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Fotografia tirada em campo - Avenida Paulo de Frontin, Rio


Comprido, Rio de Janeiro (2015).
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“O importante não é a casa onde moramos,


mas onde em nós a casa mora.”
Mia Couto
Agradecimentos

À professora e minha orientadora Gabriela V. Pinheiro, por proporcionar no MADEP


um espaço de reflexão e experimentação, em troca com pessoas diferentes de
contributos relevantes, e também pelas importantes recomendações na construção
desta investigação. À minha co-orientadora Zoy Anastassakis, pela disponibilidade
nesse desafio e generosidade de compartilhar conhecimentos e experiências,
essenciais para a articulação dos conceitos trabalhados e posicionamento no
campo disciplinar do design. Aos companheiros do MADEP, pela união e parceria
durante todo o trajeto, pela companhia agradável nas incursões acadêmicas e
intercâmbio cultural, e também aos professores Jorge Marques e Miguel Costa pela
dedicação. Às queridas parceiras do LaDA (Laboratório de Design e Antropologia da
ESDI/UERJ), pela recente relação que já rende frutos estimulantes para o contínuo
aprendizado na academia e na vida.

Em especial à minha mãe Márcia, pela confiança e dedicação imensuráveis, 7


pela herança do sonho e cuidado com o outro, pelo carinho e parceria em todos
os momentos, desde a partilha das novas descobertas aos medos e dores da
solidão e da saudade. Aos meus pais Cicero e Vicente, pelo incentivo e confiança,
à minha irmã Talita pelo estímulo radiante, aos meus primos Júlia e João pelo
pedacinho de casa nesse mundo distante. Ao Pedro, por me ajudar a revelar
caminhos latentes ocultos.

Ao Rio Comprido, por me permitir vivenciar tamanha diversidade durante a vida,


e aos seus moradores que compartilharam suas estórias, memórias e desejos,
sonhando juntos por um mundo melhor. E a Portugal, pelo acolhimento ambíguo
que possibilitou essa viagem interna às minhas raízes e valores mais profundos.
Fotografia tirada em campo - Praça
Condessa de Frontin, Rio Comprido,
Rio de Janeiro (2015).

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Resumo
A presente investigação busca a reflexão sobre o papel dos designers na sociedade a partir do espaço
público como cenário e objeto de trabalho, em transformação dinâmica constante num mundo fluido e
complexo. Adentra a desmaterialização e expansão da disciplina, explora metodologias participativas,
passando pelo Design para a Inovação Social e aproximando-se do emergente campo híbrido Design
Anthropology. Com projeto de pesquisa localizado num bairro do Rio de Janeiro, envolve as pessoas no
processo como potência de imaginação coletiva, atuando de forma engajada e em correspondência
às interações sociais existentes. Pretende-se como um sistema aberto de experimentação colaborativa
e aprendizado contínuo, em que ferramentas visuais estimulam o diálogo acerca das questões locais
e a busca de visões compartilhadas para o futuro. Dessa forma, a designer atua como mediadora
através de abordagem estratégica e tática, integra elementos que influenciam o devir, conecta agentes
e iniciativas, resultando em um metaprojeto que pode direcionar outras ações locais.

Palavras-chave: Design Anthropology, Design para Inovação Social, espaço público, Participatory
Design, imaginação coletiva.

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Abstract
This research seeks a reflection about the role of designers in society with public space as backdrop
and object work, in constant dynamic change in a fluid and complex world. It enters the dematerialization
and expansion of the discipline, explores participatory methodologies, passing by Design for Social
Innovation and in approach to the emerging hybrid field of Design Anthropology. The research project is
located in a neighborhood of Rio de Janeiro, and involves people in the process as potency of collective
imagination, acting in a committed way and in correspondence to existing social interactions. It intends
to be an open system of collaborative experimentation and continuous learning, in which visual tools
stimulate dialogue about local issues and the search for shared visions for the future. Thus, the designer
acts as a mediator through strategic and tactical approach, integrates elements that influence becoming,
connects agents and initiatives, resulting in a meta-project that can orient other local actions.

Keywords: Design Anthropology, Design for Social Innovation, public space, Participatory Design,
colective imagination.
10
Índice

13 1. Trajetória, lugar e metodologia


“De perto do mundo, de longe de casa”

25 2. O espaço público no mundo complexo


2.1 Fluidez e conexão, rumo a um novo paradigma
2.2 Produção capitalista do espaço urbano
2.3 Microplanejamento de práticas urbanas

39 3. “Design para um mundo complexo”


3.1 Desmaterialização e campo expandido
3.2 Design para a inovação social
3.3 Design Anthropology
3.4 Co-Design: experimentos, ferramentas e metodologias participativas
11

55 4. “Rio Comprido em nós”: metaprojeto para a construção do público por meio do design
4.1 Breve histórico
4.2 Caracterização e mapeamento
4.3 Mapeamento participado
4.4 Espaço público online
4.5 Análise de dados
4.6 Ativos, passivos e possibilidades
4.7 Cenários futuros
4.8 Publicação

85 5. Considerações finais

88 6. Bibliografia
Fotografia tirada em campo -
Rio Comprido, Rio de Janeiro (2015).

12
1. Trajetória, lugar e metodologia
“De perto do mundo, de longe de casa”

Esta investigação surge do vínculo pessoal e longínquo com o bairro de origem,


da percepção da sua necessidade de transformação e da vontade latente de
mudança e melhoria; da busca por um exercício mais consciente e responsável de
atuação profissional, através da reflexão e aprofundamento teórico sobre o papel
social e político do design como ferramenta estratégica e tática para a geração de
alternativas para os problemas do mundo contemporâneo; e da conjugação entre
o que se configurou uma questão de investigação e as possibilidades da disciplina
de design em contribuir para o pensamento sobre a construção do espaço público.

A relação com o lugar de onde parte este estudo nasce ainda antes de mim,
quando o bisavô português de Póvoa de Varzim vai para o Brasil em busca de
melhores oportunidades, acabando por se instalar no Rio de Janeiro, no bairro do
Rio Comprido. No prédio que ergueu, construiu-se a história da família e se criaram
muitas estórias, vivências, memórias e afetos. Mais de 70 anos depois, minha 13
vinda para Portugal representaria um tipo de retorno à origem, ou uma das raízes
geradoras de imensuráveis combinações possíveis que nos faz brasileiros.

Em busca de encontro pessoal e sentido profissional, de equilíbrio entre proximidade


e distância dos objetos constitutivos da vida, reconheço-me na perspectiva
antropológica que conjuga pertencimento e estranhamento. Na leitura de “De perto
e de dentro, de longe e de fora” (Magnani, 2002), identifico conexões na forma
como tenho trabalhado até então de modo intuitivo, e busco a consciência do
processo para melhor compreensão e apropriação. No intuito de se perceber as
questões contemporâneas relacionadas às cidades e suas dinâmicas culturais, o
antropólogo José Guilherme Cantor Magnani propõe a perspectiva da etnografia
urbana a partir de seus atores sociais, adentrando suas práticas e a paisagem em
que se desenvolvem, em complementação a um “olhar distanciado, indispensável
para ampliar o horizonte da análise” (Magnani, 2002: 11)1.

Fez-se necessário um distanciamento para melhor compreensão e análise sob


outras perspectivas, e posteriores revisitações ao olhar próprio e à multiplicidade
de experiências, narrativas, desejos e sentimentos, advindos dos outros tantos

1
Magnani, José Guilherme Cantor. “De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana.” Revista Brasileira de
Ciências Sociais 17.49: 11-29, 2002.
moradores do local. Ou seja, foi necessário me afastar para me perceber, mas
também para perceber o outro. Era preciso “estranhar o familiar” (Velho, 1987)2,
confrontar intelectual e emocionalmente diferentes olhares e interpretações, sem
cair em julgamentos apressados e preconceituosos (Velho, 1987) advindos da
minha posição no sistema sociocultural.

Voltando o olhar para o Rio Comprido, depara-se com essas diferentes perspectivas
sobre o bairro, que se localiza na zona central do Rio de Janeiro, para “além-túnel”
(Rebouças), sob uma perspectiva da zona sul; confundido por muitos com Tijuca,
Estácio ou Catumbi; conceituado como o “terror da zona norte”; espremido entre
morros (que se transformaram em favelas ao longo do processo de ocupação);
e brutalmente marcado por um enorme viaduto que o transformou em local de
passagem. Passou por diversas transformações territoriais históricas, vive um
abandono por parte do poder público e questões sociais complexas, de intensa
desigualdade e concentração de pobreza.
Fotografias tiradas em campo - Rio Comprido, Rio de Janeiro (2015).

14

2
Velho, Gilberto. “Observando o familiar” in Individualismo e Cultura: notas para uma antropologia da sociedade
contemporânea. Rio de Janeiro: Zahar, 1987.
Entretanto, percebe-se uma tentativa recente de renascimento, provocada pela
dinamização decorrente dos eventos internacionais (Copa do Mundo e Olimpíadas),
que acaba por gerar um movimento de convivência conflitante mas também
interessante pela riqueza de sua diversidade, entre a crise de uns e a ascensão de
outros, entre a esperança e o medo. Com o histórico de bairro “nobre” e a existência
de muitas residências de grande porte, observam-se famílias de segmentos sociais
médios que ali estão há muitas gerações e não saem pelo apego afetivo ou falta
de condição financeira; casas adquiridas por empresas (predominantemente de
segurança), outras com investimentos de novos negócios locais; antigos moradores
das favelas passando a viver no “asfalto” e muitos expulsos da zona sul pela
supervalorização imobiliária; proliferação de bares e restaurantes que atraem grande
quantidade de pessoas da região; obras de escala desproporcional e atentados ao
patrimônio histórico do bairro; etc.

A inquietação inicial da investigação tendia a projetos de apropriação e requalificação


da área abaixo do Viaduto Paulo de Frontin, por representar um problema de impacto
imediato na vida cotidiana dos moradores, sendo uma área em estado de abandono
e degradação, mas também um marco simbólico na história do bairro e em sua
configuração, visto que corta toda a sua extensão. Entretanto, ao se perceber a 15
complexidade de atores, suas relações e dinâmicas, resolveu-se abrir o processo de
criação para caminhos além dos interesses pessoais, que pudessem ser gerados a
partir dessa interação. Além disso, era preciso maior reflexão acerca das questões
relacionadas a esta aparente melhoria de espaços públicos degradados, cuja
renovação mal direcionada poderia gerar especulação imobiliária, consequente
expulsão da população de baixa renda e ainda maior exclusão social – o conhecido
processo de gentrificação, presente em grande parte do planejamento urbano
contemporâneo, que prioriza parcerias entre o poder público e o setor privado,
transformando os lugares em mercadorias para consumo na velocidade do capital
(Magnani, 2002; Arantes, 1998)3.

