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FRAUDE À LEI EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

Marcus Vinícius Lima Franco


Especialista em Direito Tributário pela Universidade Católica de Brasília e
Advogado da União, com atuação profissional na Procuradoria da União, em Sergipe.

1 INTRODUÇÃO: ETIMOLOGIA, NOÇÃO E ESTRUTURA DA FRAUDE À LEI

Etimologicamente fraude deriva do latim fraus, fraudis (engano, má-fé, logro), en-
tende-se geralmente como engano malicioso ou ação astuciosa, promovidos de má-fé,
para ocultação da verdade ou fuga ao cumprimento do dever. Segundo Aurélio1:

fraude. (Do lat. Fraude.) S. f. 1. V. logro (2). 2. Abuso de confiança; ação


praticada de má-fé. 3. Contrabando, clandestinidade. 4. Falsificação,
adulteração. (Sin. ger.: defraudação, fraudação, fraudulência.)

Nessas condições, a fraude traz consigo o sentido de “engano”, não como se


evidencia no “dolo”, em que se mostra a manobra fraudulenta para induzir outrem à
prática de ato, de que lhe possa advir prejuízo, mas o “engano oculto” para furta-se o
fraudulento ao cumprimento do que é de sua obrigação ou para “logro de terceiros”. É a
intenção de causar prejuízo a terceiros.

Assim, a fraude sempre2 se funda na prática de “ato lesivo” a interesses de


terceiros ou da coletividade, ou seja, em ato em que se evidencia a intenção de “frustrar-
se” a pessoa aos deveres obrigacionais ou legais. É por isso, indicativa de “lesão de
interesses” individuais, ou “contravenção” de regra jurídica a que se está obrigado. O
dolo é astúcia empregada contra aquele com quem se contrata. Segundo velha lição
romana ao fraudulento, aquele que comete fraude, não aproveita o ato lesivo: nemini
fraus sua patrocinari potest. Além do sentido de “contravenção à lei”, notadamente fiscal,
possui o significado de “contrafação”, isto é, “reprodução imitada”, “adulteração”,
“falsificação”, “inculcação” de uma coisa por outra. Aliás, em todas as expressões, está
no seu sentido originário de “engano”, “má fé” e “logro”, todos fundados na intenção de
“trazer um prejuízo”, com o qual se locupletará o “fraudulento” ou “fraudado”. A fraude
fiscal é a contravenção às leis tributárias ou regras fiscais, como objetivo de fuga ao
pagamento do imposto devido.

Ressalte-se, nesse ponto, que a “fraude à lei tributária” não tem qualquer
semelhança com a “fraude tributária” tal como tratada em diversos artigos do Código
Tributário Nacional (149, VII; 150, § 4º, 154, parágrafo único), e na própria legislação
criminal (art. 1º, II e art. 2º, I da Lei nº 8.137/91). A fraude ou defraudação tributária
implica necessariamente violação grave e frontal de deveres tributários principais e
acessórios, como falsificar documentos livros fiscais, “fazer caixa dois” etc. Nesse sentido,
a fraude tributária ou defraudação são típicos fenômenos da evasão de tributos por meio,
quase sempre de comportamentos criminosos. Muito diferente é a “fraude à lei tributária”
(fraus legis) que a rigor não se configura uma violação frontal ao ordenamento tributário,
mas um procedimento sofisticado pelo qual se busca evitar a ocorrência do fato gerador
da obrigação tributária.

Um aspecto da fraude à lei muito interessante, que respalda sua


constitucionalidade e sua adequação também às regras interpretativas do CTN, é o
seguinte: através do procedimento de declaração de fraude à lei tributária, o que
equivale à declaração de que o contribuinte dissimulou a ocorrência do fato gerador
1
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. 2. ed. São Paulo: Nova Fronteira,
1998. p. 810.
2
Vale registrar aqui aquilo que a doutrina denomina de simulação inocente, que é aquela que oculta um negócio que seja
válido por um motivo até altruístico, ou seja, uma simulação que não encerra fim fraudulento, contrário à lei ou que vise
causar prejuízo a terceiro.
através de atos ou negócios jurídicos, não se procura corrigir falhas da lei, que deveria
ter gravado expressamente determinados atos, mas por imperícia ou imperfeição
redacional não o fez. Não é isso. Se o problema ocorre com a lei, que efetivamente
gravou menos manifestações de capacidade contributiva de que poderia ter feito, e o
indivíduo ou a empresa se aproveitaram dessa “lacuna”, então não há que se falar em
fraude alguma, não há que se falar em comportamento dissimulado.

A fraude à lei supõe que o problema não está na lei, a qual cumpriu o seu papel
satisfatoriamente: o problema está na atuação fraudulenta do sujeito passivo (lembrando
mais uma vez que nem todas as atuações que buscam exclusivamente economias fiscais
são ipso facto fraudulentas). Assim, a técnica da fraude à lei tributária não é uma solução
à imperfeições da lei, mas um instrumento excepcional que resulta necessário para
assegurar a plena aplicação da lei tributária, por mais perfeita que seja.

Pertinente trazer à colação a lição do eminente Ministro Moreira Alves3, que


esclarece que:

No direito romano já se fazia a distinção entre os atos contra legem e os


atos in frudem legis, embora nem sempre os textos romanos sigam essa
distinção.

Quando se estuda o problema da interpretação das leis, distinguem-se os


verba legis da mens legis (e não da mens legislatoris). As verba legis são
as palavras de lei, e a mens legis é o espírito da lei, ou seja, aquilo que
suas palavras pretenderam exprimir .

Daí, na interpretação da lei examina-se, num primeiro estágio (o da


interpretação gramatical ou literal), os verba legis, ou seja, as palavras da
lei, e num segundo estágio (o da interpretação lógica), a mens legis (o
espírito da lei).

