientes para tanto, ou se já não tiverem obrigação de
fazê-lo (no caso de ser o filho emancipado ao tempo dos fatos).
Ainda assim, embora pareça ser a emancipação uma excludente do dever de
reparação civil para os pais, importa ressaltar que somente a emancipação legal
(art. 5º, parágrafo único, incisos II a V, CC) leva à exclusão de tal
responsabilidade, mas nunca a emancipação convencional, ou seja, aquela dada
pelos próprios pais.
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e) Responsabilidade dos donos de hotéis e casas de hospedagem
Responde também o hospedeiro pelos prejuízos causados por seus hóspedes
a terceiros ou a outros hóspedes, nos termos do mesmo inciso IV do art. 932 do
Código Civil. Esta responsabilidade objetiva se funda no risco da atividade e
tanto pode decorrer da falta de vigilância sobre o comportamento dos hóspedes
como da falta de disciplina em sua admissão.
Por outro lado, os danos causados pelos funcionários de um hotel aos seus
hóspedes são regidos pelo Código de Defesa do Consumidor, que também
estabelece ser a responsabilidade dos hospedeiros objetiva.
Já os atos ilícitos praticados por terceiros contra hóspedes, como furtos ou
roubos praticados no interior dos hotéis ou hospedarias, só acarretarão
responsabilidade para os hospedeiros se comprovada culpa ou dolo dos
mesmos em tais ocorrências (responsabilidade subjetiva).
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Nesse sentido, defendem ser ilógico responsabilizar o proprietário do
animal (art. 936) ou dono do imóvel (arts. 937 e 938) e não responsabilizar, em
medida igual, o proprietário das demais coisas inanimadas.
No entanto, a jurisprudência ainda não chegou a este ponto, mantendo para
os demais casos a necessidade de comprovação de culpa, mínima que seja, do
dono da coisa causadora de dano, para que surja o dever de reparação civil (art.
186, CC).
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quem foi o responsável pelo defeito na construção do prédio, nem averiguar se
a queda do mesmo resultou da imperícia do arquiteto que a projetou ou do
engenheiro que fiscalizou o andamento da obra. Se houve desabamento
decorrente da falta de reparos, ou de vício da construção, o proprietário é
responsável. Procura-se, portanto, facilitar a tarefa da vítima que reclama
indenização pelos prejuízos por ela experimentados em razão da ruína de um
edifício.
Convém considerar, ainda, que se pode equiparar ao edifício ou construção
mencionados nesta espécie de responsabilidade civil, tudo que neles está
incorporado em caráter permanente, como, por exemplo, os elevadores, escadas
rolantes, etc (imóveis por natureza ou por destinação).
“Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente
das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido”.
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os habitantes dos apartamentos aí situados é que são legitimamente
passivos. Dá-se o mesmo a respeito dos andares”.
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Ao dono ou guardião (preposto) do animal, como excludentes de
responsabilidade, cabe apenas a prova de culpa exclusiva da vítima ou força
maior.
Tem-se decidido que podem ser responsabilizados pelos danos causados
por animais em rodovias seus proprietários e a concessionária de serviços
públicos encarregada de sua conservação e exploração, visto proclamar o
Código de Trânsito Brasileiro que o trânsito “em condições seguras é um direito de
todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a
estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a
assegurar esse direito”, aduzindo que os referidos órgãos e entidades respondem
“objetivamente por danos causados aos cidadãos em virtude de ação, omissão ou erro na
execução e manutenção de programas, projetos e serviços que garantam o exercício do
direito do trânsito seguro” (art. 1º, §§2º e 3º).
No mesmo sentido, o Código de Defesa do Consumidor, no art. 14,
responsabiliza os prestadores de serviços em geral (inclusive as concessionárias
e permissionárias), independentemente da verificação de culpa, pelo defeito na
prestação do serviço, podendo assim ser considerada a permanência de animal
na pista de rolamento, que expõe os usuários a risco. Além disso, o §6º do art.
37 da CF/88 estabelece ser objetiva a responsabilidade das pessoas jurídicas de
direito privado, prestadoras de serviço público, pelos danos que seus agentes
causarem a terceiros, por ação ou omissão.