Em alternância focal para o nível pessoal, encontro uma relação contraditória, narrada
por situações diversas que geraram memórias afetivas e grande carinho, mas também
indignação com a precariedade e desejo permanente de saída. As vivências pessoais
dos últimos anos determinaram uma nova percepção mais consciente e crítica sobre
a realidade local, transformando a percepção do problema em oportunidade, e
refletindo sobre a responsabilidade cidadã na construção do espaço público, assim
como nas possibilidades de atuação profissional para estimular esse processo, num
sentido contrário à inércia habitual de contestação sem ação.

3
Arantes, Otília. Urbanismo em fim de linha. São Paulo: EDUSP, 1998.
Já em Portugal, com chegada recente à cidade do Porto e em processo de
descoberta de muitas novidades em uma cidade até então desconhecida, realizou-
se uma imersão durante o workshop de abordagens espaciais, ampliando o contato
com as múltiplas dimensões e diferentes perspectivas do espaço escolhido.
Paralelamente aos trabalhos realizados para a disciplina de Desenho e Levantamento
do Lugar, individual e coletivamente, a experiência contribuiu para revelar camadas
ocultas, conhecer novos pontos de vista, me colocar no lugar do outro, questionar
interpretações habituais, explorar múltiplas sensações, entender configurações e
necessidades, imaginar possibilidades futuras.

16

Parte do trabalho executado durante o Mestrado: “Workshop abordagens espaciais”.


Trabalhos executados
durante o Mestrado:
“Desenho e
Levantamento
do lugar”.

17
Parte do trabalho executado durante o Mestrado: “Projecto Espacial Performativo”.

O projeto espacial performativo conduziu ao aprofundamento conceitual da


investigação e à conexão entre as diferentes camadas de elementos experimentados
anteriormente; ampliou o entendimento sobre o espaço público antropológico
e político; introduziu a questão da participação social na construção coletiva de
lugares de pertencimento e acolhimento. A partir da proposta de construção de
18 abrigo com a manipulação de objetos, entre corpo e espaço, além da análise
de projetos artísticos com objetivos análogos, buscou-se uma experimentação
colaborativa de criação fluida e dinâmica, no intuito de sensibilizar à troca entre a
diversidade cultural através de “máscaras” representativas da individualidade em
interação heterogênea e democrática.

Outro projeto, realizado na zona das Fontainhas em conjunto com o colega de


mestrado, o arquiteto Nuno Pimenta, foi importante para consolidar os interesses da
investigação, através de um processo mais amplo e aprofundado, com diferentes
etapas de levantamento do lugar, vivência da comunidade e planejamento das ações.
Propõe-se a criação de um espaço comunitário aberto (“Estaleiro”), para construção
e desenvolvimento de acordo com as necessidades surgidas durante o processo
de convivência e troca entre a população residente e uma equipe de trabalho
multidisciplinar (arte, arquitetura e design). Foi realizada extensa pesquisa histórica
e levantamento presencial do lugar através da vivência e relação com os moradores.
Foram previstas atividades de ativação e consciencialização da comunidade, em
que seriam testadas algumas ferramentas de codesign para a geração de soluções
para os problemas locais (a serem discutidos com os moradores), mas o trabalho
não chegou à fase de implementação.
Fragmentos do livro de projecto realizado na zona das Fontainhas.

19
Em paralelo às experimentações e reflexões, revisitou-se o interesse inicial de
ação no Rio Comprido, reavaliando objetivos e abordagens, buscando maior
conhecimento do local e suas questões, assim como um exercício mais consciente
e responsável da atividade projetual. Foi explorada a relação entre o design
e a antropologia como via para uma investigação-ação, incursões no terreno,
observação participante e entrevistas, para aprofundar a relação com os atores
sociais, criar empatia e estabelecer laços que permitissem a criação colaborativa.
No contexto do projeto, uma iniciativa no bairro deveria conter a preocupação de
acolher, assumir e preservar sua heterogeneidade cultural, estudar suas dinâmicas
sociais e prever mecanismos de inclusão. O objetivo do projecto de pesquisa é
gerar um espaço de pertencimento e criação coletiva; testar a capacidade do
design em ativar as pessoas e promover a reflexão; experimentar dinâmicas de
interação que promovam o envolvimento comunitário; num processo aberto que
explore suas histórias, memórias e vivências enquanto ativos para a co-criação de
cenários futuros e incentivo à imaginação coletiva.

Com uso de ferramentas de visualização para o estímulo de conversas sociais no


espaço público offline e online, foi recolhida uma multiplicidade de perspectivas e de
20 novas informações sobre o lugar a partir da experiência dos moradores locais. Com
isso, surgiram muitas possibilidades de desenvolvimento projetual, resultando em
novos produtos para dar visibilidade às informações obtidas, além da construção
de possíveis cenários futuros para a região. Para atender a esse contexto complexo
e em fluxo constante, optou-se pela abordagem metaprojetual como sistema
metodológico aberto em contínuo processo exploratório de reflexão-na-ação (Reyes,
2010)4, cujo resultado tentou contemplar alternativas diversas que pudessem servir
de insumo para a elaboração de outros projetos, contribuindo para atender às reais
necessidades e desejos dos habitantes e para a aumentar a participação social nos
processos de construção do público em contextos urbanos.

A presente dissertação vai percorrer os conteúdos representados no seguinte


diagrama, na tentativa de buscar possíveis respostas para a pergunta de
investigação: Como pode o design estimular o envolvimento das pessoas
para a melhoria dos espaços públicos em que vivem?

4
Reyes, Paulo. Construção de cenários em design: o papel da imagem e do tempo. Artigo apresentado no 9o
Congresso de Pesquisa e Desenvolvimento em Design (P&D Design). São Paulo, 2010.
21

Diagrama de conteúdos da
investigação;
Post its com conteúdos;
Esboço do diagrama.
A dissertação está estruturada em três blocos após esta primeira parte introdutória,
sendo o segundo capítulo contextual aos interesses relativos ao espaço público, o
terceiro referente às abordagens teóricas e metodológicas da diciplina de design
relevantes para esta investigação, na busca de se construir um método próprio de
atuação no espaço público por meio do design. O quarto capítulo narra as atividades
práticas do projecto de pesquisa realizado no bairro do Rio Comprido, na cidade do
Rio de Janeiro (Brasil).

Portanto, o capítulo que segue vai buscar melhor compreensão das dinâmicas
envolvidas na construção e reinvenção dos espaços públicos e será analisado o
contexto de recorte para esta investigação. Assume-se relevante a vivência num
mundo complexo, conectado e fluido, que atravessa um momento de “interregno”
(Bauman, 2015)5 em que as certezas e práticas de outrora foram diluídas e se
busca construir novas formas de organizar a vida humana, num movimento de
mudança de paradigma e reencantamento (Maffesolli, 2014)6. Sobre a “produção
capitalista do espaço urbano” (Harvey, 2014)7 será examinado o processo de
expansão desordenada do espaço público relacionado à acumulação de capital e a
consequente organização desigual e excludente sobre o “direito à cidade” (Lefebvre,
22 2008)8. Vai então relacionar a reivindicação proposta por David Harvey por “algum
tipo de poder configurador sobre os processos de urbanização” (Harvey, 2014: 30),
à emergente valorização das micropráticas urbanas como uma nova possibilidade
de urbanismo de baixo para cima (Rosa, 2011)9.

O terceiro capítulo vai se aprofundar sobre as consequências das transformações


contemporâneas no campo disciplinar do design, que provocou uma desmaterialização
de seus objetos de trabalho e expansão de atuação. Sob o entendimento particular
de que o design deve se posicionar nesse processo de transição, na tentativa de
o direcionar para a construção de uma sociedade sustentável (Manzini, 2008)10, a
investigação percorre o campo do Design para a Inovação Social e se aproxima do
emergente Design Anthropology, campo interdisciplinar que explora a possibilidade
de atuação engajada em correspondência aos fluxos do contexto no sentido de sua

5
Bauman, Zygmunt. “Talvez estejamos em plena revolução”. Outras Palavras (2015).
http://outraspalavras.net/outrasmidias/destaque-outras-midias/bauman-talvez-estejamos-em-plena-revolucao/
(último acesso em 28/04/2015).
6
Maffesoli, Michel. Conferência: Cibercultura e Remitologização Pós-Moderna. Universidade Lusófona do Porto
(01/12/2014).
7
Harvey, David. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo: Martins Fontes, 2014.
8
Lefebvre, Henri. O direito à cidade. Centauro Editora, 2008.
9
Rosa, Marcos; ed. Microplanejamento de práticas urbanas criativas; São Paulo: Microplanning urban creative
practices; São Paulo. Ed. De Cultura, 2011.
10
Manzini, Ezio. “Design para a inovação social e sustentabilidade.” Cadernos do Grupo de Altos Estudos, Programa
de Engenharia de Produção da Coppe/UFRJ, Rio de Janeiro, 2008.
transformação participativa (Anastassakis, 2013; Ingold, 2013)11,12. Com interesse
na abordagem participativa, serão ainda analisadas algumas metodologias e
ferramentas de codesign que buscam reunir pessoas e estimular o diálogo em
torno dos assuntos de interesse, através de estratégias e táticas utilizadas para
mediar questões e comunicar visões (Binder, 2011; DiSalvo, 2009)13, 14,.

No quarto capítulo será relatada a experiência prática, que consta nesta investigação
em modalidade de trabalho de projeto. Com presença no terreno e relação
engajada com a comunidade envolvente, buscou-se criar um ambiente dialógico em
construção permanente, sem resultados previamente determinados, com objetivo
de estimular a imaginação coletiva sobre as questões do bairro, passando pelo
resgate da memória como elemento de ativação do sentimento de pertencimento
em direção à construção compartilhada do público.

Em paralelo, serão apresentados ao longo do texto alguns estudos de caso


relevantes aos assuntos abordados na investigação, que serviram como inspiração
e referência crítica o desenvolvimento teórico e projetual. Por fim, as considerações
finais vão refletir sobre o processo de investigação e trabalho de projeto, apontando
as principais descobertas e desafios, além das oportunidades de seguir com 23
os questionamentos sobre o papel do design na sociedade, as abordagens
colaborativas para contribuição da ampliação da democracia e o desenvolvimento
de alternativas para as problemáticas dos espaços públicos.

11
Anastassakis, Zoy. “Laboratório de Design e Antropologia: preâmbulos teóricos e práticos”. In: Arcos Design. Rio
de Janeiro: PPD ESDI UERJ. Volume 7 Número 1. pp. 178-193. Junho, 2013.
12
Ingold, Tim. Making: Anthropology, Archaeology, Art and Architecture. Abingdon: Routledge, 2013.
13
Binder, Thomas, Giorgio De Michelis, Pelle Ehn, Giulio Jacucci, Per Linde e Ina Wagner. Design Things. The MIT
Press, 2011.
14
DiSalvo, Carl. “Design and the Construction of Publics.” Design issues 25.1 : 48-63, 2009.
Fotografia tirada em campo -
Rio Comprido, Rio de Janeiro (2015).

24
2. O espaço público no mundo complexo
2.1 Fluidez e conexão, rumo a um novo paradigma

“Break. We want to break. We want to create a different world.