A mesma distinção é de fazer-se aqui, porque no problema da fraude à lei


o que ocorre justamente é isto: observa-se a letra da lei, mas para se
alcançar um fim contrário ao espírito da lei. Emprego a palavra lei no
sentido amplo, para traduzir norma jurídica, pois, embora sejam raros os
exemplos, é possível inclusive ocorrer fraude ao costume.

Quando o ato vai contra as palavras e o espírito da lei, é ele contra


legem, contrário à lei, em que há a violação direta da lei.

Já quando o ato preserva a letra da lei, mas ofende o espírito dela, o ato é
de fraude à lei. É possível, para praticar-se fraude à lei, que haja a
utilização de um ato só ou de um complexo de atos. De um ato só, temos
vários exemplos. Darei o célebre exemplo de uma Constituição Imperial
do Imperador Constantino, que estabeleceu que todas as doações de valor
superior a 500 sólidos precisariam observar o instituto da insinuatio apud
acta, ou seja, deviam ser celebradas por escrito e registradas em arquivo
público. Então o que se fazia para não se observar essas formalidades era,
ao invés de doar para a mesma pessoa 500 sólidos, celebrar seis doações
cada uma de 100 sólidos. Com isso observavam-se estritamente as
palavras da lei: não havia, considerando-se esse fracionamento, doação
de mais de 500 sólidos. Desrespeitava-se, porém, o espírito da lei, que
era justamente o de que toda doação que ultrapassasse o valor de 500
sólidos teria de observar aquelas formalidades.

Por vezes, há necessidade de uma conjugação de atos. Temos, por


exemplo, o caso e pessoas interpostas para o fim de fraudar à lei.
Funcionário público não pode comprar em leilão bem público, então um
amigo dele compra em leilão não para ficar com ele, mas com a finalidade
posterior de revender esse bem para aquele funcionário público.

3
ALVES, José Carlos Moreira. As figuras correlatas da elisão fiscal. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2003. p. 17-19.

2
Conseqüentemente, as palavras da lei foram observadas: ele não comprou
em leilão, e sim, de terceiro, mas o espírito da lei foi violado. Assim,
temos aqui um complexo de negócios jurídicos que em si mesmos são
válidos, mas pela sua reunião passa a ser em fraude à lei. Observam os
verba legis, mas ferem a mens legis ou a sententia legis.

Temos, portanto, que a fraude à lei é uma espécie de gênero violação à


lei. Quando é contra legem, há violação direta: quando é in fraudem legis,
temos violação indireta.

Também nesses casos se trata de ato ou negócio jurídico querido ou de


complexo de atos ou negócios jurídicos queridos, havendo coincidência
entre a vontade e a sua manifestação, ao contrário do que ocorre na
simulação.

Quanto aos elementos de fraude à lei há duas posições doutrinárias: uma


que considera que a fraude à lei é sempre objetiva; basta que haja a
violação indireta para que, objetivamente, ocorra a fraude à lei. A outra é
a subjetiva: a de a violação indireta, que é o objetivo da fraude à lei,
decorrer de elemento subjetivo, ou seja, a intenção de fraudar a lei.

A teoria objetiva é a mais seguida, porque, pela teoria subjetiva, é preciso


que o individuo conheça a lei que está violando, para saber que está
infringindo essa lei. Aí, há a dificuldade decorrente do princípio geral de
que a ninguém é dado desconhecer a lei. Por essa presunção absoluta, ou
melhor, por essa ficção, porque não há, obviamente, ninguém que possa
conhecer todas as leis que existem no país, todos se têm como
conhecedores da lei, o que implica que se cairá sempre, em última
análise, na teoria objetiva, porque o elemento subjetivo existirá por essa
presunção.

2 DISTINÇÃO DA FRAUDE À LEI DE FIGURAS AFINS, TAIS COMO ABUSO DE


DIREITO, ABUSO DE FORMA, SIMULAÇÃO E DISSIMULAÇÃO

As doutrinas brasileira e estrangeira demonstram que o conceito de elisão


tributária está relacionado ao emprego de formas jurídicas anormais, atípicas,
inadequadas a sua finalidade usual, artificiais, na realização do fato imponível. É
tradicional a referência à manipulação ou à adaptação do fato imponível como
instrumento para atingir vantagem tributária. Diante desse fato, cabe a descrição das
modalidades utilizadas na obtenção dessas vantagens fiscais.

A análise de institutos de direito privado tem correlação direta com a


interpretação do parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional, introduzido
pela Lei Complementar nº 104, de 2001.

As figuras abordadas se referem a algo que se prende à utilização de meios


aparentes para ocultar aquilo que realmente as partes contratantes desejam, ou, então,
à utilização de vias indiretas em vez de se utilizarem diretas para alcançarem os fins
intentados. São elas: o negócio jurídico simulado e dissimulado, o abuso de forma e de
direito e, por fim, o negócio jurídico em fraude à lei, o grande objeto desse
despretensioso estudo.

A diferença entre a chamada “economia de impostos” e a evasão reside na licitude


ou ilicitude dos procedimentos ou dos instrumentos adotados pelo indivíduo; por isso se
fala em evasão legal e evasão ilegal de tributo. Análoga é a lição de Ives Gandra da Silva
Martins4 e Antônio Roberto Sampaio Dória5, ao afirmarem que a distinção básica entre

4
MARTINS, Ives Gandra da. Elisão e evasão fiscal, In caderno de Pesquisas Tributárias nº 13. São Paulo: Resenha
Tributária, 1998. p. 118.
5
DÓRIA, Roberto Sampaio. Elisão e evasão fiscal. 2. ed. São Paulo: José Buushatsky, 1977. p. 58

3
elisão (ou economia de impostos) e evasão está na licitude ou ilicitude dos meios
empregados pelo indivíduo.