Sendo assim, responde o dono do animal, objetivamente, pelos danos que
este causar a terceiros, inclusive nas rodovias, somente se exonerando se provar
culpa da vítima, caso fortuito ou força maior. Responde, também, de forma
objetiva, a concessionária ou permissionária encarregada da administração e
fiscalização da rodovia, salvo se provar culpa alguma daquelas mesmas
excludentes de responsabilidade, assegurado o direito de regresso contra o
dono do animal, nos termos art. 942, segunda parte, do Código Civil.
3 - DA CULPA
3.1 Conceito
Como já vimos, a culpa é um dos pressupostos da responsabilidade civil.
Nesse sentido dispõe o art. 186 do CC, que exige que a ação ou omissão do
agente seja voluntária (dolo) ou que haja, pelo menos, negligência ou
imprudência (culpa).
Se a atuação desastrosa do agente é deliberadamente procurada,
voluntariamente alcançada, diz-se que houve culpa latu sensu (dolo).
Se,entretanto, o prejuízo da vítima é decorrência de comportamento negligente
e imprudente do autor do dano, diz-se que houve culpa stricto sensu. O juízo de
reprovação próprio da culpa pode, pois, revestir-se de intensidade variável,
correspondendo à clássica divisão da culpa em dolo e negligência, abrangendo
esta última, a imprudência e a imperícia. Em qualquer uma de suas
modalidades, entretanto, a culpa implica a violação de um dever de diligência,
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ou ainda, a violação do dever de previsão de certos fatos ilícitos e de adoção das
medidas capazes de evitá-los.
O critério para aferição da diligência exigível do agente, e, portanto, de
caracterização da culpa, é o da comparação de seu comportamento com o do
homem médio, aquele que diligentemente prevê o mal e precavidamente evita
o perigo.
Com relação aos graus, a culpa pode ser grave, leve e levíssima. Culpa grave
é a imprópria ao comum dos homens. É a modalidade que mais se avizinha do
dolo. Culpa leve é a falta evitável com atenção ordinária. Culpa levíssima é a
falta só evitável com atenção extraordinária, com especial habilidade ou
conhecimento singular.
O Código Civil, entretanto, não faz nenhuma distinção entre dolo e culpa,
nem entre os graus de culpa, para fins de reparação do dano. Tenha o agente
agido com dolo ou culpa levíssima, existirá sempre a obrigação de indenizar
(“in lege Aquilia et levissima culpa venit”).
Assim, provado o dano, deve ser ele ressarcido integralmente pelo seu
causador, tenha ele agido com dolo, culpa grave ou mesmo levíssima. O
montante da indenização deve ser calculado de acordo com o tamanho do dano,
não podendo a ele ser superior ou mesmo inferior, exceto nos casos de culpa
levíssima, quando houver desproporção manifesta entre o valor do dano e a
culpa. É o que dispõe o art. 944 do Código Civil:
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este composto dos seguintes dispositivos legais: art. 935, Código Civil; art. 91,
I, Código Penal; arts. 63/68, Código de Processo Penal; art. 584, II, Código de
Processo Civil. Todos se destinam a evitar a ocorrência de decisões que não se
compatibilizam.
Dispõe o art. 935 do Código Civil que “a responsabilidade civil é independente
da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem
seja o seu autor, quanto estas questões se acharem decididas no juízo criminal”. O
Código estabeleceu assim uma espécie de independência relativa entre as
duas esferas.
O art. 91, I, do Código Penal, por sua vez, considera como um dos efeitos da
condenação criminal o de “tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado
pelo crime”. Assim, transitada em julgado a sentença criminal condenatória,
poderá ser promovida a sua execução no juízo cível, para o efeito da
reparação do dano (art. 93, CPP), onde não se poderá mais questionar sobre a
existência do fato ou quem seja o seu ator (art. 935, CC). Se a sentença penal
for absolutória, poderá ou não ter influência no juízo cível, dependendo do
fundamento da absolvição.
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Por fim, resta ressalvar, por oportuno, que o ressarcimento de um dano
causado pela prática de um ato ilícito pode ser pleiteado tanto pela execução de
uma sentença penal condenatória (art. 63, CPP), como em ação indenizatória
comum, que pode ser proposta até paralelamente com a ação penal (arts. 64 a
67, CPP). Na segunda hipótese, ao contrário do que aqui se disse, poderá o réu
defender-se escusando da autoria, já que a mesma ainda não foi determinada
em nenhuma das esferas. Na prática, no entanto, e para que evitem decisões
conflitantes, conforme preceitua o parágrafo único do art. 64 do CPP,
determina-se a suspensão da ação civil pelo juiz até o julgamento definitivo da
ação penal.
