You are on page 1of 17

EMMANUEL LE ROY LADURIE

I)
O ESTADO
MONÁRQUICO
França, 1460-1610
Tradução:
M.ARIA LUCIA MACHADO

COMPANHIA DAS LE1:RAS

')

~~i
Introdução
A MONARQUIA CLÁSSICA
r
A noção de monarquia clássiccomahda o devir político dos países
franceses entre 1450 e 1 89: e a correspondeaum Antigo Regime muito
"alongado" que se escoa', r depois se esboroa.iem-paz ou furor, desde
I
o fim das Guerras dos CemAnos até declínio do reinado de Luís' XVI.
Durante esses três densosséculos, vários "sistemas" poderiam ilustrar o
conceito geral de monarquia. Além da dinastia francesa dos últimos Valois
e dos Bourbon, incluiriam, em um espírito comparativo, as realezas em
nome das}luais. são governados diversos Estados da Alemanha e da Itália,
a Espanha, a Inglaterra dos Stuart e dos primeiros hanovrianos.Fora da
Europa, o xogunato Japonês da época Tokugawa (séculos XVII-XIX) po-
deria fornecer, a título puramente externo, úteis pontos de referência.
o-CY,,;.Y •. .l!m primt:iro. traço "ce~tr~': põe em rele~o o caráter sagrado da ins- j
~~ tltUlçao monárgUlca ..As cenmomas da sagração (exaltadas desde a Idade
t Média para fazer oposição ao Império) e o toque régio das escrófulas,
o.tac~com seu efeito curativo ou míràculoso, são-lhe a expressão conhecida.Esse
J.I).IY'- ~M"f(. toque incorpora um vasto conjunto de ritos. Em Versalhes, fatos tão dife-

, 1N'fI0"naA rentes quanto o toque dos escrofulosos, a coleta para os pobres e o despi-
mento vesperal do monarca ao 'clarão de um vela fazem figura de cuidados
respectivamente corporais ou jnonetários. Eles são administrados aos doen-
tes e aos pobres pelo rei, ou aplicados pelo primeiro camareiro ao corpo
de Sua Majestade. Esses cuidados são inseparáveis de práticas religiosas:
o toque das escrófulas é precedido pela comunhão do rei, evocando (de
lo~ge)a Eucaristia sob as santas espécíesvsendo estas, em princípio, re-
servadasaos padres. O despimento real é acompanhado de uma prece no-
I turnapronunciada pelo capelão de serviço ete. Esses diversos procedimen-
tos implicam a escolha de certos companheiros, 'momentaneamente eleitos,
que o rei distingue por ocasião de tais ritos entre os aristocratas de. alta
posição. Assim se conjugam,' em virtude de um velho esquematernário,
em torna do próprio ser do soberano, concebido como síntese, asceri-

.';
mônias cultuais, o destaque de uma suprema nobreza com vocação guer-
reira e, enfim, os cuidados concedidos ao corpo, popular ou real, do qual
@~. sucessivosi Confirmam as, máxI_,d. sécul~, XV~' "9}~i>J;~jíil
roa e a justiça nao morrem jamais": ou,amda, "a Justlça·mto·jces~a. . ",
Para melhor figurar essa perpetuidade da função real, os jurista!I'ÍIíg~eses /<
decorre metaforicamente a fecundidade, inclusive econômica, de um con-
Junto mais vasto. da época elisabetana propuseram a teoria dos dois corpos dó rei: litmé '
As sacralidades soberanas têm outros efeitos, menos cerimoniais e mortal, como o de qualquer um.(O outro, que encarnaa instituiçãOlmOl\ L
mais dramáticos: o rei, em sua sagração, faz juramento de erradícara \1 nárquica, é imortal~ansm, itido regularm. ente do re~pre~ecess,or ao,'su- \ 1-
heresia do reino. A monarquia clássica, na França e alhures, é, portanto J;
(i IIcessor. Na França (texto de 1538) o monarca tem dois anjos da guarda,
(ao menos em princípio), intolerante no plano religioso, mesmo se se im- ~ um para a sua pessoa privada, o outro para a sua dignidade oficial. Quan-
põe, vez por outra e por uma duração bastante longa, tal fenômeno de .. do Francisco I morre, a perenidade da função suprema é representada: pela
coexistência limitada com a heterodoxia; por exemplo, em diversos mo- ~) :Y' efígie do defunto, manequim em tamanho natural; assemelha-se-lhe a pon-
mentos das Guerras de Religião, ou durante o período que vai do Edito QfiV\J~ to de se confundir com o caro desaparecido; o fantoche é vestido de ver-
de Nantes (1598) à sua Revogação (1685). As tendências ao monopólio W melho à imagem de seus parlamentares justiceiros; desfila em pé e altea-
religioso são persistentes e se gabam dos apotegmas do século XVI: "Uma do, boneco gigantesco; em bom lugar no cortejo fúnebre do falecido rei.
lei, uma fé, um Rei", e ainda cujus regio, ejus religio (a religião do reino Os membros do Parlamento, de toga escarlate, acompanham a majesto-
é também a dos súditos). O interesse bem compreendido ou aparentemente sa marionete; conformam-se, assim, aos usos que foram observados por
bem compreendido do Príncipe o incita a manter certa conformidade de ocasião do fim dos reinados precede/tes, tanto pela efígie do monarca
fé entre os-reinícolas. Ele obtém assim, para si mesmo, a salvação eterna. quanto pela parada dos acompanhantes. A ausência de luto 0U de traje
O Estado estabelece com esse fim a unidade religiosaiconclui um pacto preto é sublinhada pela vestidura brilhante usada pelos magistrados; me-
de ordem social em todos os sentidos do termo" com a-Igreja estabeleci- lhor do que um discurso, ela lembra que a justiça não morre jamais, co-
da. As conseqüências desastrosas que resultam por vezes desses compor- mo membro principal da Coroa ou como corpo exterior e imperecível do
tamentos monopolístas não se revelam à primeira vista à massa dos con- rei. Assim se manifestam os diver~Ç!$ . os~'d" . imeira fUI}çã~ra \\ ~
temporâneos cegos. Maquiavel, ádespeíto ou por causa de seu cinismo,
foi o primeiro a pregar a conversão forçada dos não-conformistas: Nesse'
t II nossos antigos chefes de Estado: acralidade justiça e logo lsoberani~
Jean Bodin definirá esta última em s-seis ivros da Re]iulJttcu:-U
.

ponto; os reis célebres como perseguidores (Luís XVI, por exemplo) não porte da espada da França. pelo estribeiro-mor corcoveando em seu ca-
têm uma conduta especialmente atroz, quando os comparamos a seus co- valo nos postos avançados da efígie do defunto monarca, evoca a segun-
legas. A Espanha da Renascença expulsa seus judeus e seus mouros; a da função, guerreira, inerente ao ofício real.
Inglaterra, a partir de Elisabeth.: sob pretexto de leis' penais, entrega-se O século XVII, à morte de Henrique IV, mantém o elemento justicei-
àdiscriminação contra os papistas, e não apenas quando são irlandeses. 1,-tO: o lit dejustice do Parlamento, convocado desde o assassinato do bear-
h0
O distante Japão extermina sua minoria cristã na época de nosso Luís '}'-"'". nês [Henrique IV), entroniza a regente Maria e o pequeno Luís XIII,pOU- ,
XIIl; O exemplo da tolerância holandesa suscitará discípulos na França . Q g!d"$h"'" I\CO de,pois do homicídio (1610). Oabsolutismo, entretanto, est.á em, p,.,leno/
apenas no tempo de Bayle ou Voltaire; os resultados práticos se farão es- . '?iF. o~'J}, ~esenvol:viment? n~ tempo do~ primeiros B?u~bon. I?oravante subli~a-se

perar por muito mais tempo. "!':M'.':;' . para a círcunstãncia, em detnmento da dignidade Impessoal dos reis, a
r/A essência sagradada monarquia se inscreve, por outro lado, no in- ~ -,ôP pregnãncia biológica e puramente familiar de seu sangue, transmitido de
/ ,::'--,-- , . , "': pai para filho; em outros termos, a mística do sangue. Não é mais, como
iteríor de um sistema de entidades simbólicas e de funções. A Renascença \\ .1.
, " ' ,', " ' ' ' " "

t{ 1\as...a,,cla,ra,:e.las inclu,em"a,s'noçõeSde ·.d,ig.ru,·dade


real, e,de justiça, estafun- \\ '"
\damental em relação à instituição soberana em seu conjunto. Essa justiça
-'no tempo de Francisco I, a inumação do reimorto que marca o verda-
deiro fim de um interregno, mesmo breve e reduzido a algumas semanas.
PI.e~ume-se que a transmissãddns .poderesse faça no próprio momento
~,essa dignidade são imortais ou,'pelo menos, sobrevivem à pessoa efêmera
do f~ecimento do De cujus: o morto apossa-se do vivo e o novo prínci-
(*) Esse pacto implícito se situa, com' efeito, na ordem do social; 'contribui também,
pe,-~omo solou fêníx, emerge em sua realeza; sem esperar, nos minutos
em um sentido prosaico, para a manutençãoda.ordem SlI>cial,doravante baseada em um que_se seguem ao trespasse de seu genitor ou de seu ascendente. O lastro
lealismo total dos fiéis, simultaneamente político e religioso. do dia foi obscurecido apenas alguns instantes pelas nuvens da morlte.O
~sGFI~ E

~f,::~
10 11
,
'I }if!1
,

reino de Luís XIII vê coexistir, assim, a afirmação puramente dinástica em relação ao soberano. As fórmulas variam: no século Xy,(é;qU~stão;;\:'i:
da qualidade ,"sanguínea" do soberano absoluto com a manutenção e a
expansão de uni Estado de justiça caracterizadodoravante pelo aumento
f \\de um co:po civil ou místico de todo, o reino, corp~ ao qUal'!flerte1ce',a:\\~;1
monarquia, e do qual ela depende. O século XVI, mais terra-aaerra, ~vo;;<::i'<,'':;;~
donúmero dos funcionários e pela perenização hereditária de seus car- ca as bodas do monarca com.o reino; o dotetrazidopor este (em,outras':1'it:;'\;
palavras, o domínio real) é inalienável, o que quer que queira ou faça o
'''\.' ~t,
gos. Sob Luís XIVe Colbert, a função financeira, por sua vez, afirma uma
força e uma autonomia específicas em relação aos papéis propriamente soberano reinante, assim como o dote de uma mulher é sagrado para seu
justiceiros que haviam sublinhado os períodos anteriores. A Chancela- esposo. O modelo eclesiástico, nesses diversos casos, é essencial, querse
ria; encarnação da lei e da eqüidade (em princípio), conserva sua prece- trate do corpo místico do reino,análogo ao da Igreja, quer das bodas
dência; mas perde seus poderes em relação ao Controle Geral das Finan- místicas do rei com seus súditos, comparadas aos esponsais de um bispo
ças, cujo título por si só vale todo um programa, e do qual o importante com sua igreja diocesana. No século {'VII, pensadores não conformistas'