Não se discute, é claro, que a fraude ou o artifício para mascarar ou dissimular o


fato gerador são espécies do gênero evasão fiscal. Se alguém rasura documentos fiscais,
ou registra fatos inverídicos, “notas ou recibos frios”, a ilicitude é evidente. Mas,
certamente, há mecanismos menos grosseiros de ocultar ou dissimular os fatos,
manipulando esquemas formais não coincidentes com a realidade dos fatos. O problema
resvala, em última análise, para a apreciação do fato concreto (fato real) e de sua
correspondência com o modelo abstrato (forma) utilizado. Se a forma não refletir o fato
concreto, ela deve ser desqualificada.

A simulação se traduz pela falta de correspondência entre o negócio que as


partes realmente estão praticando e aquele que elas formalizam. As partes querem, por
exemplo, realizar uma compra e venda, mas formalizam (simulam) uma doação,
ocultando o pagamento do preço. Ou, ao contrário, querem esse contrato, e formalizam
o de compra e venda, devolvendo-se (de modo oculto) o preço formalmente pago. Em
outras palavras, o negócio jurídico simulado é aquele que cria uma aparência desejada
pelas partes. É uma aparência que se cria, com a finalidade de apenas criá-la, sem se
querer ocultar algo que realmente se deseja (simulação absoluta), ou então se cria essa
aparência para ocultar o que realmente se deseja (simulação relativa).

Na atual doutrina de Clóvis Bevilacqua6, a simulação ocorre se e quando há “uma


declaração enganosa da vontade, visando a produzir efeito diverso do
ostensivamente indicado”. De acordo com o conceito normativo de simulação, esta
ocorre sempre que presentes declarações falsas ou documentos falsos. O negócio
simulado é o que tem uma aparência contrária à realidade, ou porque não existe em
absoluto ou porque é diferente da sua aparência. No negócio simulado, o defeito pode
recair sobre a existência do negócio, sobre a sua natureza, ou sobre as partes, as
pessoas contratantes.

A doutrina costuma distinguir entre simulação absoluta e relativa. No primeiro


caso, o ato é inexistente, não inválido, enquanto que na simulação relativa o ato é
mentiroso quanto ao seu conteúdo.

Vejamos os exemplos de simulação absoluta e relativa citados por Moreira Alves7:

Ocorrendo uma revolução, e havendo a perspectiva de confisco dos bens


dos anti-revolucionários, um deles celebrar simuladamente – simulação
absoluta – contrato de compra e venda com um amigo que não corre esse
risco por ser partidário da revolução, tornando-se este aparentemente
proprietário da coisa, e não correndo, portanto o risco de tê-la confiscada.
Criou-se a aparência sem que se oculte por baixo dela um negócio jurídico
que é realmente desejado.

quando o marido, não podendo fazer doação à sua concubina, simula


compra e venda, pois não recebe o preço, para que essa compra e venda,
na realidade, oculte uma doação – simulação relativa.

Para que haja a simulação é preciso que exista: a) divergência entre a vontade
interna e a vontade manifestada; b) a necessidade que o acordo simulatório ocorra entre
as partes; e c) objetivo de enganar terceiros estranhos a esse ato simulado.

A simulação e a dissimulação são defeitos do negócio jurídico que objetivam


burlar a lei ou prejudicar terceiros, procurando alguma vantagem econômica. Apesar de

6
BEVILACQUA, Clóvis. Teoria geral do direito civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976. p. 225.
7
ALVES, Op. cit., p. 12-13.

4
possuírem a mesma finalidade e representarem uma realidade falsa, têm aplicações
distintas e significados próprios.

Simular significa aparentar algo que não existe, enquanto que dissimular significa
esconder algo que existe. Na simulação encontramos apenas um componente irreal que
se esgota em si mesmo, visando o ato a ser apresentado ao mundo, enquanto que na
dissimulação existe um componente irreal para ocultar um componente real, visando um
ato a ser escondido. Não há como confundir simulação com dissimulação, que também é
chamada de simulação relativa pela doutrina.

Dessa forma, precisa é a definição trazida pela Lei Complementar nº 104 quando alude a
desconsiderar atos que visem "dissimular" a ocorrência de fato gerador ou natureza dos
elementos constitutivos da obrigação tributária. Nesse sentido Ricardo Mariz de Oliveira8
pontifica:

Com efeito, este dispositivo manda desconsiderar os atos ou negócios que


aparentem perante o mundo exterior uma realidade falsa, porque a
realidade verdadeira, que se constitui no fato gerador e/ou nos elementos
constitutivos da obrigação tributária, está ofuscada pelos atos ou negócios
dissimulatórios.

Sendo assim, como os atos ou negócios dissimulatórios encobrem o fato


real, incumbe à autoridade administrativa desconsiderá-los para
desvendar a verdade, isto é, para trazer a verdade material às luzes
claras.

Dissimulação ou simulação relativa é a expressão mais correta a ser usada para


conferir, à lei o intuito desejado. Em matéria tributária, mesmo que tratemos de
simulação absoluta, ou simulação propriamente dita, estaremos diante de simulação
relativa.

Mesmo que o contribuinte simule um ato absolutamente inexistente (simulação


absoluta), v.g. ágio de subscrição de capital, ainda assim, para efeitos tributários,
estaremos diante de uma dissimulação. No exemplo mencionado há a simulação de um
ato inexistente que não encobre qualquer outro ato, portanto simulação absoluta, mas
que afeta os elementos constitutivos da obrigação tributária cujo objeto é o imposto de
renda. Nesse caso, pode-se notar que há um ato dissimulatório da realidade porque,
embora sendo um ato falso que não encubra outro ato real no âmbito privado, no âmbito
tributário encobre a realidade representada pela materialidade do fato gerador realmente
existente. Portanto, na órbita tributária, a simulação da órbita privada é recebida como
dissimulação por encobrir a base de cálculo de tributo, no caso, de imposto de renda. O
que ocorre é a "relativização" dos atos ou negócios jurídicos particulares em relação ao
Fisco.