4. DA RELAÇÃO DE CAUSALIDADE
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Três são as teorias que procuram definir o chamado “nexo causal”, requisito
que é essencial entre o ato ou omissão e o dano para que surja o direito à
reparação civil. Vejamos:
a) Teoria da equivalência de condições (“sine qua non”): segundo ela, toda
e qualquer circunstância que haja concorrido para produzir o dano é
considerada uma causa, ou seja, suprimida uma delas não haveria dano. (ex:
num homicídio com arma de fogo, até o fabricante da mesma seria responsável,
pois sem a fabricação, a mesma não seria comercializada, adquirida e depois
utilizada pelo agente, ou seja, o resultado morte não ocorreria).
A teoria adotada pelo Código Civil, em seu art. 403, CC, é, sem dúvida
alguma, a teoria dos danos diretos e imediatos, não sendo, pois, indenizáveis os
danos remotos ou estranhos. (Ex: se alguém sofre um acidente automobilístico a
caminho do aeroporto para uma viagem de negócios, pode responsabilizar o
motorista culpado pelos prejuízos diretos e imediatos do sinistro – estragos no
seu veículo e despesas hospitalares, bem como os lucros cessantes – pelos dias
que não puder trabalhar. Mas não poderia cobrar o valor dos eventuais lucros
que teria se tivesse viajado e fechado negócios).
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Art. 402, CC: “Salvo as exceções previstas em lei, as perdas e danos
devidos ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que
razoavelmente deixou de lucrar”.
Obs: é reparável o dano reflexo, ou seja, aquele que uma pessoa sofre por
dano causado a outrem (ex: ex-marido que paga pensão a ex-mulher e filhos e
sofre acidente que o impossibilita de continuar prestando alimentos – há ação
de indenização contra o causador desse dano).
Segundo dispõe o Código Civil, no art. 927, responsável pela reparação civil
é todo aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
haja causado prejuízo a outrem (responsabilidade subjetiva). Também será
responsável, nos termos do parágrafo único do mesmo art. 927 do CC, aquele
que assume o risco ao exercer determinada atividade considerada perigosa
(responsabilidade objetiva: risco profissional; risco-proveito).
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Podem, portanto, ser responsáveis por reparação civil:
a) o próprio agente (responsabilidade subjetiva por ato próprio – arts. 927,
caput, CC);
b) os pais, tutores, curadores, empregadores, comitentes, educadores ou
donos de hotéis onde esteja o agente hospedado (responsabilidade
objetiva pelo ato ou fato de terceiros – art. 932, I-IV, CC);
c) o dono ou detentor de animal (responsabilidade objetiva pelo fato ou
guarda de animais – art. 936, CC);
d) o proprietário ou o possuidor, e o habitante da coisa em ruínas ou de
onde caem ou são lançados objetos (responsabilidade objetiva pelo fato
da coisa – arts. 937 e 938, CC);
e) os herdeiros de um dos responsáveis anteriormente elencados, até o
quinhão que lhes couber da herança (responsabilidade dos herdeiros até
as forças da herança – art. 943 em c/c art. 1792, CC).
Obs: Lembre-se, por oportuno, que nos termos do art. 942, 2ª parte, CC,
haverá responsabilidade solidária quando mais de uma pessoa for a
causadora dos danos. Nos casos acima elencados, haverá responsabilidade
solidária apenas entre empregador e empregado, comitente e preposto
(inciso III, art. 932, CC); donos de hotéis e seus hóspedes (inciso IV, art. 932,
CC); e haverá responsabilidade subsidiária apenas entre pais e filhos
(inciso I, art.932, CC); tutores e tutelados, curadores e curatelados (inciso II,
art. 932, CC); e educadores e educandos (inciso IV, art. 932, CC).