-,
~
detentor será Colbert.
Sacralidade, eqüidade, SOberania,rbeIico.si4.ªde,;fiscalismonão
cluem, realmente falando, a "popularidade".S~j!l.mOS precisos: o rei per-
ex-
como Claude Joly (antí-Mazarino) e Pierre Jurieu (huguenote contesta-
dor) vão mais longe; falam de um contrato,de
seu povo.
um pacto entre o rei e I
manecesemipresbiteral e reivindica uma eleição divina ou, pelo menos, ~'"
uma,delegação do Altíssimo; m,as, a, id,éia, de. um laço da instituição mo- ,~\ uPtG
. .y...•
- j.c. .Sem adotar tais extremos, os juristas franceses mais oficiais sempre \ \
I'!lembraram que.a legitimidade real acompanha-se inevitavelmente.de.uma -t
~
llnárquíca com o povo, a "nação", com o reino, em todo caso, permanece\\" \
viva: mesmo se não adquire ainda oesplendor contratual que lhe dará f
tardiamente Jean-Jacques Rousseau. "Um reino auge de seu poder", es-
~
CJJ..I

l
f legalidade das instituições e dos costumes, na qual o monarca não pode
tocar. E, se se.afirma a regra Princeps legibus solutus est (o Príncipe está
o.J-t. desobrigado das leis), é ~enos para submete~ os súditos ~ arbitnl.riedad.e
creve Saint-Simon.! "não deve esquecer que sua coroa é um fideicomis- ooJ':Q, ." de.um só do que para afirmar, na falta de coisa melhor diante do imobi-
so*.que não lhe pertence em partícular..e do qual não pode dispor, que a . .9J.!~ Ç.I.-~(}" lismo dos ~arl~mentos, o direito. do soberano à. iniciativa, e~ matéria de
recebeu de mão em mão de seus.pais a título de substituição, e não de livre ~vJ"'JJ- L'~,': Poder Legislativo, tal como o exigem as n~cess~dades c.o~ld.lanasdamu-
herança (deixo de lado as condições revógadas pela violência e o poder ~Y'~i' dança SOCIal,mesmo moderada. Mas de arbitrariedade tírâníca, nada. Ao
soberano que se tornou despótico); conseqüentemente, que 'ele não pode tr'. menos como princípio. De direito, os governados têm sua palavra a dizer
tocar nessa substituição; que, vindo a acabar pela extínção.da.raça legítl- desde que não saiam do quadro da lei; basta-lhes exaltar esta última, pa-
ma pela qual todos os indivíduos masculinos são respectivamente convo- ra a defesa de seus direitos e de seus bens.
cados pelo mesmo direito que revestiu a ele próprio, não cabe a ele (ao Concretamente, as diversas formas de participação nacional encar-
sup~acitado rei) nem a nenhum deles dispor da sucessão que jamais verão nam-se nas instituições representativas das três ordens do reino, alias Es-
vacante; que o direito dela retomaà nação, da qual eles próprios receberam . tados Gerais; eles foram reunidos com freqüência nos séculos XV e XVI.
a coroa solidariamente com todos os 'indivíduos masculinos de sua raça, Depois de 1614, não serão mais convocados até 1789. Mas seu ser viverá
enquanto-dela houver vivos; que as três raças [merovíngia,carolíngia e ainda na memória coletiva, como fonte de legitimidade sempre possível.
capetíngía] não transinitiram a coroa por simples edito e por vontade ab- A assembléia nacional das três ordens, .mal amada pelos Bourbon e que
soluta de uma a outra; que, se esse poder estivesse neles, (... ] cada rei no fim lhes será fatal, completa-se .na província por uma pirâmide de as-
seria senhor de deixara coroa a-quem bem lhe parecesse,a exemplo de sembléias representativas. Pode-se contestar-lhes o caráter democrático.
Carlos VI..." (exemplo detestável para Saint-Símon, jÍí que esse rei lou- Ninguém negará, contudo,que encarnamos membros dos div..ersosEsta-
co deserdara seu filho em benefício do soberano da Inglaterra). A tradi- 'tios, presentes em tal ou qual região. Evoquemos os Estados do Langue-
ção francesa e européia-do século xv ao XVIII,depende então firmemente, doe, onde tomam assento os barões, os 22 bispos dessa província e os
assim como Saint-Simon (por outro lado, tão conservador), para certos· representantes das cidades: sob esses Estados meridionais funcionam re-
direitos do povo, das três ordens ou; como se dirá mais tarde',' da nação, gularmenteas assiettesoa assembléias mierorregionais em cada.uma das 22
dioceses da região. Elas são compostas da mesma maneira que a assem-
,(*) "Dom oa legado que aquele que recebe-a liberalidade deve-entregar mais tarde bléia geral da' província; reúnem.os clérigos, os barões e os cônsules das
a. uma outra pessoa" .(Littré);
cidades e dos povoados. Outras regiões "periféricas" (provença, Bretanha,

12 -(9
\
Normandia) usufruem também de assembléias particulares: no caso nor- que ali toma lugar o que ele é".2 Apesar dessa evolução ornamental. os
mando; elas não se reúnem mais desde a segunda metade do século XVII. senhores não se tornam por isso escravos do Rei-Sol. No máximo mario-
em razão dos processos "centralizadores" que ocorrem sob Mazarino e netes! Sua reunião em Versalhes permite à Sua Majestade dominar os fios
Luís XIV. Na península Ibérica. as Cortes de Aragão, de Castela e de Por- aranhosos de uma teia clientelista:os grandes. aristocratas (Harcourt, Con-
tugal funcionam de maneira similar e sobrevivem amplamente às suas ho- dé, ViIleroy) estão à frente de uma rede piramidal. de relações deferentes.
mólogas francesas. O Parlamento inglês é oriundo de reuniões do mesmo Elas os unem a seus amigos; a seusvassalose arrendatários. aos campo-
tipo. Comuns e Lordes. Seu prodigioso sucesso histórico. enquanto mo- neses de que são os senhores. A Corte se superpõe a todas essas tramas,
delopara as instituições representativas no mundo inteiro. ou como mãe como princípio dominante e central. Senhodana.base,...monarqWjUlQtppo,
dos Parlamentos. não poderia mascarar sua origem: em um estilo parti- i Esta submete a si a pesada espada dos cavaleiros. mas também a croça
cular, ele procede igualmente de um sistema de Cortes ou de Estados Ge- ~ e o aspersório dos prelados: os bispos. com efeito. assim como os senho-
rais. mas convocados de' maneira infinitamente mais regular do que no ,I res, vão e vêm entre Corte e província. Mesmo piedosos e habitualmente
caso da França. Evocar-se-á enfim. sob os auspícios de um monarca fac- residentes na diocese, têm obrigação de aparecer de maneira regular na
tícío, a Dieta polonesa com seu liberum veto: o menor magnata podia proximidade imediata do monarca, sob a pena de incorrer. com o tempo,
usar esse procedimento para criar obstáculo aos votos da assembléia. ainda em seu desfavor. Ora. dirigir os bispos assim convocados à Corte é mani-
que ela fosse quase unânime; pular por seu intermédio' as dezenas de milhares de vigários e de curas.
No que concerne à França. a despeito da fachada absolutista. que Na falta de uma burocracia especializada, que estivesse estabelecida no
vai progressivamente se fenderno século XVIII. o Antigo Regime conti- lugar. estes se,tornam os subdelegados naturais- do poder, sem se fazer
nua a ser (entre outras coisas) sociedade de ordens ou de Estados..-Ao longo rogar. i
da grande cadeia dos seres. o rei e os Estados Gerais ou' provinciais são Na França. mas também na Espanha e em Viena. a Corte erige-se
as porções manifestas de um conglomerado muito mais vasto; ele é feito' em lugar geométrico das hierarquias. Elas sustentam o sistema monár-
de comunidades. corporações, instituições representativas. Na falta de reu- quico ou são subentendidas por ele. Nunca foram tão aparentes como na
nião efetiva dos Estados Gerais. desde Richelieu até Luís XVI. os Parla- antevéspera de sua extinção revolucionária. O espírito hierárquico fixa-
mentos. e especialmente o de Paris. erigem-se em instâncias com vocação se em-alguns aspectos: subdivisão cada vez mais extensa das posições, ao
nacional. Participam da ressurreição do corpo místico do reino. restabe- .longo de um eixo vertical, que desce da família real aos simples fidalgos,
lecido de 1715 a 1788...• e desmistificado desde 1789. passando pelos duques e pares .. Referência às distinções entre o sagrado
e o profano; e também entre o puro e o impuro. o bastardo e o legítimo.
Divisão da Corte em cabalas ou facções, que germinam em torno dos di-
1. mon~ui-ª.i sobsllafonna clássica. liga-se ao fUIl.çi<>-ºª~.~I!~~~ ferentes ramos e gerações da família real. Contrafenômenos de renúncia
_uma çorte. centrada em torno do soberano. 1~ªº!e-no_l~ffi.Q9 dos cristã em relação à Corte ou ao mundo, de um lado, E feitos de hiperga-
Valois. Fixada em Paris. Fontainebleau;:e sobretudo Versal!J.~r~~ mia feminina, de outro ladoras mulheres, graças ao casamento, obtêm.
Bourboni Entre outros fins, a instituição "curial' visa neutralizar os mag- pelo artifício de um grande dote, maridos mais distintos do que elas 'pró-
natas. No Japão dos Tokugawa,os âaimyo são os. grandes senhores re- prias. e uma posição mais elevada que ade seu nascimento. Assim, como
gionais, dotados de um podenefetivo sobre sua respectiva província. Ora, trutas, sobem ao longo da torrente dos desprezos. Vindas de níveis relati-
eles se dirigemregularmentea,Edo(Tóquio) para-ali fazer,em princípio, vamente modestos, masjendínheírados.chegam
,,---~-- ,
de maneira regular aos
sua corte ao shogun.Estegarante,assim, um controle freqüente e repeti- planos mais altamente colocados da 'Corte." '
tivo sobre esses'potentadosdescentralízados: seu deslocamento curial os .' Fora da Corte eda sede governamental, a monarquia clássica se dis-
transforma em reféns periódicos. Na França, Luís XIV prende a si os gran- tingu~ pór um sistema de administração que é apenas em parte, pOrVezes
des senhores e os torna dóceis por umaol.,ltorgl!.ciepensões que implica fracamente, centralizado.,N;a Inglaterra-uma nobreza de província (gentry)
a residência em Versalhes, em tempo parcial pelo menos. Sistema caro;' detém com freqüência o essencial do poder local por meio das JUS/ices
mas rentável em termos depaz interna do reino. Doravante"os nobres of lhe peace.Na França, os governadores de província ou ;seus h.i'k,ar-
estão agrupados em torno do trono como Um ornamento e ~zem àquele .tenentes gerais gozavam localmente de um poder que lhes vinha do rei,:mas