Na verdade, o termo “dissimulação”, em uma das suas acepções, corresponderia à


figura da simulação. Como o CTN utiliza ambos os termos em diversos dos seus artigos,
o melhor entendimento é aquele segundo o qual o sentido de “dissimular”, previsto pelo
parágrafo único do artigo 116, do referido Código, abrange o “simular” mas possui
abrangência maior que este. A teoria do abuso de forma está calcada na utilização de
forma jurídica "atípica" ou "não comum" para realização de negócio jurídico visando
menor incidência fiscal.

Essa teoria, originalmente adotada pelo código alemão, nasce da interpretação


econômica do direito tributário, onde é possível identificar quatro requisitos para a
caracterização do abuso de formas jurídicas: i) adoção de uma forma jurídica não
correspondente ao resultado econômico perseguido; ii) obtenção, através da elisão, de

8
OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Reinterpretando a norma antielisão do parágrafo único do art. 116 do Código
Tributário Nacional. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 76. p. 97.

5
um resultado econômico substancialmente idêntico ao que se obteria com a forma
jurídica prevista na lei tributária; iii) irrelevância das desvantagens jurídicas da forma
elisiva em comparação com a forma jurídica prevista na lei tributária; e iv) intenção de
elidir imposto.

Em suma, o abuso de forma poderia ser traduzido como a utilização de forma jurídica
não correspondente ao resultado econômico desejado. Para Ives Gandra Martins9 o abuso
de formas não encontra acolhida no direito brasileiro face, à inexistência de normas
legais que levem a sua aplicação. Gilberto Ulhoa Canto10 esclarece com propriedade a
aplicação da teoria do abuso de forma:

O desacerto da teoria do abuso de formas de direito privado parece


evidente. Se as formas são de direito privado e elas não são legitimadas
pelas normas desse ramo do direito, então estaremos diante de um caso
comum de ilegalidade ou nulidade, pura e simples. Mas, se face ao direito
privado tais formas são legítimas, não vemos como se possa acusar
alguém de estar cometendo abuso destas formas apenas para efeitos
legais. Se o legislador tributário não quiser que as formas de direito
privado que forem lícitas e legais em face das normas deste ramo do
direito produzam os efeitos que os agentes poderiam ter em vista quando
a eles recorrem, o que ele tem a fazer é, simplesmente, dizer que para
fins especificamente tributários os atos que segundo o direito privado
seriam lícitos e eficazes serão tratados como se fossem atos de natureza
idêntica a um modelo predeterminado; ou poderia, ainda, o legislador
tributário definir, para fins especificamente fiscais, determinados institutos
originados do direito privado de modo substancialmente distinto daquele
pelo qual estão definidos nesse departamento do Direito.

Desta feita, o abuso de forma está intrinsecamente relacionado com os efeitos


econômicos do ato praticado e como a intenção do agente. Se a forma utilizada está em
desacerto com as normas de direito privado, estamos diante de uma ilegalidade e,
portanto, haverá evasão fiscal; se a forma utilizada for legal, cabe ao direito tributário
regular as situações em que as condutas serão consideradas não lícitas para efeitos
fiscais.

Vale lembrar que o abuso de forma é citado na exposição de motivos da Lei


Complementar nº 104 como procedimento a ser combatido pela referida lei, apesar de
não constar expressamente no corpo do texto legal.

O abuso de Direito está intimamente ligado à idéia segundo a qual não há


direito ilimitado, a distinção entre o direito, e a forma pela qual é este exercitado, revela-
se de notável importância para a caracterização do abuso do direito, em conseqüência,
permite o estabelecimento de limites para o planejamento tributário, a partir dos quais a
conduta destinada a evitar, ou reduzir o tributo, caracteriza “fraude fiscal”.

Repita-se que a distinção entre o planejamento tributário e a fraude consiste em


que no primeiro a conduta é licita, enquanto na fraude fiscal a conduta é ilícita. Não
apenas perante o Direito Tributário, mas no próprio âmbito do Direito Civil ou Comercial.
Como tal, pode ser considerado, o uso de fórmulas anômalas, absolutamente inusuais,
cuja validade não pode ser razoavelmente sustentada, mesmo no âmbito do Direito em
que está situada, a figura jurídica então deformada.

O abuso de direito pode ser definido, portanto, como sendo o exercício egoístico, normal
do direito, sem motivos legítimos, com excessos intencionais ou voluntários, dolosos ou
culposos, nocivos a outrem, contrário ao critério econômico e social do direito em geral.

9
MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENEZES, Paulo Lucena de. Elisão fiscal. Revista Tributária e de Finanças
Públicas. São Paulo: n. 36, p. 231, 2001.
10
MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Elisão e evasão fiscal. In Caderno de Pesquisas Tributárias n. 13, São Paulo:
Resenha Tributária, 1998. p. 16-17.

6
O certo é que no mundo atual, pós era liberal, o abuso de direito é contrário à tendência
socializante do direito, na sua vontade de sempre o direto, qualquer que seja, atender à
sua função social.

