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11/05/2019 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça


Processo: 00A413
Nº Convencional: JSTJ00040506
Relator: PINTO MONTEIRO
Descritores: AMBIENTE
Nº do Documento: SJ200006270004131
Data do Acordão: 27-06-2000
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N498 ANO2000 PAG187
Tribunal Recurso: T REL ÉVORA
Processo no Tribunal Recurso: 775/99
Data: 27-01-2000
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: DIR AMB.
Legislação Nacional: CPC95 ARTIGO 381 N3 ARTIGO 387 N1 N2.
CONST97 ARTIGO 9 ARTIGO 17 ARTIGO 66 ARTIGO 90 ARTIGO 93.
L 35/98 DE 1998/07/18.
L 11/87 DE 1987/04/07.
DL 95/81 DE 1981/07/23.
DL 316/89 DE 1989/09/22.
DL 75/91 DE 1991/02/14 ARTIGO 5.
DL 224/93 DE 1993/06/18.
CCIV66 ARTIGO 335.
Sumário : I - O direito ao ambiente é um direito subjectivo fundamental, constitucionalmente
reconhecido e pertencente a qualquer pessoa.
II - É um direito negativo, ou seja, um direito à abstenção por parte do Estado e de terceiros,
de acções ambientalmente nocivas e um direito positivo no sentido de que o Estado deve
defender o ambiente e controlar as actividades nocivas para o mesmo.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

I - Fapas - Fundo para a Protecção dos Animais Selvagens intentou contra o Estado Português
providência cautelar não especificada em que pede que o requerido seja condenado a retirar das
paredes do Palácio da Justiça de ... tudo o que impeça a nidificação de aves selvagens, a não
impedir tal nidificação e ainda condenado a pagar sanção pecuniária compulsória.

Alegou que uma colónia de andorinhas nidifica no Palácio da Justiça de ... há já longos anos, tendo
em data anterior a Fevereiro de 1999 sido destruídos todos os ninhos e estando o réu a usar meios
que visam impedir que as andorinhas aí voltem a nidificar.

O réu veio deduzir oposição, sustentando que a remoção dos ninhos foi feita em conformidade com
as autorizações legais e tendo em vista a preservação de um edifício público e a saúde de
funcionários e utentes.

A providência foi indeferida.

Agravou a requerente.

O Tribunal da Relação, alterando em parte a matéria de facto considerada provada, manteve,


contudo, o indeferimento da providência.

Inconformada, recorre a requerente para este Tribunal.

Formula as seguintes conclusões:

- No caso em apreço, verifica-se que existe o direito das andorinhas nidificarem e, principalmente,
de não serem perturbadas durante a nidificação;

- O presente procedimento visa obter protecção para esse direito até à decisão final na acção
principal. Daí que o pedido consistisse no pedido de condenação do recorrido a: a) retirar das
paredes do Palácio da Justiça de ... todo e qualquer instrumento (nomeadamente redes e espigões
de arame) que impeça a nidificação nas paredes desse Palácio de Justiça de aves selvagens e b) não

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impedir, seja por que meio for, a nidificação de aves selvagens nas paredes do Palácio de Justiça de
...;

- Uma vez que as andorinhas todos os anos voltam ao mesmo lugar de reprodução, ocupando os
mesmos ninhos, o que se procura acautelar é a nidificação das andorinhas até à decisão final da
acção principal e não tão só a nidificação no ano de 1999;

- Como tal, no caso concreto encontram-se preenchidos todos os requisitos legais necessários ao
deferimento da providência requerida, nomeadamente o relativo à lesão grave e de difícil reparação
do direito invocado;

- Violou por isso a decisão recorrida os artigos 66º nº 1 e 9º da CRP; os artigos 5º alínea a),b) e d) e
4º do DL 75/91, de 14.02; artigo 5º da Directiva 79/409 (e, em consequência o artigo 8º nº 3 da
CRP); artigo 3º, nº 3, 514º e 381º e seguintes do Código de Processo Civil e artigo 335º nº 1 do
Código Civil.