Now. Nothing more common, nothing more obvious.
Nothing more simple. Nothing more difficult.”
(John Holloway, 2010)15

Segundo o sociólogo Zigmund Bauman, vivemos um momento de “interregno”, um


cenário de transição sem futuro definido, em que as antigas formas de lidar com
os problemas da realidade já não funcionam, mas ainda não sabemos como fazer
diferente (Bauman, 2015). Para ele, o século XX viveu o apogeu do mundo sólido,
da “modernidade pesada”, baseada em sistemas rígidos, fechados e homogêneos,
de forma que se pudessem ser previstos e administrados; em que o progresso
significava tamanho crescente e expansão territorial. Mas a “modernidade líquida”
flutua sem seus pilares na cultura do consumo e do imediatismo, num mundo
múltiplo, complexo e rápido, da busca de realização imediata e do capital flutuante 25
cuja mobilidade constitui a base da dominação e das divisões sociais. “O advento
da instantaneidade conduz a cultura e a ética humanas a um território não mapeado
e inexplorado, onde a maioria dos hábitos aprendidos para lidar com os afazeres da
vida perdeu sua utilidade e sentido” (Bauman, 2001: 149).

Para o sociólogo Michel Maffesoli, nossa civilização vive uma mudança de paradigma
que demanda um pensamento para além da lógica cartesiana, a partir da saturação
do mito moderno de progresso que provocou um “desencantamento do mundo”.
Acredita na necessidade de criação de uma “nova dinâmica social” através da reflexão
sobre o cotidiano e da “sensibilidade pós-moderna”, metamorfose já em curso com
o surgimento de “tribos” que deverão se conectar em uma rede complexa regida não
mais pela economia capitalista, mas pela união do conhecimento com a ecologia
(“ecosofia”), por meio da tecnologia (“tecnomagia”), em um pacto emocional que
inclui o sonho e o mito, o pertencimento e a identificação” (Maffesoli, 2014).

De acordo com o filósofo John Holloway, será possível “mudar o mundo sem tomar o
poder” (Holloway, 2013), a partir de fissuras no sistema que representem uma recusa

15
“Nós queremos romper. Nós queremos criar um mundo diferente. Agora. Nada mais comum, nada mais óbvio. Nada
mais simples. Nada mais difícil.” (Tradução própria) Holloway, John. Fissurar o capitalismo. São Paulo: Publisher
Brasil, 2013.
à lógica do capital e, portanto, uma possibilidade de rompimento com esse sistema,
através da expansão, multiplicação e conexão dessas fendas heterogêneas.

É importante perceber este momento de transformação, chamado por tantos de “pós-


modernidade” ou “sobremodernidade”, em que os avanços tecnológicos permitiram
um nível de conexão e fluidez antes impensável, os novos meios de comunicação
e tecnologias de informação passaram a permear nossas vidas, ações e relações,
em que as noções de tempo e espaço tomaram outras proporções. De acordo com
Cartwright e Sturken (2003)16, esse período marca uma ruptura com o pensamento
moderno e evidencia a ideia de pluralismo e multiplicidade, com foco na diferença, na
variedade de categorias de identidades, como produto das nossas relações sociais
e institucionais; considera diferentes interpretações e significados por parte dos
observadores, contrariando as ‘metanarrativas’ como entendimento de uma verdade.

“Alguns teóricos têm usado o termo pós-moderno para descrever a ‘lógica cultural
do capitalismo tardio’ do pós-guerra (...). Essa definição destaca o papel formal das
condições econômicas e políticas incluindo a globalização pós-guerra, o surgimento
da novas tecnologias da informação e a separação do tradicional estado-nação na
emersão dos meios de produção pós-modenos” (Cartwright e Sturken, 2003: 239-240).
26

Apesar de todas as condições técnicas disponíveis para se construir a realidade


desejada, a parcela da população de fato beneficiada é muito pequena, a democracia
é exercida de maneira restrita e a desigualdade social intensa. O modelo moderno
também gerou escassez dos recursos materiais do planeta e uma crise ambiental
alarmante. Torna-se necessário se posicionar ativamente nesse processo de transição
para contribuir para seu direcionamento positivo, no sentido da sustentabilidade e
da democracia, e esta investigação busca explorar tais possibilidades sob o ponto
de vista da disciplina de design.

Segundo o professor e pesquisador em design Ezio Manzini (2015), o que está


emergindo é uma potencialidade, uma mudança de paradigma que será conduzida
pelos interesses, capacidades e limitações dos seres humanos, podendo resultar
em uma civilização mais sustentável ou se dirigir ao colapso. Esse autor defende
que o design deve colaborar com o desafio de “mudar a mudança”, através da
descontinuidade sistêmica sobre os níveis de produção e consumo material,
repensando e criando novas formas de interações entre os seres humanos e seus
artefatos cotidianos (Manzini, 2013). A abordagem do design para a inovação social

16
Cartwright, Lisa e Marina Sturken. Practices of looking. Oxford: Oxford University Press. Postmodernism and
Popular Culture, pp. 237-278; 2003.
proposta por Manzini será aprofundada no capítulo 3, mas aqui pode ser associada
aos conceitos de “tribos”, de Maffesolli, e “fissuras”, de Holloway, enquanto
inovações que partem de iniciativas espontâneas de pessoas e grupos e que os
designers profissionais devem incentivar, apoiar, fortalecer e conectar.

Tais movimentos já estão em processo no mundo hoje, gerando novas dinâmicas


sociais mais coerentes com os desejos e necessidades das pessoas, em nível local
e particular. O desenvolvimento desses pequenos projetos devolvem a riqueza e a
diversidade da escala humana, em oposição a megaprojetos que partem da ideia
impositiva e excludente de unidade. Recuperam valores como a cooperação, a
colaboração e o compartilhamento, como forma de organização para solucionar
os problemas do mundo complexo contemporâneo, em oposição às práticas
individualistas da sociedade moderna. No lugar da economia que gera escassez
para gerar valor econômico, a economia da abundância aproveita os recursos
existentes em novas conexões, transformando-os em infinitas combinações, em
processo horizontal e de baixo para cima (em oposição à hierarquia vertical e de
cima para baixo).

Segundo o sociólogo Richard Sennett (2012)17, a sociedade moderna está 27


desabilitando as pessoas na condução da vida cotidiana, as pessoas passaram
a viver em compartimentos e desaprenderam a conviver com a diferença e a se
comunicar, apesar de terem mais recursos tecnológicos. Considera a cooperação
uma habilidade social a ser desenvolvida através da prática cotidiana da empatia
e da troca dialógica, em que todas as partes se beneficiam por compensar aquilo
que acaso falte ao outro individualmente através da partilha, fundamental para o
funcionamento de uma sociedade complexa.

E a hiperconectividade advinda da internet interliga um sistema complexo de


organização distribuída, facilitado pelas interfaces das mídias sociais digitais, e
aproxima pessoas com interesses semelhantes de lugares diferentes que antes
nunca poderiam imaginar se conhecer. Cria novas comunidades, que saem do
espaço virtual para o físico, formando um espaço híbrido de convivência. Esse
panorama compõe o plano de fundo desta investigação, como um objetivo utópico
de se contribuir para essa mudança de paradigma rumo a uma sociedade mais
sustentável e igualitária através da reflexão sobre o papel do designer e suas
possibilidades de atuação nesse sentido.

17
Sennett, Richard. Juntos: os rituais, os prazeres e a política da cooperação. Rio de Janeiro: Record, 2012.
2.2 Produção capitalista do espaço urbano

“O direito à cidade é muito mais do que um direito de acesso


individual ou grupal aos recursos que a cidade incorpora: é um
direito de mudar e reinventar a cidade mais de acordo com nossos
mais profundos desejos.” (Harvey, 2014: 28)

Em busca da compreensão sobre o que se entende por espaço público no mundo


ocidental contemporâneo, foram explorados diferentes pontos de vista advindos de
campos disciplinares diversos, por se tratar de um tema multi e transdisciplinar, de
interesse político, sociológico, antropológico, da geografia, arquitetura e urbanismo,
artes, psicologia, etc. Procurou-se perceber a evolução da formação histórica do
espaço urbano e os elementos influentes em sua configuração dinâmica e em
contínua transformação.

Concebido como um guia para um percurso pelo pensamento antropológico sobre o


espaço, “Antropologia do Espaço”, de Filomena Silvano (2010)18, fornece informações
28 teóricas gerais sobre o campo disciplinar e apresenta importantes autores clássicos
e contemporâneos que contribuíram para a formação conceitual e metodológica
do espaço enquanto objeto de estudo das ciências sociais. As primeiras ideias
formuladas não tinham o espaço como assunto central mas foram importantes
para as obras posteriores, produzidas a partir de 1960. Sob esse ponto de vista,
destacam-se alguns trabalhos clássicos que permitiram “definir a especificidade do
espaço enquanto realidade social, afirmando o laço indissociável que estabelece
com a sociedade que o habita” (Silvano, 2010: 12), assim como o seu entendimento
como representação e realidade material, como um objeto complexo integrado por
dimensões diversas.

Émile Durkheim (2002, apud Silvano, 2010) aborda o espaço como produto do
pensamento coletivo, como uma representação coordenada do heterogêneo para
produção de sentido a partir de valores afetivos de origem social, mas também
enquanto dimensão material. Em contribuição com esse conceito de Morfologia
Social, Marcel Mauss (1974, apud Silvano, 2010) define a vida social como função
de seu substrato material, com o qual varia, e Durkheim complexifica suas ideias
iniciais, assumindo a morfologia (materialidade), as práticas e as representações

18
Silvano, Filomena. Antropologia do espaço. Lisboa: Assírio & Alvim, 2010.
como três dimensões mediadas pelo espaço, que se torna um objeto complexo.
Em complementação, Maurice Halbwachs (1968, apud Silvano, 2010) assume o
espaço como suporte das memórias, como garantia da manutenção e transmissão
da memória coletiva, como imagem de permanência e estabilidade.

Claude Lévi-Strauss (1979, apud Silvano, 2010) se inscreve na linha de sucessão dos
autores anteriores, tendo participação fundamental na formação da Antropologia
do Espaço. Relaciona a estrutura do espaço com as identidades coletivas, em
representação complexa da diversidade social através do estudo de dados
etnográficos.

Georg Simmel (1990, apud Silvano, 2010) e Walter Benjamin (1979, apud Silvano,
2010) se aproximam das questões do mundo contemporâneo a partir da observação
sobre a cidade, elencando a mobilidade como fator de organização da cultura e do
espaço da cidade. Sob a figura do estrangeiro (Simmel) e do passeante (Benjamin),
articulam conceitos de proximidade, distanciamento e movimento, de liberdade,
identidade e individualidade, além da multiplicidade de olhares sobre o espaço.
Tiveram grande influência em autores que vieram a integrar a denominada Escola
de Chicago, uma corrente heterogênea de pensamento sociológico acerca dos 29
fenômenos urbanos que gerou um conjunto de trabalhos de pesquisa entre 1925
e 1940. Segundo as palavras de um dos fundadores da Escola, Robert Park (1990,
apud Silvano, 2010), a mobilidade assegura a qualquer indivíduo uma experiência
particular e um ponto de vista independente, adquiridos durante suas aventuras no
espaço, o que o constitui como pessoa.