Moreira Alves11 nos ensina que:

O Código Civil pretérito não tinha nenhum dispositivo expresso e direto


relativo ao abuso de direito. Os autores, em geral, sustentam a sua
acolhida por parte do Código Civil pela circunstância de que o art. 160,
inciso I, ao dizer que não constitui ato ilícito o exercício regular de um
direito reconhecido, dava a entender que o exercício irregular, portanto,
abusivo, de um direito reconhecido é abuso de direito.
Conseqüentemente, tal Código Civil adotou, contrário senso, a figura do
abuso de direito como ato ilícito.

O novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002) considera


abuso de direito como ato ilícito, assim o caracterizando no art. 187, que
se encontra no capítulo concernente aos atos ilícitos: “Comete ato ilícito o
titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestadamente os
limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos
bons costumes.”

O novel Código utiliza-se aí, inclusive, de um conceito que encontra


emprego bastante amplo nele como cláusula geral, que é o conceito de
boa-fé objetiva, que não se confunde com aquela boa-fé subjetiva que
nada mais é do que a ignorância de não se estar ferindo direito alheio ou
pelo menos a convicção de que não se estar ferindo direito alheio. A boa-
fé objetiva é a boa –fé normativa, ou seja, aquela boa-fé que implica a
observância e certos deveres que não são expressos nos atos jurídicos,
mas que são secundários ou instrumentais. Por exemplo: nas tratativas
para a celebração de um contrato, e, portanto, antes da celebração deste,
já há o dever de sigilo com relação ao conhecimento de fatos, por causa
dessas tratativas, que digam respeito à outra parte e que possam causar-
lhe prejuízo.

O novo Código Civil, portanto, não só conceitua, como caracteriza


expressamente essa figura como sendo ato ilícito, sofrendo,
conseqüentemente, seu autor as sanções decorrentes dos atos ilícitos.

Ricardo Lobo Torres12 traz um exemplo brasileiro discutido no antigo Tribunal


Federal de Recursos no qual, sob a veste de abuso de forma jurídica, os sócios da
Grendene criaram 8 (oito) sociedades de pequeno porte, com o objetivo de manipular o
preço das mercadorias, aproveitando-se da diferença no regime tributário do tributo
federal. O Tribunal desconsiderou o fracionamento da empresa para efeitos de
pagamento do imposto de renda, embora não tivesse desconstituído os atos jurídicos.
Abaixo o acórdão do TFR:

Legitimidade da atuação do fisco, em face dos elementos constantes dos


autos. Constituídas foram, no mesmo dia, de uma só vez, pelas mesmas
pessoas físicas, todas sócias da autora, 8 (oito) sociedades como objetivo
de explorar comercialmente, no atacado e no varejo, calçados e outros
produtos manufaturados em plástico, no mercado interno e no
internacional.

Tais sociedades, em decorrência de suas características de pequeno porte,


estavam enquadradas no regime tributário de apuração de resultados com
base no lucro presumido, quando sua fornecedora única, a autora, pagava
o tributo de conformidade com o lucro real. reconhece-se à recorrente,

11
ALVES, Op. cit., p. 19-20.
12
TORRES, Ricardo Lobo. Normas gerais antielisivas. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2003. p. 116.

7
apenas o direito de compensação do imposto de renda pago pelas
aludidas empresas. reforma parcial da sentença.13

Assim com o abuso de forma, o abuso de direito é o desdobramento da


interpretação econômica do direito tributário. O abuso de direito considera ilícita a
conduta do contribuinte que pratica negócios jurídicos visando exclusivamente a
economia de imposto, tendo como fundamento o uso imoral do direito. O intérprete
aplicaria uma regra moral própria, convertendo-a numa regra jurídica a incidir em cada
caso. Para cada situação existirá uma regra moral específica. Seu campo de incidência é
o plano da moral, o que rejeita o princípio da legalidade e o valor da segurança jurídica.

A maioria da doutrina nacional rejeita a teoria do abuso de direito. Segundo Ives


Gandra Martins14 o

o abuso de direito esbarra de forma incontornável – antes de qualquer


outro aspecto jurídico – na ausência de previsão legal conferindo à
fiscalização autoridade para ultrapassar o limite da estrita legalidade,
buscando outros elementos e subsídios para afirmar ou não a validade
jurídica, ainda que sob o prisma tributário, de cada operação
individualizada.

Alfredo Augusto Becker, citado por César A. Guimarães Pereira15, questiona se é


possível haver mau uso do direito sem que este se confunda com ilegalidade ou ilicitude.
Sendo uma regra moral, o abuso de direito entrega ao intérprete o poder de converter
uma regra moral em regra jurídica, sendo que o intérprete não detém poder de legislar.

O novo Código Civil suplantou tal questão pelo seu art. 187, quando prevê que o
titular de um direito comete ato ilícito ao exercê-lo de modo manifestamente excedente
aos limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons
costumes. Dessa forma, o legislador caracterizou o abuso de direito como ato ilícito. A
sua prática com a finalidade de economia de tributos configura evasão tributária, em
função da ilicitude, não estando afeta a elisão tributária, que pressupõe a utilização de
atos lícitos.

Assim com o abuso de forma, o abuso de direito é mencionado na exposição de


motivos da Lei Complementar nº 104, como sendo objeto de combate pela referida lei,
mas não integra o seu texto legal.

Uma figura jurídica conexa à simulação, ao abuso de forma e ao abuso de direito


é a fraude à lei (frau legis). Aquele que defrauda não contradiz o teor verbal da lei,
antes atém-se respeitosamente à sua letra, mas, na realidade, vem a frustrar o fim a
que objetivava o princípio jurídico. Há uma enorme diferença entre negócio jurídico
simulado e o negócio jurídico praticado em fraude à lei. Naquele o negócio é apenas
aparente, enquanto este é desejado ostensivamente pela partes com o objetivo de iludir
a lei e conseguir o fim proibido por caminho indireto.

