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METODOLOGIA

Há um método em prol
de seguir os rastros
dos pés e rostos
dos que não acordam,
não caminham,
não respiram,
não cagam,
não transam,
não dançam,
não fumam,
nãO. Não, vivem em meio a nós.
Mas moram no papel,
na poeira do silêncio.
Seus endereços?
Museu da Loucura.
Vidas nascidas
com gênero,
raça e sexualidade.
Laçados e exilados
em nome da Loucura.
Aos olhos do panóptico
manicomial mineiro,
mataram-nos
com a pedra do discurso,
em nome da loucura.

Deleuze engravidou de Foucault?


No primeiro capítulo da “arqueologia do saber”, Foucault1 (2008) lança um
grito, citando que muitos, assim como ele, escrevem, dissertam, para não terem mais um
rosto. Continua Foucault ressaltando o não atrevimento em perguntar-lhe sobre quem é
ele, ou mesmo para suplicar para continuá-lo o mesmo. Por fim, encerra dizendo que
isso trata-se da moral que o rege, e que “[...] ela nos deixe livres quando se trata de
escrever” (p. 20). Pois, assim, Foucault lança, em busca de restabelecer as bases sólidas
para uma pesquisa, o qual enfatiza a natureza histórica epistemológica. O autor entende
que a arqueologia não é parente da geologia, nem da genealogia, e sim a define como
análise do discurso em sua modalidade de arquivo (FOUCAULT, 2005, p. 72).
Em meio a isso, a arqueologia é fruto de tantas palavras acumuladas, marcas
acumuladas em folhas, oferecidas aos olhos pobres dos homens, que, por um gesto de
piedade, os guarda, escancarando-os em museus, bibliotecas, instituições como
memória do passado. Todo esse ritual, para que, nas palavras do autor,“[...] não reste
nada da pobre mão que os traçou” (Foucault, 2008, p. 236). Uma vez que aqueles que o
traçaram obedeceram e submeteram às regras, em nome da verdade.
Seguindo esse raciocínio, Deleuze engravidou de Foucault? Referimo-nos ao
livro que Deleuze produziu de Foucault, o definindo-o como o novo arquivista (A
arqueologia do saber). De acordo com Deleuze, Foucault estava interessado nos
enunciados, tendo como raros e singulares. Mas o que seria um enunciado? Nas
palavras de Deleuze (2005) “[...] o enunciado é o objeto dado específico de um acúmulo
através do qual, ele se conserva, se transmite ou se repete (p. 16). Nessa perspectiva, o
anunciado, quanto à formação discursiva, define-se, primeiramente, como linhas de
variação inerente, isto é, no sentido de regularidade, sendo construídos pelas práticas
discursivas.
Para Foucault, o pesquisador também constrói uma verdade, sendo esta
produzida em seu discurso. Para o arqueólogo, os objetos em si são construídos pelas
práticas discursivas; far-se-á refletir que a verdade se constrói pela ordem do discurso,
pela invasão da vontade da verdade. Disso, seguindo o método não interpretativo e, sim
experimentativo, o que está sendo posto não é a preocupação com por quê? E sim, como
se procedeu tal acontecimento, como a verdade está em uma frase pronunciada ou,em
um texto escrito (DELEUZE, 2013).

1
Machado (2007) comenta que Foucault pretendia interpelar, pela “[...] constituição histórica dos saberes
sobre o homem” (p. 79).
Levando em consideração que os discursos estão manifestados no meio de nós,
lançaremos neste trabalho, em busca das poeiras dos fatos que advém do discurso sobre
a internação por meio da interseccionalidade de gênero, raça e sexualidade no caso dos
internos do Hospital Colônia de Barbacena. De modo que não se deseja percorrer em
busca de verdades, e sim, primeiramente, do modo como a verdade se estabeleceu.
Portanto, não há busca de verdades, mas por práticas de discursos que levaram
os corpos dóceis e disciplinados de gays, mulheres e negros, devido a suas paixões,
drogas, amores, rebeldia, raça, vagina, corpos afeminados, ciúmes, crenças, ativismo, a
sentença final em ser um interno sem nome, sem fonte de potência,vindo a ser
carimbado como louco e exilado no ambiente manicomial.

