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Etimologicamente fraude deriva do latim fraus, fraudis (engano, má-fé, logro), en-
tende-se geralmente como engano malicioso ou ação astuciosa, promovidos de má-fé,
para ocultação da verdade ou fuga ao cumprimento do dever. Segundo Aurélio1:
Ressalte-se, nesse ponto, que a “fraude à lei tributária” não tem qualquer
semelhança com a “fraude tributária” tal como tratada em diversos artigos do Código
Tributário Nacional (149, VII; 150, § 4º, 154, parágrafo único), e na própria legislação
criminal (art. 1º, II e art. 2º, I da Lei nº 8.137/91). A fraude ou defraudação tributária
implica necessariamente violação grave e frontal de deveres tributários principais e
acessórios, como falsificar documentos livros fiscais, “fazer caixa dois” etc. Nesse sentido,
a fraude tributária ou defraudação são típicos fenômenos da evasão de tributos por meio,
quase sempre de comportamentos criminosos. Muito diferente é a “fraude à lei tributária”
(fraus legis) que a rigor não se configura uma violação frontal ao ordenamento tributário,
mas um procedimento sofisticado pelo qual se busca evitar a ocorrência do fato gerador
da obrigação tributária.
A fraude à lei supõe que o problema não está na lei, a qual cumpriu o seu papel
satisfatoriamente: o problema está na atuação fraudulenta do sujeito passivo (lembrando
mais uma vez que nem todas as atuações que buscam exclusivamente economias fiscais
são ipso facto fraudulentas). Assim, a técnica da fraude à lei tributária não é uma solução
à imperfeições da lei, mas um instrumento excepcional que resulta necessário para
assegurar a plena aplicação da lei tributária, por mais perfeita que seja.
Já quando o ato preserva a letra da lei, mas ofende o espírito dela, o ato é
de fraude à lei. É possível, para praticar-se fraude à lei, que haja a
utilização de um ato só ou de um complexo de atos. De um ato só, temos
vários exemplos. Darei o célebre exemplo de uma Constituição Imperial
do Imperador Constantino, que estabeleceu que todas as doações de valor
superior a 500 sólidos precisariam observar o instituto da insinuatio apud
acta, ou seja, deviam ser celebradas por escrito e registradas em arquivo
público. Então o que se fazia para não se observar essas formalidades era,
ao invés de doar para a mesma pessoa 500 sólidos, celebrar seis doações
cada uma de 100 sólidos. Com isso observavam-se estritamente as
palavras da lei: não havia, considerando-se esse fracionamento, doação
de mais de 500 sólidos. Desrespeitava-se, porém, o espírito da lei, que
era justamente o de que toda doação que ultrapassasse o valor de 500
sólidos teria de observar aquelas formalidades.
3
ALVES, José Carlos Moreira. As figuras correlatas da elisão fiscal. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2003. p. 17-19.
2
Conseqüentemente, as palavras da lei foram observadas: ele não comprou
em leilão, e sim, de terceiro, mas o espírito da lei foi violado. Assim,
temos aqui um complexo de negócios jurídicos que em si mesmos são
válidos, mas pela sua reunião passa a ser em fraude à lei. Observam os
verba legis, mas ferem a mens legis ou a sententia legis.
4
MARTINS, Ives Gandra da. Elisão e evasão fiscal, In caderno de Pesquisas Tributárias nº 13. São Paulo: Resenha
Tributária, 1998. p. 118.
5
DÓRIA, Roberto Sampaio. Elisão e evasão fiscal. 2. ed. São Paulo: José Buushatsky, 1977. p. 58
3
elisão (ou economia de impostos) e evasão está na licitude ou ilicitude dos meios
empregados pelo indivíduo.
Para que haja a simulação é preciso que exista: a) divergência entre a vontade
interna e a vontade manifestada; b) a necessidade que o acordo simulatório ocorra entre
as partes; e c) objetivo de enganar terceiros estranhos a esse ato simulado.