Contra-alegando, o recorrido defende a manutenção do decidido.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - Vem dado como provado o seguinte:

A requerente é uma organização não governamental de defesa do ambiente, fazendo parte do seu
objecto, a conservação da natureza;

Até 15 de Janeiro de 1999, nas fachadas do Palácio da Justiça de ... existiam cerca de 400 ninhos
de andorinhas, as quais vinham nidificando em ... há longos anos;

Através do ofício nº 250, datado de 06.11.97, o Sr. Secretário do Tribunal Judicial de ... solicitou ao
Sr. Secretário Geral do Ministério da Justiça autorização para ser efectuada uma limpeza dos
ninhos de andorinhas no edifício do Palácio de Justiça;

Na sequência de diligências levadas a cabo pelo Ministério da Justiça, o ICN, através do ofício nº
12/99 informou o mesmo Ministério, nos seguintes termos: "Dado o adiantado da época, não é
possível efectuar o procedimento normal de emissão de uma autorização para remoção dos ninhos.
Assim, a remoção dos ninhos poderá ser feita até 31 de Janeiro, nos moldes a combinar com o
Parque Natural de ...;

Em 15 de Janeiro de 1999 foi efectuada a remoção dos ninhos, em conformidade com a informação
referida;

Posteriormente iniciaram-se as obras de limpeza, conservação e restauro do edifício, no decurso


das quais foi colocada ao longo da parte de cima da parede do edifício, uma rede protectora, vários
andaimes e uma rede externa que impede a passagem de peões na zona da obra, instrumentos que
visam assegurar a segurança dos transeuntes e dos trabalhadores e o normal decurso das operações
de limpeza;

Desde há 8 anos que não eram feitas obras de limpeza, conservação e restauro no Palácio da
Justiça, o qual vinha apresentando sinais de deterioração e sujidade, nomeadamente nas janelas,
com dejectos das andorinhas;

Em todos os anos passados, nos meses da Primavera e Verão, ficaram depositados nos beirais do
edifício dejectos de andorinhas e pó dos ninhos, os quais geravam piolhos, de tal forma que não era
possível aos funcionários abrirem as janelas, para poderem ventilar o edifício nos dias de grande
calor, sendo que também não existe ar condicionado;

O pó referido é susceptível de causar e agravar doenças do foro alérgico;

A andorinha dos beirais (Delichon Urbica) não se encontra ameaçada a nível nacional ou europeu
(está listada como "Espécie Não Ameaçada" nos livros vermelhos de Portugal e Espanha);

As andorinhas proporcionam um eficaz serviço às populações humanas ao ingerir grande


quantidade de pequenos insectos;

Todos os anos a andorinha volta ao mesmo local de reprodução;

Os casais de andorinhas efectuam reparações nos ninhos quando necessário. No entanto, se muito
danificados, os ninhos são abandonados e outros são construídos ao lado;

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As andorinhas, ao regressarem, na impossibilidade de construírem os seus ninhos no mesmo local,


procurarão locais apropriados em edifícios próximos ou noutras estruturas;

A perturbação dos locais de nidificação leva à interrupção das actividades reprodutivas, não sendo
certo que os casais dos ninhos destruídos consigam encontrar um novo local onde construir outros
ninhos;

A existência de ninhos em edificações provoca muitas vezes sujidade nas paredes e nos passeios
situação que, por um lado, atrai numerosos insectos e ácaros indesejáveis para a proximidade das
habitações e, por outro lado, pode ser responsável pela degradação dos próprios edifícios;

A remoção dos ninhos fora da época de reprodução não afecta o estatuto de conservação da
espécie.

III - A ora recorrente, organização não governamental de defesa do ambiente, intentou providência
cautelar não especificada com o fim último de o requerido não impedir a nidificação das
andorinhas nas paredes do Palácio da Justiça de ....

