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O ENSINO DE HISTÓRIA:

desafios para superação do reprodutismo


Joelma Maltez1

“...dificilmente encontraremos quem desconheça o papel da História para


ajudá-lo na compreensão de si, dos outros e do lugar que ocupamos na
sociedade e no dever histórico” .
Elza Nadai, 1993.

RESUMO
Corresponde a discussão sobre o ensino de História, percorrendo sua trajetória enquanto disciplina e
refletindo sobre o papel desempenhado no decorrer dos anos. O estudo baseia-se nos estudos de
pesquisadores sobre o tema. Propõe a inclusão de novas linguagens e tecnologias nas aulas de História
para superação do reprodutismo.
Palavras-chave: ensino de história, historiografia, nova perspectiva, visualidade.

A epígrafe afirma ser difícil encontrar quem desconheça a importância da


História para a compreensão de si, do outro e de nosso lugar e papel na sociedade. Mas,
na verdade, muitos adolescentes questionam a utilidade do conhecimento histórico em
seu cotidiano, desconfiando da real serventia do estudo dessa ciência para vida.
Esta postura duvidosa dos discentes pode ser vista como reflexo do trabalho,
geralmente, desenvolvido nas aulas de História do Ensino Fundamental e Médio. É
perceptível, não só a falta de informação no que se refere à função dessa disciplina,
como um grande desinteresse por maciça parte do alunado de tais níveis escolares.
O problema é que a maioria dos professores continua lecionando no molde
tradicional. Centralizam as aulas em sua pessoa, empregam como recursos apenas o
quadro, o livro didático e a voz, além de não deixar explícito os objetivos de cada aula e
o valor do conteúdo estudado. Permanecem trabalhando cronologicamente e avaliando
de forma punitiva e classificatória turmas numerosas e heterogêneas.
Vivendo no século XXI, em meio às discussões que se avolumam desde a
década de 1980, é preciso mais que repensar o ensino. É necessária uma verdadeira
mudança na educação, uma revolução nas estruturas e conceitos educacionais.
Ansiando discutir o ensino de História, traçando brevemente uma trajetória desta
disciplina nas salas de aula do Brasil, fundamentada nos estudos de Elza Nadai,
buscando perceber as variações pelas quais passou em virtude das discussões
historiográficas e políticas educacionais e enfatizando as novas perspectivas de
educação dessa ciência social, é escrito este texto.

1
Aluna do curso de História e membro do Núcleo de Pesquisa “Literatura e Educação em História” das
Faculdades Jorge Amado.
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Ao estudar a origem da história percebe-se que a forma de escrevê-la e concebê-