6
BEVILACQUA, Clóvis. Teoria geral do direito civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976. p. 225.
7
ALVES, Op. cit., p. 12-13.
4
possuírem a mesma finalidade e representarem uma realidade falsa, têm aplicações
distintas e significados próprios.
Simular significa aparentar algo que não existe, enquanto que dissimular significa
esconder algo que existe. Na simulação encontramos apenas um componente irreal que
se esgota em si mesmo, visando o ato a ser apresentado ao mundo, enquanto que na
dissimulação existe um componente irreal para ocultar um componente real, visando um
ato a ser escondido. Não há como confundir simulação com dissimulação, que também é
chamada de simulação relativa pela doutrina.
Dessa forma, precisa é a definição trazida pela Lei Complementar nº 104 quando alude a
desconsiderar atos que visem "dissimular" a ocorrência de fato gerador ou natureza dos
elementos constitutivos da obrigação tributária. Nesse sentido Ricardo Mariz de Oliveira8
pontifica:
8
OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Reinterpretando a norma antielisão do parágrafo único do art. 116 do Código
Tributário Nacional. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 76. p. 97.
5
um resultado econômico substancialmente idêntico ao que se obteria com a forma
jurídica prevista na lei tributária; iii) irrelevância das desvantagens jurídicas da forma
elisiva em comparação com a forma jurídica prevista na lei tributária; e iv) intenção de
elidir imposto.
Em suma, o abuso de forma poderia ser traduzido como a utilização de forma jurídica
não correspondente ao resultado econômico desejado. Para Ives Gandra Martins9 o abuso
de formas não encontra acolhida no direito brasileiro face, à inexistência de normas
legais que levem a sua aplicação. Gilberto Ulhoa Canto10 esclarece com propriedade a
aplicação da teoria do abuso de forma:
O abuso de direito pode ser definido, portanto, como sendo o exercício egoístico, normal
do direito, sem motivos legítimos, com excessos intencionais ou voluntários, dolosos ou
culposos, nocivos a outrem, contrário ao critério econômico e social do direito em geral.
9
MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENEZES, Paulo Lucena de. Elisão fiscal. Revista Tributária e de Finanças
Públicas. São Paulo: n. 36, p. 231, 2001.
10
MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Elisão e evasão fiscal. In Caderno de Pesquisas Tributárias n. 13, São Paulo:
Resenha Tributária, 1998. p. 16-17.
6
O certo é que no mundo atual, pós era liberal, o abuso de direito é contrário à tendência
socializante do direito, na sua vontade de sempre o direto, qualquer que seja, atender à
sua função social.
11
ALVES, Op. cit., p. 19-20.
12
TORRES, Ricardo Lobo. Normas gerais antielisivas. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2003. p. 116.
7
apenas o direito de compensação do imposto de renda pago pelas
aludidas empresas. reforma parcial da sentença.13
O novo Código Civil suplantou tal questão pelo seu art. 187, quando prevê que o
titular de um direito comete ato ilícito ao exercê-lo de modo manifestamente excedente
aos limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons
costumes. Dessa forma, o legislador caracterizou o abuso de direito como ato ilícito. A
sua prática com a finalidade de economia de tributos configura evasão tributária, em
função da ilicitude, não estando afeta a elisão tributária, que pressupõe a utilização de
atos lícitos.
Exemplo clássico de fraude à lei nos é dado, novamente, por Ricardo Lobo
Torres16, nos seguintes termos:
8
preferência para a aquisição do bem por preço determinado ao fim do
contrato. Quer dizer: o ato praticado era lícito, mas se utilizou para
qualificar o negócio uma norma de cobertura que não lhe era adequada.
Houve o desencontro entre a intentio facti e a intentio júris.