TIPO E NATUREZA DA PESQUISA

O regar a pesquisa como ato de comer a própria placenta

Frente aos objetivos que se propõem pesquisar, e indo na contramão do


positivismo histórico recorrente no meio científico e acadêmico, optou-se por adotar a
pesquisa qualitativa de cunho documental como proposta metodológica deste trabalho.
O viés qualitativo foi escolhido por acreditar que irá responder de forma mais adequada
aos objetivos escolhidos, uma vez que a pesquisa qualitativa se aprofunda no mundo
dos significados das ações e relações humanas, uma realidade que não pode ser
quantificada, percebida e nem captada por dados matemáticos, conforme defendido por
Minayo (2003).
Como será exposto a seguir, esta pesquisa será realizada por meio de
documentos (prontuários), caminhando para além do viés qualitativo com objetivo
documental. Ressalta-se ainda, que este trabalho possui como referência para análise
dos dados a análise de discurso, proposta por Michel Foucault (2008).

Documento: A experimentação dos tratados médicos

De acordo com Spink (2013), os documentos enquanto domínio público são


práticas discursivas que se caracterizam como: diários; registros de jornais; revistas;
anúncios; relatórios etc. Michel Foucault é considerado um dos exemplos relevantes
quando se trata de recuperar o trabalho com documento, pois o mesmo sempre reforçou
o uso de materiais documentai sem suas pesquisas.
Em um dos seus textos, intitulado: A vida dos homens infames (1992), o autor
traz o relato2 sobre a experiência em ter caminhado em busca de arquivo na
Bibliothèque Natio-nale. O que este encontrou foi o registro de pessoas que se
chocaram com a normalização e com o poder da sociedade. De certa forma, de acordo
com o autor, os discursos condenaram esses indivíduos, esses corpos, ao sucateamento
da poeira do esquecimento. Em suas palavras, lê-se:

Não é uma recolha de retratos que aqui iremos ler: são armadilhas,
armas, gritos, gestos, atitudes, astúcias, intrigas, de que as palavras
foram os instrumentos. Vidas reais foram ―representadas‖ nestas
poucas frases; não quero com isto dizer que elas aí foram retratadas,
mas que, de fato, a sua liberdade, a sua desgraça, por vezes a sua
morte, em todo o caso o seu destino aí foram, pelo menos em parte,
decididos. Estes discursos realmente atravessaram vidas; tais
existências foram efetivamente postas em risco e deitadas a perder
nestas palavras (FOUCAULT, 1992, p. 03).

Em meio a isso, o mesmo será feito nesta pesquisa, tendo como base o material
de documento (prontuários3médicos) dos internos do Hospital Colônia de Barbacena,
produzidos entre 1928 e 1934, os quais se encontram no Museu da Loucura, entidade
vinculada à Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais. Nesse sentido, de acordo
com Souza e Messandro (2007), o material documental, envolverá uma sequência,
sendo:

• Localização do material documental;


• Seleção de elementos relevantes para a investigação;
• Organização das informações;
• Análise interpretativa e construção de inferência.

PRODUÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

2
“Vidas de algumas linhas ou de algumas páginas, desditas e aventuras sem número, recolhidas numa
mão-cheia de palavras. Vidas breves, achadas [90] a esmo em livros e documentos” (FOUCAULT, 1992,
p. 01).
3
Foi realizada uma visita à Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais no ano de 2017, localizada
em Barbacena – MG, com intuito de conseguir o acesso aos prontuários e se estes certificam a etnia do
interno. Em meio a isso, foram autenticadas a presença da etnia dos internos no documento e a liberação
de acesso aos prontuários, tomando como justificativa para tal a aprovação da pesquisa na pós-graduação.
O valor da verdade da camada do material do dito = (D) iscurso

Após a transcrição das informações, inicia-se a análise dos dados; será utilizada
análise de discurso, proposta por Foucault (2008), que consiste em trabalhar com as
linguagens de uma construção histórica. É relevante referenciar que toda produção de
sentido (oral ou descritiva) é uma prática discursiva. Sobre isso, Foucault (2008),
ressalva:

O discurso não é vida: seu tempo não é o de vocês; nele, vocês


não se reconciliarão com a morte; é possível que vocês tenham
matado Deus sob o peso de tudo que disseram; mas não pensem
que farão, com tudo o que vocês dizem, um homem que viverá
mais que ele(p. 236).

