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propriedade!
Autor: Daniel Miorim de Morais
Co-Autor: Renan Leonardi da Silva
André Folloni em seu artigo A FILOSOFIA TRANSCENDENTAL PRAGMÁTICA
DE KARL-OTTO APEL E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A DEFINIÇÃO DO
PAPEL CONTEMPORÂNEO DA CIÊNCIA DO DIREITO para o periódico Publica
Direito em 2013, explicita o argumento de um grande autor; Karl Otto Apel.
Depois de Heidegger e Nietzsche, a filosofia parecia ter perdido sua base mais
elementar. A da metafísica. As coisas deveriam ser reformuladas. Kant havia
sido derrotado em campo de batalha, primeiro pelos niilistas e depois por
Nietzsche. A razão instrumental se encontrava perdida. Os questionamentos
básicos precisavam ser refeitos.
Ora, se a ética é objetiva, como pode ela ter dois raciocínios igualmente
corretos? Duas ações que são igualmente éticas embora diversas diante de uma
mesma situação, em que para kantianos, ela é antiética e para o outro escopo
ético, ela é ética, como ela poderia ser resolvida? Isso significa que esse não é
o caminho para uma ética universal. Deve-se encontrar um denominador mínimo
para o alcance da razão. Essa é uma proposição apelliana que Habermas herda
e Hoppe utiliza sabiamente. Kantianos não podem ser considerados como
propositores éticos válidos, eis que incapazes de limitarem a verdade a um
caminho único. Sobre a premissa inicial que advém de Nietzsche e Heidegger e
da qual Apel utiliza de plataforma.
Aqui nós temos fundamentalmente dois conceitos dos quais iremos nos usar, a
ética do discurso e o Lebenswelt com seu mundo da vida habermasiano. Sobre
o Lebenswelt, eu usarei de um texto do João Victor Aragão que de tudo disse:
Não se trata de como dito, apenas um requisito formal para a argumentação per
si, mas para o a priori argumentativo que dá origem ao discurso ideal. No qual
as proposições éticas podem ser feitas.
Sendo assim, ele enumera uma série de enunciados argumentativos que podem
ser utilizados como justificativo, um rol apenas exemplificativo da qual todas as
éticas necessárias precisam se basear.
A primeira coisa que precisa ficar evidente, é que a ética da propriedade privada
parte de um critério lockeano de propriedade que existe no famigerado estado
de natureza lockeano. Vamos falar sobre esses dois critérios lockeanos dos
quais Hoppe possui muito apreço. Estado de natureza e o Homestead.
Essa ação é para Locke, intrinsecamente humana. Falando aqui de lógica, nós
temos que isso faz um sentido impressionante! Veja bem, se somos todos da
classe Homem e todas as ações que viermos a fazer, podem vir a ser feitas
potencialmente sobre as mesmas condições por qualquer um da mesma classe,
dado que no lidar humano temos necessariamente um intercâmbio necessário
de ações, agir de forma a maximizar a reciprocidade da forma mais pacífica
possível é de todo racional.
Bem, se o mundo possui algo tal qual uma lei natural que compele os indivíduos
a respeitarem uns aos outros na busca de um quantum moral que possa
efetivamente estetizar a conduta humana, isso levanta uma dúvida logicamente
orientada. Como deve se dar essa conduta? Bem, para Locke, essa conduta se
dá através da análise do que é passível de ser propriedade e não é. Para Locke,
somos todos donos de nós mesmos! Ou seja, para pensar na conduta humana,
precisamos nos definir como limites naturais para qualquer possibilidade de
apropriação e trato, eis que definida como relação intersubjetiva necessária! Ou
seja, o próprio refletir da conduta humana se dá a partir do momento em que
analisamos a nós mesmos como agentes do mundo e diferenciamos sujeitos e
objetos, dando a eles categorias diferentes de análise e passamos a querer
(lembrando-se que essa análise se utiliza do aspecto jusnaturalista teológico)
estar em efetiva comunhão para com o próximo! Ou seja, qualquer conduta
humana que desconheça de o próximo como ser em todo igual a nós mesmos
(aqui em oposição a um ferrenho absolutismo que reinava à época) é de toda
vazia no compreender ético humano.
