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MARX E A PEDAGOGIA MODERNA

AULA 6

PARTE 2
A “Pedagogia” Marxiana Frente às Demais Pedagogias

CAPÍTULO 5
TENTATIVA DE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA
Até aqui nos limitamos a definir o ponto de partida par uma
investigação
vestigação necessariamente sumária, mas, tanto quanto possível,
com o máximo rigor, sobre os fundamentos de uma possível
pedagogia existente na obra mar marxiana;
iana; chegou, agora, o momento
de tentar inseri
inseri-la na história das instituições
ões educativas e das
teorias pedagógicas, o que permitirá, inclusive, verificar as
eventuais contribuições que daí possam vir à problemática
pedagógica atual.
Expondo, de maneira esquemática, o resultado da pesquisa
marxiana sobre os temas de formação do hhomem – que nada mais
são que um aspecto dos temas da sua emancipação eman como
indivíduo social
social,, isto é, como ser singular inserido na sociedade de
que participa – pode-se
se enunciá
enunciá-lo
lo como método da associação do trabalho em fábrica e
de ensino numa escola essenessencialmente tecnológica, com a finalidade de criar o
homem onilateral.
Embora Marx não tenha estudado ex professo o processo de formação histórica
das instituições ou estruturas educativas, como parte das estruturas da sociedade civil de
que investiga a anatomia,
omia, poderá, no entanto, ser útil tentar confrontar o resultado da
sua pesquisa, que o leva a indicar, na união do en ensino
sino e do trabalho, o germe do ensino
do futuro, com o concreto desenvolvimento histórico dessas instituições ou estruturas,
examinadas de um ponto de vista o mais marxiano possível.

Escola e não escola na história


Partimos do princípio de que, na sociedade dividida em classes, isto é, na
sociedade em que o trabalho está dividido e em que essa divisão se apresenta,
essencialmente, como divisão entre trabalho manual e trabalho mental, ou como divisão
entre trabalho manual e trabalho mental, ou como divisão entre campo e cidade, o
ensino e o trabalho aparecem também divididos, como dois termos até antagônicos. A
escola – mas é óbvio quee o emprego desta palavra é anacrônico quando aplicado a
épocas mais antigas e sobrepõe novos sentidos para instituições marcadamente
diferentes das que modernamente recebem esse nome – enquanto estrutura específica da
formação de um determinado tipo de “homem dividido”, nasce historicamente no
interior das classes possuidoras
possuidoras, como estrutura destinada exclusiivamente à sua
formação; não existe para as demais classes. Apenas as classes possuidoras têm essa
instituição específica que chamamos escola e que – como veremos – apenas há pouco
tempo, ou seja, a, aproximadamente a partir do início da Revolução Industrial, começa a
tornar-se,
se, em perspectiva, uma coisa de toda a sociedade.
Tem-sese falado muito, e ainda se fala a toda hora, da oposição entre a escola do
trabalho
ho e a escola do doutor, entre escola desinteressada e escola profissional – e, nesse
contexto, é oportuno e tem sentido o discurso sobre duas culturas -,, mas, na realidade,

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por milênios, a oposição tem tem-sese dado não entre escola e escola, mas sim em ter escola
esco e
não escola.
Historicamente, a educação é confiada, no interior da família, a educadores
especialistas, aos filhos dos poderosos (do faraó, dos minos”, do anax, anax do basileu, do
pater),), em torno dos quais se agregam os filhos de várias famílias eminente eminentes, que
surgem as primeiras escolas públicas, ou seja, abertas aos jovens de várias famílias que
se interessavam, cada vez mais, pela vida pública e se caracterizam por esse conteúdo
específico. Essas escolas, com apoio na divisão do trabalho existente no ppróprio interior
das classes dominantes, aparecem, por um lado, como escola de cultura para os
pensadores de classe, seus ideólogos ativos. Por outro lado, aparecem como giná ginásios ou
tribunais onde os cidadãos guerreiros se educavam para o exercício do poder político e
da arte militar. Mas, fossem escolas de sacerdotes ou de cidadãos cidadãos-guerreiros,
permaneciam como estruturas específicas e exclusivas para ra a formação das classes
dominantes; na história ia grega, podepode-se
se acompanhar o confluir progressivo de duas
tradições
ções em direção a uma instituição que assume o caráter cada vez mais de “escola
do escriba”.
É fato sabido que a escola, qualquer que seja o aspecto e conteúdo údo que assuma,
permanece o lugar da formação das jovens gerações
pertencentes à classe dominante, e que as classes
subalternas a ignoram. As crianças e jovens
pertencentes a essas classes não têm um lugar
estabelecido para a sua formação, ainda que isso não
signifique, é óbvio, que, de qualquerr maneira, não se
formem. Na realidade, formam-se, se, não no interior
int
de um lugar específico aos jovens, ou escolas, mas
sim na aprendizagem prática, no contato direto e
constante com os adultos, numa participação
Do período ramséssida, ima imagem, imediata em sua vida e atividade. Trata-se
Trata de uma
proveniente do túmulo,, última morada do
chefe dos trabalhadores de Deir Deir-el- autêntica formação no trabalho.
Medina, Inherkhau. Por milênios, portanto, na sociedade dividida
em classes
ses pela divisão do trabalho, entre a
formação das classes dominantes e a preparação profissional dos produtores
pertencentes às classes subalternasubalternas (sem falar dos camponeses, aos quais a divisão
fundamental entre cidade e campo nem sequer permite a elaboração de um processo
educativo normatizado qualquer, mas só o puro e simples crescer ao lado dos adultos),
existiu um hiato profundo, uma separação absoluta, não apenas no sentido de que as
duas organizações não tinham qualquer po ponto
nto de contato entre si, mas também no
sentidoo de que não comp compartilhavam
tilhavam princípios, conteúdos e métodos entre as duas
diferentes formações.