De acordo com Foucault, todo o discurso é controlado pelo poder. A isso acresce
que as coisas ditas são articuladas na dinâmica do poder e o saber de seu tempo. O
conceito da prática do discurso se distancia das ideias. Pois, exercer uma prática
discursiva, significa falar segundo determinadas regras e expor as relações que se tem
dentro de um discurso. Assim, a prática discursiva vincula-se ao conjunto de normas,
determinadas no tempo e no espaço. Nas palavras de Foucault (1996, p. 08-09):

(...) suponho que em toda a sociedade a produção de discurso é


ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada, e
redistribuída por certo número de procedimentos que têm por
função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu
conhecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível
materialidade.

Assim, o discurso que será analisado e utilizado como eixo dessa pesquisa é
composto por documentos de prontuários médicos (1928 e 1934) dos internos do
Hospital Colônia de Barbacena. Nessa perspectiva, tomando o conceito de “logofobia”
posto por Foucault, segundo o qual a sociedade mergulha na surdez de alguns
acontecimentos, “[...] dessas coisas ditas, do surgir de todos esses anunciados, de tudo o
que possa haver aí de violento, de descontínuo, de combativo, de desordem, também, e
de perigo, desse grande zumbido incessante e desordenado de discurso” (FOUCAULT,
1996, p.50). Atrelado a isso está o domínio das coisas ditas, e o papel da arqueologia é
analisá-los.
Almejamos, além disso, analisar os saberes teóricos, sobretudo as práticas de
enclausuramento da interseccionalidade do gênero, sexualidade e raça na instituição
psiquiátrica de Barbacena, a fim de verificar se é possível identificar nestes prontuários
dispositivos de saber/poder e discursos que puderam, tornar-se objeto de parecer do
saber médico. De modo que analisar os discursos como prática pelodocumento
(prontuários) seria dar-se conta de que “[...] o novo não está no que é dito, mas no
acontecimento de sua volta” Foucault (1996, p. 26). Assim, nos guiaremos por quatro
noções de principio regulador para a análise. Sendo:
I) a noção de acontecimento;

II) de série;

III) de regularidade;

IV) a de condição de possibilidade.

ASPECTOS ÉTICOS

Abram as portas dos discursos ao público, o mesmo que fizeram fabricando a


loucura em público

Conforme as normas de pesquisa com seres humanos expressas na Resolução n.


196, de 10 de outubro de 1996, do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde,
a pesquisa terá que ser submetida à avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Federal do Espírito Santo, obtendo parecer favorável para, em seguida, ser
submetida à avaliação do Museu da Loucura, pela Fundação Hospitalar do Estado de
Minas Gerais.

Referências bibliográficas

DELEUZE, Gilles. Conversações. Tradução de Peter PálPelbart. ̶São Paulo: Editora 34,
2013.

______. Foucault. Tradução: Claudia Sant1 Anna. Martins; revisão da tradução Renato
Janine Ribeiro – Brasileense, 2013.
FOUCAULT, Michel. A vida dos homens infames. In :O que é um autor? Lisboa:
Passagens. 1992.

______. A ordem do discurso aula inaugural no Collège de France, pronunciada em


2 de dezembro de 1970. Campinas: Loyola, 1996.

______. Foucault. In: MOTTA, M. B. (Org.). Ditos e escritos V. Tradução Elisa


Monteiro -.ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.

_____. A arqueologia do saber; tradução de Luiz Felipe Baeta Neves, -7ed. - Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2008.
MACHADO, Roberto. A ciência e o saber. 3 ° Ed. - Jorge Zahar Editor Ltda, 2007.

MINAYO, Maria Cecília de Souza (Org.) Pesquisa Social. Teoria, método e


criatividade. Petrópolis: Vozes, 2003.

FLICK, U. Introdução à pesquisa Qualitativa. 3º ed. Porto Alegre: Artmed, 2009.

SPINK, Peter (org). Práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano.


Edição on-line: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, Editora Cortez, 2013.
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