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Por intermédio do trabalho clínico conhecemos o profundo efeito da experiência da infância e

das relações pessoais com os pais sobre a personalidade emergente na criança. Também
sabemos, com base em casos de "criança lobo", que a falta de um ambiente de
relacionamento humano impede a criança desenvolver uma personalidade humana. Nesses
casos, não surge um ego. O mesmo ocorre nos casos pouco frequentes de crianças que ficaram
anos trancadas num quarto, objeto de rejeição por parte dos pais. A criança permanece
simplesmente como um animal. De igual maneira, nos casos de perda de uma figura parental
em tenra idade em que não houve um substituição adequada, mantém-se uma espécie de furo
na psique: uma importante imagem arquetípica não sofreu personalização, ou coagulatio,
retendo, por conseguinte, um poder primordial e ilimitado que ameaça inundar o ego caso
este dele se aproxime. Por outro lado, há pacientes que, apesar de terem passado por severas
privações nas mãos dos pais foram capazes de encontrar um importante relacionamento com
alguma figura secundária de sua infância. Uma ama, uma tia, um(a) professor(a) ou um dos
avós, enfim, alguém que tenha sido capaz de relacionar-se genuinamente com a criança,
servindo assim de mediador entre ela e a imagem arquetípica, a qual personalizou. Nesses
casos, a carência parental embora nociva, não foi fatal para o desenvolvimento da criança,
porque essa encontrou uma fonte alternativa de relacionamento humano. A duração de
relações positivas isoladas desse tipo não é um fator mais importante, mesmo em casos
restritos a um curto período de tempo; seus efeitos; parecem ter sido incorporados de
maneira permanente na personalidade em crescimento.

A experiência clínica demonstra que o indivíduo só percebe - e só tem relação com - aqueles
aspecto dos arquétipos parentais encontrados nas relações pessoais. A parte do arquétipo que
a personalidade dos pais é capaz de ativar, mediar e incorporar será aquela que a criança pode
mais facilmente incorporar e contruir em sua própria personalidade. A porção do arquétipo
com a qual os pais não tiveram relação será deixada, em sua maior parte, impercebida, no
reino das formas eternas, ainda não encarnada na história da criança.

Todo o processo inicial de desenvolvimento psíquico individual - o surgimento do ego a partir


do seu estado original de unicidade com a psique objetiva - pode ser tido como um processo
de coagulatio. A experiência e a percepção consciente das imagens arquetípicas inatas só têm
sequência se as encontramos encarnadas em formas concretas, personalizadas. Neumann faz
referência a esse fato ao falar da necessária fase de personalização secundária. A esse
respeito, ele diz:

O princípio [da personalização secundária] afirma que há no homem uma persistente


tendência no sentido de tomar os conteúdos primários e transpessoais como conteúdos
secundários e pessoais, e reduzi-los a fatores pessoais. A personalização acha-se diretamente
vinculada com o crescimento do ego, da consciência e da individualidade... Por meio das
quais... A personalização secundária promove uma consistente diminuição do poder afetivo
do transpessoal e um aumento consistente da importância do ego e da personalidade.

Isso descreve a coagulatio, na qual os conteúdos arquetípicos caem do céu e são incorporados
ao ego.
O relacionamento pessoal da infância coagula os arquétipos, mas também os distorce e limita.
Se os aspectos particulares que foram objeto da coagulação se revelarem demasiados
unilaterais em termos de negatividade ou de alguma outra forma nocivos ao crescimento, sua
destruição e recoagulação, sob circunstâncias mais favoráveis, serão um imperativo. Uma
mulher que passou por essa experiência sonhou:

Ela vê quatro blocos quadrados de concreto nos quais há círculos. Uma voz diz: "Eis tuas
atitudes errôneas a respeito da feminilidade que agora são destruídas."

Uma abordagem ativa, e participativa por parte do psicoterapeuta promove a coagulatio.


Certos pacientes requerem essa abordagem e são ameaçados por tudo que encoraja a solutio.
O caso extremo de falha na concretização das imagens arquetípicas é a esquizofrenia evidente.
O ego é literalmente inundado por imagens arquetípicas ilimitadas e primordiais. Um indivíduo
acometido por isso não teve oportunidades adequadas de experimentar os arquétipos
mediados e personalizados por meio de relacionamentos humanos.

A necessidade vital de personalização do arquétipo explica o modo pelo qual muitos pacientes
se aferram obstinadamente a experiência original que tiveram com os pais, se, por exemplo,
esta tiver sido muito negativa e destrutiva, o paciente poderá encontrar dificuldades para
aceitar e suportar uma experiência parental positiva. Fiquei com uma nítida impressão que
uma pessoa permanecerá numa, digamos assim, orientação negativa do pai simplesmente
porque este foi o aspecto da imagem que se coagulou em sua própria vida, apresentando,
portanto, um elemento de segurança e proteção, embora seja negativo. Para pessoa que tem
esse problema, o encontro com o aspecto positivo do arquétipo é perigoso, tendo em vista
que esse lado jamais foi personalizado e traz consigo uma magnitude transpessoal que ameaça
dissolver os limites estabelecidos do ego. Emyly Dickison descreve esse estado de coisas:

[Suporto bem o sofrimento / Grandes porções de sofrimento, / Estou acostumada. / Mas a


mínima investida de prazer / Me faz trocar os passos. / E eu, muito confusa / Reprimo o mais
leve sorriso: / Foi a nova bebida. / E nada mais!].

Edward F. Edinger, livro: Anatomia da Psique - O simbolismo Alquímico na Psicoterapia

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