De acordo com Howard Becker (1996, apud Teodósio, 2003), os sociólogos de


Chicago tiveram grande importância para o avanço metodológico da investigação
social, na medida que desenvolveram métodos próprios de trabalho, voltando-se
para o estudo empírico e o trabalho de campo através de entrevistas, da coleta de
dados históricos e estatísticos. Para Alain Coulon (1996, apud Teodósio, 2003), outro
grande contributo foi a orientação multidisciplinar no estudo do tema, buscando
manter diálogo com diferentes campos do saber.

Seguindo a trajetória cronológica de Filomena Silvano, destaca-se a obra de


Henri Lefebvre: “A Produção do Espaço” (2006), publicada pela primeira vez em
1974. Sob influência do pensamento marxista, Lefebvre focaliza no processo de
produzir o espaço a partir de suas práticas sociais, relacionando três conceitos em
permanente interação dialética: prática social, representação do espaço e espaço de
representação. Com dimensão antropológica, percebe a produção do espaço como
um processo de fazer e representar-se, em que cada cidadão possui competência e
performance próprias pra organizar suas práticas em signos e códigos específicos.
E adentra as dimensões mais subjetivas do espaço cotidiano, que é vivido antes
de ser percebido, se posicionando à margem de teorias urbanas generalistas que
utilizam sistemas simbólicos para a concepção dos espaços.

“Pode-se supor que a prática espacial, as representações do espaço e os espaços


de representação intervêm diferentemente na produção do espaço: segundo suas
qualidades e propriedades, segundo as sociedades (modo de produção), segundo as
épocas. As relações entre esses três momentos – o percebido, o concebido, o vivido –
nunca são simples, nem estáveis” (Lefebvre, 2006: 45).

Explorando as ideias de Lefebvre sobre “O direito à cidade” (2008), David Harvey


(2014) defende que é necessário reivindicar sobre o poder coletivo de representação
na construção e reinvenção das cidades, visto que seu processo histórico está
associado à acumulação de excedentes de produção, polarização na distribuição
30
de riqueza e poder, em ligação íntima com o desenvolvimento do capitalismo e,
portanto, como um fenômeno de classe. A “produção capitalista do espaço” (Harvey,
2014) priorizou os interesses econômicos aos humanos e gerou um território urbano
consumista com desigualdade de participação e exclusão social, concentração de
pobreza, em movimentos de desapropriação, privatização e gentrificação.

Em resposta ao aumento progressivo da população das cidades e suas


transformações, operações urbanas foram implementadas em intervenção às
representações do espaço, relacionadas a sua produção e organização por meio de
sistemas de signos, de forma homogeneizante, sem considerar suas especificidades
culturais locais e práticas sociais. Projetos de revitalização e requalificação recentes
estão associados a um tipo de planejamento estratégico que acabam por intensificar
as desigualdades sociais e a produção de um território excludente, através de
parcerias público-privadas que buscam recuperar espaços degradados e gerar
novas dinâmicas sociais, atraindo novos moradores e usuários com maior poder
aquisitivo e transformando os lugares em objeto de consumo, com consequente
exclusão da população de baixa renda (Magnani, 2002).
De acordo com Carlos Vainer (2000)19, o modelo de planejamento urbano difundido
no Brasil é transposto do planejamento empresarial, que pensa as cidades como
empresas em concorrência em um mercado internacional. As “cidades-empresa”
e “cidades-mercadoria” são construídas a partir da apropriação do capital, da
valorização imobiliária e da privatização dos espaços públicos, em sucessivos
processos de segregação e homogeneização (Vainer, 2002). Segundo Otília Arantes
(1998)20, a ”mundialização do capital (...) transforma os alegados valores locais em
mercadorias a serem igualmente consumidas e recicladas na mesma velocidade em
que se move o capital” (Arantes, 1998: 187). Já Ermínia Maricato (2000)21 “declara-se
em prol de um urbanismo socialmente includente e democrático” (Magnani, 2002: 14),
“partindo do pressuposto de que o plano urbano deve ser a expressão democrática
da sociedade, se se pretender combater a desigualdade” (Maricato, 2002: 180), em
crítica ao suposto planejamento participativo sem prática social efetiva.

No Brasil, Planos Diretores Participativos tornaram-se comuns com a Promulgação


da Constituição de 1988, que apresentava o Estatuto da Cidade. Porém, a
participação que se pretendia que fosse ativa deu lugar a um envolvimento
meramente contemplativo, mais caracterizado como forma de marketing urbano
que visasse promover a cidade para o exterior para atrair visitantes e investimento 31
econômico, bem como gerar consenso entre os cidadãos através de uma assistência
ao espetáculo com a construção de obras de grande porte, gerando não mais do
que uma ilusão de participação. O processo urbano levado a cabo pelo Estado
capitalista favoreceu as classes dominantes, investiu em áreas já enobrecidas, sem
melhorar as condições sociais das classes mais necessitadas (Silva, 2012)22.

O termo gentrificação surge para dar nome a esse fenômeno de filtragem social
da cidade, com reforço da segregação sócio-espacial que opera no mercado da
habitação em recomposição à degradação de bairros tradicionalmente populares
e sua substituição para as classes média e alta (Silva, 2012). O investimento em
determinada região acaba por gerar valorização imobiliária e afetar suas dinâmicas
sociais, acarretando aumento de custos de bens e serviços e dificultando a
permanência de antigos moradores. Os processos de gentrificação têm sido
associados aos projetos de intervenção urbana implementados para melhoria e
recuperação de áreas degradadas nas cidades.

19
Vainer, Carlos. “Pátria, empresa e mercadoria - Notas sobre a estratégia discursiva do Planejamento Estratégico
Urbano.” In A Cidade do Pensamento Único. Editora Vozes, 2000.
20
Arantes, Otília. Urbanismo em fim de linha. São Paulo: EDUSP, 1998.
21
Maricato, Ermínia. “As idéias fora do lugar e o lugar fora das idéias”, in Otília Arantes; Carlos Vainer & Ermínia
Maricato. A cidade do pensamento único. Petrópolis, Vozes, 2000.
22
Silva, Eugenio. “O Planejamento Estratégico sem plano: uma análise do empreendedorismo urbano no Brasil.”
Revista de Geografia e Ordenamento do Território, n.º 2 (Dezembro). Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento
do Território, 2012.
Segundo Portas, enquanto por intervenção urbana entende-se um conjunto de
programas e projetos que incidem sobre os tecidos urbanizados dos aglomerados
tendo em vista a sua reestruturação ou revitalização funcional, por recuperação ou
reabilitação arquitetônica, ou ainda reapropriação social e cultural, compreende-se
o uso estratégico de recursos culturais tendo por objetivo o desenvolvimento local
(Portas, 1998 apud Pasquotto, 2010)23.

Renovação urbana, termo criado em 1950, incluía diferentes programas para a


transformação da estrutura urbana, conservação envolvendo reabilitação ou demolição
e redesenvolvimento, enquanto movimento modernista de adaptação das cidades às
necessidades da vida moderna, perspectiva de solução num contexto de crise pós-
guerra e urgências econômicas e sociais. O termo revitalização surge em 1960 como
proposta de atribuir novas funções e formas às arquiteturas e paisagens urbanas
constituídas, associado à preservação do patrimônio histórico. Na década de 1990
começou a ser questionado por gerar expulsão da população residente e interferir
nas dinâmicas locais, identidade, memória e estética. Na tentativa de se adequar às
propostas e enfoques, surgem então outros termos – reconversão, recomposição,
32 reciclagem, regeneração, reocupação, dentre outros. Já reabilitação veio como
tendência do novo milênio, no sentido de origem e estabelecimento dos direitos,
em ações integradas de recuperação de uma área urbana, implicando restauros
arquitetônicos e revitalização do tecido econômico e social (Pasquotto, 2010).

Este assunto assume particular relevância para esta investigação, que pretende
debater formas de intervenção no espaço urbano que atuam na tentativa de recuperar
áreas urbanas em estado de degradação, em associação a um projeto de pesquisa
que busca contribuir para a melhoria local de forma democrática e participativa, com
interesse nas necessidades reais dos habitantes e sua manutenção, na preservação
do patrimônio histórico e cultural, e na possibilidade de criação coletiva e autogestão.
Para tanto, fez-se necessário refletir sobre os termos associados a essas possibilidades
de intervenção, os possíveis processos de gentrificação decorrentes e a busca de
alternativas mais includentes e democráticas de produção do espaço urbano.

23
Pasquotto, Geise. “Renovação, Revitalização e Reabilitação: reflexões sobre as terminologias nas intervenções
urbanas.” Revista Complexus – Instituto Superior de Engenharia Arquitetura E Design – Ceunsp, Salto-Sp, Ano. 1,
N.2, P. 143-149 , Setembro de 2010.
Estudo de caso: Parque do Minhocão (São Paulo, Brasil)
Possui características semelhantes ao terrenos desta investigação, por ter sofrido
intensa degradação a partir da construção de um grande empreendimento público,
no caso o elevado Presidente Costa e Silva, possuir localização estratégica e ter
passado por muitas transformações em sua ocupação social. Sua desativação
gradativa foi estabelecida no Plano Diretor Estratégico e se discute saídas para a
“cicatriz urbana” que representa, desde sua demolição à implantação de um parque
(como o High Line em Nova York). Em meio às complexidades envolvidas nessa
decisão e às críticas diversas ao planejamento urbano corrente, “principalmente
relacionadas a tendência de aumentar a exclusão social, a ausência de participação
popular no processo de planejamento e o controle do processo de desenvolvimento
urbano pelo setor privado” (Barbosa, 2012), o tráfego foi suspenso no período
noturno e aos domingos, com apropriação da população e sua utilização como
palco para atividades culturais e de lazer.

33

Fonte: http://minhocao.org

Estudo de caso: Folly for a Flyover (Londres, Inglaterra)


Projeto de instalação temporária do Assemble Studio para demonstrar o potencial
de transformação de um espaço subutilizado de baixo de uma rodovia desativada.
Foi construído por 200 voluntários, com material reutilizado e mais de 40 mil
visitantes. A variada programação contou com teatro e cinema, café, passeios
de barco e workshops. Após o sucesso, recebeu investimento público para
funcionamento permanente.

www.assemblestudio.co.uk
2.3 Microplanejamento de práticas urbanas

Nesse mundo complexo de interações fluidas e fugazes, as pessoas perderam sua


conexão com o espaço público, desde a sua percepção mais sutil e quotidiana, de
experiência sensível ao caminho percorrido, em relação com o tempo e a memória;
à consciência política sobre seus direitos e responsabilidades de sua participação
individual e coletiva na sociedade. O direito ao espaço, enquanto produto e palco
de expressão e manifestação, deveria ser acessível a todos de forma democrática
e inclusiva. Como alternativa ao tipo de planejamento urbano corrente, muitos
profissionais de áreas como a arquitetura e o urbanismo, arte e design, buscam
novas formas de intervir no espaço público, através da participação social em
projetos de escala mais humana. Surgem linhas como o “Urbanismo Tático” e o
“Placemaking”, que pretendem construir lugares a partir do sentido produzido pelas
relações entre as pessoas e sua conexão com o espaço, das questões, interesses,
desejos e sentimentos das comunidades que o habitam.