.14 15

dispunham também, até o começo do século XVIII, de uma sitqaç_ão_de


. grandes senhores, autônomos ou semi-independentes~()l1stituíam para
,
!II
O próprio termo "sociedade civil" nos leva a dizer algumas'palavras
sobre certas "subestruturas" profundas, em relação à monarquia clássi-
si uma clientela local, com ou sem a permissão do monarca. As coisas 11 ca,do 10 xv ao XVlIl,~stas, colocaremos muito ,simplesmente
vão mudar, sem dúvida, quando da generalização dos intendentes: pou- !l a emografi e mesmo a~ .
co a pouco instaurados no século.XVI, multiplicados por Henrique IV, Luís i! ' A monarquia clássica é inseparável, em primeiro lugar, de certo: tipo
XIII e sobretudo por Richelieu, instalam-se por toda parte com posto fi-
I~ de demografia, resumido em uma conjuntura longa. Digamos que ela diz
1
xo..(depois de seu colapso da Fronda) por ordem de Luís XIV e Colbert. respeito essencialmente a um período aproximativo de três séculos e meio
Em uma escala considerável para a época, Dias ainda modesta segundo (1450-1789), no decorrer do qual as catástrofes são, por certo, abundan-
os critérios contemporâneos, esses intendentesde generalidades oucomís- tes; mas já não têm o caráter desintegrado r ou ultratraumatizante de que
sários regionais aparecem como os ancestrais dos prefeitos esuperprefei- se tinham revestido ao longo dos períodos anteriores. Não evoquemos mais
.,
tos cujo poder só decrescerá realmente ('I) com a lei de descentralização !~ que para uma breve reminiscência, no curso do primeiro milênio depois
;.
de 1981. A rede dos intendentes de outrora será então apresentada por de Cristo, as invasões bárbaras, a regressão econômica e demográfica que
Tocqueville, não sem motivos, como a encarnação do centralismo. Con- as acompanha ou que as segue, o vigoroso retorno das florestas no terre-
tudo, quando os vemos funcionar em suas cidades-sedes administrativas, no dos antigos campos cultivados e, de maneira correlata, aderrocada
sob o Luís XIVquadragenário ou qüinquagenário, damo-nos 'conta de que das antigas estruturas imperiais para sempre arrasadas (a despeito de sua
a centralização, em muitos casos,ainda está apenas em germe •.Tomemo,$ parcial ressurreição carolíngia em tempos posteriores). Para encontrar uma
o exemplo, nessa época, da generalidade de Alençon, nem.muito Eróxi- segunda vez uma ruína comparável, embora de ámpli~ude um pouco m~-
ma, nem muito afastada da capital. O intendenteaíap~~-Sõb~et'iido nor. é preciso (lescero curso do tempo até os séculos XIVe XV, até aPes-
corno um árbitro, um negociado.r; passa seu tempo a tergiversar com os te Negra e as Guerras dos Cem Anos: entre 1340 e 1450, a população fra~-
poderes locais pu nacionais: administração das talhas, arrendamentos dos cesa cai para ~ metade, de 20 milhões de almas para 10 milhões, grosso
impostos indiretos e das gabelas; comunidades de cidades, controle g~,ral modo. nos limites convencionais do hexágono\. Tratando-se do Estado.pró-
~ituadoem Versalhes;exército real, em descanso em_seu qu!Y:t~ver- priamente dito, a árvore monárquica encontra-se entalhada até o cerne.
no na Normandia, e cújos soldad~~_debolsosvaziºlionseguem alguns A realeza experimenta então uma crise que, no momento, pode parecer
rendimentos com o contrabando de sal;' bispos, tribunais de, bailiados ... \ (erroneamente) irremediável: As linhagens inglesa e francesa pretendem-se,
As máfías urbanas, os detentores.de cargos que preexistiam,: ambos, à ambas. legítimas; confrontam-se no território do reino. Ao termo dessa
íntendêncía.contínuam a deter liparte principal dos poderes que, em seu p'rova, depois de 145~,a unidadeterritorial reconstituhi-se mais ou ~e-
caso, não merecem tecnicamente óepítetode "centralista". Em relação ~; a retomada econômica e demográfica está assegurada; a çonstrução
a eles, o intendente não faz figura de se eri, ecido com ~(1Ii--- r. da monarquia clássica pode começar ou prosseguir em melhores-condi-
certeza; penha um papel d mediador oderador, segura- fi ~ ~ 11 ~ssim se revela progressivamente a unidade do período no decorrer
men ,coordenador participa.iassim, da o çao de·li . ação e rea-·· (Ji.;l)(J-)h/' I do qual se vê viver, crescer e finalmente declinar essa grande instituição,
gr versas elites, queconstituium dos traços do reinado
de .uís XIV. Por certo, esse monarca e mesmo seus sucessores ou subor-
új,Ú);
.
'1' f.
~adécada de 1450 à de 1780. ,As características originais da longa época
assim posta em questão reduzem-se a isto: ela não é mais interrompida
..l dinados'tiverama pretensão, por momentos, à onipotência; Mas, apesar ..f. r .í~ por uma catástrofe gigante no gênero {Ias pestes da baixa Idade Média
T' do. culto da. personaliqade que cerca os soberanos e compensa de facto \ ou 'das Guerras dos Cem Anos, e que dividiria por dóis, ainda que duran-
1- as 'reais fraquezas de seu poder, a monarquia clássica permanece objetiva 1f. te algumas dezenas deanos, o efetivo da população global do país.i Por
l' e subjetivamente descentralizada, em todo_~~~(),l1it!<!~,:!!:~,nte menos cen- certo, atravessam-se períodos difíceis, Guerras de Religião, Fronda, fo-
tralizada que. os sistemas, poUticos.,que a. ela sucederão no século XIX; i,f mes sob Luís XIV (161),4,1709... ). Umas e outras podem fazer baixar o
\.. afortiori menostentacular do queosãp inúmeros-rêglmeSCIO,s~cij.loxx; povoamento da França-no máximo em um ..décimo de seus efetivos.glo-
'f eles se intrometem, em-muitos: Casos, na esfera dos-interesses privados e bais.É bastante para-fazer sofrer a maioríajjánâo é suficiente para in-
nos domíniosespecíftcos 'di'socieaãde civi!r verter o crescimento do aparelho estatal. E,de resto, a massa francesa .
• ., iI: .
não é mais recolocada em questão: de um século ao outro, fornece às em-

,/
17

it
"
...

t
'I'
presas do Príncipe uma base que não mais se enfraquece. Mesma obser- tador; nossos vizinhos além dos Vosges e além do Reno experimentarii..!!1
~i
vação quanto à Inglaterra, em plena expansão demográfica do século.xvr portanto, no segundo quarto do século XVII, uma del11.ografia-tobogã e
ao XVIII. Nota análoga para a Espanha, apesar do amontoamento mo- uma situação de apocalipse com sangria dos efetivos humanos, na meta-
derado dos efetivos humanos na península por volta de 1600.4No Japão de ou em um terço, tal como os outros países ocidentais, favorecidos do-
a população saltará, depois se estabilizará, nem mais nem menos, do sé- ravante por uma certa taxa de unificação monárquica, não conheceram
culo XVII ao XIX, após a unificação realizada pelos Tokugawa. O exem- mais depois de 1450 ou 1500: Dir-se-á o mesmo da Polônia." Em uma
plo da Alemanha, a contrario, é bastante esclarecedor: nessa grande área época que em cronologia fraflcesa corresponde ao fim de Mazarino e ao
étnica e cultural, a monarquia clássica, na Idade Moderna; não alcançou começo de Colbert, esse país desmorona demograficamente, em propor-
de modo .algum sua expansão "normal", de tipo francês, inglês, espa- ções catastróficas, que evocam os desastres mais precoces da Alemanha
nhól;e isso a despeito 'de importantes realizações, na Áustria, Prússia, das Guerras dos Trinta Anos. As carências de um Estado polonês que
Baviera etc, Ora, constata~se, e o fato é tanto mai . ver anto no " ôB'
•• não evolui absolutamente para a monarquia clássica devem ser postas em
c,pração. da Germânia, precisamente., intervém entre'62ô"'~~!A50 W:tia'ci-'~#
-j---.\\'
r causa na circunstância, ao lado de outros fatores entre os quais figura
tástrofe demográfica: ela se assemelha muito (com maior 'ãd~)l:9uelarf' essencialmente o cerco do pais pelas etnias russa, escandinava e,logo, ger-
que o Ocidente inteiro experimentara nos séculos XIV e xv. ~.s perdasnas ' mânica. De um ponto de vista puramente institucional, 'em todo caso, a
regiões situadas entre oOder e os Vosges atingiriam.40OJo da população f·, introdução da prática do Ilberum veto em 1652 prevê que todas as deci-
total. IS A ausência de um Estado centrale sóliao-n:âhAlemanha,
__ . suscetí- sões d'â Dieta serão tomadas por unanimidade. Esse ato contradiz as es-
vel de afastar ou de dissuadir os exércitos estrangeiros,é evidentemente truturas pelo menos semi-autoritárias de nossas monarquias clássicas. Ele I

uma das causas desse desastre (que, por sua vez, desencorajará por muito antecede de p~uco a destruição demo gráfica da Polônia pelas guerras e /
tempo a criação do dito Estado unificado ). Os exércitos, durante essa Guer- '. ~.l,lI·oinvasões russ~ e suecas (1654-67). Vice-versa, a monarguia _~á.ssi:a ~
ra.dosTrinta Anos, ·puderam'. em tais condições, entregar-se a ela "àsa- l\ Wl~ '~\ ,acom anha-se atr~s_~?s .ul?~ ue a vêem fl~~esce. ... n ãOl\ 1
ciedade" ; praticaram crueldades sangrentas; os soldados e os refugiados • ~: contlOu lmmo d lOte fl· de-demQ r fI ,a. Ela lmphca mesmo \ t
errantes disseminaram um .pouco por toda parte o germe epidêmico; a tJ." (}.L"":- diversas ases e efesCImentO .a povoação nos territórios que controla. \ \
••••• ',. t1 J
. soldadesca invasora propagou a insegurança, requisitou os cavalos de Ia- . .~L~ .
vP _ r.rJ..... .. .
voura.comprometeu as colheitas e aumentou ospérigos de penúria. fontra ,€W(p"'"' cwLlf ~ . .
riscos tão graves,aFrança, a Inglaterra e a Espanha se tinkam vacinado O ~ ~ A demografia não se reduz simplesmente à célebre fórmula: "Contai, H f}Lw
~ ou prevenido dotando-se, depois do "tempo dos distúrbios" (séculos ~- condu vossos homens; contai, contai-os bem". Ela inclui também ali~:\\Q., {h(
~ tJ.. .xYkde.monarquias clássicas relativamente firmes,cujas força~_1111!!tares ma c~nsi~e~ação das estr~turas familiares, Ora, estas não são indif~ren~ ~(\,.,\
~ nÀ~ eram.capazes de "santuarizar" o t:rritório nacionaltA ~x~stência desses tes à lOstltUlção monárqUlca. A casa real em qualquer tempo, e também
~~ el'ércltos permanentes e a construçao de. fortalezas fro.ntemças conduzem na época clássica, comporta-~ como "família ampliada" no sentido mais
'.Pcf/' a resultados bastante apreciáveis: Paris hão experimenta mais ocupação
< vasto do termo~ Abriga sob o teto de um, grande palácio o monarca,' sua
-rv-> (J pelas tropas inimigas até 1814. Entretanto, essa santuarização comporta esposa, sua eventual amante, seusfilhos e netos; assim como os cônjuges
I I um preç~ e podemos falar, a esse.'r~peito, de e~eriorização dos custos." de uns e de outros e sua respectiva progenitura. Pelo menos essas diferen-
{,:r> penerahzemos o que ..a~ba de ser dltb a propósIto da Al~~aI!h~: QULQ- tes personagens, assim como a rainha-mãe quando sobrevive, vêm regu-
I
, 0.Lv' vos que não se benefiCIam da'prot~ção de umamº~~.9u~a..~~s~~(;a,_I!.~l11.
,.•.. larmente ao "Castelo" para ali efetuar visitas ou estadias mais ou menos
i ;«./)1", de um Estado forte, dOÚldo de um exército permanent~, estão expostos lon~as, a fim d~ fazer sua corte aosoberanAo. f'lém disso, o vasto edifício'l k~~~
-\-tl\ . demaneirà freqüente'ads_perigótQ§jz!sseios organizados em seus tern.tQ- abrIga de maneua permanente ou momentânea.um.grande número de do-I ',',,v-.
mésticos e cortesãos. . -..------.-- ..-..... r: j
rios, abertos aos quatro ventos, pelos chefes militares; surgidos_<!as tl}o~,
narguias vizinha~. O custo dessas incursões guerreiras é por vezes devas- Essa espécie de família "ultra-ampla" e dirigida por um prestigiosQ. {))'f/
)1atriarca,·na pessoa do detentor do trono, corresponde, ponto a ponto, 'i
• (0) Exteriorização dos custosttransferênciados custos 'de um empreendimento para atipos de famijiassimilares, embora mais modestas, no seio da socieda- M"'"
entidades ou populações que lhe são externas. de globW. Naturalmente, os lares dos simples súditos e súditas,que assim