Exemplo clássico de fraude à lei nos é dado, novamente, por Ricardo Lobo
Torres16, nos seguintes termos:

Para pagar menos imposto determinada pessoa, ao revés de vender o


bem, preferiu fazer contrato de locação, de tal forma que no prazo
previsto os aluguéis chegariam aproximadamente ao mesmo valor da
venda, sujeitando-se a imposto menor; ao adquirente era garantida a
13
APELAÇÃO Cível nº 115.478-RS, Ac. da 6ª Turma do Tribunal Federal de Recursos, de 18.2.87. Rel. Ministro Américo
Luz. Revista do Tribunal Federal de Recursos. p. 146-217, 1987.
14
MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENEZES, Paulo Lucena de. Elisão fiscal. Revista Tributária e de Finanças
Públicas. São Paulo, nº 36, p. 235, 2001.
15
PEREIRA, César A. Guimarães. Elisão e função administrativa. São Paulo: Dialética, 2001. p. 70.
16
TORRES, Op. cit., p. 115.

8
preferência para a aquisição do bem por preço determinado ao fim do
contrato. Quer dizer: o ato praticado era lícito, mas se utilizou para
qualificar o negócio uma norma de cobertura que não lhe era adequada.
Houve o desencontro entre a intentio facti e a intentio júris.

Marcos Bernardes de Mello17, afirma que é perfeitamente possível distinguir o ato


in fraudem legis do ato simulado. Diz ele:

O ter a simulação, em alguns casos, a finalidade de infringir preceito legal


não a torna semelhante à fraude à lei. Primeiro porque esse dado não é
essencial à simulação. No mais das vezes o ato simulado destina a
prejudicar direitos subjetivados de terceiros. Na fraude à lei a sua
característica substancial é, precisamente, a infração da norma jurídica
por meios indiretos. Depois, o outro elemento fundamental para distinguir
o ato in fraudem legis do ato simulado consiste em que na simulação os
atos não são verdadeiros, embora se destinem a violar a lei. Realmente,
na simulação os atos praticados ou são aparentes ou são mentirosos.

No ato in fraudem legis nada é aparente. Tudo o que aparece é querido,


especialmente o resultado. Como demonstramos acima (2.3.3), os atos
em si, considerados isoladamente, são válidos e eficazes. A invalidade é
produto da infração à lei, que se consuma com a conjunção dos diversos
atos através da qual o fim proibido ou imposto é alcançado ou evitado.

Como se vê não é fácil distinguir entre simulação e fraude à lei. O elemento


comum entre elas é a ilicitude que contamina a validade dos atos ou negócios jurídicos e
não podem aparelhar qualquer conduta elisiva.

3 CABIMENTO DA FIGURA DE FRAUDE À LEI NA MATÉRIA TRIBUTÁRIA,


ESPECIALMENTE TENDO EM VISTA O NOVO CÓDIGO CIVIL

Para responder a esta indagação precisamos, antes de enunciarmos a opinião, nos


socorrer das ponderações feitas pela doutrina brasileira. Pela firmeza e lucidez com que
defendem os seus pontos de vista e, principalmente, por terem respostas diferentes à
indagação título desse item, escolhemos expor os pensamentos dos professores Alberto
Xavier e Marco Aurelio Greco.

Alberto Xavier adota, como fundamento chave da sua doutrina, a denominação de


“negócio jurídico menos oneroso”18 para qualificar os atos jurídicos praticados pelos
particulares como propósito de não pagar ou pagar menos impostos.

Para ele a elisão tributária pode ocorrer na generalidade dos tributos, não apenas
naqueles cujas hipóteses de incidência descrevem atos jurídicos, já que mesmo nesses
há interferência de atos jurídicos na configuração do fato imponível. Pode-se dar tanto
em relação ao pressuposto (hipótese) quanto à estatuição (mandamento) da norma
tributária. Pode ocorrer em todos os aspectos da norma tributária em que exista
tipificação. Assim, Xavier não aceita a tese de que os negócios fiscalmente menos
onerosos pudessem ser qualificados como negócios em fraude à lei.

A teoria da fraude à lei, para ele, seria inaceitável porquanto apenas normas preceptivas
ou proibitivas poderiam ser objeto de fraude. Embora a norma tributária seja
inderrogável pela vontade das partes, não proíbe a realização de nenhum fim nem torna
obrigatória a adoção de certas formas para a realização de determinados fins. A norma
tributária incide (ou seja, qualifica fatos e faz nascer os deveres jurídicos previstos em
seu mandamento) desde que ocorra o fato jurídico descrito no seu pressuposto. A prática
do negócio fiscalmente menos oneroso faz com que não se realize o fato descrito no

17
MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano de validade. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 156-157.
18
XAVIER. Alberto P. A evasão fiscal legítima – o negócio jurídico indireto em Direito Fiscal. Revista de Direito Público,
São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 23, p. 12, jan./mar.1973.

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pressuposto e, portanto, não sejam desencadeadas as determinações do mandamento. A
norma tributária não seria, assim, suscetível de fraude à lei. Inclui o exame da
fraude à lei na perspectiva mais ampla das nulidades no direito tributário brasileiro.

O fundamento legal para concepção acerca do tema está na sua interpretação do


art. 118 do CTN, que suprime a competência administrativa para conhecer defeitos dos
atos jurídicos. A administração tributária não detém competência para reconhecer a
nulidade ou a anulabilidade de atos jurídicos, devendo promover o lançamento com
abstração desses defeitos (apenas lhes sendo dado conhecer da inexistência jurídica do
ato).