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A Idade Média produz
produziu
iu uma clara divisão, no interior das classes dominantes,
entre clerici e milites e entre os respectivos
re
currículos educativos; enquanto a massa dos
produtores permaneceu confinada com rigor em
seus estatutos corporativos, usufruindo apenas
daquelas migalhas da ciência ou doutrina que lhe
chegavam como doação dos elaboradores
exclusivos da cultura. No limiar do mundo
moderno, nem aquela grande de revolução popular,
que foi o surgir das literaturas vulgares, que
retirou dos clérigos o monopólio da escrita,
criando formas e conteúdos culturais novos, conseguiu contrapor à organização
tradicional para a difusão
fusão da cultura, isto é, à antiga escola, uma nova escola.

União do ensino e trabalho na história


Apenas com a moderna Revolução Industrial, surge o fato verdadeiramente novo
dos jovens, de cuja organização se ocupam não mais determinadas classes, mas toda a
sociedade civil, por meio do Estado.
Nesse processo, a estrutura educativa, consolidada em milênios, se estende das
classes privilegiadas (e se degrada) às classes subalternas, levando
levando-lhes
lhes seu tipo de
organização, suas tradições e seus métodos. E iissosso não ocorre apenas pelo fato da força
de inércia própria de todas as estruturas existentes, ou pelo fato de que a classe
dominante tende a destruir as estruturas ou instituições típicas das classes subalternas
(como faz concretamente com a prática artesanal) para impor suas próprias estruturas;
corresponde, porém, a inevitável e objetiva necessidade de expandir as aquisições, antes
exclusivas ou sagradas, da ciência, que, quanto mais se converte de especulativa em
operativa, tanto mais tem necessidade de expandir
expandir-sese e de entrar difusamente no
processo produtivo. Foi nesse contexto que se produziram a escola do doutor e a escola
do trabalhador: a primeira acentuadamente livr livresca
esca e desinteressada; a segunda
acentuadamente profissional e prática; mas ambas, definitivamente, escolas.
Toda pedagogia moderna éé, portanto, uma disputa sobre a relação entre teoria e
prática, entre a escola do ler e a escola do fazer; ou melhor , uma ccontínua
ontínua polêmica dos
inovadores contra a escola do ler.

Marx e as pedagogias póspós-marxianas


Fora da tradição marxista é, portanto, conhecida a incapacidade de inserir o
pensamento pedagógico marxiano na história da pedagogia. Mesmo quando o inserem
de algum modo, tende-se se a integrá
integrá-lo,
lo, sem suficiente diferenciação entre as correntes
mais conhecidas, desde o socialismo utópico, até o
evolucionismo, o positivismo
itivismo ou o pragmatismo,
baseados em analogias mais formais que
substanciais.
No terreno educativo, a Revolução
volução Industrial
eliminou o velho modo de treinamento das classes
trabalhadoras, o estágio no local de trabalho junto
aos adultos, e colocou em crise o caráter privilegiado
e retórico da formação das classes dominantes na
escola tradicional. Mas, se a Revolução
olução Industrial é a
matriz comum, diferente é o modo de se reagir a ela.
Nos vários representantes das pedagogias modernas não marxistas, a Revolução
Industrial pode ser objeto de lamenta
lamentação,
ão, aceitação anistórica ou contraposição utópica;
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em Marx, é postura consciente da historicidade das relações sociais e do seu reflexo na
ideologia, é prontidão para captar, no dado histórico, a tendência do movimento.
Podemos encontrar, de fato, termos análogos aos marxianos em mil filósofos e
pedagogos, mas jamais em seu contexto que rejeita o utopismo, o moralismo e o
individualismo, e que parta, ao contrário, de uma rigorosa crítica das relações sociais.
O trabalho de Marx é um trabalho produtivo, prática do manejo dos instrumentos
essenciais de todos os ofícios, associado à teoria como estudo dos princípios
fundamentais das ciências. Um trabalho que exclui toda oposição entre cultura e
profissão, não tanto na medida em que fornece as bases para uma multiplicidade de
escolhas profissionais, mas na medida em que é atividade operativa social, que se
fundamenta nos aspectos mais modernos, revolucionários, integrais do saber. Aquele
trabalho que a própria fábrica postula, sem que o possa proporcionar até que não opere
uma mudança revolucionária.
Unir ensino e trabalho e colocar o processo educativo, rico em conteúdos
teóricos, no coração da produção moderna, não é um programa pedagógico que, por si
só, identifique o marxismo com as demais pedagogias modernas. Marx fala de
modificar o mundo, isto é, de uma atividade na qual a sociedade humana está
fortemente empenhada e que representa, de certa maneira, todo o processo da sua
história: apropriar-se da natureza de modo universal, consciente e voluntário, modificá-
la e, ao modificar a natureza e seu próprio comportamento em relação a ela, modificar a
si próprio, como homem.
De fato, a complexa história da escola soviética, à qual se tem querido atribuir um
caráter de incoerência e de contradição, oscila constantemente em torno da pesquisa dos
melhores modos de realização dessas hipóteses marxianas. Na URSS, essas exigências
pedagógicas e o sistema educativo em que se expressam transferiram-se posteriormente
aos países que, por diversas vias, chegaram ao socialismo; assim, hoje, um terço da
humanidade educa-se em sistemas escolares inspirados naqueles princípios.