18 -0
evocamos. dispõem, em cada unidade. de efetivos humanos muito mais preto-história, ou então nascida, por segunda origem, de tal confraria re-
reduzidos do que no caso da imensafamilia que reside em Blois, Fontai- ligiosa e local que foi formada in situ na Idade Média (por exemplo, a
nebleau ou Versalhes. Admitido esse ponto, constatemos que no Sul da ~ confrari~ do Espírito Santo nas aldeias e povoações do Sudeste francês),
França, ainda no século XVIII. a família ampliada. com dócil co-residêncía .', vJlrí->":,p ~11.a comumdade camponesa se transformou. chegado o momento, em ins- I :
de um filho casado. ladeado de sua progenitura.e que vive incrustado
no domicílio de seus velhos pais. permanece extremamente difundida e
mesmo canônica, ao menos nos meios rurais e montanheses." No Norte
'r
,). ff~1

fJJ' ~ÔJ>
<.. çj.9
trumento preci~so, dentre os poderes nos guais se apóiam o rei e os seus,ll1'
Para receber o Imposto. os soberanos estão. com efeito, mal servidos, se
\ podem contar apenas com as senhorias territoriais que constelam aos mi-
da França. ao contrário. a família patriarcal é sobrepujada pelas famílias
simplesmente compostas dos pais.e dos filhos. e ponto final. E, no entan-
to; mesmo nessas regiões setentrionais .• um certo número de lares dispõe
fr
: ~~

, '. ~
~ I»t.f ' lhares a superfície do reino. Os senhores que as dirigem são tentados a
conservar para si mesmos o dinheiro que deveriam normalmente deposi-
tar no Tesouro real. O Império Romano. quando de sua decadência, so-
(além do pai. da mãe e dos filhos) de u ndent um colateral frera muito com tais procedimentos, da parte dos proprietários dos gran-
em domicílio; sem falar. é claro, das criadas e dos criad • numerosos des domínios: Daí a outra solução governamental.~cundidade ser-ª-_
nos solares dos fidalgos •..A porcentagem e 3.lS"~~as ampli~das" pode confirmada por sua história: cijrigir-se não aos senhores, mas às.cornuni-
alcançar 10070 do número total d<?slares nareglao de Valenclennes sob dades;deixar de lado os nobres senhores do solo e, dessa maneira. levan-
o Antigo Regime. e mesmo 170/0 em Longuenesse, no bailiado,de S~nt- tar o imposto ,"na fonte". Assim fazendo, o Estado realça o papel e_~
Omer.! Ademais. uma família pode ter congenitamente vocação para a dignidade das comunidadeJ; e depois, paradoxalmente, por contrago!p~.I_
amplia\:ão •.e não ser "ampla" no instante preciso que vê passar os agen- abre-lhes as vi'ls posteriores da revolta antifiscal ~!TI~!lm!!!trava-se uma .•'
tesrecenseadores ou os curas contadores de almas. Toda familia amplia-
i.
11)1 t
relação de amQr/ódio entre Estado monárquico e comunidades; ela s~itr~
'\ J duz or aI unJ slo ans famosos das revoltas antifiscais: "viva o rei sem
'IIt +:\
da, que comporta no lar a presença de filhos. de uma mãe. de um pai
e de sua velha mãe viúva. "começou" ,com efeito, por ser nuclear (quan- . talha e sem gab Ia". Ou "viva o rei apesar de tudo" ..De qualqu'~~maneir~,
do o homem era jovem celibatário. e quando a futu'ra viúva habitava com e pelo próprio fato dessa relação privilegiada coni a aldeia, os represen-
esse ftlhosolteiro e seu próprio esposo ainda vivo a casa em questão). tantes do poder. e sobretudo, em fim de percurso, os intendentes, farão
De resto. depois do falecimento da viúva, essa.mesma família voltará a questão . uir-se nos negócios internos, e principalmentecontábeis,
ser nuclear por algum tempo, e assim por diante. É um; ciclo familiar; do ' Assim, impedirão os aldeões de despender demais com
.',h mas, de qualquer maneira, a ampliação posterior ou espasmódica da fa- seus peq assuntos municipais ou com o pagamento dos juros .das
.,. mílía permanece constantemente presente segundo as perspectivas de seus dívidas dacomuna, Pois, na hipótese de um puro e simples laissez-faire
;'~"';~"\'membros, mesmoquando não é ainda ou não é mais realizada nos fatos. Sua Majestade correria o risco de ser privada de parte das receitas dofis-
},.' .ffá, então, efeito de.espe!~~!...ª.!l!.()l!ªr9,l,1iª.fº,r!J:!~~i~:t~11!ªPªtr.@º-m~ co, já que os camponeses seriam decididamente muito pobres para fazer
I face a duas séries de retiradas simultâneas: uma local, a outra estatal. .Es-
(r ,~;patriarcal; 'ele se funda especIalmente na vasta ampbacao do larsobera- /
~f;:\ .no·'~efleteà sua maneira o arranjo mais, simples, mas ainda complexo, J sa ingerência do poder central nas deliberações correntes das coletivida-
~tr.1:.t
i, rdeilentenas de milhares d.e "f~mili~ amplas" {um lar em dez, ~a França) 't.,
. er e filh~: ~~ I .
-t des camponesas será típica. na França, dos anos 1660-80; ditos colbertia-
nos; contudo. na ausência de fiscais e de coletores das contribuições. que

1
-ems ue o chefe Ia a
~~:>i .:~~bém sobre colaterai~ scendente et doméstICO etc. ~ legl~lnu- .\ seriam nomeados pelo E~tado! a comunidade camponesa do Antigo Re-
€~,;" ''f!çle'do poderm ~ ve ' ém o fato. e os súditos o lden: J ~. earadoxalmente. conservapodetesmais consideráveis dó gueagueIes
it~:',~I'
,',ritit!iêanr-facilmente com ~~ laços~erárguicos.9ue experimentam_~u;a~a '\ que serão detidos; n2campo; por nossas municipalidades conteril.Q.orâ:.
~~1;'!' I:<,~l~':emseuguadro fanubar e pnvado.- Poder do costume ••. ~ , neas.Ela permanceencarregada.coulefeito. da fixação da base e daco-
leta dos impostos. 1I ... " ,
.:1,· .. ·;'.2;>;'. " Depois, <ias aldeias. as cidades. Depois dos peões, as peças grandes,
.:.' .•••.
':...'..•
::l.\ciad;t"camponesa ou de al~._E~! ..é mflmtam~ntem3.1s aI!~_gu~.n.º~~as
~?_.ni-
,"Qutra subestrutura, ~!1?iSpensá:el.à~.bas~.s.,I!!.().~~r~!.~~~~aco. \\.J,-'I no tabuleiro de xadrez monárquico.',Porcerto;a
ou germânica soube desenvolver redes 'de cidades
Europa mediterrânea
livres: Maquíavel.des-
,.
~,'~-., P,ecedeu-asoSob'","V""ê Surgidas de uma distante e tácita creveu as cidades alemãs "em grande liberdade. obedecendo ao imperador
. ,,0

21
t
t.<:

quando lhes agrada, não temendo nenhum de seus vizinhos, tanto mais de que constituem oficiosamente o braço secular . O intendente de Alen- .
que todas elas têm fossos e muros suficientes, artilharia em grande quan- çon fica muito feliz de utilizar os serviços de toda espécie que lhe pode
tidade e sempre, em seus armazéns públicos,alimento, bebida e lenha prestar um Surlandes. Essas cadeias de cumplicidades urbanas contribuem
parau'm ano" .9Na Alemanha; sob a Renascença, a vida urba~a im~li- para tecer as redes de autoridade que subordinam à cidade ao Estado e
ca, portanto, segundo o autor florentino, grossos muros, garantias da in- o campo à cidade.
dependência comunal. Ao contrário, a boa cidade, na França e talvez em Para que tais laços e tantos outros possam estabelecer-se, um mínimo
outras partes, caracteriza os grandes Estados propriamente monárquicos de população urbana é indispensável: o bom funcionamento da monarquia
no século XVI; eles esquecerão o nome, mas conservarão a coisa nas épo- clássica e das outras instituições dirigentes (Igreja etc.) a partir do século
casseguintes. Perante a boa cidade, o Príncipe, individual ou coletivo, xv requer objetivamente que pelo menos 10070da população do reinoeste-
é. nitidamente mais intervencionista em nosso país do que o é, alhures, jaconcentrada nas cidades, onde estão situados os principais organismos
o. fraco Império Germânico. Protegidas das invasões pelo exército real, de poder, de negócio, de dominação religiosaetc. De resto,esse mínimo
nossas cidades aprenderão gradualmente a dispensar muralhas, segundo incompressível será progressivamente ultrapassado no decorrer dos sécu-
uma evolução que se generalizará durante asLuzes.rfissa desmilitariza- los, e de muito: por volta de 1725,16% dos "franceses" vivem em cidades
ção das periferias citadinas transformaráos muros espessos em grandes de mais de 2 mil habitantes. E as porcentagens podem superar 450/0 nas três
bulevares: ela nascerá da segurança aumentada que as iniciativas monár- generalidades-Il.yonnaís; Forez e Beaujolais) dominadas, entre inúmeras
quicas espalharão no território do Estado. O orçamento urbano poupará pequenas cidades, pelas grandes cidades de Lyonede Saint-Étienne,
dessa maneira gastos importantes de alvenaria tanto para construir como Na sua totalidade, as cidades francesas contavam pouco mais deíl 0%
para reparar as muralhas.·· -, . da população \"nacional" no começo do século XVI; elas sobem aquase
No plano político, a boa cidade ou simplesmente a cidade clássica 20% por volta: de 1788-9. Esse crescimento é particularmente forte na ca-
é um misto de poder realede poder.comunal, "uma sociedade mista". pital política: Paris atingia precisamente os 300 mil habitantes à véspera
Compromisso lógico. Duas entidades coexistem, estatal ecitadina: o rei, das Guerras de Religião ..Mas o conjunto formado por Paris e Versalhes,
nessas condições, não poderia sufocar nem mesmo enfraquecer .comple- onde estão concentrados os serviços centrais da monarquia, já ultrapassa
tamente os notáveis das cidades. Tem necessidade deles, tanto quanto eles . meio milhão de pessoasl- no fim do-reinado de Luís XIV.
do rei. Os monarcas Bourbon intervirão cada vez mais nas eleições dos Tal massa humana engendra necessariamente efeitos significativos de
edis, .escabinos e outros cônsules; a oligarquia local, anteriormente, excitação ou de "indução'], pelos quais a monarquia clássica se comuni-
controlara-os mais. A interferência. real vai necessariamente aumentar; ca indiretamente com toda a economia nacional ou parte dela. Wrigley
a colaboração entre elites urbanas e poder monárquíco se torna parte be- e Hayami, historiadores dos -séculos XVII e XVIII, fizeram li demonstra-
neficiária das estruturas normais do reino. Mesmo nesse caso, contudo, ção.disso respectivamente para Londres e Tóquio. 13 Mas Paris-Versalhes
ogoverno central não anula; afinal, os notáveis citadinos. Os homerís do e nossa rede de sedes administrativas regionais ou sub-regionais não fi-
poder real são também homens de poder local: . < '
cam a dever: uma nobreza de serviço ou de ociosidade se concentra na
Veja-se o exemplode Domfront;10nocomeço do século XVIII: o se- cidade, levando a uma desfeudalização.do campo. Os consumos de luxo
nhorde Surlandes é prefeito e tenente de polícia,'! mas é também sub- assim estimulados multiplicam o númeroe a qualificação dosartesãos no
delegado do íntendente; e cunhado do coletor das talhas. Representante setor urbano.: Paris cria em torno de sios círculos de uina economia-
simultâneo da cidade e do rei, está imerso até o pescoço nos negócios, mundo, por impacto ou ricochete do político sobre a produção; tanto: que
por vezes suspeitos, da cidade-da prefeiturae. dos campos círcundantes. . ;
a Bacia Parísíense, na épocàdos Bourbon, é progressivamente remodela-
Levando em conta o grande número de personagens que se encontram da" pela demanda de vinho, lenha, carne etrigoexercida pela capital à