Lembrando que aqui, não é possível não pensar que ele está dando duas
definições do mesmo conceito! Um que parte de uma vontade de comunhão com
aspectos teológicos e outro que passa pelo eterno querer de ação humana
cognoscível.
E ainda:
Bem, para isso, refletimos que a análise possível aqui obrigatoriamente não
poderá exigir de todos os homens que sinalizem vossas opiniões, ainda que
legítimas! E isso se deve a uma impossibilidade física. Portanto, devemos pensar
então numa forma que possa ser vista por todos aqueles que de fato estão
conflitando sobre o bem e não uma forma universal.
Mas que, ao mesmo tempo, continue válida caso novos agentes surjam nessa
equação. Para isso, a resposta lockeana foi a de que o próprio objeto poderia
entregar através dos seus resultados aferidos, que ele pertence a alguém. Nesse
sentido, ele define que ao misturar o seu trabalho ao objeto, criando um elo
objetivo no enxergar humano, ele passaria a lhe pertencer. A ser a sua
propriedade, desde que esse elo fosse mantido visível e perceptível pela
comunidade. Hoppe vai além e diz que para sua propriedade lhe pertencer, você
deve usar, delimitar e defender a mesma.
Assim, está definida a lei de Homestead, a lei que define de que forma objetos
podem ser apropriados de forma legítima. Muitos aplicam o conceito de primeiro
uso aqui, inclusive está presente textualmente em Hoppe. Eu o descarto da
explicação porque ele entra em análises mais profundas sobre como um
determinado objeto pode deixar de ser propriedade de alguém e quais formas de
apropriação são consideradas ilegítimas.
A lei de propriedade então é a lei que define quem pode e de que forma pode
adquirir propriedade. Numa forma mais concisa. "Sou autoproprietário e tudo
aquilo que eu usar, delimitar e defender será legitimamente meu. Nem mais, nem
menos."
Lacombi faz em seu artigo "A ética argumentativa", uma exposição do porquê
para aquele que chegou até aqui, existe validade sistemática do proposto nos
seguintes termos:
Fins
Toda a ação busca algum fim, ou objetivo. Tanto a afirmação de que humanos
agem, quanto a afirmação de que humanos agem buscando fins não podem ser
contestadas sem que se caia numa contradição performativa (uma contradição
entre aquilo que é dito, e aquilo que deve ser pressuposto para se dizer algo,
numa contradição performativa duas verdades contraditórias são assumidas,
uma explicitamente com a fala, e outra implicitamente pelo ato da fala), pois
qualquer pessoa que tente contestar estes dois axiomas estará agindo e
buscando um fim, estará decidindo entre a opção, o fim, de contestar, e o de não
contestar, ou seja, em sua própria ação estará reafirmando aquilo que nega; por
isso é inegável que humanos agem, e que agem decidindo, ou escolhendo, entre
diferentes fins disponíveis.
Meios
Humanos não apenas agem buscando fins, mas agem usando meios, sendo um
meio aquilo que é empregado para se atingir o fim, e o uso (ou controle) o
emprego de um meio para atingir um fim. Mais uma vez esta afirmação não pode
ser contestada sem que se caia numa contradição performativa, pois a pessoa
que a contesta, para que possa contesta-la, deve usar meios, no mínimo o tempo
é utilizado como meio, ou então o próprio cérebro, suas cordas vocais (caso
esteja contestando-a ao se comunicar com outros), etc. É importante ressaltar
que simples objetos no ambiente não são meios, não até serem usados, um
objeto só se torna meio a partir do momento no qual ele é empregado para se
atingir algum fim.