Para ele a elisão tributária pode ocorrer na generalidade dos tributos, não apenas
naqueles cujas hipóteses de incidência descrevem atos jurídicos, já que mesmo nesses
há interferência de atos jurídicos na configuração do fato imponível. Pode-se dar tanto
em relação ao pressuposto (hipótese) quanto à estatuição (mandamento) da norma
tributária. Pode ocorrer em todos os aspectos da norma tributária em que exista
tipificação. Assim, Xavier não aceita a tese de que os negócios fiscalmente menos
onerosos pudessem ser qualificados como negócios em fraude à lei.
A teoria da fraude à lei, para ele, seria inaceitável porquanto apenas normas preceptivas
ou proibitivas poderiam ser objeto de fraude. Embora a norma tributária seja
inderrogável pela vontade das partes, não proíbe a realização de nenhum fim nem torna
obrigatória a adoção de certas formas para a realização de determinados fins. A norma
tributária incide (ou seja, qualifica fatos e faz nascer os deveres jurídicos previstos em
seu mandamento) desde que ocorra o fato jurídico descrito no seu pressuposto. A prática
do negócio fiscalmente menos oneroso faz com que não se realize o fato descrito no
17
MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano de validade. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 156-157.
18
XAVIER. Alberto P. A evasão fiscal legítima – o negócio jurídico indireto em Direito Fiscal. Revista de Direito Público,
São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 23, p. 12, jan./mar.1973.
9
pressuposto e, portanto, não sejam desencadeadas as determinações do mandamento. A
norma tributária não seria, assim, suscetível de fraude à lei. Inclui o exame da
fraude à lei na perspectiva mais ampla das nulidades no direito tributário brasileiro.
Chama atenção para o fato de que a nova ordem constitucional instituída em 1988
agregou novos valores que condicionaram o exercício do direito de auto-organização.
Esse direito não mais envolve apenas a idéia de esfera de liberdade resultante de
condutas possíveis não descritas como pressuposto de nenhum efeito tributário,
construída com base na reserva absoluta de lei como forma de bloqueio da ação do
Estado. Essa concepção é típica da noção de Estado de Direito. Com a Constituição de
1988, o Brasil passou a configurar Estado Democrático de Direito, incorporando valores
do Estado Social19.
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Neste ponto é preciso proceder a alguns esclarecimentos.
Estas figuras “por definição legal” podem existir desde que o legislador as
enumere segundo entender pertinente. Para tanto, pode utilizar a técnica
de editar dispositivo pelo qual “consideram-se abusivas ...”, ou
“consideram-se em fraude à lei ...” tais ou quais condutas. Nesta
hipótese, as condutas enumeradas necessariamente configurarão abuso
ou fraude à lei. Nesta primeira categoria, não há dúvida que a existência
de lei é indispensável para tipificá-los.
Porém, não é esta a única forma pela qual podem estar configuradas tais
figuras. Elas podem existir independentemente de tipificação legal e
prévia, por corresponderem a distorções instauradas a partir de conduta
realizadas.
Porém, ainda que houvesse tal necessidade, ela estaria atendida pelo
parágrafo único do artigo 116. Realmente, ao qualificar o efeito ou
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resultado (dissimulação) o dispositivo abrangeu todos os meios que
podem levar à sua configuração; vale dizer, inclusive abuso de direito e
fraude à lei.
Além disso, não se pode perder de vista o sentido ético que permeia a
aplicação de medidas visando neutralizar as figuras do abuso de direito e
da fraude à lei. Assim como se exige da Administração Pública a
moralidade da sua ação (CF/88, artigo 37, caput), também exige-se do
cidadão lisura de conduta. Moralidade e lisura de conduta são princípios
que se aplicam a todas as pessoas e não apenas à Administração Pública.
12
Considerando que o novo Código Civil estabelece que:
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DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 8. ed. Atual. de acordo com o novo Código Civil. (Lei n. 10.406, de 10-1-
2002). São Paulo: Saraiva, 2002. p. 305.
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