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Alegoria e Símbolo

Thiago Cruz

4 anos ago
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Olá pessoal!

Há algum tempo que venho alimentado profundo interesse por alegorias e


uma das melhores leituras acerca do assunto que fiz foi o livro do C. S.
Lewis chamado Alegoria do amor. Nele, antes de começar a tratar
dos textos medievais que falavam do amor cortês, Lewis descreve como
o amor era visto na Idade Média e, claro, o que significa alegoria. O
interessante é que ele estabelece ainda uma relação entre a alegoria e o
símbolo que, embora possam soar semelhantes, são muito diferentes um
do outro.

Neste meu pequeno artigo quero somente comentar algumas coisas sobre
as diferenças entre símbolo e alegoria justamente para tentar tornar clara
a distinção entre uma e outra coisa. Afinal, vivemos em uma época
alheia a alegorias, mas fanática por símbolos: podemos entender com
facilidade uma, mas não compreender absolutamente nada da outra.

Temos que considerar a princípio que existem duas formas de realizar


algum tipo de equivalência entre o material e o imaterial.
Em uma delas, nós partimos do imaterial e inventamos uma forma
visível (ou material) para ele; temos aqui uma alegoria.

Por outro lado, se nós consideramos que o mundo material nada mais é
do que uma cópia(imperfeita) do mundo imaterial, tentamos interpretar
este imaterial por meio de suas imitações sensíveis. Temos, neste caso,
algo completamente oposto à alegoria: é o símbolo.

Ainda confuso com essas definições? Bem, falaremos com mais detalhes
de cada um deles a seguir.

Para que comecemos a falar sobre a alegoria, queria iniciar com uma
breve citação do livro: “É da natureza própria do pensamento e da
linguagem representar o que é imaterial em termos pictóricos” (p.55).
Não é incomum que nós tentemos expressar (e esta é a palavra
importante) qualquer coisa para outras pessoas. A comunicação em si
mesma implica em alguém que diz e em alguém que ouve (daí o “co-” da
palavra) e, por isso, temos que exprimir aquilo que queremos dizer de
alguma maneira.

É possível que já tenham ouvido relatos de amigos como “Eu estava


irado… A vingança ficava gritando em meu ouvido para que eu fizesse
alguma coisa, mas fechei os olhos e ouvi o sussurro suave da paciência e
do perdão que me pediam calma e serenidade. E isso tranquilizou meu
espírito e fez a ira sumir.” Isso não só é um exemplo de alegoria, como
também de um tema medieval comum em poemas: o bellum
intestinum (ou psicomaquia) – a famosa guerra interior.

A alegoria nem sempre se mostra de modo clarocolocando, por exemplo,


os nomes dos personagens ou dos lugares em maiúsculas. Ou seja, não
grafei no parágrafo acima “Ira”, “Vingança”, “Paciência” e “Perdão” e
nem mesmo descrevi o “Espírito” como algum lugar em que esses
encontros aconteceram, ou eventuais laços de parentesco entre as coisas
imateriais materializadas (Vingança como filha da Ira, ou Perdão e
Paciência como filhos do Amor). Isso tudo apenas tornaria a alegoria
mais clara, mais rica e complexa, mas não é necessário. Seja como for,
a alegoria é sempre um modo de expressão sem qualquer coisa de
místico utilizado conscientemente pelo seu inventor (seja poeta ou
não): todo alegorista tem clareza da ficção de suas figuras. Seu objetivo
é trazer mais luz a alguma coisa dizendo de maneira diferenteaquilo que
almeja exprimir. Afinal, “não podemos falar, quem sabe não pudéssemos
sequer pensar, em ‘conflito interno’ sem o uso de uma metáfora; e toda
metáfora é uma alegoria em miniatura.” (p.71).