O marxismo e os problemas atuais do ensino


Consideremos, agora, o processo objetivo do ensino no mundo moderno, nesses
cem anos que nos separam de Marx. O fato mais evidente, nos países industrialmente
desenvolvidos, que eram objeto de suas preocupações, é, acima de tudo, um fato
quantitativo.
A escola, daquela estrutura reservada aos jovens das classes privilegiadas,
converteu-se, cada vez mais, numa escola aberta também aos jovens das classes
subalternas. A velha aprendizagem artesanal desapareceu, o vazio por ela deixado foi
ocupado pelo ensino elementar e técnico-profissional e pela nova aprendizagem do
trabalho representado pelas escolas de fábrica. Mas a antiga discriminação de classe
continua a manifestar-se, mais ou menos acentuada nos vários países, com duas linhas
de fratura: uma horizontal, entre os que deixam precocemente as estruturas escolares
para ingressar nas estruturas de trabalho, e os que naquelas permanecem ulteriormente
para adquirir a ciência; a outra, vertical, entre os que estudam na escola desinteressada
da cultura, e os que estudam na escola profissional da técnica.
É um processo que Marx classificaria como natural e espontâneo, que não deixa
de se processar sem contradições e que é determinado mais pelo desenvolvimento
objetivo da produção do que pelas exigências da ciência pedagógica. É a maior
disponibilidade dos bens, inclusive culturais, o mais amplo ingresso dos adultos e,
especialmente, das mulheres, na produção industrial e a abolição do trabalho infantil de
fábrica que libera as crianças da família e do trabalho infantil, que acabaram por deixá-
las disponíveis para a escola. É este o fundamento objetivo do aumento da escolaridade,
do deslocamento para o alto da fratura horizontal.
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A atual
ual fase do progresso tecnológico tende a reunificar a ciência e o trabalho:
apoiada na cibernética e na automação, exige cada vez menos operários e cada vez mais
técnicos e pesquisadores de alto nível; exige, ao mesmo tempo, conhecimentos
específicos para cada uma das estruturas, disciplinas, aparelhamentos, e capacidade de
integrar mais estruturas ou de dominar as relações que as unem.
A análise marxiana
arxiana pode ser um modelo de análiselise a se aplicar, hoje em dia, para
descobrir não apenas o estado atual da tecnologia, mas também o processo contraditório
que nela se desenvolve. Para descobrir, por exemplo, a contradição entre o elevado nível
tecnológico exigido ao moderno produtor, bem como sua condição social, e, assim,
determinar as exigências de form
formação técnica, cultural e social a serem
rem satisfeitas.
O movimento que se processa hoje na pedagogia moderna tende, sem renunciar ao
momento metodológico e motivador, a recolocar ênfase na exigência de sistematização,
de organização e de racionalização do saber. A tendência a superar a alternativa entre
espontaneidade do discente e organicidade do saber, entre interesse subjetivo e dados
objetivos, entre motivação e racionalização, não é alheia às teses marxistas da totalidade
do saber e da onilateralidade do homem, que, pelo contrário, permitem uma coerente
abordagem dessa problemática.
Em que pese o aumento da escolarização nos novos países, os sulcos entre iilhas
de cultura avançada e zonas culturalmente rebaixadas
tendem a dilatar-sese cada vez mais; 95% da pesquisa
científica de hoje desenvolve-se se em apenas trinta
países. Tudo isso consolida o monopólio cultural dos
países desenvolvidos, condiciona o empobrecimento
cultural dos países menos desenvolvidos e torna mais
difícil sua decolagem cultural autônoma. Os
desequilíbrios
ilíbrios entre os indivíduos e as classes
classe são
também desequilíbrios os entre os povos, alguns dos qquais ais hoje se encontram em
condições de exploração, de sujeição, de alienação, análogas àquelas em que se
encontravam os indivíduos e as classes no interior da soci
sociedade
edade industrial há um século.

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