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Histórias de Pedro Malasarte

A ÁRVORE QUE DAVA DINHEIRO

Vendo-se apertado com a falta de dinheiro e não querendo ter arenga com o
dono da pensão, Malasarte saiu, naquela manhã, bem cedo, para ganhar a vida.
Arranjou com o vendedor de mel de jataí um bocado de cera; trocou na mercearia
de Seu Joaquim a única nota de dinheiro que lhe sobrara, por algumas de moedas
de vintém e caiu na estrada. Caminhou por obra de uma légua ou mais, quando
avistou uma árvore na beira da estrada. Chegando ao pé da árvore, parou e pôs-se
a pregar os vinténs à folhagem com a cera que arranjara.
Não demorou muito, deu de aparecer na estrada um boiadeiro que vinha
tocando uns boizinhos para vender na vila. E como já ia levantando um solão
esparramado, a cera ia derretendo e fazendo cair às moedas. Malasarte, fazendo
festas, as apanhava. O boiadeiro acercou-se curioso, perguntou-lhe o que fazia, e
Malasarte explicou:
— Esta árvore é deveras encantada, patrão. As suas frutas são moedas
legítimas. Estou colhendo todas, porque vou me bandear pra outra terra e tô
pensando em levar a árvore, apesar de todo o trabalho que vai me dar.
— Não me diga isto, sô!
— É o que eu lhe digo, patrão!
— Diacho! Se lhe vai dar tanto trabalho...
E o boiadeiro propôs comprar a árvore encantada. Malasarte, depois de muitas
negaças, fechou negócio trocando a árvore pelos boizinhos; em seguida, bateu pé
na estrada, vendendo-os na vila por um bom preço.
O boiadeiro mandou alguns de seus peões retirarem, com todo o cuidado, a
árvore encantada e a replantou no pomar do seu sítio. Daqueles anos até hoje, está
esperando ela dar moedas de vinténs.
MALASARTE IMPEDE QUE O MUNDO DESABE
Vinha Pedro Malasarte viajando por uma estrada, quando lhe deu vontade de
verter água. Encostou-se a um paredão pertencente a uma bonita chácara. E
quando estava no melhor, apareceu o dono da chácara, de bota e espora,
alumiando raiva nos olhos, armado de uma baita espingarda, a perguntar-lhe quem
tinha lhe autorizado fazer aquilo ali.
Malasarte disfarçou e respondeu:
— Ah! Meu senhor, desde manhã que estou aqui encostado, sem comer, nem
beber, só por causa dos outros.
— Por causa dos outros? Como, assim, por causa dos outros?
— Estou escorando o mundo.
— Ara sô, você está doido!
— Pois é verdade, seô patrão, vinha eu caminhando com meus pensamentos,
no meu quieto, mas, quando cheguei neste lugar, me apareceu a figura de um anjo
que veio descendo do céu, envolto em luz muito brilhante, que me disse estas
palavras:
— Por ordem do senhor Deus o mundo vai acabar à meia-noite de hoje.
Imagine o susto que não levei! Mas o anjo me aquietou:
— Há um remédio para se evitar isso: é encontrar alguém que escore este
muro, desde este momento até depois da meia-noite. Se é só isso, não tem
problema, respondi ao anjo, vou cortar uma estaca...
— Não, não há tempo. Antes de um minuto o muro deve estar escorado. E me
empurrou para aqui onde me acho sem poder arredar o pé, pois, se saio, o mundo
vem abaixo.
— Deveras! Então, é melhor você escorar bem esse muro.
— Ah! Se o patrão me fizesse o favor de tomar um bocadinho meu lugar
enquanto eu vou ali ao mato cortar uma escora para o muro, tudo estará
arranjado, mesmo porque se eu ficar aqui por mais tempo, não vou resistir e o
mundo virá abaixo. Ninguém escapará, a morte é certa.
O chacareiro pensou e resolveu tomar o lugar de Pedro que prometeu voltar
logo com a escora, e até hoje está sendo esperado.
MALASARTE E AS JOIAS
Viajando sem destino fixo, errante, indiferente aos perigos, Malasarte foi dar
na fazenda de um fazendeiro ricaço, que era casado e tinha uma filha. Precisando
de uns vinténs, dormindo ao relento, à beira do caminho, Malasarte ofereceu-se
para trabalhar na casa, e foi aceito pelo fazendeiro ricaço.
Como era tempo de chuva, o chiqueiro estava um lameiro que só vendo. Foi aí
que Malasarte teve uma ideia.
Chegando a noite, campeou os porcos para longe e lhes cortou as caudas.
Voltando ao chiqueiro, espetou no lameiro as caudas dos porcos.
De manhã, quando o dono da casa veio ver a porcada, Malasarte lhe apontou o
lameiro e disse-lhe que os porcos estavam todos atolados, apenas com os rabos de
fora. O fazendeiro, desesperado, mandou Malasarte ir correndo ao celeiro buscar
duas enxadas para ver se conseguiriam desenterrar os porcos.
Pedro Malasarte foi à carreira; lá chegando, viu a dona e a filha colhendo
laranjas no pomar e lhes disse:
- O patrão mandou as senhoras me acompanharem.
Elas duvidaram; então Malasarte gritou ao fazendeiro, perguntando:
- As duas, patrão?
- Sim, as duas, pateta! E sem demora!
Então, as senhoras não querendo contrariar o fazendeiro, não puseram mais
diferença e acompanharam Pedro que tomou, com elas, outra direção.
Bem longe da fazenda, Malasarte amarrou-as numa árvore, tirou-lhes todas as
jóias que eram de grande preço, e fugiu com toda a porcada que tinha ocultado ali
perto.
Quando o fazendeiro, cansado de esperar pelas enxadas, foi ao seleiro e não
encontrou Malasarte, saiu a procurá-lo e acabou achando a mulher e a filha,
amarradas a uma árvore e nada de Malasarte.
Quando o fazendeiro voltou ao chiqueiro com a enxada, descobriu que dos
porcos só havia os rabinhos, e que ele é que era o verdadeiro pateta.
A muitas léguas dali, Malasarte negociou a porcada com outro fazendeiro. Com
o dinheiro, comprou, no vilarejo, um bom jogo de roupas e caiu no mundo, muito
do contente.
O JUIZ E A CARTOLA