Diga-se, como nota prévia, que num ramo de direito assente basicamente no princípio da
prevenção, impunha-se a criação pelo legislador de "processos judiciais cautelares, céleres e justos,
para a defesa do direito ao ambiente e protecção dos ecosistemas naturais. Dada a irreversibilidade
de muitas lesões ecológico-ambientais, justifica-se plenamente a institucionalização de remédios
jurisdicionais preventivo-inibitórios" - Prof. Gomes Canotilho - "Protecção do Ambiente e Direito
de Propriedade" pág. 102.

Certamente se preveniriam assim lesões futuras aos ecosistemas e impediriam acção perturbadoras
do ambiente.

As acções ditas inibitórias seriam um dos meios destinados a evitar lesões ambientais irreparáveis,
que são com frequência cometidas, perante a impotência dos Tribunais.

Poderá ainda dizer-se que um dos problemas do Direito do Ambiente é o de saber se para a
prossecução de interesses colectivos que poderiam suscitar uma intervenção pública e autoritária
não será mais eficiente que a produção normativa recorra de preferência a incentivos e, só depois
de falhada a possibilidade de motivação do comportamento dos agentes por incentivo, se socorra
de instrumentos de coacção - Prof. Sousa Franco - "Ambiente e Desenvolvimento" Textos, CEJ,
Ambiente, pág. 270.

Certo é, porém, que se está perante uma providência cautelar e é, antes de mais, dentro dos limites
processuais-formais das providências que o recurso tem que ser apreciado.

Pode recorrer-se às providências cautelares não especificadas quando não exista providência
tipificada que previna o risco de lesão que se pretende acautelar (artigo 381º nº 3 do C. Processo
Civil), É o que acontece no caso em análise.

São conhecidos os requisitos gerais das providências cautelares.

A providência será decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se
mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão (artigo 387º nº 1).

Pode, contudo, ser recusada pelo Tribunal, quando o prejuízo dela resultante para o requerido
exceda consideravelmente o dano que com ela se pretende evitar (artigo 387º nº 2).

Há assim, em primeiro lugar, que apurar da existência de "fumus boni juris" e do "periculum in
mora".

Na 1ª instância considerou-se que se verificava a probabilidade da existência séria do direito


invocado, mas que não existia o receio de lesão grave do direito em causa.

Acrescentou-se ainda que havia uma manifesta desproporção entre o direito das andorinhas
nidificarem e a necessidade de proceder à limpeza do edifício.

No acórdão recorrido, por sua vez, decidiu-se também pela improcedência, mas com o fundamento
de que, à data da decisão, faltava uma condição da acção, já que tinha deixado de se verificar o
eventual "periculum in mora". Tendo sido reconhecida a adequação da providência e a existência
do direito, o indeferimento ficou a dever-se, na essência, à conclusão de que não se verificava o
"periculum in mora".

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Se a apreciação do recurso se limitasse a uma análise processual - formal das conclusões das
alegações, dir-se-ia desde já que o agravo merecia provimento.

Para se chegar a essa conclusão vejamos concretamente o que foi requerido e a razão do
indeferimento.

Textualmente pede a requerente que o réu seja condenado a:

a) Retirar das paredes do Palácio da Justiça de ... todo e qualquer instrumento (nomeadamente
redes e espigões de arame) que impeça a nidificação nas paredes desse Palácio da Justiça de aves
selvagens;

b) Não impedir, seja por que meio for, a nidificação de aves selvagens nas paredes do Palácio da
Justiça de ...;

c) A pagar uma caução pecuniária compulsória diária em valor não inferior a 300000 escudos a
reverter para a LPN - Liga de Protecção da Natureza e Quercus - Associação Nacional de
Conservação da Natureza, até que o requerido cumpra integralmente o decretado nesta providência.

Torna-se evidente que aquilo que pretende a requerente é que seja assegurada a possibilidade de as
andorinhas nidificarem num dos locais habituais, que no caso são as paredes do Palácio da Justiça
de .... Dito por outras palavras, pretende-se assegurar o direito de nidificação de uma ave
migratória selvagem.

Não se resume a providência, contrariamente ao decidido, a pretender assegurar a nidificação na


Primavera de 1999.

