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A difícil tarefa de democratizar a sala de aula

Por Cristiano das Neves Bodart


A ideia de “democracia” está a cada dia ganhando mais simpatizantes,
ainda que poucos saibam do que realmente se trata. Ora confundem
democracia com liberdade de expressão, ora como eleições diretas
esporádicas. O pior é quando a confusão é com a “libertinagem” (que
entendemos aqui como liberdade sem limites) e a falta de uma figura
dotada de autoridade. Isso comumente ocorre na escola.
A sala de aula é, em sua origem, um espaço de dominação e de
autoritarismo. Por isso, tivemos nas últimas décadas tantos livros e
artigos denunciando a nossa “pedagogia do oprimido”, ou melhor, de
oprimir o aluno. Não adentrarei no campo das corretes teóricas; tentarei
lançar luz à prática docente em sala de aula com base em minha
experiência pessoal*, sobretudo, buscando refletir sobre uma questão: é
possível a sala de aula ser um espaço democrático?
É comum ouvirmos pedagogos afirmarem que cabe ao professor definir
as regras de sala de aula, deixando ao docente toda a responsabilidade
do que ocorre na sala de aula. Esses apontamentos são tão comuns que
são assimilados pelos professores e externalizados na frase “na sala de
aula, eu sou a autoridade”. Nota-se aqui uma incoerência: democracia
não combina com responsabilização de um único indivíduo, o qual se
impõe como autoridade máxima.
Democracia é uma condição política de cooperação no governo. No
sentido amplo, o governo do povo. Na sala de aula, temos um governo
de todos? Professores e alunos construindo os rumos das aulas de forma
participativa e deliberativa? Isso é possível?
Para que tenhamos uma sala de aula democrática é necessário mais que
a atuação do professor. Dependerá do capital cultural dos educandos, de
suas experiências anteriores de participação e deliberação. Dependerá de
responsabilidade com a qualidade do ensino, com o interesse de tornar
as aulas cada vez mais educativas.
Outra questão é pertinente: os educandos saberão criar normas de
convivência e respeitá-las ainda que posteriormente venham a ser
contrárias a seus interesses pessoais? Por várias vezes tentei, no início
do ano letivo, definir de forma participativa as normas de convivência e
as regras para a atuação discente e docente durante o ano, tais como,
prazos, modalidades e formatos de provas e trabalhos, participações dos
educandos na aula, respeito uns aos outros, etc. Algumas vezes tive
êxito, outras não. Motivos básicos: a bagagem cultural dos educandos.
Desconhecedores da democracia confundiam esta com direitos e com
libertinagem… Tornava-se necessário explicar que democracia
demandava respeitar as regras do jogo construídas coletivamente. Em
outras palavras, encontrei dois gargalos: a criação das regras do jogo de
forma coletiva que fossem benéficas à todos; a observância, à posteriori,
das regras quando essas iam ao encontro à seus interesses pessoais. Por
outro lado, alunos que já vivenciavam um lar mais democrático, onde
ele também era responsabilizado pelo bom andamento das relações
interpessoais, facilitava a condução das aulas de forma mais
democráticas.
Uma dificuldade estava em entender o papel do professor em um
cenário democrático. Os alunos, assim como o corpo docente da escola,
quase sempre pensavam que o ambiente democrático eliminava a
autoridade do professor. Democracia nada tem a ver com falta de
autoridade. Pelo contrário, ela combate o autoritarismo, mas preza pela
existência de uma figura dotada de autoridade. Democracia não desfaz
as hierarquias, não elimina as regras, pelo contrário, as proporcionam
legitimidade, isso por terem sido construídas de forma participativa.
Democracia demanda co-responsabilização, respeito as regras do jogo e,
sobre tudo, sentimentos e ações altruístas. Seus alunos têm condições de
assumir essas demandas? Sem elas, resta ao professor manter o velho
ambiente de dominação e, quem sabe, aos poucos buscando influenciar
a construção dos habitus dos educandos… mas com duas aulas por
semana? “Eita” vida dura…
*Leciono há cerca de 12 anos, tendo dado aula em escolas com
realidades sociais-culturais-econômicas diversas; passando por
crianças do primeiro e do segundo ciclo do Ensino Fundamental,
jovens (alguns já adultos) do Ensino Médio, e por jovens e adultos de
graduação e de curso de especialização.

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