29
a) se a vítima deixou filhos menores estes terão direto à pensão apenas até
os 25 anos ou até quando se casarem, se isto ocorrer antes;
b) para a viúva, até quando mantenha a viuvez, ou para a companheira,
enquanto esta se mantenha sozinha (súmula 35 STF);
c) em todos casos, até a data em que a vítima completaria os 65 anos;
d) se a vítima já possuía 65 anos ao tempo dos fatos, o pensionamento será
devido apenas por 5 anos
Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu
patrimônio; é a lesão de um dos direitos da personalidade (art. 1°, III, e 5°, V e
X, CF), doutrinariamente definido como a “dor, vexame, sofrimento ou
humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no
comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia, e
desequilíbrio em seu bem-estar”.
dispensa prova concreta – presunção absoluta
atinge pessoas jurídicas
não é necessária a fixação prévia de valor ( é admissível o pedido genérico
– STJ), devendo a sua liquidação ser feita por arbitramento, ou seja, pelo
juiz (art. 946, CC).
natureza jurídica: caráter compensatório (para a vítima) e punitivo (para o
ofensor)
30
Os danos emergentes só serão ressarcidos quando efetivamente
comprovados, através de recibos, notas fiscais, laudos; enquanto os lucros
cessantes deverão ser arbitrados com base em dados objetivos,
devidamente comprovados (nesse último caso não é necessário se provar
que tais lucros realmente aconteceriam, mas apenas que havia
probabilidade razoável de seu ganho).
Além disso, como já visto, também é cabível, em caso de homicídio da
vítima, nos termos do art. 948 do CC, a fixação de pensão mensal para os
seus herdeiros ou dependentes econômicos, como visto anteriormente, a
título de danos materiais (pelo prejuízo causado à manutenção da família
ou do lar com a morte da vítima).
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6.2. LEGÍTIMA DEFESA, EXERCÍCIO REGULAR DE UM DIREITO E O
ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL
art. 188, I, CC
Não constitui ato ilícito o praticado em legítima defesa ou no exercício
regular de um direito reconhecido. Assim também deve se considerar o ato
praticado no estrito cumprimento do dever legal (pois isso ocorre quando se
exercita um direito reconhecido).
Somente a legítima defesa real, e praticada contra o agressor, impede o
ressarcimento. Se o agente por erro ou engano atinge terceiro, ficará
obrigado a indenizar os danos causados. E terá ação regressiva contra o
injusto ofensor (art. 930, parágrafo único).
A legítima defesa putativa também não exime o réu de indenizar o dano,
pois somente exclui a culpabilidade mas não a ilicitude do ato (art. 65, CP).
O ato praticado em legítima defesa não pode ser excessivo, pois assim será
ilícito. A extrapolação da legítima defesa, por negligência ou imprudência,
configura a situação do art.186, CC.
Nos casos de estrito cumprimento do dever legal, embora se exclua a
responsabilidade do agente, a vítima pode pleitear o ressarcimento contra o
Estado (art. 37, § 6°, CF em c/c art. 43, CC), quando este for funcionário
público. Neste caso, o Estado não teria ação regressiva, pois não haveria
culpa ou dolo do agente ao apenas cumprir dever legal.
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O simples fato de ter havido culpa de terceiro não exonera o autor direto do
dano do dever jurídico de indenizar (tanto que os arts. 929 e 930 do CC,
concedem direito de ação regressiva contra o terceiro).
Como já mencionado, o parágrafo único do art. 393 do Código Civil não faz
qualquer distinção entre estes dois institutos, pois de fato ambos são
excludentes de responsabilidade. Ainda assim, para fins meramente
didáticos, os distinguiremos:
a) caso fortuito: é o que decorre de fato ou ato alheio à vontade das partes
(ex: greve, guerra, motim);
b) força maior: é o fato que deriva de acontecimentos naturais (ex: raio,
inundação, terremoto).
Em ambos, podem ser elencados os seguintes requisitos:
a) o fato deve ser necessário (alheio às partes), não determinando culpa do
devedor;
b) o fato deve ser superveniente (posterior ao contrato ou ato) e inevitável
(não se impede sua ocorrência);
c) o fato deve ser irresistível (não se impede os efeitos danosos) (fora do
alcance humano)
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Ocorrido caso fortuito ou força maior não há responsabilidade, pois deixa de
existir nexo de causalidade.
6.7 PRESCRIÇÃO
Art. 206, § 3°, V, CC: é de três anos o prazo prescricional para se pleitear
reparação civil por atos ilícitos, a contar da data de sua ocorrência.