Nem isso faria sentido.

Tendo a providência sido requerida em 22.03.99, com as andorinhas já em Portugal ou em vias de


chegar, nunca o efeito útil poderia ser obtido, conhecida como é a natural demora processual.
Aliás, a não ser assim, então a providência estaria desde logo na prática definitivamente indeferida
quando, por despacho de 24.03.99, se determinou a audição do requerido.

Tanto é assim, que a decisão tem a data de 28.04.99. Nessa altura (e independentemente das
notificações e demais termos processuais) a decisão seria inútil porque a nidificação já estaria
concluída ou em estado avançado.

Parece-nos óbvio que não está em causa a Primavera de 1999, nem a Primavera de 2000 (que
também já estaria comprometida), mas sim a nidificação das andorinhas na época normal, nos
locais onde habitualmente nidificam na área territorial em causa.

A seguir-se um entendimento de estrito rigor processual-formal do alcance das providências


cautelares inominadas, então deparar-se-ia na maioria das vezes com situações de inutilidade ou de
absoluta impossibilidade por a ameaça de lesão já estar consumada.

E isto devido à demora inerente ao ritual do processo, demora a que as partes podem ser alheias.

Ora, a concessão da tutela cautelar justifica-se exactamente quando a falta de uma decisão imediata
é susceptível de causar prejuízos graves.

As providências cautelares visam obter uma composição provisória do litígio, quando ela se mostre
necessária para assegurar a utilidade da decisão, a efectividade da tutela jurisdicional, o efeito útil
da acção a que se refere o artigo 2º nº 2 do C. Processo Civil.

São meios de tutela do direito que carecem de autonomia, dependendo de uma acção já intentada
ou a intentar.

Dessa justificação e finalidade decorre a caracterização das providências cautelares: a


provisoriedade; a instrumentalidade; a "sumaria cognitio", o carácter urgente; a estrutura
simplificada.

Pretende-se com as providências cautelares combater o prejuízo da demora inevitável do processo,


a fim de que a sentença se não torne uma decisão meramente platónica - Prof. Antunes Varela -
"Manual do Processo Civil" 2ª edição, pág. 23.

Do alegado e do pedido tem que concluir-se que a utilidade, o interesse processual existem e
mantêm-se até que seja proferida decisão final na acção que, necessariamente tem que ser

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intentada.

Repete-se, a propósito, o que já está afirmado: em casos como este, justificava-se a criação de
meios preventivos - inibitórios céleres e eficazes.

Não existindo tais medidas, é uma providência cautelar que está em causa e é com esse
enquadramento processual que tem que ser considerado o cerne do problema.

O artigo 9º da Constituição da República Portuguesa impõe como tarefas fundamentais do Estado a


promoção, a efectivação dos direitos ambientais e a defesa da natureza e do ambiente (alíneas d) e
e)).

O artigo 66º do mesmo Diploma, por sua vez, consagra o direito ao ambiente como um direito
constitucional fundamental.

Direito esse que é um direito negativo, ou seja, um direito à abstenção por parte do Estado e de
terceiros, de acções ambientalmente nocivas e um direito positivo no sentido de que o Estado deve
defender o ambiente e controlar as actividades nocivas para o mesmo.

Trata-se de um direito de "natureza análoga", sendo-lhe por isso aplicável o regime constitucional
específico dos "direitos, liberdades e garantias" (artigo 17º da Constituição).

O direito ao ambiente surge assim como um direito subjectivo fundamental, constitucionalmente


reconhecido.

Não definindo a Constituição ambiente, traça, contudo, os princípios fundamentais de uma política
de ambiente (artigo 9º alínea e), artigos 66º nº 2, 81º alínea a) e l), 90º e 93º alínea d)).