O Placemaking é uma abordagem de transformação dos espaços públicos através


34
da ação coletiva da comunidade que o habita, suas identidades físicas, sociais e
culturais, seus ativos, desejos, ideias e necessidades. Pretende fortalecer a conexão
entre as pessoas e os lugares através de um processo colaborativo de reimaginação
e apropriação dos espaços cotidianos potenciais, guiado por ferramentas e
princípios próprios que têm o objetivo de ajudar as comunidades a integrar diversas
opiniões em uma visão compartilhada, traduzir em um plano e implementar de forma
sustentável (Project for Public Spaces - PPS)24.

Embora o termo seja utilizado desde meados dos anos 90, o pensamento que o
inspira surgiu nos anos 60 com as ideias inovadoras de desenhar as cidades para as
pessoas, seguindo o exemplo de Jane Jacobs. Em 1961, Jacobs faz um ataque aos
fundamentos do planejamento e da reurbanização ora vigentes (Jacobs, 2000)25,
baseados em princípios e objetivos modernos e ortodoxos. Considera as cidades um
imenso laboratório de fracassos e sucessos em termos de construção e desenho,
onde o planejamento urbano deveria aprender, elaborar e testar suas teorias. Mas,
ao invés disso, os especialistas e teóricos ignoram o cotidiano das cidades reais e
seguem teorias prontas que acabam por saquear as cidades, expropriar pessoas
e comunidades, destruir pequenos negócios. Defende a diversidade como meio

24
http://www.pps.org/
25
Jacobs, Jane. Morte e vida de grandes cidades. Martins Fontes, 2000.
capaz de garantir a vitalidade urbana, a partir de um ponto de vista da prática
cotidiana e da combinação de usos.

Para conceituar o uso dos bairros, Jacobs afirma que a palavra “vizinhança” é
prejudicial ao planejamento urbano enquanto conceito sentimental, pois “dá lugar
a tentativas de transformar a vida urbana num arremedo da vida em cidades de
pequeno porte ou subúrbios” (Jacobs, 2000: 123). Segundo Bauman, “’comunidade’
é, hoje, a última relíquia das utopias da boa sociedade de outrora; é o que sobra
dos sonhos de uma vida melhor, compartilhada com vizinhos melhores, todos
seguindo melhores regras de convívio” (Bauman, 2001: 108). Para Sennett (2002),
a cooperação contribui para a qualidade da vida social e a comunidade parece um
cenário indicado para isso; a questão é saber como desenvolver um sentimento
íntimo de finalidade e propósito através da cooperação comunitária.

O arquiteto Marcos L. Rosa (2013) parte do resgate da cooperação proposto


por Richard Sennett para analisar iniciativas comunitárias como possibilidade de
reconstruir coletivamente os espaços urbanos em escala local, a partir das habilidades
dos cidadãos em apresentar soluções para os desafios do cotidiano através da
criatividade e dos recursos disponíveis (Rosa, 2013). Em “Microplanejamento de 35
práticas urbanas criativas” (2011), Rosa faz uma documentação do que denomina de
micropráticas, ações em microescala com base em práticas sociais e apropriações
coletivas, chamando a atenção para a importância de iniciativas bottom-up na
configuração da paisagem urbana. Os casos estudados em seu livro (São Paulo,
Brasil) são auto-organizados pela populações locais como respostas emergentes à
falta de espaços de coexistência com qualidade na escala humana, resultados de
processos de urbanização que produziram espaços residuais, que passam a receber
interesse renovado potencial pela prática criativa, representando uma possibilidade
de reestruturação urbana comprometida com a escala local (Rosa, 2011).

Para tal análise, Rosa fundamentou-se no conceito de desenho tático de Michel


de Certeau e o definiu como “ações isoladas ou eventos que tiram vantagens de
oportunidades oferecidas por aberturas em sistemas estratégicos” (Rosa, 2011).
De Certeau (1994)26 diferencia as táticas das estratégias a partir das relações de
força e poder, as quais as estratégias buscam manipular com delimitação de um
lugar próprio que permite capitalizar vantagens adquiridas e preparar expansões
futuras, com privilégio às relações espaciais. As táticas, por sua vez, dão pertinência
ao tempo, às circunstâncias do instante, às relações entre momentos, é ação em

26
Certeau, Michel de. A invenção do cotidiano. Vozes, 1994.
movimento no campo do outro (Certeau, 1994).

Portanto, os projetos analisados por Rosa representam “táticas” urbanas locais que
pretendem repensar a cidade como um campo de experimentação e reinterpretação
dos espaços de encontro, criando novas conexões e redes estratégicas que podem
ser absorvidas pelo planejamento urbano como forma de lidar com a complexidade.
Propõe então uma “estratégia de práticas urbanas criativas em rede” (Rosa,
2011) como uma nova forma de urbanismo de baixo para cima, em que ações
de resistência e valorização das especificidades locais podem ser conectadas
estrategicamente e integradas ao planejamento urbano tradicional para a criação
de modelos participativos mais democráticos.

“Aceitamos a cidade real, como um produto de decisões políticas, projetos e vontades


coletivas e pessoais e acreditamos existir nessa cidade enorme potencial para
reorganização, rearticulação, recodificação. Indicamos a tarefa de mapear os campos (...)
e, por fim, apontamos para a necessidade de entender e propor mecanismos coerentes
aos campos e potencial identificados. Chamamos essa tarefa de microplanejamento”
(Rosa, 2011: 20).

36
Domenico Di Siena (2015)27, arquiteto e investigador de processos de inovação
urbana e cívica, parte do conceito de “Cidade Open Source” como um espaço
de “código aberto”, em que os cidadãos têm acesso à informação de sua gestão
e podem adquirir um protagonismo nos processos de criação e transformação
da cidade. Com isso, defende um “Urbanismo Tático”, um conjunto de ações e
micro-ações auto-organizadas pelos próprios cidadãos de forma espontânea com
o objetivo de modificar e/ou melhorar os espaços que habitam. Dessa forma, a
cidade volta a ser entendida como um espaço de produção social (em referência a
Lefebvre) num processo contrário à visão top-down que caracteriza o planejamento
urbano tradicional.

Os projetos e teorias que se aproximam dessa perspectiva contemporânea de


um urbanismo mais democrático estão associados a um envolvimento com a
comunidade local e suas dinâmicas sociais, valorizam a participação, a colaboração
e o compartilhamento e representam uma mudança de paradigma na abordagem
ao espaço urbano. A presente investigação tem a intenção de explorar essas
possibilidades a partir da disciplina do design, mas em diálogo constante com os
outros campos envolvidos, em entendimento do caráter transdisciplinar do tema.

27
Di Siena, Domenico. Innovación Urbana - Territorio, Ciudadanía, Tecnología e Inteligencia Colectiva. 2015
Estudo de caso: Acupuntura Urbana (São Paulo, Brasil)
O “Acupuntura Urbana” é um negócio social que atua na ocupação e transformação
dos espaços públicos através do resgate, valorização e conexão das memórias
e sentimentos sobre um espaço, ativando o sentimento de comunidade para
transformar o espaço em lugar. Utilizam “mapeamentos afetivos”, dinâmicas
de integração e ferramentas de design thinking para realizar ocupaçãoes e
transformações urbanas colaborativas com os moradores locais.

Fonte: http://acupunturaurbana.com.br

Estudo de caso: Atelier d’Architecture Autogérée (Paris, França)


37
Estúdio de arquitetura que tem como objetivo contribuir para a construção de
cidades mais ecológicas e democráticas, através de práticas sociais, políticas
e culturais que estimulem as pessoas à autogestão dos espaços urbanos não
utilizados. O projeto “Le 56 / Eco-interstice”, em Paris, contou com a parceria
entre estruturas governamentais, organizações locais, moradores locais e uma
associação profissional de eco-construção para a ativação de uma passagem
fechada desde os anos de 1980. A partir de uma consulta pública sobre o futuro do
local, foi criado um espaço de gestão coletiva para acolher encontros, exibições,
workshops, jogos e atividades em torno da gastronomia e horticultura.

Fonte: http://www.urbantactics.org/
http://rmitallchange.weebly.com
Fotografia tirada em campo -
Rio Comprido, Rio de Janeiro
(2015).

38
3. Design para um mundo complexo
3.1 Desmaterialização e campo expandido

“Precisamos integrar ainda mais projeto e pesquisa, prática


profissional e atividades culturais, sem perder de vista a natureza
essencial do design como atividade projetual, capaz de viabilizar
soluções sistêmicas e criativas para os imensos desafios do mundo
complexo.” (Cardoso, 2010: 253)

No livro “Design para um mundo complexo” (2010)28, o historiador do design Rafael


Cardoso desafia designers e educadores da área a repensarem o papel e prática da
disciplina no mundo contemporâneo. Em retomada crítica à discussão proposta em
“Design para um mundo real” por Victor Papanek (1972, apud Cardoso, 2010), que
defendia uma atuação dos designers que se orientasse a partir de um engajamento
com o contexto de ação, atualizam-se as transformações advindas em tempo real
pela explosão digital da “era da informação” (Cardoso, 2010). Papanek tornou-se
ícone na discussão entre design e sustentabilidade, apontando para problemas 39
do “mundo real” fortemente presentes ainda hoje - miséria, exploração, violência
e degradação. Cardoso sugere que os designers repensem velhos conceitos e
busquem novos valores diante da complexidade que assumiram as questões da
atualidade a partir do excesso de informação e da desmaterialização dos artefatos.

Para entender a expansão da disciplina, busca-se uma associação à estrutura do


“campo expandido” proposta por Rosalind Krauss, em 197929, como uma abordagem
pós-moderna à atuação da escultura para além dos seus limites tradicionais. A partir
da visão de problematização do conjunto de oposições, a escultura assume uma
condição negativa da lógica do monumento e passa a abranger a (não) arquitetura
e a (não) paisagem como novo conjunto de possibilidades (Krauss, 2009). Antes de
se declarar um processo de questionamento de convenções, é necessário definir a
categoria ou, “ao ser forçada a abranger campo tão heterogêneo, corre o perigo de
entrar em colapso” (Krauss, 2009: 131).

O design é uma área do conhecimento recente e enfrenta o olhar desconfiado e


crítico de outras disciplinas sobre sua legitimidade e consistência. Sendo suas

28
Cardoso, Rafael. Design para um mundo complexo. Editora Cosac Naify, 2011.
29
Krauss, Rosalind. “A Escultura no Campo Expandido.” In Revista Gávea, R. Janeiro 1, [1979] 2009.
definições ainda muito questionadas e debatidas, em constante processo de
delineamento e transformação, apropria-se de algumas referências teóricas para
sua conceptualização:

“A origem da palavra está na língua inglesa, na qual o substantivo design se refere tanto
à ideia de plano, desígnio, intenção, quanto à de configuração, arranjo, estrutura (...). A
origem mais remota da palavra está no latim designare, verbo que abrange ambos os
sentidos, o de designar e o de desenhar. Percebe-se que, do ponto de vista etimológico,
o termo já contém nas suas origens uma ambiguidade, uma tensão dinâmica, entre um
aspecto abstrato de conceber/projetar/atribuir e outro concreto de registrar/configurar/
formar” (Cardoso, 1999: 16).