A fundamentação teórica dessa concepção consiste no princípio da capacidade


contributiva, que determina “a prioridade do conceito de eficácia sobre o de validade”,
tornando cabível a tributação de atos nulos que tenham sido executados. A aparência
supera a realidade no lançamento, até que a verdade material venha a ser declarada
pelo Poder Judiciário. A fraude à lei, tanto quanto qualquer outro defeito dos atos
jurídicos, somente pode ser tomada em conta pela administração tributária após
declaração eficaz do Poder Judiciário.

A doutrina de Marco Aurelio Greco (1994) centra-se, ao nosso ver, na distinção


entre elisão tributária eficaz e a elisão tributária ineficaz. A prática de negócio
fiscalmente menos oneroso caracterizado por simulação não configura elisão tributária
eficaz. Esta é a que se exterioriza através de negócios jurídicos indiretos. Sugere
modificação no pensamento brasileiro sobre a economia de tributos e o planejamento
fiscal.

Chama atenção para o fato de que a nova ordem constitucional instituída em 1988
agregou novos valores que condicionaram o exercício do direito de auto-organização.
Esse direito não mais envolve apenas a idéia de esfera de liberdade resultante de
condutas possíveis não descritas como pressuposto de nenhum efeito tributário,
construída com base na reserva absoluta de lei como forma de bloqueio da ação do
Estado. Essa concepção é típica da noção de Estado de Direito. Com a Constituição de
1988, o Brasil passou a configurar Estado Democrático de Direito, incorporando valores
do Estado Social19.

Por isso, o direito de auto-organização (concebido sobre os valores propriedade e


segurança) terá seu exercício condicionado pelos valores de igualdade, solidariedade e
justiça20. Sob essas premissas, conclui que será abusivo o exercício do direito de auto-
organização quando seu uso ou o seu resultado deixar de atender a esses novos valores
trazidos pela Carta Magna de 1988.

A estrutura de sua doutrina está na idéia de finalidade exclusiva de reduzir ou


impedir a tributação. A auto-organização com finalidade exclusiva de obter vantagem
tributária configura abuso de direito. O fisco pode recusar-se a reconhecer os seus efeitos
fiscais, mesmo sem que isso implique a decretação da ilicitude da operação.

O professor Greco, em magnífica obra publicada pela Editora Dialética21, afirma


ser possível o cabimento da fraude à lei em matéria tributária, vejamos, in verbis:

Dirão alguns que o raciocínio acima exposto estaria comprometido, pois as


figuras do abuso do direito e da fraude à lei em matéria tributária não têm
aplicação no direito brasileiro, enquanto não sobrevier lei expressa neste
sentido, pois o princípio da legalidade assim determinaria.
19
GRECO, Marco Aurelio. Planejamento fiscal e abuso de direito. Estudos sobre o imposto de renda. São Paulo: Resenha
Tributária, 1994. p. 94-95.
20
Ibidem, p. 96.
21
GRECO, Marco Aurelio. Constitucionalidade do parágrafo único do art. 116 do CTN. In: ROCHA, Valdir de Oliveira
(Coord.). O planejamento tributário e a Lei complementar nº 104. São Paulo: Dialética, 2001. p. 196-199.

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Neste ponto é preciso proceder a alguns esclarecimentos.

Primeiro, é preciso distinguir abuso de direito e fraude à lei por definição


legal, de abuso de direito e fraude à lei, identificados a partir de
características fáticas de atos ou negócios praticados.

Estas figuras “por definição legal” podem existir desde que o legislador as
enumere segundo entender pertinente. Para tanto, pode utilizar a técnica
de editar dispositivo pelo qual “consideram-se abusivas ...”, ou
“consideram-se em fraude à lei ...” tais ou quais condutas. Nesta
hipótese, as condutas enumeradas necessariamente configurarão abuso
ou fraude à lei. Nesta primeira categoria, não há dúvida que a existência
de lei é indispensável para tipificá-los.

Porém, não é esta a única forma pela qual podem estar configuradas tais
figuras. Elas podem existir independentemente de tipificação legal e
prévia, por corresponderem a distorções instauradas a partir de conduta
realizadas.

Realmente, abuso de direito e fraude à lei são também categorias


teóricas, cuja verificação se dá em função de realidades concretas, vale
dizer, algo efetivamente ocorrido no plano dos fatos.

O exame dos fatos e a busca de sua interpretação, para fins de


enquadramento nas normas jurídicas, integra a experiência jurídica como
um todo, tanto quanto a análise e interpretação das leis. Transitar no
plano dos fatos é tão relevante quanto analisar as previsões abstratas do
Direito. A realidade jurídica não é feita apenas de leis; compõe-se também
de fatos aos quais as leis devem se aplicar.

Desta ótica, abuso de direito e fraude à lei são figuras voltadas às


qualidades que cercam determinados fatos, atos ou condutas realizadas,
que lhes dão certa conformação à vista das previsões legais. Afirmar que
houve abuso ou que o comportamento de alguém se deu em fraude à lei,
não significa ampliar ou modificar o sentido e o alcance da lei tributária.
Significa, apenas, identificar, nos fatos ocorridos, a hipótese legal,
neutralizando o “excesso” ou afastando a “cobertura” que se pretendeu
utilizar, para tentar escapar da incidência da lei.

Neste segundo plano, estas categorias são aplicáveis ao Direito Tributário


independente de lei expressa que as preveja. De um lado, porque não
interferem com a legalidade e a tipicidade, posto que situadas no plano
dos fatos e não da norma; de outro lado, porque são categorias gerais do
Direito. O abuso é o corolário do uso regular do direito, pois há décadas já
se afastou a visão individualista de que um direito comporta qualquer tipo
de uso, inclusive o excessivo ou que distorça seu perfil objetivo. A fraude
à lei é decorrência da legalidade e da imperatividade do ordenamento
positivo, como um todo, e da norma jurídica específica. Lei existe para ser
seguida e não contornada ou “driblada”.