nomesmo caso, pode-se considerar que o poder da intendência (em ou- margem das explorações agrícolas, por outro lado auto-suficientes. *
tras palavras, do monarca presente na· província) não se concebe sem o
apoio das "máfias" urbanas das quais esses poderosos fazem parte. Elas (0) A maior parte das explorações agrícolas, sobretudo as pequenas, destina-se em pri-
são capazes de se fazer respeitar; intimidantes e postadas nos elos estraté- meiro lugar a alimentar a família do agricultor e a aldeia próxima; elas não podem contri-
buir mais do que "marginalmente" para o abastecimento das cidades.
gicos do social, reforçam,ao mesmo tempo, a administração monárquica,

22 23
capital do que o são seus homólogos franceses). Novo avatar da "rnão
Paradoxalmente, quando mais fraca é a produtividade agrícola; mais
Invisível";" a monarquia clássica modela, sem querer, um novo tipo rural
,numerosas são as explorações rurais atingidas pela demanda centralizada
de homo 'oeconomicus; o grande camponês economicamente motivado
de alimento, bebidas, combustíveletc. É preciso que os citadinos comam,
situa-se doravante além das puras e simples necessidades da subsistência
se vistam, se aqueçam. O primitivismo agrícola não extingue, ao contrá- ,
,

e do imposto; prolifera acima da plebe camponesa, nas bacias sedimenta-


rio exacerba o efeito de mercado, o que quer que pensem disso.os nossos
res e férteis que circundam as capitais do Ocidente,
eminentes economistas. Um zon;ng,ou sistema de auréolas, se desenhá;
À vista de tais fenômenos; o conceito de monarquia clássica deve in-
áreas parcialinente concêntricas vêem ser implantados jardins e vinhedos
corporar a si os efeitos induzidos que engendra fora de seu próprio dorní-
de massa no próprio subúrbio, trigais na Beauce, pastagens bovinas na
nio e no campoeconômíco ou social.' Esses efeitos repercutem, por sua
baixa Normandia.· ASsim se materializa a demanda ou o apelo de uma
vez, nas estruturas políticas do poder local, difusasno conjunto dasocie-
, imensa cidade, de uma cidade dupla, Paris e Versalhes. Nada disso teria
dade: elas subjazem ao fato estreito das instituições monárquicas: Veja-
sido plenamente concebível se não se houvesse manifestado em primeiro
se a comunidade aldeã já examinada: na área da Bacia Parisiense, ela se
lugar.jiessa conurbação geminada, uma essência política e primeiramen-
moderniza à sua maneira, Os lavradores', comerciantes, artesãos" que es-
te real: a monarquia clássica na França é também a campina da região
timulam o crescimento monárquicoda capital e o desenvolvimento.cor-
de,Auge ou o grande vinhedo de Argenteuil no tempo de Luís xv. Fe~ô-
relato do mercado formam maisdo que nunca a ossatura vigorosa dó corpo
menos de entreposto ou de "terminal" se produzem ao longo dos rIOS
político das municípalídades, decisivo no ,plano microterritoriàl.: ,
que abastecem de perto .ou de longe 'a capital: Rouen no Sena, Orléans
A monarguia, por esse aspecto assim como pelo do fisco (ver supra)" t ""'.,,
"ne Loire cumprem essa função de trânsito. '{jm fluxo crescente de infor-
mações percorre a partir dos mercados da tle-de-France o território na- é, ortanto lti licadora de poder local, paralogismo que é apenas ;f~-
L,.'; .• J,,l:·:~lt.
Y+~,: ".!~1'{-:),'ê''.,J,4~·:
; cional e começa a ajustar uns aos outros os movimentos regionais dos
"preços agrícolas. De muitas outras maneiras, a grande cidade soberana
rente, tratand i -se e u,m ,poder soberano que se descre~e d_epress~tlell1"~IS,,
como centrali~ta a despeito de tudo. De fato, pela excitação que filro;yo~á':~ / r 't';; ?:'J
retroage sobre seus campos: o par Paris-Versalhes, fortemente povoado,
em relação às trocas, o Estado in:fiin~e ~m sa:~g~~ novo n~ c?mu~i~~d.e.. •. .'-',' ~',' ',f,
camponesa; ela é guiada agora poraldeoes mais mercantis", cujas a~ '.' ,',- :: I'
desenvolve nas zonas' cerealistas da BaciaParisiense, que abastecem de
tudes.já não são ~nteiram~hte as de'seus ancestrais., Era perni~ece: pa~a.i 'l
grãos. a dupla cidade; um grupo de empresários agrícolas - grandes Ia-
vradorese coletores de senhorias. Eles já não têm muita coisa a ver com,
os homens do rei, como interlocutora autodetermmada e privilegiada, l -
o camponês tradicional, "mulo do Estado" , do qual falava habitualmente .: .

RicheHeu. Supunha-seque esse dócil animal produzisse no máximo sua


Uma outra espécie de comunidade funciona igualmente perante o Es-
subsistência e a de sua família. Quanto ao resto, rogava-se-lhe firmemen-
tado real como exploradora do domínio agrfcola e mesmo como. partebe-
'te que pagasse seus impostos sem se queixar demais e que não fizesse se
neficiária.~ a guilda, neg<?E!~_Il:!~~2.~,_a:rt_:~~~~;
a~~q?o..r.~9~<:, _c~~uni?ade
falar muito dele. De fato, desde a época do ministro-cardeal, o grupo dos
ou juranda, ou mesmo confraria de ofíciºLª-_cºnsid~J:a.窺 dos diversos
grandes exploradores agrícolas das regiões de aluvião, ligados aos merca-
ágrupamentos profissio~ai;-pé~Iriit~-k-~émdo simples truís~eguiido
dos frumeatícios da capital, funcionava já de maneira eficaz. A imagem
-e-qnal a monarqUIa clássica só pode de~nvoTvêi:se·êõiiveniénteõi.eii'Ú; em
do' "mulo do Estado", pertinente talvez para outras regiões, estava am-
. :.' 'uõnilêiô sOClãlem que -grandescomerciàJÚes Ypeqüenõnrttesâos sejam
plamente ultrapassada a propósito dessa elite agrária (tal observação se- -.:.
I;'
numerosoS-..-.---.-·----~..;_·_-·- ..--~-'-~·-· ..·....-· ....
- '..' --',--. ..
ria ainda mais verdadeira, tratando-se dos ricosjarmers da bacia de Lon-
As guildas se desenvolvem muito na França desde a fase de renasci-
dres: também eles trabalham para as necessidades de uma metrópole; são
mento que se segue à Guerra dos Cem Anos. Vacas leiteiras do poder.mo-
mesmo mais avançados, do ponto de vista técnico, e mais providos de
nárquico! Ele arranca-lhes-' taxas variadas, sob pretexto de multas, coti-
, (*) Esses grandes "vinhedos de masa" (para a produção dos vinhos com~ns) contras-
(*) A "mão invisível" de Adam Smith (Riqueza das nações, IV, 2) é a resultante de;
tam com os vinhedos de qualidade que se encontram já na Borgonha etc. A rica pastagem
forças involuntárias que, no domínio do mercado, da economia etc., produzem efeit9s be- ';
para bois na Normandia está tecnicamente "avançada" em relação aos magros pastos tra-
néficos para a população,
dicionais.

24 25
,'.,:,' .,'"

zações, outorga inicial dos estatutos etc. Simultaneamente, o monarca ofe- tornará seu titular, depois será revendido, ou legado, herdado ... A cria-
rece às junindas e guildas uma legitimidade como contrapartida do tribu- ção de uma taxa anual chamada Pau/ette regulariza, desde 1604, essas
to-financeiro que lhe asseguram. Elas tiram disso prestígio e coesão na transmissões hereditárias. As necessidades de dinheiro da monarquia du-
cidade, percorrida com data fixa, em boa ordem, pela procissão cívica rante as guerras do século XVII e depois destas. asseguram a longa sobre-
(.;.

e religiosa dos donos de tenda e de loja. Uma vez mais, a monarquia não vivência da dita contribuição anual. Cargos e funcionários se multipli-
:1.