Pelo CC de 1916, como não havia prazo específico, aplicava-se o genérico de
20 anos. Assim, como houve diminuição de prazo, nos termos do atual art.
2.028, CC, será de 20 anos o prazo prescricional para os fatos ocorridos na
vigência do código de 1916 se até a entrada em vigor do novo código já
houver transcorridos pelo menos metade deste prazo, ou seja, 10 anos (caso
contrário, a partir da entrada em vigor do atual, contam-se 03 anos).
Se o fato também constitui ilícito penal, a prescrição da ação penal não influi
na ação de reparação de dano, que possui prazo próprio de prescrição.
Art. 200, CC: quando a ação civil se originar de fato a ser apurado no juízo
criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva.
Art. 27, CDC: é de cinco anos o prazo de prescrição para a ação de reparação
civil quando se tratar de danos causados por fato do produto ou do serviço,
contados a partir do conhecimento do dano e da sua autoria.
34
7. CASUÍSTICA
35
Em casos práticos, tem predominância os casos relativos a pagamento de
cheques falsificados, a respeito do que tem prevalecido o entendimento do
jurista AGUIAR DIAS:
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não provada culpa do correntista, nem do banco, sobre este é que deve
recair o prejuízo.
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Não se pode negar a formação de um autêntico contrato entre o paciente e o
médico, quando este o atende. Embora muito já se tenha discutido a respeito,
hoje já não pairam mais dúvidas a respeito da natureza contratual da
responsabilidade médica.
Pode-se assim falar, em tese, em inexecução de uma obrigação, se o médico
não obtém a cura do doente, ou se os recursos empregados não satisfizerem.
Entretanto, o fato de se considerar como contratual a responsabilidade médica
não tem, ao contrário do que poderia parecer, o resultado de presumir a culpa.
É que a responsabilidade contratual pode ou não ser presumida, conforme se
tenha o devedor comprometido a um resultado determinado ou a simplesmente
conduzir-se de certa forma. É exatamente o que acontece na responsabilidade
do médico, que não se compromete a curar, mas a proceder de acordo com as
regras e métodos da profissão.
Portanto, para o paciente é limitada a responsabilidade contratual médica,
pois o fato de não obter a cura do doente não importa reconhecer que o médico
foi inadimplente. Isto se diz, pois a obrigação que tais profissionais assumem é
uma obrigação “de meio” e não “de resultado”. O objeto do contrato médico
não é a cura, obrigação de resultado, mas a prestação de cuidados
conscienciosos, atentos, e, salvo circunstâncias excepcionais, de acordo com os
conhecimentos científicos existentes. Os médicos serão, pois, civilmente
responsáveis somente quando ficar provada qualquer modalidade de culpa:
imprudência, negligência ou imperícia (responsabilidade subjetiva).
Ao prejudicado incumbe a prova de que o profissional agiu com culpa, a
teor do estatuído no art. 951 do Código Civil, verbis:
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Quanto ao erro de diagnóstico, que consiste na determinação da doença do
paciente e de suas causas, tem se entendido que não o mesmo não gera
responsabilidade civil desde que escusável em face do estado atual da ciência
médica e desde não acarrete danos ao paciente. Porém, diante do avanço
médico-tecnológico de hoje, maior rigor deve existir na análise da
responsabilidade dos referidos profissionais quando não atacaram o verdadeiro
mal e o paciente, em razão de diagnóstico equivocado, submete-se a tratamento
inócuo e teve a sua situação agravada, principalmente se se verificar que
deveriam e poderiam ter submetido o seu paciente a esses exames e não o
fizeram, optando por um diagnóstico precipitado e impreciso.
Por fim, se o médico tem vínculo empregatício com um hospital,
integrando sua equipe médica, responde objetivamente a casa de saúde, como
prestadora de serviços, nos termos do art. 14, caput, do CDC. No entanto, se o
profissional apenas utiliza o hospital para internar seus pacientes particulares,
responde com exclusividade por seus erros, afastada a responsabilidade do
estabelecimento.
41
possível seja o advogado incompetente responsabilizado pelos prejuízos
acarretados ao cliente.
O mesmo não se diz no que tange à apresentação de recursos, isto é, não se
pode exigir que o advogado recorra sempre, apenas quando haja probabilidade
de reforma da sentença (cabendo ao cliente a prova de que tal aconteceria).