Valores
Valor é a importância que o agente atribui ao fim, assim valores são sempre
relacionados a fins, sempre que uma pessoa escolhe entre um fim ou outro, é
porque atribui a ele mais importância, ou seja, para ele aquele fim tem mais valor.
Quando uma pessoa se defronta com uma escolha entre determinados possíveis
fins ela age segundo uma escala de valores, todos os possíveis fins da situação
são hierarquizados segundo sua importância para o agente, esta é a escala de
valores.
Estes conceitos são mais bem explicados por Mises em seu livro Ação Humana,
mais especificamente, no capítulo IV.
Conflitos são definidos como quando duas ou mais pessoas desejam usar um
mesmo meio para fins conflitantes (ou seja, que não podem ser ambos
buscados), por exemplo, suponha que uma pessoa queira usar uma maçã inteira
para fazer uma torta, e a outra queira usar a mesma maçã inteira para fazer um
suco (no exemplo apenas o uso da maçã inteira tornaria possível fazer as duas
receitas). Qualquer norma (no sentido de lei, uma norma que todos devem ser
obrigados a seguir) deve resolver e evitar conflitos, resolver um conflito é dizer
qual das pessoas tem o direito de usar o meio quando surge o conflito, e evitar
conflitos é quando uma norma, caso seja seguida por todos, não leva a conflito
algum.
"Sozinho em sua ilha, Robinson Crusoé pode fazer o que bem quiser. Para ele,
o problema relativo às regras que norteiam uma conduta humana ordeira - isto
é, a cooperação social - simplesmente não existe. Naturalmente, esse problema
só passará a existir quando uma segunda pessoa, Sexta-Feira, surgir na ilha.
Entretanto, ainda assim, esse problema vai continuar irrelevante enquanto não
houver algum tipo de escassez. Suponha que a ilha seja o Jardim do Éden; todos
os bens externos estão disponíveis em superabundância. Eles são chamados de
"bens não escassos" ou "bens abundantes”, da mesma forma que o ar que
respiramos é um bem "não escasso". O que quer que Crusoé faça com esses
bens, suas ações não terão quaisquer repercussões em relação à oferta
presente e futura desses bens tanto para ele próprio quanto para Sexta-Feira (e
vice-versa). Assim, é impossível que algum dia possa haver um conflito entre
Crusoé e Sexta-Feira concernente ao uso desses bens. Um conflito só é possível
se os bens forem escassos. Somente nesse cenário é que surgirá a necessidade
de se formular regras que tornem possível uma cooperação social ordeira - ou
seja, livre de conflitos." (A Ética e Economia da Propriedade Privada)
Estes trechos dos trabalhos de Hoppe nos esclarecem um pouco mais sobre sua
teoria. Para Hoppe qualquer norma irá necessariamente tentar resolver conflitos,
e, por consequência, qualquer norma deverá estabelecer direitos de propriedade
sobre meios (recursos/bens).
Mas este cenário não existe; conforme a Praxeologia demonstra, todos os meios
são escassos, ou seja, não podem ser utilizados para se alcançar todos os
nossos fins; se não fossem não agiríamos, pois teríamos todos os nossos fins já
satisfeitos. Como meios são escassos, eles não podem ser utilizados por mais
de uma pessoa para fins conflitantes, ou seja, que impedem um ao outro, daí a
origem dos conflitos, e a origem do fato de normas resolverem conflitos, ou seja,
dizerem qual das pessoas tem o direito de usar o meio quando surge o conflito.
Se normas resolvem conflitos elas devem estabelecer quem tem o direito de
usar/controlar o meio, mas não apenas isso, devem estabelecer quem tem o
direito de uso exclusivo do meio, caso o contrário, caso o uso não fosse
exclusivo, duas pessoas poderiam controlar o mesmo meio para fins conflitantes
(pois o uso de uma não excluiria o da outra), o que não seria possível, pois seria
uma contradição. Daí Hoppe deduz que todas as normas necessariamente
estabelecem direitos de propriedade.