Além do sentido etimológico evasivo, do ponto de vista histórico o design possui


formação imprecisa. As atividades que englobam o trabalho do designer existem há
muito tempo, em outros contextos e sem essa denominação, porém foi a partir da
primeira Revolução Industrial que se tornou necessário “estabelecer o design como
uma etapa específica do processo produtivo e de encarregá-la a um trabalhador
especializado” (Cardoso, 1998). A categoria é formalizada, portanto, no âmbito
da produção industrial, como uma atividade projetual para a criação de artefatos
40
por meios mecânicos, associando-se ao mundo capitalista do consumo e logo se
expandindo para as mercadorias impressas (design gráfico).

O design é uma disciplina que projeta coisas e formas, “visa dar existência concreta
e autônoma a ideias abstratas e subjetivas” (Cardoso, 1998: 19), investindo-lhes
funções e significados simbólicos que dependem de uma dinâmica sociocultural.
Segundo Gui Bonsiepe (2011)30, o designer observa o mundo a partir da projetualidade,
possibilita novas experiências na vida cotidiana numa sociedade, através de um
envolvimento com o contexto e o usuário, constante conexão interdisciplinar com
as áreas envolvidas e incansável pesquisa e experimentação, sempre a partir de
um enfoque integrador desses elementos, com orientação para a concretização de
um futuro. Independente da popularização e banalização do termo, muitas vezes
confundindo a atividade do designer enquanto projetista com a aparência superficial
das coisas, acredita-se que muitos designers perderam o fundamento da sua prática
e se distanciaram “cada vez mais da ideia de ‘solução inteligente de problemas’, se
aproximando do efêmero, da moda, do obsoletismo rápido, do jogo estético-formal,
da glamourização do mundo dos objetos” (Bonsiepe, 2011: 18).

30
Bonsiepe, Gui. Design, cultura e sociedade. São Paulo: Blucher, 2011.
Hoje, o design está em praticamente tudo com que interagimos, é responsável pela
formação da maior parte da cultura material de uma sociedade e tem um papel
fundamental na forma do mundo como percebemos e como queremos construir no
futuro. Entretanto, costuma ter seu trabalho ditado pelas demandas do mercado,
sem a possibilidade de ação autônoma no sistema social. O design sempre esteve
associado ao capitalismo industrial e teve participação fundamental na construção
de suas representações de progresso, como o comércio e a tecnologia. Porém,
segundo Bruno Latour (2014)31, o entendimento sobre o design cresceu da dicotomia
entre função e estética em “compreensão” – com apropriação de todos os aspectos
possíveis de uma coisa – e em “extensão” – aplicável a estruturas cada vez maiores
de produção (Latour, 2014).

Sobre a expansão do design e as “alternativas viáveis em um mundo complexo”,


John Thackara (2008)32 contribui para o pensamento crítico sobre a inovação
focada na tecnologia, que nos deixou dependentes, levou à destruição impensada
de culturas tradicionais e à desumanização do trabalho. Sugere a necessidade
de se olhar para a tecnologia como plataforma para a mudança social, como
ferramenta a ser explorada, recombinada e conectada; e não como objetivo final.
41
“Nessa nova era de inovação colaborativa, os designers estão tendo de evoluir de
autores individuais de objetos, a facilitadores da mudança entre grandes grupos de
pessoas.” (Thackara, 2008: 21)

Os avanços tecnológicos recentes são imensos, possibilitaram uma realidade


antes impensável e trouxeram benefícios inegáveis para a sociedade. Tudo está
conectado: pessoas de todas as partes do planeta, culturas absolutamente
diferentes, profissionais, ideias, pensamentos. Há grande variedade e alta
velocidade de informações e interações, gerando um ambiente fluido, em constante
interferência e transformação. E esse sistema complexo, dinâmico e digital produziu
profundas transformações na disciplina do design, reavaliando valores, objetivos e
metodologia, e reforçando-se como uma atividade estratégica para a geração de
alternativas integradas para os novos desafios do mundo contemporâneo.

Quanto à tipologia de projetos, o design expande sua atuação a partir de um


processo de desmaterialização de seus objetos, surgindo áreas como o design
de serviços, de interações, de organizações e de sistemas. Enquanto propósito, a
disciplina volta seu olhar para as questões sociais e ambientais, em perspectivas

31
Latour, Bruno. “Um Prometeu cauteloso?: alguns passos rumo a uma filosofia do design (com especial atenção a
Peter Slotedijk).” Agitprop: revista brasileira de design, São Paulo, v. 6, n. 58, jul./ago. [2008] 2014.
32
Thackara, John. Plano B: o design e as alternativas viáveis em um mundo complexo. São Paulo: Saraiva, 2008.
como o Design Social, para Inovação Social, Design Sustentável, Impact Design
etc. Como abordagem metodológica, dirige seu foco para as pessoas, a partir do
User-centered Design ou Human-centered Design, e através do Design Thinking,
Participatory Design e Co-Design, em que os atores são incluídos no processo como
criadores de alternativas para seus próprios problemas.

Para Latour, “a proliferação do termo design ocorre num momento em que há mais
coisas a fazer, agora que todo o tecido da vida é objeto de interesse devido à crise
ecológica” (Latour, 2014: 8) e “a reconstrução de nossa vida na Terra deve ser
levada a cabo com uma atitude exatamente oposta às atitudes revolucionárias e
modernizantes” (Latour, 2014: 11). Esse seria um ponto de partida para estender as
questões do design à política, tendo como principal desafio o desenvolvimento de
ferramentas para “agrupar através do desenho” as questões de interesse, de modo
a dispor alguma visão sobre as dificuldades envolvidas (Latour, 2014).

Em “Democratic Design Experiments” (Binder et al, 2015)33, Thomas Binder e os


outros autores exploram o potencial democrático da participação em processos
de design, a partir da experiência teórica e prática do Participatory Design, que
42 teve abordagem inicial voltada para a democracia no trabalho e depois estendida
a questões de interesse público. Em resposta aos desafios propostos por Latour
de “tornar as coisas públicas”, consideram que o codesign pode ter um papel
importante na democratização da democracia, enquanto um processo contínuo de
fazer, reparar e desfazer alinhamentos e conexões sócio-materiais, preparando as
condições para discutir questões controversas no sentido de facilitar contradições,
oposições e discordâncias por meio do engajamento (Binder et al, 2015).

A seguir, serão analisados particularmente os campos e abordagens do design


relevantes para esta investigação, com interesse em contribuir para enfrentar as
questões sociais do mundo contemporâneo, reduzir as desigualdades e ampliar
a democracia, deslocando o papel dos designers de provedores de soluções
direcionadas a problemas objetivos para o de facilitadores e catalisadores de
questões compartilhadas. Tal como a arte em seu campo expandido, pretende
explorar os “espaços relacionais” sob “o pressuposto que a conversa, o relacional,
o transitório, e o experiencial se articulam, ou podem articular, como catalisadores
dinâmicos daquelas instâncias em que a prática e o pensamento demonstram, em
variados graus de intensidade, a impossibilidade de uma arte alienada do político
enquanto domínio dialógico” (Vaz-Pinheiro, 2012: 11)34.

33
Binder, Thomas, et al. “Democratic design experiments: between parliament and laboratory.” CoDesign 11.3-4:
152-165, 2015.
34
Vaz-Pinheiro, Gabriela (Ed.). Espaços Relacionais: Um novo campo expandido para a arte e pensamento. i2ads,
FBAUP, Porto: 2008.
3.2 Design para a inovação social

“Nossas motivações para nos ligar ao discurso da inovação social é a crença nos
princípios democráticos e um interesse em como o design pode desempenhar um
papel na exploração de novas possibilidades para criar um mundo mais sustentável,
igual e justo” (Ehn, 2014: 22).35

Os interesses da investigação se identificam com os do Design para a Inovação


Social a partir do conceito explorado por Ezio Manzini em suas publicações e atuação
profissional através da DESIS Network (Design for Social Innovation and Sustainability)36.
Para Manzini, a inovação social está para o design hoje como a inovação tecnológica
esteve no século XX: como estímulo e objetivo. O Design para a Inovação Social não
seria uma nova disciplina, mas um novo olhar sobre o papel do design no mundo e o
que pode fazer com e para as pessoas que o habitam. Sua abordagem é participativa
e centrada no ser humano enquanto indivíduo e em comunidade, através do estímulo
e suporte a processos colaborativos com o objetivo de recombinar recursos existentes
para criar novas funções e significados em conjunto com os atores envolvidos, na
43
transição para uma sociedade sustentável (Manzini, 2015).

“A expressão ‘sustentabilidade ambiental’ refere-se às condições sistêmicas a partir das


quais as atividades humanas, em escala mundial ou em escala local, não perturbem
os ciclos naturais além dos limites de resiliência dos ecossistemas nos quais são
baseados e, ao mesmo tempo, não empobreçam o capital natural que será herdado
pelas futuras gerações” (Manzini, 2008: 22).

Tendo o designer contribuído bastante para a formação da sociedade do consumo


responsável pela devastação do meio ambiente, seu desafio é colaborar para a
descontinuidade desse sistema sócio-técnico insustentável (Manzini, 2008). O
Design para a Inovação Social atua no processo de mudança de paradigma que se
trabalhou nesta investigação, no sentido de direcioná-la para a construção de um
mundo mais saudável, visto que não se sabe que caminhos esse processo pode
tomar. Acredita que é possível intervir nesse sistema complexo através do estímulo,
fortalecimento, replicação e conexão de iniciativas representativas de novos estilos
de vida (“fissuras”), baseadas em interações e expectativas de bem-estar mais
condizentes com a capacidade de absorção do mundo real.

35
“Our motivations for attaching ourselves to the discourse of social innovation are a belief in democratic principles
and an interest in how design can play a part in exploring new possibilities to create a more sustainable, equal, and
just world” (Tradução própria). Ehn, Pelle, Elisabet Nilsson, and Rrichard Topgaard. Making Futures: Marginal Notes
on Innovation, Design and Democracy. London: The MIT Press, 2014.
35
http://www.desis-network.org/
“Nós definimos inovações sociais como novas ideias (produtos, serviços e modelos)
que atendem simultaneamente as necessidades sociais e criam novas relações ou
colaborações. Em outras palavras, elas são inovações que são tanto boas para a
sociedade como aumentam sua capacidade de ação.” (Murray, 2010:3)36

Considerando que as capacidades criativas e de inovação são inerentes ao


ser humano, “somos todos designers”, sendo que alguns transformaram tais
habilidades em profissão. O objetivo dessa nova perspectiva do design é atuar
profissionalmente dentro de comunidades e organizações colaborativas, de modo a
despertar, incentivar e apoiar mudanças de comportamento para além do instituído
pelas convenções sociais, em movimento de troca coletiva e dinâmica. O profissional
de design pode ter o papel de “facilitador”, dando suporte e visibilidade a casos
existentes de inovação social; de “ativista”, gerando novas iniciativas colaborativas;
de “estrategista”, através de uma atuação mais sistêmica, promovendo diferentes
ações em conexão; ou de “promotor cultural”, provendo ferramentas para uma
questão mais prática e objetiva (Manzini, 2015).