Incorre, no entanto, em responsabilidade, se deixa de recorrer contrariando os
desejos manifestados pelo cliente. A desobediência às instruções do cliente
sempre pode acarretar a responsabilidade do advogado, já que tem ele o direito
de renunciar ao mandato se com elas não concordar.
Por fim, o advogado, como todo prestador de serviços zeloso e prudente,
não deve sonegar informações ao cliente, devendo mantê-lo atualizado sobre o
andamento da lide (CDC, art. 6º, III). Pode, por isso, ser responsabilizado se, em
virtude de sua omissão, o cliente desistir da ação ou fizer um mau acordo.
42
“os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus
prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia,
assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos
prepostos”.
43
casamento), ou seja, o consentimento deve ser manifestado livremente, sendo
vedado compelir qualquer deles ao cumprimento da promessa do casamento.
O arrependimento, no entanto, especialmente quando externado sem
motivo justo, pode dar causa a uma ação indenizatória. É sabido que, na
iminência de um casamento, os noivos realizam despesas de diversas ordens
(adquirem peças de enxoval, alugam ou compram bens imóveis e móveis,
adiantam pagamentos de bufês, enfeites de igreja e do salão de festas, etc).
Assim, o arrependimento pode causar inúmeros prejuízos, de ordem
material, ao outro noivo. Se não houve motivo justo para a mudança de atitude,
ter-se-á como ocorrido ato ilícito, surgindo para o lesado o direito de obter a
reparação do dano, com base no art. 186 do Código Civil.
Além dos prejuízos materiais, relativos às despesas pré-nupciais, é também
possível que o rompimento de noivado dê ensejo ao danos morais,
caracterizado pela vergonha, pela frustração de uma expectativa, pelo desgosto,
enfim, pelo sofrimento gerado à vítima (ex: abandono na igreja, antes ou
durante a celebração).
WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO assim enumera os três requisitos
essenciais para que haja responsabilidade civil por rompimento de noivado:
Que a promessa de casamento tenha emanado do próprio
arrependido, e não de seus genitores ou qualquer outra pessoa
próxima;
Que o arrependido não ofereça motivo justo para sua desistência
(tal como infidelidade, mudança de religião, ruína econômica,
condenação criminal, moléstia grave, etc.);
Que o rompimento do noivado tem causado danos materiais ou
morais, ou ambos, ao ex-noivo ou ex-noiva.
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noiva confeccionado e edital publicado – Sentença de procedência –
Recurso do réu improvido” (JTJ, Lex, 178:101)
45
b) Responsabilidade civil entre Cônjuges
A prática de ato ilícito pelo cônjuge, configurado pelo descumprimento de
dever conjugal (art. 1.566, CC) que acarreta dano ao consorte, levando à
dissolução culposa da sociedade conjugal (separação) ou do vínculo
matrimonial (divórcio) gera responsabilidade civil e impõe o dever de reparar
os prejuízos causados, sejam eles de ordem material, moral ou estética.
Hipóteses de cabimento: adultério: acusar infundadamente e
injuriosamente o outro cônjuge da prática de adultério; esposa que pratica
adultério e registro filho extraconjugal em nome do marido; maus-tratos
corporais (agressões físicas); transmissão de moléstia grave; sucessivas ofensas
e ameaças que levam ao final do casamento e à depressão, etc.
46
fato, a violação dos deveres impostos por lei tanto no casamento
(art. 1.566, CC 2002), como na união estável (art. 1.724, CC
2002), não constitui por si só, ofensa à honra e à dignidade do
consorte, apta a ensejar a obrigação de indenizar. Nesse contexto,
perde importância, inclusive, a identificação do culpado pelo fim da
relação afetiva, porquanto deixar de amar o cônjuge ou
companheiro é circunstância de cunho estritamente pessoal, não
configurando o desamor, por si só, um ato ilícito (arts. 186 e
927 do CC 2002) que enseje indenização. Todavia, não é
possível ignorar que a vida em comum impõe restrições que
devem ser observadas, entre as quais se destaca o dever de
fidelidade nas relações conjugais (art. 231, I, CC 1916 e art.
