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Há um método em prol
de seguir os rastros
dos pés e rostos
dos que não acordam,
não caminham,
não respiram,
não cagam,
não transam,
não dançam,
não fumam,
nãO. Não, vivem em meio a nós.
Mas moram no papel,
na poeira do silêncio.
Seus endereços?
Museu da Loucura.
Vidas nascidas
com gênero,
raça e sexualidade.
Laçados e exilados
em nome da Loucura.
Aos olhos do panóptico
manicomial mineiro,
mataram-nos
com a pedra do discurso,
em nome da loucura.
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Machado (2007) comenta que Foucault pretendia interpelar, pela “[...] constituição histórica dos saberes
sobre o homem” (p. 79).
Levando em consideração que os discursos estão manifestados no meio de nós,
lançaremos neste trabalho, em busca das poeiras dos fatos que advém do discurso sobre
a internação por meio da interseccionalidade de gênero, raça e sexualidade no caso dos
internos do Hospital Colônia de Barbacena. De modo que não se deseja percorrer em
busca de verdades, e sim, primeiramente, do modo como a verdade se estabeleceu.
Portanto, não há busca de verdades, mas por práticas de discursos que levaram
os corpos dóceis e disciplinados de gays, mulheres e negros, devido a suas paixões,
drogas, amores, rebeldia, raça, vagina, corpos afeminados, ciúmes, crenças, ativismo, a
sentença final em ser um interno sem nome, sem fonte de potência,vindo a ser
carimbado como louco e exilado no ambiente manicomial.
Não é uma recolha de retratos que aqui iremos ler: são armadilhas,
armas, gritos, gestos, atitudes, astúcias, intrigas, de que as palavras
foram os instrumentos. Vidas reais foram ―representadas‖ nestas
poucas frases; não quero com isto dizer que elas aí foram retratadas,
mas que, de fato, a sua liberdade, a sua desgraça, por vezes a sua
morte, em todo o caso o seu destino aí foram, pelo menos em parte,
decididos. Estes discursos realmente atravessaram vidas; tais
existências foram efetivamente postas em risco e deitadas a perder
nestas palavras (FOUCAULT, 1992, p. 03).
Em meio a isso, o mesmo será feito nesta pesquisa, tendo como base o material
de documento (prontuários3médicos) dos internos do Hospital Colônia de Barbacena,
produzidos entre 1928 e 1934, os quais se encontram no Museu da Loucura, entidade
vinculada à Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais. Nesse sentido, de acordo
com Souza e Messandro (2007), o material documental, envolverá uma sequência,
sendo:
2
“Vidas de algumas linhas ou de algumas páginas, desditas e aventuras sem número, recolhidas numa
mão-cheia de palavras. Vidas breves, achadas [90] a esmo em livros e documentos” (FOUCAULT, 1992,
p. 01).
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Foi realizada uma visita à Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais no ano de 2017, localizada
em Barbacena – MG, com intuito de conseguir o acesso aos prontuários e se estes certificam a etnia do
interno. Em meio a isso, foram autenticadas a presença da etnia dos internos no documento e a liberação
de acesso aos prontuários, tomando como justificativa para tal a aprovação da pesquisa na pós-graduação.
O valor da verdade da camada do material do dito = (D) iscurso
Após a transcrição das informações, inicia-se a análise dos dados; será utilizada
análise de discurso, proposta por Foucault (2008), que consiste em trabalhar com as
linguagens de uma construção histórica. É relevante referenciar que toda produção de
sentido (oral ou descritiva) é uma prática discursiva. Sobre isso, Foucault (2008),
ressalva:
De acordo com Foucault, todo o discurso é controlado pelo poder. A isso acresce
que as coisas ditas são articuladas na dinâmica do poder e o saber de seu tempo. O
conceito da prática do discurso se distancia das ideias. Pois, exercer uma prática
discursiva, significa falar segundo determinadas regras e expor as relações que se tem
dentro de um discurso. Assim, a prática discursiva vincula-se ao conjunto de normas,
determinadas no tempo e no espaço. Nas palavras de Foucault (1996, p. 08-09):
Assim, o discurso que será analisado e utilizado como eixo dessa pesquisa é
composto por documentos de prontuários médicos (1928 e 1934) dos internos do
Hospital Colônia de Barbacena. Nessa perspectiva, tomando o conceito de “logofobia”
posto por Foucault, segundo o qual a sociedade mergulha na surdez de alguns
acontecimentos, “[...] dessas coisas ditas, do surgir de todos esses anunciados, de tudo o
que possa haver aí de violento, de descontínuo, de combativo, de desordem, também, e
de perigo, desse grande zumbido incessante e desordenado de discurso” (FOUCAULT,
1996, p.50). Atrelado a isso está o domínio das coisas ditas, e o papel da arqueologia é
analisá-los.
Almejamos, além disso, analisar os saberes teóricos, sobretudo as práticas de
enclausuramento da interseccionalidade do gênero, sexualidade e raça na instituição
psiquiátrica de Barbacena, a fim de verificar se é possível identificar nestes prontuários
dispositivos de saber/poder e discursos que puderam, tornar-se objeto de parecer do
saber médico. De modo que analisar os discursos como prática pelodocumento
(prontuários) seria dar-se conta de que “[...] o novo não está no que é dito, mas no
acontecimento de sua volta” Foucault (1996, p. 26). Assim, nos guiaremos por quatro
noções de principio regulador para a análise. Sendo:
I) a noção de acontecimento;
II) de série;
III) de regularidade;
ASPECTOS ÉTICOS
Referências bibliográficas
DELEUZE, Gilles. Conversações. Tradução de Peter PálPelbart. ̶São Paulo: Editora 34,
2013.
______. Foucault. Tradução: Claudia Sant1 Anna. Martins; revisão da tradução Renato
Janine Ribeiro – Brasileense, 2013.
FOUCAULT, Michel. A vida dos homens infames. In :O que é um autor? Lisboa:
Passagens. 1992.
_____. A arqueologia do saber; tradução de Luiz Felipe Baeta Neves, -7ed. - Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2008.
MACHADO, Roberto. A ciência e o saber. 3 ° Ed. - Jorge Zahar Editor Ltda, 2007.