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Panorama histórico-conceitual-

metodológico na Treta 1Literária


Resenha do capítulo Narrati va, Ficção e Valor – situado no livro O Foco Narrati vo,
com autoria de Lígia Chiappini Moraes Leite.

A autora faz um vasto recorrido desde os primórdios – ocidentais –


dos discursos produzidos sobre literatura por intelectuais legitimados
(em suas épocas ou a posteriori), começando o percurso por Platão (e
seu problema com a imitação e sua diferenciação dessa à narração) e
Aristóteles (a quem a imitação é uma forma de conhecer, válida).
Algo inédito depois da leitura de alguns textos sobre literatura e
gêneros literários – vasta produção e enorme parte com referências
diretas à Platão e Aristóteles – foi o fato de a autora ter localizado a
sistematização do conhecimento produzido por esses filósofos acerca
desses temas em um livro de Hegel: A Estética, publicado em 1965.
Hegel, que diferencia os gêneros clássicos por suas relações com
subjetividade e objetividade, discorre também sobre a travessia da
épopeia ao romance (para ele: epopeia burguesa moderna), sendo
esse segundo infundido também de elementos líricos e dramáticos.
Com Kayser podemos ver a relação entre as mudanças ocorridas na
sociedade e a forma de produzir narrativas dessa, nessa e para essa.
Conforme vamos adentrando nos subtítulos do capítulo, podemos
reestabelecer, com os novos conceitos elucidados, relações com cada
período de discussão descrito pela autora. Assim, por exemplo,
arriscar ver uma ressonância entre o entendimento aristotélico [“O
poeta deve falar o menos possível por conta própria”, (ARISTÓTELES,
1964, p. 314)] e, quem sabe, o que Lubbok, organizador polêmico das
teorias criadas a partir da formação dos prefácios rememorativos a
seus próprios escritos de Henry James, tentou distinguir: criadores de
cena (ligado ao mostrar) e de sumário (ligado ao contar). Quanto à
defesa implícita - tanto de James, tanto de Lubbok - ao romance onde
o narrador não se expõe em primeira pessoa - James enquanto
romancista que revisita seus escritos para prefaciá-los, Lubbok
enquanto crítico que filtra dos escritos de James uma teoria literária -
seguem os próximos subtítulos com os frutos das discórdias em
relação a essa presunção valorativa.

1 A palavra treta é aqui escolhida por seu caráter de tensão e possibilidade de, a partir da treta,
perceberem-se e serem criados novos caminhos. Foi entendida como um guia de leitura na fomentação
dos instrumentos para a análise literária surgidos a partir dela, dos embates, das “polêmicas” – como diz
Lígia Leite no seu subtítulo. Trazendo uma contemporaneidade ao título, escolho a palavra por ser assim
que leio as condições para o nascimento da(s) teoria(s) literária(s), ou a forma como ela(s) é(são)
usualmente narrada(s).
A forma como os fatos são discorridos, no texto, dá a entender que,
independente da validade da contribuição de Lubbok enquanto teoria,
foi a partir da crítica a ele que surgiram muitos outros vieses e formas
de perceber o narrador e o texto literário. A crítica ele, então, foi um
motor para muitos desdobramentos na teoria literária. Embora a
autora tenha escolhido a sistematização de Norman Frieddman, que
será delongada no próximo capítulo, essa faz questão de dar espaço
ao que se seguiu a partir de Lubbok, como importantes também pra
instrumentalizar a análise textual.
Se Lubbok foi alvo de discórdias por ter forjado uma normativa dura
em relação ao narrador-não-interventor e colocado o ponto de vista
em uma forma estática, Forster (1974) considera que a mudança de
ponto de vista dentro do romance pode ser encarada inclusive como
uma vantagem do romance, deixando-o mais verossímil com a
realidade da pessoa humana: que muda de percepção ao longo do
tempo e das situações. Muir, por sua vez, dá mais atenção a que não
seja travada uma disputa pelo “romanesco por excelência”, fazendo
uma sistematização dos diversos romances produzidos a partir da
diferença, não competitiva, em seus enredos. Booth dessacraliza o
lugar colocado do narrador inspirado em Henry James, acredita que o
modo de se contar uma história nada tem a ver com um ideal pré
estabelecido do “melhor”, mas sim com os valores e efeitos que se
quer transmitir e provocar. Defende que o “desaparecimento do
autor” é um mito, tal que esse não se esconde, apenas se mascara.
De Booth advém o conceito de autor implícito, esse manejador de
disfarces que deixa sua marca e avaliações na obra. (DAL FARRA,
1978).
É com a tessitura desses novos conceitos e ruptura dos antigos que
se vai conseguindo delinear uma outra forma de pensar, que não se
preocupa em valorizar ou normatizar, mas sim, entender os recursos
para estabelecer a comunicação mediada pela autonomia do mundo
de ficção criado: a retórica. Booth dá passos em relação a um
pensamento moderno, que logo criaria a materialidade linguística.
ISSO implica resistir a qualquer psicologismo que leve a confundir
FICÇÃO e realidade, personagens e pessoas, autor real e autor
representado num mundo feito de palavras. É uma forma também de
atualizar e de precisar, pela criação de uma categoria intermediária, a
distinção que Kayser já fazia entre o autor e o NARRADOR. O AUTOR
IMPLÍCITO é uma imagem do autor real criada pela escrita, e é ele que
comanda os movimentos do NARRADOR, das personagens, dos
acontecimentos narrados, do tempo cronológico e psicológico, do
espaço e da linguagem em que se narram indiretamente os fatos ou
em que se expressam diretamente as personagens envolvidas na
HISTÓRIA. (LEITE, 2000, P. 19-20)