Para isso, propõe a utilização de ferramentas visuais e produtos de design que


44 tornem os projetos e iniciativas visíveis e tangíveis, e uma abordagem orgânica
de contínuo encontro e ação que produza condições para criação de uma
“infraestrutura”37 favorável à inovação (Per-Anders et al, 2011, apud Manzini,
2015). Através de um planejamento regional baseado em diferentes projetos, o
designer inicia o trabalho num sentido bottom-up, envolvendo as pessoas, suas
motivações e redes, numa visão estratégica e compartilhada de futuro, promovendo
organizações e iniciativas locais, comunicando e integrando todo o processo.

Através do projeto de pesquisa, esta investigação busca colocar em prática


conceitos e indicadores dessa abordagem do design, com aplicação no espaço
público urbano, tendo como contexto o bairro do Rio Comprido (Rio de Janeiro,
Brasil) e sua comunidade envolvente. A partir da experiência prévia em design
gráfico, foram desenvolvidas ferramentas visuais como estímulo para as conversas
sociais e também como produto para dar visibilidade às questões de interesse.

36
“We define social innovations as new ideas (products, services and models) that simultaneously meet social
needs and create new social relationships or collaborations. In other words, they are innovations that are both good
for society and enhance society’s capacity to act” (Tradução própria). Murray, Robin, Julie Caulier-Grice, and Geoff
Mulgan. The open book of social innovation. National endowment for science, technology and the art - NESTA, 2010.
37
“Infrastructuring is characterized by a continuous process of building relations with diverse actors and by a quite
flexible allotment of time and resources. This more organic approach facilitate the emergence of possibilities along the
way and new design opportunities can evolve through a continuous match-making process” (Per-Anders et al, 2011,
apud Manzini, 2015: 152).
Estudo de caso: Amplifying Creative Communities (Nova York, EUA)
O projeto foi realizado em algumas “comunidades criativas” de Nova York,
proporcionando visibilidade e expansão para iniciativas espontâneas que
desenvolvem estilos de vida e de trabalho mais sustentáveis como solução para
os seus problemas cotidianos, gerando inovação social. Ações articuladas:
mapeamento de iniciativas; desenho de cenários para promover sinergia de ideias
compartilhadas; toolkits para estimular novas iniciativas; comunicação de inovação
social sustentável através de exposições, workshops e website.

Fonte: www.amplifyingcreativecommunities.org/

45

Estudo de caso: Creative Citizens (Milao, Itália)


É um experimento entre residentes de uma comunidade particular, em que foi
criado um espaço de encontro entre os moradores locais, designers, instituições
e stakeholders para projetar de forma colaborativa serviços cotidianos através de
sessões de co-design, visando possíveis articulações com o setor público e a
criação de novos serviços, a paritr das necessidades e oportunidades identificadas.

Fonte: http://www.cittadinicreativi.it/
3.3 Design Anthropology

O Design Anthropology é um campo de interface interdisciplinar em expansão que


conjuga o compromisso com a observação e a descrição à criatividade orientada
para o futuro, na busca de um engajamento dialógico e exploratório com o mundo
e sua transformação. Ingold (2011) propõe uma aproximação disciplinar, não do
Design como objeto de análise antropológica, mas uma antropologia com ou por
meio do design, em que o conhecimento parte de dentro do contexto, num processo
de movimento e ação reflexiva, em correspondência às dinâmicas de crescimento e
transformação das pessoas envolvidas (Ingold, 2013).

O campo Design Anthropology nasce de um processo mais amplo de expansão


e questionamento das ciências e, particularmente, das necessidades específicas
disciplinares. Por um lado, o design busca se envolver com o contexto e aprofundar
o conhecimento de suas questões de forma mais crítica. Por outro, a Antropologia
deseja se redirecionar à vida, de modo que o “compromisso com a observação e
a descrição esteja conjugado a um engajamento propositivo no sentido de uma
46 transformação” (Anastassakis, 2013: 182). Assim, a aproximação interdisciplinar
cria um campo híbrido de produção de conhecimento que pretende desconstruir
as formas de fazer consolidadas, através de um envolvimento comprometido com
o contexto de estudo e o desenvolvimento de novas estratégias e práticas que
respondam aos desafios sociais contemporâneos.

Nos últimos anos, o design incorporou o conhecimento antropológico como parte


do processo de pesquisa para uma abordagem etnográfica centrada no usuário,
buscando informações mais precisas sobre suas necessidades e experiências. A
antropologia, por sua vez, se aproximou do design como objeto de análise, a partir
da antropologia crítica do design, além de utilizar o design como inspiração para
desafiar os métodos clássicos de trabalho de campo. O Design Anthropology surge
como uma combinação dos modos de produção do conhecimento, com práticas
próprias de pesquisa e posicionamento intervencionista no contexto de atuação.
Dá continuidade à proposta de Ingold, de explorar “uma antropologia por meio do
design” (Ingold, 2013), em correspondência aos fluxos da vida de forma experimental
e improvisatória, como colaboração entre profissionais e cidadãos para a co-criação
de alternativas possíveis para o futuro.

Segundo Ingold (2013), o design tem que corresponder ao mundo, ou seja, “abrir
nossa percepção ao que está acontecendo lá fora, para que, por sua vez, possamos
responder a ela” (Ingold, 2013: 7)38. É seguir as esperanças e sonhos das pessoas,
os fluxos e mudanças. Nesse sentido, sugere-se que o design é um processo de
improvisação, pela perspectiva do movimento, e não de inovação, que seria um
olhar para os resultados. Isso significa “reconhecer que a criatividade do design não
é encontrada na novidade de soluções prefiguradas para os problemas circundantes
percebidos, mas na capacidade dos habitantes em responder com precisão às
sempre mutáveis circunstâncias de suas vidas” (Gatt & Ingold, 2013: 145)38.

Como apontam Otto e Smith (2013), um dos desafios do Design Anthropology é


desenvolver ferramentas e práticas para a criação colaborativa de futuros possíveis,
além de métodos de intervenção, articulados por equipes multidisciplinares em
processos de design e inovação. Nesse processo, enquanto o design fornece
inspiração para a antropologia aprimorar suas práticas de investigação, a
antropologia traz a profundidade da contextualização e interpretação às questões
do design, além de desafiar a extensão do tempo horizontalmente. Portanto, a tarefa
do Design Anthropology é “integrar e desenvolver qualidades tradicionais em novos
modos de pesquisa e colaboração, trabalhando em direção à transformação, sem
sacrificar a empatia e a profundidade de compreensão” (Otto e Smith, 2013: 4-5)40.

O trabalho de campo projetual antropológico é uma experimentação colaborativa


que envolve as pessoas no processo social de imaginação coletiva através de
artefatos mediadores que provoquem a reflexão e estimulem diálogos e discussões 47
através da prática, que se modifica na continuidade de ideias em transformação. É
uma abordagem que opera “na interseção entre as práticas e contextos do uso e
do projeto, enquadrando e desafiando compreensões através de um engajamento
holístico que seja ao mesmo tempo material e crítico e se dê entre o campo e o
estúdio de projeto” (Anastassakis, 2015).

O estudo e projeto de pesquisa aqui apresentados vão ao encontro dos conceitos do


Design Anthropology com o intuito de contribuir para o entendimento e consolidação
desse campo emergente, através do desenvolvimento de novas formas de interagir
no terreno com as pessoas e de métodos conjugados de observação, movimentação
e imaginação. Insere-se no Laboratório de Design e Antropologia (LaDA)41, que tem
o objetivo de explorar possíveis articulações entre ensino, pesquisa e extensão, em
um “ambiente ampliado de experimentação e discussão crítica sobre as interfaces
possíveis entre design e antropologia” (Anastassakis, 2013: 191).

38
“(... ) open up our perception to what is going on there so that we, in turn, can respond to it” (Tradução própria).
39
“This is to recognize that the creativity of design is found not in the novelty of prefigured solutions to perceived
environmental problems but in the capacity of inhabitants to respond with precision to the ever-changing circumstances
of their lives.” (Tradução própria).
40
“The task for design anthropology is to integrate and develop these traditional qualities into new modes of research
and collaboration, working toward transformation without sacrificing empathy and depth of understanding.” (Tradução
própria). Gunn, Wendy; Donovan, Jared. (Eds.) Design and Anthropology: Anthropological studies of creativity and
perception. London: Ashgate, 2012.
41
O LaDA é liderado pela professora pesquisadora Zoy Anastassakis, co-orientadora da presente investigação, e
instalado na Escola Superior de Desenho Industrial da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (ESDI/UERJ).
3.4 Co-Design: experimentos, ferramentas e metodologias participativas

Com intuito de construir o método de trabalho para esta investigação, a partir do


interesse na participação social e ampliação da democracia, foram pesquisadas
diferentes metodologias e ferramentas que viabilizassem a participação de ‘não
especialistas’ no processo de construção do espaço. A abordagem participativa
do design contemporâneo seguida tanto pelo Design para a Inovação Social como
pelo Design Anthropology tem raízes no Participatory Design. Aqui será apresentada
uma breve contextualização histórica dessas metodologias participativas, além
da análise de ferramentas utilizadas por esses campos do design, associadas
às experimentações realizadas durante a trajetória do processo e projeto desta
investigação que aqui se apresenta.

Co-Design está referenciado ao Design Colaborativo e se baseia em metodologias


conceituadas como do Design Centrado no Usuário, do Design Participativo e
da Etnografia. Investiga alternativas futuras para problemas complexos a partir
de abordagem transdisciplinar e dialógica entre parceiros e atores. Pode ser
48
considerado um conjunto de práticas experimentais que articulam as existentes
com novas possibilidades de atuação, gerando conhecimento com transformação
constante (Fonte: Codesign Research Center, parte da Royal Danish Academy of
Fine Arts – School of Design)42.

De acordo com Simonsen e Robertson (2013)43, o Participatory Design surgiu durante


os movimentos sociais, políticos e de direitos civis dos anos 60 e 70, na Europa, mais
especificamente na Escandinávia. Associado à tecnologia da informação, tinha o
objetivo inicial de melhoria da qualidade de vida nos espaços de trabalho através da
introdução de computadores, com a participação dos usuários no processo como
atores experientes sobre as questões que os afetariam. Durante todos esses anos,
foram desenvolvidos métodos, ferramentas e técnicas que engajassem designers e
não designers na exploração coletiva de ideias e visões futuras através de exercícios
de visualização, simulação, experimentação e reflexão contínua. A partir da
importância da atividade coletiva, diferentes abordagens participativas consolidaram
o campo através da prática profissional e também da pesquisa acadêmica e, nos
últimos anos, têm sido aplicados por muitas outras áreas do Design (Simonsen &
Robertson, 2013).