A meu ver, é ínsita ao ordenamento positivo a possibilidade de existirem


mecanismos que possam neutralizar as condutas que contornem as
normas jurídicas, frustrem sua incidência, esvaziem sua eficácia, naquilo
que a experiência jurídica conhece por fraude á lei ou abuso de direito. A
imperatividade e a eficácia do ordenamento supõem a existência de
mecanismos que as assegurem; são o espelho das suas próprias
previsões. Portanto, a meu ver, estas figuras não dependem de “outra lei”
prevendo seu cabimento. Ao contrário, são decorrência da legalidade, pois
esta só tem sentido desde que o ordenamento tenha sua eficácia,
imperatividade e aplicabilidade asseguradas.

Porém, ainda que houvesse tal necessidade, ela estaria atendida pelo
parágrafo único do artigo 116. Realmente, ao qualificar o efeito ou

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resultado (dissimulação) o dispositivo abrangeu todos os meios que
podem levar à sua configuração; vale dizer, inclusive abuso de direito e
fraude à lei.

Além disso, não se pode perder de vista o sentido ético que permeia a
aplicação de medidas visando neutralizar as figuras do abuso de direito e
da fraude à lei. Assim como se exige da Administração Pública a
moralidade da sua ação (CF/88, artigo 37, caput), também exige-se do
cidadão lisura de conduta. Moralidade e lisura de conduta são princípios
que se aplicam a todas as pessoas e não apenas à Administração Pública.

Neste sentido, é muito importante recente decisão da 2ª Turma do


Supremo Tribunal Federal, relatada pelo Min. Celso de Mello, na qual o
tema do abuso do direito (naquele caso concreto, direito de recorrer) vem
atrelado a um princípio ético-jurídico subjacente e resvala para um juízo
sobre a probidade da conduta. Ou seja, não é apenas uma questão de
imperatividade e eficácia do ordenamento positivo, mas abrange,
inclusive, um aspecto de ordem moral e ética.

Em suma, a meu ver, a aplicação das figuras do abuso do direito e


da fraude à lei em matéria tributária, no ordenamento positivo
brasileiro, pode ocorrer independente de lei expressa que as
autorize, pois elas são decorrência da legalidade e da
imperatividade do ordenamento. Ainda que fosse indispensável
uma lei autorizando a aplicação de tais categorias, este requisito
estaria atendido pelo parágrafo único do artigo 116 aqui
comentado. (grifo nosso)

Postas as abalizadas opiniões da doutrina, nesse estudo representadas pela


doutrina dos professores Alberto Xavier e Marco Aurelio Greco, podemos fazer as
considerações abaixo e, ao final, concluir, nos seguintes termos:

a) Considerando que o vínculo entre direito tributário (como direito de


superposição) e outros ramos do direito (especialmente do direito privado) é evidente,
principalmente tendo em vista que estes também qualificam os fatos colhidos na norma
tributária;

b) Considerando que os institutos de direito privado têm plena relação com a


interpretação do parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional, criado pela
Lei Complementar nº 104, de 2001;

c) Considerando que a caracterização do que seja a dissimulação a que alude o


dispositivo retro citado passa, necessariamente, pelo estudo dos negócios jurídicos;

d) Considerando que a partir da edição da Lei Complementar mencionada a


autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados
com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos
elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos
estabelecidos em lei ordinária;

e) Considerando que as figuras de direito privado, estudadas resumidamente


neste singelo trabalho, se referem a algo que se prende à utilização de meios aparentes
para ocultar aquilo que realmente se deseja, ou, então, à utilização de vias indiretas em
vez de se utilizarem vias diretas para alcançar os fins desejados; e

f) Considerando a constitucionalidade da LC nº 104/2001, a possibilidade e a


conveniência das normas antielisivas, que equilibram a legalidade com a capacidade
contributiva, especialmente por estarmos num Estado democrático de direito que visa
construir uma sociedade livre, justa e solidária;

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Considerando que o novo Código Civil estabelece que:

Art. 421 – a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites


da função social do contrato;

Aqui fica claro que a liberdade de contratar (fundada na autonomia da


vontade, consistindo no poder de estipular livremente, como melhor lhes
convier, mediante acordo de vontades, a disciplina de seus interesses,
suscitando efeitos tutelados pela ordem jurídica) não é absoluta, pois está
limitada não só pela supremacia da ordem pública, que veda convenção
que lhe seja contrária e aos bons costumes, de forma que a vontade dos
contratantes está subordinada ao interesse coletivo, mas também pela
função social do contrato, que o condiciona ao atendimento do bem
comum e dos fins sociais. Consagrado está o princípio da socialidade22.

Art. 422 – os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão


do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé;

Art. 167 – é nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se


dissimulou, se válido for na substância e na forma;

Art. 169 – o negócio jurídico nulo não é suscetível de conformação, nem


convalesce pelo decurso do tempo;

Art. 186 – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou


imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito;

Art. 187 – Também comete ato ilícito o titular de um direito que ao


exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim
econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes;

Art. 166, inciso III e IV – é nulo o negócio jurídico quando o motivo


determinante, comum a ambas as partes, for ilícito e tiver por objetivo
fraudar lei imperativa;

Considerando que a lei tributária é uma lei imperativa;

Forçoso é concluir, após todas as considerações expendidas, que a figura da


fraude à lei é plenamente aplicável à matéria tributária, nos termos e limites
positivados pelo Código Tributário Nacional (art. 116, parágrafo único) e pelo atual
Código Civil.

22
DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 8. ed. Atual. de acordo com o novo Código Civil. (Lei n. 10.406, de 10-1-
2002). São Paulo: Saraiva, 2002. p. 305.

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