Se Jean Pouillon correlaciona narrativa e visão, inspirado por Sartre e


opondo-se ao que em poesia é som e silêncio, criando três lugares
possíveis para o narrador-personagem (visão com, visão por trás,
visão de fora), Lebov, partindo da obra de Jean, faz um diálogo entre
os conceitos de diegese e discurso e os três lugares-narradores ,
situando esse diálogo no tempo histórico da produção dos romances.
Lebov acaba problematizando seus próprios conceitos e criticando a
parcialidade de Poillon em não distinguir narrador e autor implícito,
percebendo que a diegese está intrinsicamente ligada ao enunciado
ou ato de enunciação deste último, transformado em um ser ficcional,
mascarado e sempre à espreita. Essa distinção ajuda a dividir aquilo
que seria apenas uma análise técnica das posições no texto literário e
a possibilidade da análise ideológica do mesmo.
A autora encerra o texto trazendo também as contribuições de
Todorov, Barthes, Benveniste à análise dos níveis dentro de uma
narrativa e das funções dos signos dentro do texto literário. Conjunto
a isso, uma investigação – dentro da materialidade do texto - do
narrador a partir de suas vozes e visões, indo mais a fundo na
questão do processo de enunciação e chegando até um ponto onde
se há uma imagem do narrador (autor implícito), há também uma
imagem do leitor.

Isadora Machado para disciplina Gêneros Literários

Referências
ARISTÓTELES. Arte poética. In: —. Arte retórica. Arte poética. São Paulo, Difusão Européia do
Livro, 1964.
DAL FARRA, Maria Lucia. O narrador ensimesmado: o foco narrativo em Vergílio Ferreira.
Editora Ática, 1978.
{divagações durante, abertura de janelas e questões}

autor implícito x voz poética – qual a relação?

Dar a imagem e o sentido de certas coisas e mantê-las ao mesmo


tempo subordinadas a seu plano, conservando-as relacionadas a
assuntos mais imediatos e evidentes; dar todo o sentido, em suma,
sem toda a substância ou toda a superfície, e assim sumariar e
escorçar, de modo a tornar os valores tão ricos quanto penetrantes,
para que a mera sucessão de itens e perfis não seja somente evitada,
mas também, por conta da qualidade essencial, quase “ajustada” –
essa delicada questão sempre se apresenta ao pintor da vida que
deseja ao mesmo tempo tratar o assunto escolhido e limitar o quadro
necessário. Somente assim é que a arte se torna primorosa, e é
somente tornando-se positivamente primorosa que se afasta da
vulgaridade, repudiando a rude produção que se disfarça em seu
nome. Para o romancista, essa eterna questão temporal nunca dá
trégua. Sempre formidável, ela jamais cessa de insistir, em termos de
verossimilhança, no efeito do grande salto e da passagem, do “negro
retrocesso e do abismo” e, segundo os termos da estrutura literária,
no efeito da compressão, da composição e da forma. Trata-se
realmente de uma tarefa capaz de aterrorizar a todos – exceto os
mais valentes – que lutam contra a omissão e a mutilação
vergonhosas. Contudo, veríamos o medo mais generalizado, se a
consciência da dificuldade fosse maior. Na verdade, não é a
consciência da dificuldade que mais oprime o contador de estórias.Se
fosse assim, um número prodigioso de narrativas talvez dificilmente
teria sido “contado”. Creio que nenhuma foi muito bem contada,
quando regida pela lei da mera eliminação, apesar da grande
influência desse recurso. Lembro-me de ter feito o possível,
no caso de Roderick, para não me limitar a isso, enquanto, em minha
consciente impotência, evitava milhares de questões. A preciosa
verdade a que me aferrava como meu princípio de simplificação era
que estava tratando, afinal, essencialmente de uma Ação, e que
nenhuma ação, ademais, tornara-se historicamente nítida sem um
certo tipo de compactação artificial

“Basta dizer, para ser breve, que a primeira pessoa, na narrativa


longa, é uma forma fadada ao afrouxamento, e o afrouxamento,
quase nunca assunto do meu interesse, nunca o fora menos quanto
nessa ocasião específica.”

(retirados do livro “a arte do romance”, uma organização de


prefácios de Henry James – para perceber sua linguagem e forma,
incitadoras de uma grande treta)

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