Contudo, não se deixem levar pela ideia de que somente emoções ou


elementos psicológicos podem ser alvo desse procedimento expressivo,
ou que é um método exclusivamente medieval. Afinal, “a alegoria
consiste em dar um corpo imaginário ao imaterial” (p.338-339) e “a
alegoria não pertence ao homem medieval, mas, sim, ao homem como um
todo” (p.55). Até porque, como o próprio Lewis comenta, todos os deuses
latinos são alegóricos porque unicamente personificam coisas; os deuses
gregos, por outro lado, têm suas vidas fora daquilo que representam. E
isso fica evidente quando vislumbramos o panteão latino possuindo
deuses como Fides, Pietas, Spes, Terra, Victoria, Roma etc. E mesmo
aqueles com similaridades a deuses gregos são muito mais descritivos de
algo imaterial do que qualquer outra coisa.

Essa constatação levou Lewis a considerar que “a alegoria (…)


providenciou um lugar de hibernação (…) para os deuses” (p.94). Com
os latinos, a mitologia sofre um declínio rumo à alegoria de modo que o
monoteísmo seria muito mais uma maturidade do politeísmo do que seu
rival propriamente dito. Ele até mesmo especula que, se o Cristianismo
não tivesse sido adotado por Constantino, talvez o politeísmo romano se
tornasse sozinho em monoteísmo com o tempo. Todo estudo da alegoria,
portanto, deve ser baseado a partir da poesia clássica latina.
O símbolo segue um caminho muito diferente. Mais uma vez é provável
que tenham ouvido alguma coisa como “o seu beijo e o seu abraço
demonstram o verdadeiro amor“. Aqui não se trata de uma alegoria, mas
sim de símbolo. Beijos e abraços são, nesse pequeno exemplo, símbolos
do amor verdadeiro, imaterial e ideal: são formas
materiais que imitam (mímese) o amor e o tornam manifesto a nós.
Essencialmente, reconhecemos no beijo e no abraço o amor: são coisas
sensíveis que remetem a algo que existe naquilo que Platão chama
de mundo das ideias. Ou seja, o símbolo é um modo de pensamento e
não de expressão.

No símbolo, portanto, não há a criação consciente de uma figura material


que represente algo imaterial. Pelo contrário: o símbolo, desde
sempre, aponta para algo imaterial que copia imperfeitamente. Ao
contrário da alegoria, que é mais utilizada durante a Idade Média, o
símbolo é preferido pelo Romantismo.

Para concluir, posso dizer que atualmente nós temos uma facilidade
maior para compreendermos símbolos do que alegorias. Na Idade Média,
qualquer pessoa seria capaz de entender um poema alegórico ao ouvi-lo
ser declamado. Hoje o mesmo não acontece. Pelo que percebo, isso
poderia se dar por pelo menos duas razões: a maior proximidade
histórica que temos com o Romantismo; e a série de preconceitos contra
a cultura medieval que surgiu, justamente, no século XIX, o zeitgeist do
Romantismo.

A maior parte dos textos escritos a partir do século


XIX sobre alegorias tratam-nas como sendo algo pobre, de pouco
significado e até mesmo de forma de opressão sobre pessoas
consideradas como inferiores… E, ao mesmo tempo que fazem isso,
também exaltam o ideal do símbolocomo sendo rico, cheio de
significados e mais comunitário que a alegoria. E provavelmente é por
isso que quase não há atualmente a produção e apreciação de alegorias em
nosso país.

Eu mesmo, como escritor, possuo alguns textosque descobri, depois de


tê-los escrito, que seriam alegóricos. Portanto, deixarei para falar mais a
fundo de alegorias e debater essas críticas que fazem a elas em um
momento posterior ilustrando com textos meus que, embora não cheguem
perto daqueles de George MacDonald (para ficarmos em somente um
autor), servirão de base para dialogarmos a respeito desse assunto.

Além disso, vale frisar que a ideia de símbolopode ser inclusive


considerada como uma característica essencial à arte em geral; mas
também deixo para falarmos disso em alguma outra oportunidade já que
isso nos levaria à leitura e discussão de um outro autor: o filósofo
alemão Hans-Georg Gadamer.

Até o próximo post!

Referência:
LEWIS, C. S. Alegoria do amor – um estudo da tradição medieval. É
Realizações: São Paulo, 2012. (original de 1936).

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