A noite já ia alta e Pedro Malasarte, sem nenhum vintém, procurava um bom


lugar para dormir, quando aconteceu dele passar frente a casa de um juiz. Bateu a
porta e pediu pousada, dando o nome de tal doutor fulano, que estava de
passagem por aquelas terras.
O juiz costumava a chegar tarde, pois ficava até a meia-noite
jogando truco com seu compadre e amigos. E vai então que o filho do juiz, na sua
simplicidade, mandou entrar o hóspede e, depois de Malasarte comer até se fartar,
deu-lhe pousada, no quarto onde o juiz costumava se vestir.
Quando o juiz chegou a casa, o filho lhe contou o que ocorrera e o magistrado
ficou muito satisfeito com a hospedagem. Nem por sombras podia imaginar o que
ia suceder.
Lá pela madrugada, quase amanhecendo, Malasarte começou a sentir umas
coisas na barriga... Procurou o vaso e, não o encontrando, abriu a janela... Mas lá
fora havia uma cachorrada, que pegou a latir e foi um barulho de latidos do inferno.
Malasarte estava suando frio. Mas, nisto, avistou na prateleira uma caixa.
Abriu; dentro havia uma cartola de feltro. Estava salvo! Tirou a cartola e, fez nela...
Bem, vocês já sabem. Depois pôs outra vez, com muito cuidado, a cartola na caixa
e, esta, no lugar onde estava.
Nesse tempo, a manhã já rompia e Malasarte quando ouviu o tropel dos
criados na casa, tratou de cair fora. Quando vieram chamá-lo para o café, não o
encontraram mais.
Na hora do almoço, o Juiz saiu do quarto e foi para o cômodo em que
costumava se vestir. Era dia júri. Vestiu a sobrecasaca, e, distraído, tirou da caixa a
cartola e num só golpe a enterrou na cabeça. Não deu outra coisa, o Juiz ficou com
a cara... digamos, enlameada. Além disso, sentiu um cheiro que quase o sufocou.
Começou então a gritar. A família veio em seu socorro, achando que alguma
desgraça tinha acontecido.
Ao vê-lo naquele estado, o filho foi buscar um balde de água, a filha sabonete
de cheiro e a mulher um frasco de perfume. O Juiz bufava de raiva. Mas Pedro
Malasarte já estava longe.
COMO MALASARTE COZINHA SEM FOGO

Aí vai uma história de Pedro Malasarte; história tão certa como ela se passou,
que nem contada em letra de forma, ou pregada de púlpito, seria tão verdadeira.
Chegando, certa vez, Pedro Malasarte à cidade, logo se meteu em
divertimentos e gastou todo o dinheiro. Mas antes que ficasse de todo limpo
comprou uma panelinha de ferro, com três pés para apoiar sobre o fogo, uma
matula e seguiu viagem.
Já era por umas onze da manhã, quando avistou um rancho desocupado.
Apertado de fome, resolveu descansar ali. Fez fogo, pôs a panela de três pés com a
matula a aquecer.
Mal acabara de aquecer a matula, vem chegando uns tropeiros. Pedro
Malasarte mais que depressa pôs um monte de terra sobre o fogo, de modo que
não ficou um graveto a vista, e ficou muito quieto diante da panelinha que
fumegava.
Os tropeiros vendo aquilo ficaram muito espantados e perguntaram:
— Que moda é essa, caboclo, de cozinhar sem fogo?
Pedro respondeu logo:
— Isto não é para todos. Pois não vêem que minha panela é mágica?
— Então, ela cozinha sem fogo?
— É como estão vendo, e a qualquer hora. Mas como o médico me disse que
estou por poucos dias e precisando de dinheiro para encomendar o corpo, posso
negociá-la.
Os tropeiros viram na panela um verdadeiro achado; provaram da comida e
acharam tudo muito bom.
Compraram a panela, pagando por ela o preço que Pedro Malasarte lhes pediu.
Vinha caindo à noite, quando os tropeiros foram cozinhar sem fogo e deram
com a trapaça de Malasarte, que já tinha sumido nesse mundo de Deus.
Pois foi assim que aconteceu e já lá vão quarenta e cinco anos ou talvez
cinqüenta, que nisto de contagem de anos não sou nenhum sábio da Grécia.

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