la modificou-se no decorrer dos anos devido à historiografia fazer parte do pensamento
cultural de uma época. Portanto, em um contexto mundial, pode-se destacar diferentes
fases deste paulatino processo de transformação.
Na Antiguidade, a historiografia grego-romana identificou-se pela visão,
essencialmente, voltada para ações heróicas, com uma grande valorização do Império.
A Idade Média trouxe, em sua estrutura intelectual, uma nova atitude em relação
à história, afastando-se dos atos heróicos e centralizando-se no teocentrismo, sendo este
distanciado dos estudos históricos a partir do século XVIII e XIX, quando o humanismo
colocou o homem como centro do conhecimento. Neste contexto, a História passou a
ser aceita como disciplina na França “inserido na luta da burguesia pela educação
pública, gratuita, leiga e obrigatória”. (SCHIMIDT & CAINELLI, 2004, p. 9).
No século XIX, o Estado tornou-se o grande objeto de estudo, correspondendo
ao período de hegemonia da história política, balizada nas concepções positivistas,
tendo como mais notável representante Leopold Von Ranke.
Em nosso país, a História foi concebida como disciplina neste momento, tanto
imbricada nos movimentos de laicização da sociedade como de valorização da nação.
Percorrendo, desde então, variados caminhos nas extensas fronteiras brasileiras, fica
difícil um mapeamento conciso dessa ciência social, porém, de forma geral, pode ser
caracterizada pela influência francesa e por ser baseada na cronologia política.
Elza Nadai, no artigo “O ensino da história no Brasil: trajetória e perspectiva”
(1993), discute a História enquanto disciplina escolar, seu lugar social, currículo e
ideologia a partir de sua origem e trajetória. Para esta autora, a história estudada no
Brasil após sua inserção como disciplina foi:
a História da Europa Ocidental, apresentada como a verdadeira história da
Civilização. A História pátria surgia como seu apêndice, sem um corpo
autônomo e ocupando papel extremamente secundário. Relegada aos anos
finais dos ginásios, com número ínfimo de aulas, sem uma estrutura própria,
consistia em um repositório de biografias de homens ilustres, de datas e de
batalhas. (NADAI, 1993, p.146).
Com a Proclamação da República a situação não mudou, a Europa continuou
figurando como centro dos estudos da História. Na verdade, constituía o “caminho para
civilização”, já que neste período a grande preocupação era a construção da cidadania e
da valorização do Estado “embasadas na identidade comum de seus variados grupos
étnicos e classes sociais constitutivos da nacionalidade brasileira” (NADAI, 1993,
p.149).
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O resultante dessa abordagem reproduzida há décadas nos programas de


história foi à construção de algumas abstrações, cujo objetivo tem sido
realçar, mais uma vez, um país irreal, mascarando as desigualdades sociais, a
dominação oligárquica e a ausência da democracia social. (NADAI, 1993,
p.150).

O ideário da escola nova, na década de 1920, levantou algumas discussões sobre


ensinar história criticando a seleção de conteúdos políticos, sua abordagem cronológica,
a ênfase no ensino do passado e a relação entre o nacionalismo e militarismo. Todavia,
não houve grande colaboração para mudanças, pois, as propostas recaíram “na
memorização excessiva, na passividade do aluno na decoração, na periodização
política, na abordagem factual, etc.” (NADAI, 1993, p.153).
Com a Ditadura Militar, “foi oficializado o ensino de estudos sociais nas escolas
brasileiras, ficando os específicos de História destinados somente ao segundo grau”
(SCHIMIDT & CAINELLI, 2004, p.11).
Destaca-se, em grande parte desse período, a interdisciplinalidade das ciências
sociais: História, Geografia, Antropologia e Sociologia, com a proposta de formar
cidadãos dóceis e obedientes à ordem estabelecida.
Nos anos 80, como já foi mencionado, a História como disciplina autônoma
tornou-se tema constante de várias discussões contra “o ensino factual do conhecimento
histórico, anacrônico, positivista e temporalmente estanque” (SCHIMIDT &
CAINELLI, 2004, p.12).
Na transição do século XX para o XXI, tais discussões são contínuas e têm
como alvo encontrar novas possibilidades de ensinar a história propiciando ao aluno ser
sujeito de seu próprio conhecimento e assegurando a valorização do conteúdo como
produto do saber e de visões críticas e diversas sobre o mundo.
Sob estas influências, Ulpiano de Meneses (2003) discute “fontes visuais,
cultura visual, história visual: balanço provisório, propostas cautelares” buscando
propor aos historiadores o deslocamento da visão das fontes visuais para a visualidade,
com o intuito de “aprofundar as relações entre a História e o campo visual”
(MENESES, 2003, p.12).
Este autor levanta possibilidades para o estudo da história através da visualidade,
utilizando as imagens não como ilustração, mas como fontes históricas que precisam ser
estudadas, analisadas e contextualizadas para que favoreça a produção de conhecimento
histórico, assim como os documentos e textos escritos.
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Durante todo o artigo de Meneses são realizadas críticas fundamentadas sobre a