Uma norma que defenda os impostos, por exemplo, ela estabelece que você
tem o direito de propriedade sobre X quantia de dinheiro, até o dia do pagamento
dos impostos, quando o estado passa a ter este direito. Lembrando que o "uso"
(ou "controle") presente no conceito de propriedade é o conceito praxeológico de
uso, ou seja, empregar o meio para alcançar um fim.
Um exemplo para ilustrar: imagine que uma pessoa entalhe uma estátua de
madeira e deixe-a em sua prateleira, dando a ela o fim “decoração”, mesmo após
deixar de controlar a estátua fisicamente a pessoa ainda está usando-a, pois
está empregando-a para atingir um fim (decoração), se outra pessoa usar a
estátua — por exemplo, tomando ela e usando para aquecer uma lareira — o fim
destinado ao meio de decoração entrará em conflito com o fim selecionado pelo
segundo agente, apenas um dos dois poderá ser alcançado, mas uma norma
que permita algo assim estará, na realidade, dizendo que a pessoa 1 pode usar
a estátua para decoração e que, ao mesmo tempo, a pessoa 2 pode usar a
estátua para aquecimento, o que é contraditório, logo esta norma não será
logicamente defensável pois estará dizendo que ambos podem atingir seus fins
com este meios, levando a mais conflitos, e não evitando-os.
Meios apropriados pelo seu primeiro proprietário podem ser empregados para
qualquer fim, estocagem, economia, decoração... a questão é que eles estão
sendo empregados e, consequentemente usados/controlados, caso o contrário
a pessoa não questionaria caso outra tentasse usar o meio, pois não haveriam
conflitos de fins. Assim conclui-se que qualquer norma deva estabelecer direitos
de propriedade definitivos. A norma do exemplo anterior, a do imposto, por
exemplo, seria logicamente indefensável, pois estabeleceria um direito de uso
do dinheiro não definitivo para a pessoa.
Mas como então estabelecemos a quais meios cada pessoa tem direito de uso
exclusivo e definitivo? E a resposta é, conforme foi elucidado anteriormente por
Daniel Morais, auto propriedade e homesteading (primeiro uso).
Toda a ação usa meios, e existe um meio primário para a ação, mesmo que você
não use nenhum meio externo pelo menos este é usado, ele é chamado de
corpo, praxeologicamente falando. Qualquer pessoa, para que possa agir, para
que possa decidir, e para que possa decidir se concorda ou não com um
argumento de forma autônoma utiliza pelo menos este meio. Consequentemente
qualquer uso deste meio, do corpo, por outra pessoa contra a sua vontade a
impede de argumentar, pois um mesmo meio não pode ser usado por mais de
uma pessoa para fins conflitantes. Por isso a argumentação é apenas possível
com o respeito mútuo dos envolvidos ao direito de propriedade dos outros sobre
seus corpos, a auto propriedade, pois caso violassem este direito, controlando o
corpo do outro, impediriam a argumentação. Daí vem o fato de todas as pessoas
numa argumentação fazerem a pressuposição da validade do direito de auto
propriedade, não podendo argumentar contra ele sem que caiam numa
contradição performativa, e é daí que vem a influência da Praxeologia na
fundamentação do direito de auto propriedade.
Mas humanos precisam também controlar outros meios do ambiente para que
possam sobreviver, e a partir do momento no qual se apropriam de um destes
meios usando-o pela primeira vez - ou seja, empregando-o para algum fim antes
de qualquer outra pessoa, fazendo o homesteading - ou recebendo o título de
propriedade dele de outra pessoa - em ambos os casos criando o elo objetivo
com o meio, eles devem ganhar direito de propriedade, que confirme foi
demonstrado anteriormente, deve ser definitivo.