sufoca absolutamente, nesse caso, mas estende até o fundo das provín- cam na França entre o começo do século XVI e a época de Colbert. Essa
ciasacriatividade múltipla, 'comunitária e pululante dos ofícios jurados, proliferação pode ser encarada sob o ângulo oportunista dasnecessida-
que serão por muito tempo fatores de crescimento. Só mais tarde eles se des do Estado: de Luis XIII a Luís XIV, ele cria e liquida sem cessar no-
tornarão os freios malthusianos que serão denunciados como tais por vos-fragmentos de poder público. Loteia-os a candidatos compradores,
Turgot. " a fim de encher seus cofres. Simultaneamente, colocam-se questões de prin-
Em suma, a monarquia não se concebe sem um mastro trípode e co- cípio: o que assim se persegue é.o crescimento do Estado monárquico,
munitário no topo do qual se empoleira: ela confedera em feixe as comu- e oenquadramento cada vez maisaprofundado da sociedade por este.
nidadesde aldeia, de cidade, de ofício. Há no mínimo 4041 funcionários, de fato '5 mil no total, no reino, em
Depois desses poucos dados sobre as ~ubestruturas" da instituição 1515. Mas 46 047 funcionários em 1665, um número quase dez vezes
monárquica, gostaria de abrir a caixa-preta e descrever não o detalfie dÕs maior. 17 A abolição dos cargos, decretada pelo despotismo esclarecido
mecanismos, mas a con ia geral das engrenagens e das molas: elas fa- de Frederico n na Prússia, 'Será frustrada na França pelas reformas sem .
zem mover a ínstituíêãõ e e ao er re a SOCIea e g obal. Distin- conseqüências dos anos 1770; ela será finalmente, consegui da pela Revolu-
gamos os modos de apropriação ou de. gozo do poder monárquico e, de ção de 1789. No século' XVIl,O cargo público, tantoou mais que a manu-
outro lado, o estilo de trabalho de seus organismos. fatura, foi umjdos grandes terrenos de investimento da burguesia francesa.
Entre os modos de apropriação e de gozo, caracterizam-se os car- Muito cedo, o sistema dos cargos se diversificou, pelo menos em seu
gos, os arrendamentos e, enfim,o uso dos funcionários assalariados que topo: em Paris (acompanhada tardiamente por Versalhes), encontra-se
anunciam nossos burocratas modernos. uma toga do Parlamento, povoada de funcionários da alta magistratura;
O cargo, escreve Roland Mousnier, 16 permite a seu detentor cumprir e uma toga do Conselho" formada igualmente de funcionários, mas que
em defesa do rei "funções essencialmente ligadas às jurisdições e à admi- estãoamplamenteengajados no grupo' supremo da Decisão; são chama-
nistração destas", O cargo existe em virtude de um edito ou de "cartas dos de relatores; constituem; com os conselheiros de Estado, os ministros
de provisão" . Só pode ser criado pelo rei ou por seus agentes devidamen- e secretários de Estado,e os intendentes das províncias,' o essencial do
te autorizados; (Em certos casos, contudo,ele pode emanar de uma gran-' poder soberano diretamente emanado da majestade real. Pierre Goubert
de senhoria, fora do estrito poder do soberano.) O cargo confere honra falou, no quelhes diz respeito, de uma classe política, e Pierre Chaunu,
e,privilégios,ai incluídas eventualmente a nobreza e a isenção de impos- de uma tecno-estrutura;" essa expressão vale, contanto que Os "decidi-
tos. É remunerado em espécies e por ordenados: estes, pequenos,podem dores" não-se remetam de fato a simples encarregados ou escreventes,
corresponder apenas a 2070 do valor em capital do cargo que estipendiam. para a parte principal das tarefas de execução, mesmo e sobretudo quan-
O cargo é estável: o rei só pode destituir o funcionário muito dificilmente, do estas concernem ao essencial.'
e isso limita na mesma proporção a arbitrariedade da monarquia dita ab- . Depois do cargo, vem a:rede dos arrendamentos. Parafraseando Ro-
soluta. O cargo "detém o poder pelo poder" . Evoca por antecipação ou- land Mousníer," digamos que, nos termos destes, "o rei arrenda o; ren-
tras instituições judiciárias ou parajudiciárias que constituirão obstáculo dimento de seus impostos principalmente indiretos e de seus domínios e
,I:
ao Executivo e ao Legislativo em nossas modernas democracias.'ação da arrendatários". Notemos de passagem a palavra domínio: o monarca, de
Corte Suprema e, mais geralmente, dos tribunais nos Estados Unidos; ina- início, comportou-se simplesmente à imagem dos grandes senhores eipro-
rnovíbilidade dos juizes, sentenças do Conselho de Estado e decisões do
Conselho constitucional na França contemporânea. (0) Confrontamo-nos aqui com o contraste entreo ..Parlamento, tribunal supremo em
No topo de sua carreira histórica (séculos XVII-XVIII), o cargo, de ma- uma vasta região (parisiense, no' caso); e o Conselho dorei.rcristalizado
Conselho, precursor de nosso atual Conselho dos ministros. .
do
em torno alto . ,

neiralegal, pode ser comprado com toda a propriedade por aquele que se

Q 27
prietários fundiários do Antigo Regime, ao norte da França; estes conside- sultores) forma o que se chama o grupo dos financistas; eles são muito
ram normal dar seus direitos, e sobretudo suas terras.rem arrendamento mais ligados ao Estado do que o serão hoje os seus homônimos. Os fi-
a uni ou vários arrendatários para poupar-se as preocupações da explora- nancistasdo Antigo Regime se organizam em torno do sistema do Arren-
ção direta. Desse ponto de vista; a monarquia adota uma conduta patri- damento, em anéis concêntricos, sem se confundir inteiramente com ele.
monial (segundo a expressão deMax Weber). Portanto, o rei "concede Daniel Dessert destruiu a imagem corrente do financista ou do ~rre-
seu direito fiscal ou domínialporumternpo limitado (arrendamento), CQl matante deimpostos "saído do nada", filho de criado ou ele próprio pe-
troca de um aluguel anual e previamente ajustado". A diferença entre queno lacaio em seus começos, vindo depois a ser riquíssimo, e permane-
a soma que o soberano recebe de seus arrendatários e o rendimento que cendo vulgar no supremo grau; de fato. os financistas nasceram muitas
estes recebem efetivamente dos contribuintes e devedores, diminuído dos vezes de personagens que foram elas próprias enobrecidas, ou seus ascen-
gastos Irredutíveís de coletoria, "constitui o lucro próprio dos ditos ar- dentes, a serviço do rei; nafalta de tais origens, os financistas não se;pri-
rendatários". É precisamente isto que os incita a lançar-se em tal opera- vam de logo adquirir, ao longo de sua.carreira, uma condição nobre, pe-
ção. O Estado é eximido, então, das preocupações e despesas de cobran- la compra de um cargo ad hoc. Longe de ser milionários, estão muitas
ça dos impostos, mas é muitas vezes roubado por. seus arrendatários, contra vezes endividados, a exemplo de Fouquet. Por certo, vêem passarpor suas
os.quaís.exerce sua punição de tempos em tempos por meio de uma ban- mãos enormes somas destinadas ao rei ou aos seus fornecedores; mas elas
carrota ou de um tribunal excepcional chamado câmara de justiça. Os escorregam-lhes entre os dedos. Eles não praticam necessariamente a acu-
arrendatários emitem, como antecipação de suas receitas, letras negociá- a
mulação primitiva do capital, mesmo que desejem. são simplesmente
veis: estas favorecem o desenvolvimento do crédito, ameaçado vez por parte beneficiária, e, por vezes, parte perdedora no grande sistema do
outra pelas citadas bancarrotas. A fragmentação desses "arrendamentos" débito-crédito flue caracteriza as questões fiscais: DanielDessert vê nessa
franceses no século XV1 é-talvez prejudicial ao bom recebimento do impos- alta flnança UIh dos quatro ou cinco "pilares" que sustentam o edifício
. I '
monárquico. E,ntre eles, a grande aristocracia de corte e de espada; a.alta
to. Desde 1559, tenta-se um reagrupamento dos arrendamentos financei-
ros do rei,20sob a forma de um "arrendamento geral". Essas tentativas função pública'dos "decididores" (toga do Conselho); os magistrados de
posição mais alta (toga do Parlamento); e a finança. Esses diversos grupos
antigas se concretizam no tempo de Henrique IV com os "cinco grandes
são aliados uns aos outros por casamentos, regulados segundo o princí-
arrendamentos" de SuIIy, seguidos por outros "amalgamas" na época
pio (majoritário, pelo menos) da hipergamia feminina. (Com dotes subs-
de Luís XIII e de Colbert. Os arrendamentos .abarcam os vastos setores
tanciais, as filhas de financistas desposam filhos de magistrados; e as filhas
do imposto do sal (gabe/a); dastraites, em outros termos, alfândegas in-
de magistrados se casam com jovens aristocratas, bem situados na escala
ternas e externas; dos impostos indiretos, ou taxas de consumo sobre os
socíal.) A aliança entre meios dirigentes floresce também no mercado co-
vinhos, sidras e aguardentes; do dominio real, ele próprio dividido em
mum do episcopado." Aí se encontram os piedosos senhores 'destinados
domínio corporal (terras, senhorias, florestas) e incorporal (direito de tim-
ao celibato, nascidos dessas diversas frações dás classes dominantes.
bre, e, a partir do fim do século XVII, controle dos autos dos .tabeliães).
A quadripartição (aproximativa) da elite, assim exposta aos olhares
AC?sarrendatários que se incumbem dessas empresas é.preciso acrescen-
do historiador, não poderia fazer esquecer. certos estereótipos depreciati-
tar os arrematantes de impostos e, financistas, que se encarregam de ne-
vos: segundo a estima pública, um magistrado de "velha cepa" represen-
gócios ditos extraordinários (vendas de cargos, refundição de moedas ... ).
ta mais que um financista; e um senhor da corte pesa mais que um magis-
Eles são destinados a salvar as receitas "orçamentárias'V! de Sua Ma-
trado importante, pelo menos até o fim do século XVII. .
[estadeem tempo de guerra. Acrescentemos enfim, com Roland Mous-
Esse desdém visa os grandes togados, eventualmente esnobados pela
,nief,22os simples, porém substanciais, emprestadores de dinheiro que nobreza de Corte. Ele vale ajortioripara os financistas, destinatários de
eventualmente se colocam a serviço do Estado momentaneamente endivi- uma estima social que se mostra menor ainda: ',''É preciso esterco nas 'me-
'dado. E, depois, os "consultores',': estes concebem a idéia de uma nova
taxa; ela é destinada a fazer entrar numerário ou crédito' no "Tesouro" (.) O ,episcopado, em escala nacional, constitui, com efeito, uma.reserva de postos
.real33Em caso de aceitação e .de- sucesso de sua tentativa, eles são re- prestigiosos e lucrativos onde marcam encontro os rebentos, inicialmente ordenados.padres,
munerados de uma maneira ou de outra pelos agentes do monarca. O con- das quatro frações da elite dirigente (nobreza de. corte e de espada, toga do Conselho.: toga
[unto de tais personagens (arrendatários, arrematantes de impostos e con- das cortes soberanas, e finança). ' .