concepção dos historiadores no que se refere à visão que possuem e a maneira que
trabalham a visualidade, demonstrando que ainda muitas idéias sobre o ensino de
história precisam ser amadurecidas.
Compartilha dessa concepção Ivan Gaskell (1999), curador de pinturas do
Museu Margaret S. Winthrop, afirmando que os historiadores, devido a sua formação,
“são muitas vezes mal equipados para lidar com o material visual” (GASKELL, 1999,
p.237), apesar de reconhecer as contribuições cada vez mais comuns destes em relação
aos estudos das imagens.
Meneses conclui seu artigo propondo:
que a história vigente, para melhor atender a seus propósitos e
responsabilidades, amplie seu horizonte de ação e seu instrumental, deixando
de amputar da vida social e das forças de transformação histórica uma faixa
relevante de fenômenos (além de insuperável manancial de informações) que
é insensato ignorar. (MENESES, 2003, p.20).

Para Ciro Flamarion Cardoso e Ana Maria Mauad (1997, p.401), a visão de que
o historiador deve valorar todo tipo possível de leitura, ampliando seu instrumental, já é
algo superado, desde quando se concebeu a idéia de que “qualquer tipo de marcas”
deixadas pelo homem é uma fonte histórica, independente desta de ser escrita ou não.
Desta forma, novos textos, tais como a pintura, o cinema, a fotografia etc.,
foram incluídos no elenco de fontes dignas de fazer parte da história e
passíveis de leitura por parte do historiador” (CARDOSO e MAUAD, 1997,
p. 402).

Nas discussões atuais sobre o ensino de história destaca-se a necessidade de


aproximar os alunos do fazer historiográfico, por isso, já existem várias tentativas de
aproximação do alunado das fontes históricas.
O interessante neste ponto é que, mesmo havendo uma clarividência, como
destaca Cardoso e Mauad (1997), da importância da diversidade de fontes na pesquisa,
muitos professores e livros didáticos só consideram está aproximando o aluno da tarefa
do historiador quando trabalha com documentos, demonstrando o reflexo do
pensamento rankeano que ainda persiste em nossa mentalidade.
Sendo esta uma prática que deve ser superada também no ensino, assim como,
praticamente, é no campo historiográfico, a inclusão de novas linguagens e tecnologias
precisa fazer parte das aulas de História.
O cinema, a fotografia, a música, a pintura, usadas corretamente, possuem uma
grande capacidade de despertar o interesse dos alunos e de fazê-los construir o
conhecimento histórico.
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Outra linguagem que ainda constitui uma discussão recente é o trabalho com a
literatura nas aulas de História. O uso dos livros didáticos, mesmo os mais próximos das
concepções atuais, não dão conta de garantir a qualidade do ensino, principalmente, por
afastar os alunos das leituras completas e reflexões próprias.
A literatura favorece uma “imersão” no cotidiano passado, na mentalidade de
uma época, no universo político e econômico, permitindo aos alunos realizar sua própria
leitura da história e perceber o reflexo das estruturas política e econômicas na vida
social.
Quem melhor descreveria a sociedade carioca no século XIX que literatos como
Machado de Assis e José de Alencar? Que produção historiográfica seria mais
apropriada que Jorge Amado para falar da Bahia do século XX? Que recurso seria mais
ideal que obras como “O Nome da Rosa” para entender a mentalidade medieval? Que
aula seria mais interessante e produtiva que a discussão de textos literários
acompanhadas de leituras de imagens para um adolescente? Quem sabe até mesmo
relacionando com a leitura do cinema sobre o evento.
Importantes historiadores vêm utilizando há algum tempo textos literários como
documentos capazes de elucidar questões de determinado contexto:
Seja através das crônicas das crônicas de viagens, do Brasil-Colônia-Império;
dos versos abolicionistas de Castro Alves; dos retratos da vida no Rio de
Janeiro, narrado por Machado de Assis; das denúncias dos abusos na Revolta
de Canudos, por Euclides da Cunha; na consolidação de um mito, por Cecília
Meireles; das memórias de um preso político, em Graciliano Ramos; e da
libertação deste preso por Silviano Santiago; e de outros tantos exemplos que
poderíamos lançar mão, percebemos que por meio da literatura conseguimos
montar um quadro panorâmico, que retrate a História do Brasil, desde a
colonização. (AZEVEDO, 2004, p. 1)
Durval Muniz de Albuquerque Jr. escreveu um artigo intitulado “História: a arte
inventar o passado” em que discorre sobre “o estatuto do saber histórico na pós-
modernidade” (ALBUQUERQUE, 1995, p.8) partindo da narração de experiências
vividas por Bouvard e Pécuchet, personagens de um romance em que Gustave Flaubert
faz discussões teóricas sobre a História. Este trabalho constitui um exemplo de como
podemos utilizar textos literários como fonte e, ao mesmo tempo, como recurso para
propiciar reflexões em torno do tema.
Contudo, bem como a questão da variedade de fontes históricas já constitui algo
claro para o historiador sem configurar a realidade da maioria das aulas de História, o
trabalho com literatura pelos professores dessa disciplina é precário, fato que pode ser
explicado pela pouca produção teórica sobre a problemática.
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Tendo em vista esse fator, o núcleo “Literatura e Educação em História” das