São princípios fundamentais de tal política: a) princípio da prevenção, segundo o qual as acções
incidentes sobre o meio ambiente devem evitar sobretudo a criação de poluições e perturbações na
origem e não apenas combater posteriormente os seus efeitos, sendo melhor prevenir a degradação
ambiental do que remediá-la à "posterior"; b) o princípio da participação colectiva, ou seja, a
necessidade de os diferentes grupos sociais interessados intervirem na formulação e execução da
política do ambiente; c) o princípio da cooperação que aponta para a procura de soluções
concertadas com outros países e organizações internacionais; d) o princípio do equilíbrio que se
traduz na criação de meios adequados a assegurar a integração das políticas de crescimento
económico e social e de protecção da natureza - Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira -
"Constituição da República Portuguesa Anotada" 3ª edição, pág. 348.

Não se limitando a Constituição a reconhecer o direito ao ambiente, mas impondo a todos o dever
de defesa desse mesmo ambiente, confere a todos os cidadãos, pessoalmente ou através de
associações de defesa dos interesses em causa, o direito de promover a prevenção, a cessação ou a
perseguição judicial das infracções contra a preservação do ambiente (artigo 52º nº 3, alínea a)).

Dentro dessas associações se pode enquadrar a requerente, ora recorrente (a Lei nº 35/98, de 18.07
define o estatuto das organizações não governamentais de ambiente).

O ambiente surge assim como um bem merecedor de tutela jurídica, um bem jurídico que é
tutelado em si e por si mesmo.

A lei protege e regula o ambiente quer entendido na sua globalidade, quer na medida em que os
seus diversos componentes, os vários bens ambientais considerados em sentido estrito, são também
objecto da tutela do Direito - "Introdução ao Direito do Ambiente", coordenação do Prof. Gomes
Canotilho, 1998, pág. 25.

É a Lei de Bases do Ambiente (Lei nº 11/87, de 7 de Abril), que em consonância com os artigos 9º
e 66º da Constituição, define ambiente, enuncia princípios, objectivos, medidas, conceitos,
componentes e obrigações.

No artigo 5º nº 2, alínea a) define-se ambiente como o conjunto dos sistemas físicos, químicos,
biológicos e suas relações e dos factores económicos, sociais e culturais com efeito directo ou
indirecto, mediato ou imediato, sobre os seres vivos e a qualidade de vida do homem.

Como componentes ambientais naturais o artigo 6º refere: o ar; a luz; a água; o solo vivo e o
subsolo; a flora; a fauna.

Retomando o caso concreto, temos assim que o direito que se pretende acautelar com a presente
providência é o direito ao ambiente, direito subjectivo autónomo e distinto de outros direitos

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igualmente protegidos pela Constituição. Esse direito ao ambiente ecologicamente equilibrado é


um direito subjectivo pertencente a qualquer pessoa.

Está aqui em causa a fauna.

E não é só a Lei de Bases do Ambiente que considera a importância da fauna no ambiente.

O Direito do Ambiente tem merecido uma especial atenção das Instituições da Comunidade
Europeia.

Desde logo, e no que aqui interessa, é de referir a Convenção Relativa à Conservação da Vida
Selvagem e dos Habitats Naturais da Europa (Convenção de Berna), assinada por países membros
do Conselho da Europa e que foi aprovada por ratificação pelo Dec-Lei nº 95/81, de 23.07.

Para regulamentar a conservação da vida selvagem e de "habitats" naturais da Europa, surgiu entre
nós o Dec-Lei nº 316/89, de 22.09, onde, além do mais, se proíbe a deterioração ou destruição
intencional dos "habitats" (artigo 4º).

Especificamente protegendo as aves selvagens, o Dec-Lei nº 75/91, de 14 de Fevereiro


(posteriormente alterado pelo Dec-Lei nº 224/93, de 18.06) transpôs para a ordem jurídica nacional
as Directivas nº 79/409/CEE de 02-04-1979 e 86/122/CEE, de 08-04-1986.

Afirma-se no seu preâmbulo que das mais de 650 espécies de aves que vivem na Europa em estado
selvagem, 300 ocorrem regularmente a Portugal, onde nidificam cerca de 180.

Entre essas incluem-se as andorinhas-dos-beirais ("Delichon Urbica"), com migrações sazonais,


chegando na Primavera e partindo em bandos no fim do Verão.