28 29
lhores terras" , dizia a sra. de Grígnan a .propósito das bodas. de seu filho, nova categoria, por sua vez, é subdivisível: ela compreende os comissá-
que desposava a filha ricamente.dotada de um arrematante de impostos. rios e os comissionados que prefiguram, respectivamente, nossos altos fun-
.Quanto à duquesa.de Chaulnes, ela declaroua seu filho, duque.de Pie- cionários e nossos funcionários (mas, para seguir novamente a metáfora
quigny, que acabava de se casar com a filha-do opulento financista.Bon- dominial, observar-se-à que os grandes proprietários senhoriais do Anti-
nier: "Bom casamento, meu filho [.•..]. É preciso que busqueis esterco go Regime que acabam de ser evocados têm tambémà sua disp'osi~ão co-
para fertilizar vossas terras";24 Desta vez, tratando-se de financistas, o .missionados assalariados, além de seus foreiros e arrendatários).
menosprezo social chega a evocar o caráter fecal de sua riqueza, como Os comissários reais, como' seu nome indica, receberam do soberano,
manipuladores do fisco e do crédito real. Epítetos .excrementíciais ou de . por cartas patentes, o poder de desempenhar certas tarefas funcionais,
estrumação, igualmente infligidos aos bastardes.P Sem ir tão longe no em virtude de uma "comissãO". Entre eles figuram os embaixadores, os
desprezo, admitir-se-á que classificar ou taxionomizar é hierarquizar. Dis- conselheiros de Estado, os governadores das províncias, seus lugar-tenentes
tinguir, dentre os servidores ou os subalternos da monarquia, os grandes gerais e osintendentes das generalidades regionais. Algumas dessas per-
aristocratas, os funcionários e os financistas é também .situar uns ou: e sonagens, antes da outorga de sua comissão, gozavam de um estatuto de
tros ao longo de uma escala de valores à qual aderem os contemporâneos. funcionário. Assim ocorre com os intendentes, que muitas vezes emer-
Esta pode apoiar-se em anedotas mais ou menos exatas26- ~ inscrever-se,' gem do viveiro dosrelatores do Conselho de Estado. Segundo os casos,
contudo, no mais profundo das mentalidades da época. A França, desse podem (ou não) acumular o ordenado de seu cargo e eventuais salários,
ponto de vista, não está sozinha: as atitudes "antifinancistas" na Ingla- referentes ao seu novo estatuto de comissários. Os comissionados geral-
terra, Espanha ou Áustria não eram muito diferentes das .nossas.ê? mente têm um teto salarial de um nível nitidamente inferior a estes. (Mas
Geograficamente, os arrendamentos de impostos são empregados em . há exceções: um Pecquet, que foi comissionado = R~lações Exteriores
mais de um reino. Historicamente, sua (orça, na França, aumenta no pró- sob Luís xIlv e na Regência, faz figura de verdadeiro dehberante, por certo
prio ritmo do crescimento do Estado: sob Mazarino, os impostos indire- menos importante que seus patronosTorcy ou Dubois, mas de modo al-
tos constituem menos de um quarto ou deum quinto das receitas do Es- gum negligenciável.) A situação dos comissionados da monarquia não é
tado, Sob Colbert, e mais tarde, atingem e algumas vezes ultrapassam a muito diversa da dos funcionários nos séculos XIX e XX, com a diferença
metade destas/" de que sua efetivação, até Luís xV e Luís XVI; permanece antes' de fato
Sob certos aspectos, o rei que distribui arrendamentos e cargos faz que de direito. "Eles recebemvcorn efeito, salários hierarquizados segun-
pensar, repitamo-lo.ê? em um grande proprietário fundiário de tipo semi- a
do antiguidade, gratificações anuais, ,gratificações excepcionais quan-
senhorial. Esse fidalgo de província dá em arrendamento temporário parte do 'se instalam em: Versalhes, quando se casamou casam suas filhas, re-
de suas terras. Loteia em concessões perpétuas ou por várias vidas, contra compensas vitalícias, isentas de quaisquer tributações, por seus serviços.
pagamento, outra porção de seus bens, com a condição de que seus descen- Suas pensões deaposentadoria são por vezes iguais aos vencimentos, e
dentes recuperem mais tarde, e não sem dificuldade, as numerosas conces- são então denominadas salários conservados, com reversibilidade de uma
sões assim parceladas, depois de várias gerações de enfiteutas. * Arrendatá- parte à viúva e de uma outra aos filhos."3o O sistema dos comissionados
rios agrícolas e foreiros em torno dos grandes proprietários. Arrematantes corresponde já até certo ponto às exigências específicas da burocracia.
de' impostos e funcionários na vizinhança dos monarcas sucessivos ... Os interessados, com efeito, tomam lugar em uma hierarquia de estatutos:
tal "primeiro comíssionado", em Versalhes, destaca-se nitidamente do
,
resto do pelotão. A atividade que exercem prende-se às Suas competên-
Depois desses funcionários, arrendatários e financistas, mencionemos cias técnicas e jurisdicionais; o recrutamento tende a efetuar-se segundo
um terceiro tipo, e de grande futuro, o dos servidores da monarquia. Essa critérios em via de' universalízação que diminuem o papel do nascimento
nobiliário e mesmo do favoritismo. Os rendimentos são de tipo.salarial.
(0) Os foreiros de um senhor são enfiteutas, na medida em que gozam das pequenas
Não prebendas, nem proventos, mas vencimentos: eles permitem aos re-
heranças ou "concessões" que a família do dito senhor lhes concedeu, a eles e aos seus des-
cendentes, por uma longuíssima duração, mediante o pagamento, em seu proveito, de um cipiendários "levar uma vida honrosa e decente de acordo com as exigên-
encargo geralmente leve. cias de sua condição". 31

30 31
Pareceu legítimo, aqui, classificar junto os comissionados e comissá- tilo solitário da decisão transponha os limites da soldadesca e contamine
! rios, sob a rubrica do funcionalismo em formação.Por certo, a distância o poder civil. Os elos de poder que Bonaparte instalará, por meio dos mi-
social podia mostrar-se grande entre estes eaqueles. Os intendentes das gene- nistros, prefeitos, subprefeitos e seus subordinados, romperão com mui-
ralidades olhavam do alto os modestos comissionados, ou mesmo escreven- tos hábitos de direção colegiada. De alto a baixo, refletirão as decisões
tes que penavam no ponto mais baixo da pirâmide, nos escritórios adminis- autoritárias de personalidades responsáveis, inclusive no domínio não
trativosem Paris- ou na província. E, no entanto, esses dois grupos eram militar.
já modernos, em relação às estruturas de cargos e arrendamentos, marcádas
pelo arcaísmo institucional. O Consulado de Bonaparte sela retrospectiva-
mente a comunidade de destino entre comissários e comissionados: consagra Em suma, a monarquia clássica aparece, enquanto poder e sobera-
o fim dos cargos e dos arrendamentos, decretado pela Revolução. Assegura
nia, como uma imagem hipzrbólica da sociedade global: como um resu-
o triunfo de uma burocracia hierarquízada de funcionários assalariados,
mo pedagógico desta, no qual as elites e, em particular, a nobreza são
oriundos dos comi~sionados do velho sistema. Instala os prefeitos sobre
sobre-representadas, a ponto de eliminar os camponeses e de colocar-em
11mpedestal que serft bissecular: esses altos funcionários prolongarão e au-
minoria os burgueses ou pequeno-burgueses. Não é preciso dizer que os
mentarão os papéis dos comissários intendentes das generalidades, tal co-
mo já grassavam quando da culminação de uma monarquia clássica. " , protegidos diretos do monarca conservam, nas cúpulas do aparelho real,
Esta se mostra, então, rgamsmo comp sitoonde se acotovelam o à custa de vastas frustrações em outrem, muitos meios de ação essenciais.
argo, o arrendamento e o unclonalismo. O estilo de trabalho da reale- Salvo essa restrição, os nobres de serviço, de espada, de corte, de finan-
za, também, olha para um certo passado mais do que é portador de futu- ça, de pena, de magistratura e de prelatura monopolizam, ou quase, os
ro. A monarquia clássica aprecia as tomadas de decisão que se efetuam planos superio~es da instituição. Colaboram sem muitos problemas' no
ao termo de sessões deliberativas, no alto'Conselho e nos outros conse- seio do establis*mentoficialou oficioso com uma minoria de não-no ores
lhos de governo, entre as companhias das cortes de justiça ou dos eleitos que são de alt~ nível, e isso no interior de especialidades diversas, tais
etc. A sociedade local, quer seja civil, quer religiosa, não fica a dever. como toga, pena e finança. Esses oligarcas estão divididos entre si quan-
Vide suas deliberações múltiplas: elas animam os 'Conselhos de cidade, os to aos objetivos estratégicos e à cultura. Não obedecem apenas a estreitos
capítulos de cônegos ... Na Espanha, o governo por conselhos é ampla- interesses de classe que 'seriam tolamente calcadosnas necessidades da aris-
mente difundido: aí se conhecem, em 1721, os conselhos de Castela, das tocracia. Os serviços de base do sistema real, por outro lado, são assegu-
Finanças, das Índias, da Marinha, das Ordens, da Guerra'ê etc. Na Fran- rados, especialmente na província, por agentes muitas vezes plebeus, que
ça, a Polissinodia de 1715 não é inovação radical, mas tentativa de extra- não são simples executantes: Seu poder local se mostra considerável. Con-
polação: os conselhos que já não eram raros são simplesmente multiplica- flitos sociais de espécie variada se reproduzem no interior do aparelho
dos, abertos à aristocracia e têm seu poder aumentado. Por certo, em 1718, monárquico; refletem e interpretam a seu modo as contradições que divi-
a experiência polissinódica será bruscamente interrompida. ~er dem a coletividade geral, não estatal.
central (em princípio ... ) permanecerá partidário do tradicional "Conselho Até o momento, consideramos a monarquia clássica apenas em si mes-
-ji--;-ei" c uas ~vTsões canônicas. --
ma ou em sua relação com as sociedades que a cercam. Ela está ligada
Em épocamonárquica, eX1S , ntudo, um outro modo de decisão,
também, e de maneira estreita, à tecnologia de seu tempo, sendo esta,
não coletivo. Ele reina no exército, por cadeias de decisões individuais
por sua vez, inseparável das relações sociais. Examinarei aqui três domí-
e autoritárias; elas caem em queda implacável sobre a inclinação vertical
niosda técnica, intimamente conectados às instituições. Em primeiro 'lu-
das graduações e dos comandos. No máximo vêem-se os grandes chefes,
e por vezes o próprio rei, às vésperas de uma batalha, deliberar coletiva- gar, as armas de fogo, e .inevitavelmente o exército permanente. Bm.se-
mente, o traseiro na sela, enquanto seus cavalos formam círculo, garupa guida, as mídias: papel (antigo) e sobretudo imprensa (recente). Enfim,
para fora, focinho para dentro. Aí também, aguardar-se-á com freqüência" as importações de metal precioso, ouro e prata; elas implicam uma certa
o desaparecimento da monarquia do Antigo Regime para que enfim o es- ambiêncía tecnológica;esta diz respeito à arte das minasveuroamerica-
nas; e à arte da navegação transatlântica, enquanto, a jusante, aparecem
(*) Mas nem sempre: a relação de Richelieu com os intendentes das generalidades está enormes repercussões no plano do sistema fiscal e das reações hostis que
já (muitas vezes) baseada no comando autoritário mais do que' na deliberação coletiva. suscita.