Faculdades Jorge Amado, há quase dois anos, vem propondo possibilidades de
utilização da literatura no ensino de História. Essa iniciativa é importante para
instrumentalizar estudantes que breve estarão na sala de aula e que precisam ultrapassar
o reprodutismo.
Diante dessas considerações, percebe-se que apesar das enriquecedoras
propostas para o ensino da história é necessário que as práticas docentes sejam melhores
desenvolvidas e que os teóricos aprofundem e amadureçam as idéias sobre os temas
discutidos. Hoje, já lemos variadas obras que usam fontes diversas para pesquisa
histórica, entretanto, como vimos, muito pouco dessa nova noção de conhecimento
histórico chega a sala de aula. Consultando as referências de 78 livros didáticos,
nenhuma cita obras literárias.
Para o século XXI é indispensável um trabalho mais aprofundado com
visualidade, como também é necessária a incorporação de novos objetos, temas,
linguagem e tecnologia. Com certeza, fazendo da teoria a prática, aproximando o fazer
historiográfico do ensino e tornando o aluno sujeito atuante da história e de seu processo
de aprendizagem, haveria menos alunos que odiassem a disciplina História e que
desconhecesse o papel desta na sua vida social.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ALBUQUERQUE JR., Durval Muniz de. “História: a arte de inventar o passado” in:
Caderno de História, Natal: UFRN, vol 2, no 1, jan./jun. 1995. p. 7-12.

AZEVEDO, Viviane Milward. “Literatura e História: uma questão narrativa”.


www.portfolium.com.br/artigo-viviane1.html Acesso em 02/09/2004.

CARDSO, Ciro F. & MAUAD, Ana Maria. “História e imagem: os exemplos da


fotografia e do cinema”. In: Domínios da História: Ensaios de Teoria e Metodologia.
Rio de Janeiro:Campus, 1997, p. 401-418.

GASKELL, Ivan. “História das imagens”. In: BURKE, Peter (org.). A escrita da
História: novas perspectivas. São Paulo: Ed. UNEST, 1999, p. 237-272.

MENESES, Ulpiano Bezerra. Fontes visuais, cultura visual, história visual: balanço
provisório, propostas cautelares. Revista Brasileira de História: o ofício do historiador,
no. 45. São Paulo: ANPUH, 2003, p. 11-36.

NADAI, Elza. O ensino de História no Brasil: trajetória e perspectiva. Revista de


História, no 25/26. São Paulo: ANPHU, 1993, p.143-162.

SCHIMIDT, Maria & CAINELLI, Marlene. Ensinar História. São Paulo: Scipione,
2004.

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