No artigo 5º do referido Dec-Lei nº 75/91 proíbe-se o abate, captura ou detenção das espécies; a
destruição, danificação, recolha ou detenção de ninhos e ovos e ainda que se perturbe
intencionalmente as respectivos espécies durante o período de reprodução e dependência.

Estas medidas destinadas à protecção das aves selvagens que vivem no "estado bravio" em
território nacional, sofrem, contudo, restrições.

Por autorização a conferir por despacho do Ministro do Ambiente e Recursos Naturais, ouvido o
Serviço Nacional de Parques, Reservas e Conservação da Natureza, pode ser permitido o abate,
captura ou detenção das aves sempre que estiverem em causa interesses da saúde e segurança
pública; interesses de segurança aeronáutica; sempre que seja necessário prevenir danos
importantes às culturas, ao gado, às florestas, às pessoas e às águas, flora e fauna; se destinem à
investigação e ensino, bem como ao repovoamento e reintrodução e ainda para criação associada a
estas acções; para permitir uma exploração judiciosa de certas espécies de aves em pequenas
quantidades.

No caso em análise foram destruídos cerca de 400 ninhos de andorinha, sem que dos elementos
trazidos até este Tribunal se possa concluir que existiu a necessária autorização para tal.

Não é, porém, essa destruição que aqui está em causa, que é questionada, mas sim o dever do
Estado de se abster da prática de actos que impeçam a nidificação das andorinhas.

Do que está dito tem que se concluir que estão preenchidos os requisitos da providência requerida:
a existência do direito; o fundado receio da sua lesão, já que as andorinhas continuam a não poder
nidificar no local onde habitualmente o faziam. Dúvidas não sofre também a adequação da
providência ao fim visado.

Pode, contudo, colocar-se a questão de saber se o prejuízo resultante para o requerido da


providência excede consideravelmente o dano que com ela se pretende evitar.

Poderá argumentar-se, como o faz o recorrido nas alegações para o Tribunal da Relação e como se
entendeu na decisão da 1ª instância, que 400 ninhos de andorinha colocam em causa os direitos dos
trabalhadores e utentes do Tribunal, designadamente, o direito à saúde, uma vez que os dejectos, o
pó e os parasitas aparecem ligados à nidificação.

O direito a um ambiente sadio passaria assim por afastar a colónia das andorinhas.

Existiria, pressupõe-se, uma colisão de direitos (artigo 335º do C. Civil).

Pensamos que é um falso problema.

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Antes de mais convém frisar que à existência de sinais de deterioração e sujidade que justificou a
remoção dos ninhos não é, obviamente, alheio o facto de desde há 8 anos não serem feitas obras de
limpeza, conservação e restauro no Palácio da Justiça, tarefa que competia ao requerido.

Depois, também não pode esquecer-se que, como é sabido e vem dado como provado, as
andorinhas proporcionam um eficaz serviço às populações humanas ao destruíram grande
quantidade de pequenos insectos.

Acresce que uma colónia de 400 ninhos leva certamente muitos anos a formar-se, tanto mais que
parte delas não voltarão (dado o tempo já decorrido) a construir o ninho no mesmo local.

Mas, para além destes aspectos, existem questões de fundo que são essenciais.

O Estado Português não pode consagrar constitucionalmente o direito ao ambiente, defender uma
política de ambiente, subscrever tratados internacionais que o vinculam, elaborar Leis e Decs-Lei
de defesa da vida selvagem e depois com a sua actuação concreta negar tudo isso.

Nem dentro de princípios éticos a que o Estado está obrigado se pode defender que se as
andorinhas não nidificarem nas paredes do Palácio da Justiça nidificarão noutros locais.

Se as populações seguissem o exemplo dado pelo requerido, nenhuma parede restaria para as
andorinhas-dos-beirais, que ele Estado se vinculou a proteger, nidificarem.