1.566, I, CC 2002), o qual pode efetivamente, acarretar danos
morais. Isso porque o dever de fidelidade é um atributo de quem
cumpre aquilo a que se obriga, condição imprescindível para a boa
harmonia e estabilidade da vida conjugal. Ademais, a imposição
desse dever é tão significativa que o CP já considerou o adultério
como crime. Além disso, representa quebra do dever de
confiança a descoberta, pelo esposo traído, de que a criança
nascida durante o matrimônio e criada por ele não seria sua
filha biológica. O STF, aliás, já sinalizou acerca do direito
constitucional à felicidade, verdadeiro postulado
constitucional implícito, que se qualifica como expressão de
uma ideia-força que deriva do princípio da essencial
dignidade da pessoa humana (RE 477.554 AgR-MG, 2ª
Turma, DJe 26/8/2011). Sendo assim, a lesão à dignidade humana
desafia reparação (arts. 1º, III, e 5º, V e X, da CF), sendo
justamente nas relações familiares que se impõe a necessidade de
sua proteção, já que a família é o centro de preservação da pessoa e
base mestra da sociedade (art. 226, CF). Dessa forma, o abalo
emocional gerado pela traição da então esposa, ainda com a
cientificação de não ser o genitor da criança gerada durante a
relação matrimonial, representa efetivo dano moral, o que impõe o
dever de reparação dos danos acarretados ao lesado a fim de
restabelecer o equilíbrio pessoal e social buscado pelo direito, à luz
do conhecido ditame neminem Iaedere. Assim, é devida a
indenização por danos morais, que, na hipótese, manifesta-se in re
ipsa” (STJ, 3ª Turma, rel. Min. Ricardo Villas Boas Cueva, j.
04/04/2013)
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enorme número de garantias e prerrogativas. Os responsáveis por dar
efetividade a esse leque de garantias, segundo o texto constitucional, são a
família, a sociedade e o estado. O ECA identifica, entre os direitos fundamentais
dos menores, seu desenvolvimento sadio e harmonioso (art. 7º), garantindo-lhes
ainda o direito de serem criados e educados no seio de sua família (art. 19).
Com base nisso, defende boa parte da doutrina, ainda com pouco eco na
jurisprudência, que haveria para os pais o dever de criar e educar os filhos sem
lhes omitir o carinho necessário para a formação plena de sua personalidade.
Esta é a chamada paternidade responsável. Assim, a convivência dos pais com
os filhos não seria apenas um direito, mas um dever. Não há simples obrigação
de visitar, mas de conviver.
O que se afirma é que o distanciamento da figura paterna ou materna
pode produzir sequelas de ordem emocional e pode comprometer o sadio
desenvolvimento da criança ou adolescente. O sentimento de dor e abandono
pode deixar reflexos permanentes, sendo estes passíveis de reparação. O
abandono parental, portanto, deve ser entendido como uma lesão
extrapatrimonial a um interesse jurídico tutelado, causada por omissão do pai
ou da mãe no cumprimento do exercício do poder familiar, o que configura um
ato ilícito, fato gerador de obrigação indenizatória. Nesse sentido são as
decisões que seguem:
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sido abandonada por ser pai, sem ao menos este tentar uma
aproximação ou um contato familiar, é de se julgar
improcedentes os pedidos de danos morais” (TJMG, Rel.Des.
UNIAS SILVA, Apel. 10479.06.112320-0/001, j. 18.3.2008).
O STJ, no entanto, nos autos do REsp nº 1.159.242 – SP, rel. Min. Nancy
Andrigui, j. 24/04/2012), fixou entendimento no sentido de que para que o
abandono afetivo se caracterize, os atos pelos quais ele se exterioriza não
podem ser genéricos, mas, sim, concretos, tais como: 1º) Aquisição de
propriedades, por simulação, em nome dos outros filhos; 2º) Desatendimento a
reclamações do filho prejudicado quanto a essa forma de aquisição disfarçada;
3º) Falta de carinho, afeto, amor e atenção, apoio moral, falta de ajuda na escola,
cultural e financeira, comprovadamente dadas aos outros filhos; 4º) Falta de
auxílio em despesas médicas, escolares, abrigo, vestuário e outras, auxílio este
sempre dado aos outros filhos; 5º) Pagamento de pensão somente por via
judicial, sem visitas regular e convívio familiar com o filho reconhecido.
BIBLIOGRAFIA
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