32 33
••• •••
I

Armas de fogo e militarização de uma parte da sociedade: os novos Antigas e novas mtdias. Outra série de.inovações tecnológicas, e cuja
métodos do tiro para matar como para destruir, e-as massas de homens incidência é forte na monarquia clássica: os sistemas das mídias. Eles apa-
especialmente treinados que os utilizam, constituem poderosos .trunfos recem, não sem defasagens, no fim da época medieval: trata-se do papel
para a monarquia clássica a partir dos séculos XV e XVI. A realeza es- r: e da imprensa, em suma, a '('galáxia Gutenberg". Escrevinhadora, a rea-
:<;'
panhola deve-lhes, em parte, a conquista do México. O Japão lhes é 'de- leza francesa o era desde o século XIV, pouco depois da introdução do
vedor, talvez, de sua unidade nacional, ou pelo menos xogunal: esta se papel. No período seguinte, Osmoinhos de papel são numerosos na Bacia
realizou progressivamente durante a segunda metade do século XVI a par- Parisiense; fornecem a matéria-prima aos organismos de Estado, ou apa-
tir de combates que logo puseram em jogo até 10 mil arcabuzes imita- 'rentados: o Parlamento e a Sorbonne são consumidores de escritos e pro-
dos dos modelos portugueses.P Quanto à França, é nítida a correlação dutores de arquivos. A imprensa, sob Luis XI, vem de além dos Vosges.
entre o advento de nossa monarquia clássica desde o fim de Carlos VII Imediatamente ela é centralizadora, ou antes "bieentralista": floresce, por
até o término do século XV e o desenvolvimento de um exército perma- certo, em Paris, onde as organizações locais, sejam funcionais, estatais
nente, poderosamente equipado de bocas-de-fogo; elas são já bastante ou universitárias, dela fazem amplo uso. Simultaneamente, ela se desen-
eficazes sob Carlos VIII. Aumento do poder de tiro, elevação dos efeti- volve em Lyon, porta do Sul; inunda as terras provençais de impressões
vos: no século XIV, o núcleo estável do exército real em tempo de paz lionesas, portanto, francófonas; asse~ra a conversão do Sul à língua-
contava apenas 2 mil homens; mas 10 mil a 15 mil depois de 1450... ~,em suma, ao francês. Nisso, é mais eficaz que as
e 135 mil no século XVIII (sempre durante os períodos pacíficos). Os nu- ordenações reals, ainda que fo.ssem de Villers-Cotterêts.P O século XVII
merosos militares doravante recebem seussoldos em ritmo regular (em verá, sobretudo na aglomeração parisiense, o reagrupamento dos impres-
princípio). Esses soldos são hierarquízados segundo a graduação, e não sores, ativos e prestigiosos; eles renovarão, assim, a união, muitas vezes
mais segundo as condições dos oficiais mais ou menos nobres. Corpos consumada, de 'seu ofício com o Estado, Cedo esse casamento tem aspec-
de especialistas aparecem na artilharia, na fabricação das pólvoras etc. tos repressivos: desde o fim do século XVI, instala-se uma censura ofi-
As despesas militares da monarquia se elevam; elas explicam em grande cial; decreta-se, procedimento de dois gumes, a outorga de permissões,
parte o aumento dos encargos fiscais. Os gastos com o exército;" difí-
monopólios e privilégios reais para a impressão dos livros; os autores,. por
ceis de calcular, atingiriam já um terço do "orçamento" real sob Henri-
esse motivo, são a um só-tempo protegidos e submetidos a vexações. As
que IV, a metade sob Luís XIV (e até 70010 em tempo de guerra). O exér-
novas mídias sustentam a difusão de' um saber universitário, colegial e
cito real, com seu considerável poder de fogo, à base de armas leves ou
mesmo primário; ele é indispensável para a formação dos funcionários
pesadas, eleva-se a 300 mil homens durante uma grande guerra (como
da categoria; e para a dos agentes modestos, às ordens do Estado ou das
por volta de 1710); a unidade de base para o exército permanente de
comunidades. O número desses homens, nos diversos níveis, aumenta mui-
uma grande potência européia, mesmo em paz, limitava-se a mil homens
to. A monarquia clássica, portadora e desejosa de um mínimo de educa-
durante o século XIV, mas a dezena de milhares durante a Renascença,
ção, é contemporânea de um povoamento no qual 10010 dos indivíduos
e a centena de milhares no século XVIII. Em tempo de guerra, durante
masculinos, pelo menos, são capazes de assinar; em si, essa porcentagem
alguns grandes conflitos do fim do reinado de Luís XIV e do de Luís
é apenas um sintoma; revela a difusão inicial de algumas Luzes,mesmo
XV, um adulto do sexo masculino e francês em seis ou sete é regular
ou episodicamente ativo no exército; aí desempenha o papel de soldado fuliginosas ou veladas; implica uma voga crescente e subjacente da im-
permanente, ou demiliciano, ou simplesmente de requisitado temporá- prensa. Essa proporção de homens educados cresce de maneira bastante
rio. De um extremo ao outro do período examinado, o progresso técni- contínua, ao longo dos séculos; em fim de percurso, aproxima-se, no tempo
co é balízado pelos nomes dos grandes administradores da artilharia co- de Luís XVI, dos 50070 de adultos masculinos que sabem assinar; entra-se
mo Bureau (morto sob Luís xt), o homem dos canhões de bronze, das então em 'uma zona perigosa, tempestuosa: a soma das frustrações en-
colubrinas e do lento declínio das fortalezas medievais. E, depois, Gri- gendradas pela supereducação relativa de homens colocados muito baixo
beauval: no declínio do Antigo Regime, ele dá ao reino os' canhões que na escala social tende a superar a soma das vantagens que o Estado tira
a Europa invejará sob o Primeiro Império. desse capital incessantemente aumentado de instrução pública. A monar-

34 35
quia clássica arrisca-se, então, a ser devorada por um turbilhão educati- dinheiro, coincidira com os anos 1392-1402 ..Em Brioude, no coração de
vo cuja instauração aceitara, se não encorajara. A coisa tem duplo gati- um maciço central profundo .e isolado, estava-se reduzido a cunhar moe-
lho: a imprensa e a educação, perante o Estado, foram por muito tempo das de chumbo por volta de 1:+23-5! Para a totalidade da Europa Ocidental,
estimuladoras. Tornam-se finalmente desestabilizadoras. De qualquer ma- os estoques de metais preciosos caíram, cifra aproximada, de 2 mil tone-
neira, certas necessidades são irredutíveis: a realeza, do século XVI ao ladas de equivalente-moeda por volta de 1340 para mil toneladas por vol-
XVIII, faz amplo uso do pequeno cartaz com inúmeros exemplares, da-cir- ta de 1465. Por contraste, o crescimento que sucederá essas perdas é ex-
cular e do formulário administrativo, os três saídos das prensas e das ofi- traordinário; "pulveriza" todos os recordes anteriores: só a Inglaterra terá
cinas. Não há função pública, sobretudo real, que não tenha seus impres- 1,1 mil toneladas 'de estoques de equivalente-moeda em 1700; a França,
sores, oficiais ou oficiosos. onde os primeiros sinais de retomada se manifestaram nitidamente desde
o reinado de Luís XI, terá 2,5 mil toneladas por'volta de 1700, das quais
40010serão recicladas anualmente no orçamento do Estado. Toda a Euro-
Metais preciosos. Depois das armas de fogo e das novas mídias, o pa, em 1809, manter-se-á em 50 mil toneladas de equivalente-moeda, ou
terceiro "salto para a frente" de que se beneficia a monarquia clássica seja, cinqüenta vezes mais que no pobre século xv e 25 vezes mais que
diz respeito às moedas, disponíveis em quantidades muito maiores. Pode durante o "rico" ou, digamos, o menos pobre século XIV. A prata ale-
tratar-se do uso ampliado dos novos instrumentos creditícios: as letras mã e húngara, depois o ouro das Antilhas, sucessivamente, "salvaram",
de câmbio serão muito úteis para o transporte de uma receita fiscal da assim, o Ocidente de 1460 a 1530; em seguida foi a vez da prata peruana
província à capital; ora, elas existiam para as necessidades do comércio e mexicana entre 1560 e 1625. Mais tarde, depois de algumas panes no
desde o século XIV. Passarão por alguns aperfeiçoamentos suplementa- século XVII, menos graves do que se disse, o ouro do Brasil e mais uma
res36 do século XIV ao XVIII. As mudanças de base, contudo, não são re- vez a prata mexicana farão a substituição nos anos 1720-80. Tudo isso
ferentes à circulação do próprio "papel" bancário, mas às massas de metais não-se concebesem vastos progressos tecnológicos, sem "grandes des-
preciosos nas tesourarias públicas e privadas. Os contrastes de conjuntu- cobertas" também, no sentido usual desse termo: a técnica das minas
ra longa e mesmo uItralonga são capitais sob esse aspecto. Seja a crise profundas se aperfeiçoa desde a primeira Renascença; os engenheiros e
dos séculos XIV e xv, seguida de uma renascença e de uma expansão que publicistas alemães dão testemunho de tal progresso no século XVI. As
desabrocham no belo século XVI. Sublinhou-se a esse respeito a causali- explorações transoceânicas, por outro lado, e oamálgama de mercúrio
dade demográfica: despovoação de 1348 a 1450, depois retomada, e re- tornam possível, nos anos 1500-70, uma primeira extração dos tesouros
cuperação até por volta de 1560. Mas os fatores monetários também têm do Novo Mundo, especialmente argentíferos.
sua importância.
O desenvolvimento da monarquia clássica, com base em um fisco au-
mentado e mais regular a partir da segunda metade do século XV, implica Esses dados técnicos e "metálicos" colocam em uma perspectiva no-
o fim das carências crônicas de ouro e prata; elas são abolidas tardiamen- va o futuro do sistema fiscal. Por certo, este é muito antigo, e admitir-
te graças a toda uma panóplia de iniciativas parcialmente tecnológicas. se-á que os Estados monárquicos, inclusive a França, "passaram gradu-
Uma enorme crise de liquidez, grande penúria monetária, grassara entre almente do imposto excepcional de guerra ao imposto regular de guer-
1395 e 1415: Suas causas eram mais ou menos próximas: o balanço ra, depois ao imposto regular de paz, evolução praticamente consumada
comercíal'? da Europa com o Oriente desde o ano 1.000 foi sempre defi- em 1360" .38 Mas, da proclamação de um princípio à multiplicação dos
citário em conseqüência das compras de especiarias, sedas e pérolas, em meios efetivos, a margem é grande. Ela só será de fato transposta mais
conseqüência também das peregrinações, cruzadas, resgates; essa má ba- de um século depois dessa data fatídica de 1360. Retomemos as coisas
lança comercial desabara ainda mais baixo já por volta de 1400, em ra- bem de longe: sob Filipe, o Belo (1285-1314), antes mesmo da grande mu-
zão dos desastres internos do Ocidente acompanhados, o que não melho- tação fiscal mas puramente jurídica dos anos 1350-60, os rendimentos to-
rava nada, pelas compras crescente de especiarias, e pelo esgotamento do tais do Estado alcançam 46,4 toneladas de equivalente-moeda, das quais
r' 39010 fornecidas pelo domínio, sendo o resto (já majoritário) fornecido
ouro sudanês. Na França, pouco diferente nesse ponto da Inglaterra, Es-
panha, Itália, Flandres e Borgonha, o pior decênio, o mais desprovido de pelo "extraordinário", em outras palavras, pelos impostos ainda irregu-

36 37
lares da época. Em 1355-6, as somas votadas pelas assembléias de Esta-
dos (não incluído o domínio) atingiriam 24 toneladas. Nos anos.l430, a
França mutilada de Carlos VII alcançaria 52,S toneladas. O reino reuni-
ficado do mesmo Carlos VII, em fim de reinado, situa-se em 75 tonela-
das: o nível "Filipe, o Belo" é, então, simplesmente melhorado (+ 6OOJo).
A revolução fiscal ainda não é muito espetacular. Luís XI, entretanto, ul-
trapassa as cem toneladas de equivalente-moeda (135 toneladas em tem-
po de guerra; nisso, o domínio real não desempenha mais que um papel
insignificante; o imposto propriamente dito fornece já quase tudo). Hen-
rique II beira as 190 toneladas no fim dos anos ISSO.'Henrique IV tem
na balança quase duzentas toneladas ao fim de seu reinado. Mazarino so-
be alegremente a mil toneladas de despesas comprometidas, cifra que per-
manecerá mais ou menos canônica até o começo do reinado de Luís XVI,
salvo em períodos de grandes conflitos (Sucessão da Espanha, Guerra dos
Sete Anos). Nesses casos graves, pode-se chegar a 1,6 mil toneladas de
despesas comprometidas (pOI;'volta de 1705-10), e em seguida a 1,8 mil
toneladas (depois de 1760). Mas tais tetos.lque são muito dispendiosós,
mantêm-se apenas brevemente.ê? A verdadeira revolução fiscal com du-
plicação regular da tonelagem orçamentária não se inicia, portanto, com
João, o Bom, e sua famosa espoliação em meados do século XIV, como
sustentam historiadores demasiado formalistas; defato, ela ocorre a par-
tir de Luís XI, de Henrique 11 e, finalmente, dos Bourbon, desde Henri-
que IV até o muito jovem Luís XIV. É isso também a monarquia clássica,
ou pelo menos é um de seus aspectos essenciais. O ressentimento antifis-
cal, pai das revoltas, vê-se aumentado por esse acréscimo do recolhimen-
to estatal.
Metais preciosos, imprensa, canhões: as proezas da tecnologia dos
tempos modernos afetam a monarquia clássica em todo o seu ser. Elas
orientam e estimulam seu crescimento, mesmo e sobretudo quando este
é repassado de antagonismos externos
-ti",
ou internos ...

38

You might also like