O direito ao ambiente implica para o Estado a obrigação de determinadas prestações "cujo não
cumprimento configura, entre outras coisas, situações de omissão inconstitucional,
desencadeadoras do mecanismo de controlo da inconstitucionalidade" - Profs. Gomes Canotilho e
Vital Moreira - "Constituição da República Portuguesa Anotada" pág. 349.

Está em causa nesta providência cautelar o direito ao ambiente que passa no caso pela
possibilidade de as andorinhas nidificarem nas paredes do Palácio da Justiça de ..., o que não
significa que aí se vá instalar uma colónia que faça perigar a saúde pública. Mas, se tal acontecer, o
Estado dispõe de legislação bastante para evitar esse risco, risco esse que neste momento temporal
não existe. O que terá que seguir-se é que o Estado deve respeitar as determinações legais a
propósito existentes e por ele criadas.

Mas não só com o recurso a medidas excepcionais poderá resolver-se a eventual colisão de
direitos.

Porque a defesa do ambiente pode justificar restrições a outros direitos constitucionalmente


protegidos, impõe-se que se incentivem práticas tecnológicas susceptíveis "de produzir um novo
conhecimento ecológico e de incorporar - através de procedimentos flexíveis, dinâmicos e (auto)
reflexivos - essa informação na decisão jurídica - "Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos" -
Dr. Cunhal Sendim, Coimbra Editora, 1998, pág. 233.

Essa procura de meios técnicos capazes de minorar ou evitar eventuais conflitos ou colisões de
direitos é, em primeiro lugar, tarefa do Estado, face aos princípios constitucionais enunciados. Mas
não só do Estado, evidentemente.

Não cabe numa decisão judicial, como esta, qualquer tipo de recomendações ou sugestões. Não é
essa a função do poder judicial.

Certo é, porém, que são notoriamente conhecidos meios adequados para harmonizar a vida das
aves selvagens com o bem estar dos homens, meios esses postos em prática em vários países.

Como escreve o Prof. Gomes Canotilho - "Protecção do Ambiente e Direito de Propriedade" pág.
105, o ambiente é caro, mas nunca é demasiado caro.

Nem a este entendimento obsta o facto de a nossa Lei de Bases do Ambiente estar marcada por
uma concepção antropocêntrica do mundo e da vida, com o Homem como centro de tudo.

Não só essa concepção é hoje posta em causa, o que é referido no acórdão recorrido, como os
direitos do Homem sobre a Natureza não afastam os deveres desse mesmo Homem para com a
natureza.

Foi uma visão antropocêntrica entendida no limite que levou a China a procurar exterminar todas
as aves para defender as colheitas de arroz (com resultados, como é sabido, desastrosos) que faz
destruir a floresta da Amazónia para os grandes criadores de gado terem erva ou estradas e que
quase destruiu os nosso rios. Os exemplos seriam, aliás, possíveis quase até ao infinito.

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Acrescenta-se uma nota final.

As providências cautelares não se destinam a resolver questões de fundo, nem a decisão nelas
proferidas se reflecte na acção principal - Ac. STJ de 14.05.98 - "Sumários" pág. 59.

Pretende-se tão somente e com uma investigação sumária, acautelar os efeitos práticos da decisão
definitiva que será proferida na acção que, necessariamente, tem que ser proposta.

É nessa acção que o litígio se resolverá em definitivo.

Decide-se por isso que o requerido deve retirar das paredes do Palácio da Justiça de ... todo e
qualquer instrumento (nomeadamente redes e espigões de arame) que impeça a nidificação nas
paredes desse Palácio da Justiça das andorinhas e ainda que não impeça, seja por que meio for, a
nidificação nas paredes desse edifício das andorinhas.

Tendo a requerente pedido ainda a condenação do requerido no pagamento de uma sanção


pecuniária compulsória, tal não foi objecto de recurso, pelo que se não aprecia nessa parte o
pedido.

Nos termos referidos se dá provimento ao agravo.

Sem custas.

27 de Junho de 2000

Pinto Monteiro,

Lemos Triunfante,

Reis Figueira.

www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/834c69580dac60ed80256b7a0053783e?OpenDocument 8/8

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