42
www.codesignresearch.com.
43
Simonsen, Jesper & Robertson, Toni. Routledge International Handbook of Participatory Design. New York: Taylor
& Francis Books, 2013.
Alguns autores relacionados ao Participatory Design escandinavo exploram o conceito
de “design things” como uma variação no significado da palavra thing da associação
a objetos materiais para encontros sócio-materiais, ressaltando a importância do
fazer no processo de design. A origem etimológica da palavra thing está relacionada
a assembleia, um lugar onde as pessoas se reúnem para tomar decisões coletivas
sobre o futuro (Koskinen, 2011)44. O termo está, portanto, associado a um lugar
comum para negociar conflitos, discutir ideias e interesses diversos; um espaço com
perspectivas heterogêneas de atores engajados na tentativa de resolver conflitos
e controvérsias, em oposição ao consenso, possibilitando o surgimento de novas
formas de pensar e se comportar, com abertura para interpretações inesperadas.
Esta abordagem do design como um modo de investigação processual cria
estratégias e táticas para serem transformadas através da performance de interação
entre um coletivo de humanos e não humanos (recursos), sem a preocupação de
cumprir etapas pré-definidas. Tem foco no processo de fazer do design, em como
se reunir e colaborar em torno dos assuntos de interesse (Binder, 2011).

“Pensar sobre os artefatos em termos de design significa concebê-los cada vez menos
como objetos modernistas e cada vez mais como “coisas”. Usando minha linguagem: 49
os artefatos estão se tornando concebíveis como conjuntos complexos de questões
contraditórias (lembrando que esse é o sentido etimológico da palavra “thing” em
inglês, bem como em outras línguas europeias). Quando as coisas são consideradas
como bem ou mal elaboradas, elas não se apresentam mais como questões de fato.
Assim, à medida que sua apresentação como questões de fato se enfraquece, seus
lugares entre as muitas questões de interesse são fortalecidos.” (Latour, 2008:6)

Ingold (2012) tem um entendimento ainda mais profundo sobre a “coisa”, que
diferencia do objeto por este ser reconhecido como um fato consumado, fechado e
definido, enquanto que a coisa seria um agregado de fios vitais, um “lugar onde os
aconteceres se entrelaçam” (Ingold, 2012), onde a construção coletiva ocorre em
sintonia com os fluxos da vida.

Portanto, design things são ferramentas e técnicas que agregam as pessoas para
imaginar, discutir e analisar ideias; traduzem interesses em linguagem compartilhada
para mediar questões e comunicar visões, criando espaço para diálogo e discussão;
assumem um papel de mediação de uma investigação com objetivos relacionais
abertos a interpretações (Bjögvinsson, 2012; Koskinen, 2011; Manzini, 2015).

44
Koskinen, Ilpo, Zimmerman, John, Binder, Thomas, Redstrom, Johan, & Wensveen, Stephan “Design things: model
scenarios, prototypes.” in Design research through practice: From the lab, field, and showroom. Elsevier, 2011.
Em articulação às questões do espaço público urbano, ressalta-se a importância
dos argumentos do pesquisador Carl DiSalvo, em “Design and the construction of
publics” (2009), sobre a “construção do público”. Com entendimento pluralista de
um público amplo, inclusivo e múltiplo, os produtos e processos de design devem
contribuir para sua construção, tornando visíveis as questões locais a partir de um
ambiente dialógico e crítico. Assim, o público poderia ser projetável através de
“táticas de design”, em oposição ao conceito de estratégia proposto por De Certeau
(1994) enquanto estruturas de poder que estabelecem modos de ação. As táticas
são os meios desenvolvidos para negociar estratégias que atendam a necessidades
e desejos das pessoas envolvidas em determinado contexto.

Segundo DiSalvo, essas táticas podem ser projetivas, como representação de


possibilidades futuras através da construção de cenários, em aproximação aos
cenários preditivos que Victor Margolin (2001, apud DiSalvo, 2009) diferencia dos
prescritivos, sendo os primeiros referentes ao que poderia acontecer baseado
em fatos sobre a realidade e o segundo ao que deveria ser. E as táticas podem
ser por traçado ou decalque, em que formas projetuais revelam e tornam visíveis
questões de interesse, expressam histórias, discursos e técnicas para dinamizar o
50 conhecimento na direção do engajamento. Os diferentes tipos de táticas podem ser
articulados de forma complementar e com percurso temporal, formando um campo
público em torno das questões identificadas.

Gunn e Donovan (2012)45 sugerem a ideia dos “provótipos” (a partir do conceito


de Mogensen, 1994), como artefatos críticos facilitadores e catalisadores de
atores, entre uma mistura de protótipo com provocação, cujo objetivo é instigar
reflexões sobre as práticas existentes e possibilidades futuras, através de processos
experimentais de imaginação coletiva. São considerados incompletos para
construção conjunta, através de práticas projetuais colaborativas que estimulem o
diálogo e facilitem a imaginação sobre as alternativas de desdobramento. Nesse
processo, os designers abandonam parte do controle e se abrem ao inesperado,
criando espaços de discussão e engajamento contínuo com as pessoas para
pensar em diferentes formas de se abordar as questões sociais compartilhadas,
em experiências projetuais de improvisação em campo intermediadas por esses
artefatos de debate e visualização.

Ao encontro desses conceitos, Zoy Anastassakis e Barbara Szaniecki (Anastassakis


& Szaniecki, 2016) desenvolvem a noção de “dispositivos de conversação” enquanto

45
Gunn, Wendy; Donovan, Jared. (Eds.) Design and Anthropology: Anthropological studies of creativity and perception.
London: Ashgate, 2012.
experimentos de pesquisa e diálogo público no cenário urbano. Articulam o conceito
de dispositivo de Foucault, como um conjunto de estratégias de relações de força que
formam uma rede de conexões entre possibilidades e suas transformações, com o
de conversação, como uma construção compartilhada de discursos possíveis, que
difere da opinião formada por meio da comunicação. Propõem o uso de artefatos
de visualização para construir processos abertos de engajamento e imaginação
coletiva sobre visões possíveis para as questões do espaço urbano, formando
uma estrutura multilateral, horizontal e transversal entre agentes heterogêneos com
diferentes conhecimentos e práticas, em abordagem transdisciplinar.

Em seguimento a essas formulações, serão apresentadas a seguir algumas


possibilidades práticas para aplicação em projetos no espaço público, na
busca de levantar questões de interesse local e pensar em alternativas de forma
compartilhada. Algumas ferramentas foram utilizadas no projeto de pesquisa, outras
serviram para reflexão e inspiração. A criação e aplicação desses experimentos são
sempre relativas ao contexto, portanto variáveis, e não devem ser utilizados como
uma fórmula para o processo projetual.

O mapeamento é uma ferramenta de investigação de problemas e formulação de 51


questões, que utiliza o mapa como base para o diálogo mas que possui caráter
aberto e mutável, como é também o espaço a ser representado. Permite diversos
níveis de informações e múltiplas perspectivas, sintetiza um panorama da situação
e pode ser construído colaborativamente com os habitantes.

Os workshops são espaços de trabalho compartilhados por um grupo


multidisciplinar e multicultural que visa captar diferentes perspectivas, ativar
a imaginação, explorar ideias e criar um entendimento compartilhado. Esse
processo tem caráter experimental e lúdico, com interação social a partir de dados
apreendidos anteriormente em entrevistas e observações, brainstorming coletivos e
desenvolvimento de sketches (Koskinen, 2011).

Outra forma de validar visões, exibir e selecionar ideias, criar entendimento comum
e ouvir novos pontos de vista, é através da realização de exposições públicas com
a participação dos atores locais e outros possíveis interessados. Nesse momento
de encontro, são exibidas as ideias de designers e não designers elaboradas em
momento prévio, através de desenhos, sketches, fotografias, vídeos e cenários,
para serem colocadas em discussão sobre sua validade e consequências futuras,
construindo coletivamente conceitos de design que podem orientar o projeto.

Com a definição dos conceitos de projeto, parte-se para o aprofundamento e


experimentação material, através de protótipos e mock-ups que dão forma às
ideias e permitem testar e interagir com representações do que está sendo projetado,
gerando uma visão compartilhada para seguir adiante.

A construção de cenários atua na mediação entre a pesquisa e o projeto,


buscando representar visualmente, de forma simples e clara, uma teia de interações
que constrói o território de estudo, em um panorama sintético e articulado de um
conjunto de dados complexos, condições e possibilidades de transformações, de
modo a orientar conversas estratégicas entre os atores envolvidos. De acordo com
Manzini e Jégou (2000), os cenários devem apresentar uma visão, demonstrar a
motivação e objetivo, além de conter informações práticas sobre ações concretas
de implementação. Trata-se de uma atividade que objetiva explorar o campo
das possibilidades, enfatiza o confronto e a discussão, visa construir visões
compartilhadas com escolhas projetuais coerentes; é uma plataforma construída
e negociada coletivamente, que serve como mapa de navegação no processo
52 projetual (Reyes, 2010).

No projeto de pesquisa desta investigação, foram recolhidas muitas informações


através do mapeamento participado e entrevistas, que foram então analisadas a
agrupadas em visões compartilhadas, posteriormente trabalhadas sob o conceito
de cenários para representar conceitos e ideias, servindo como orientação para
projetos futuros. Dessa forma, o projeto de pesquisa se configurou um sistema
metodológico aberto, em contínuo processo exploratório de “reflexão-na-ação”
(Schon, 2000, apud Reyes, 2010), em associação ao conceito de metaprojeto de
Carlos Reyes (2010), que engloba pesquisas contextuais e não-contextuais, briefing
e contra-briefing, visão de projeto, proposição de cenários futuros e workshop
para o desenvolvimento de conceitos que guiem a fase projetual seguinte. Não foi
seguida uma linha com etapas previamente definidas, mas construiu-se um avanço
gradativo de acordo com o contexto e seus fluxos, num processo de ‘pensar-fazendo’
em correspondência às necessidades locais, através de elementos projetuais de
interação social e imaginação coletiva.
Estudo de caso: Casa do Vapor (Cova do Vapor, Portugal)
Em projeto colaborativo entre o coletivo Exyzt e a Associação de moradores da
Cova do Vapor, foi criado um espaço efêmero para encontro da comunidade local
e visitantes, com objetivo de ativar a participação e valorização cultural através
da partilha, aprendizagem, criação e experimentação artística. A construção foi
realizada com equipe multidisciplinar e envolvimento dos moradores locais, de
forma orgânica e dinâmica, abarcando diferentes ideias, metodologias e iniciativas
associadas.

Fonte: http://www.casadovapor.org/

53
Estudo de caso: Coletivo Warehouse (Portugal)
Busca uma prática contemporânea da arquitetura através da experimentação,
construção e desenvolvimento de projetos em colaboração com outros
profissionais, artistas e comunidades. Tem abordagem inclusiva e compartilhada
para construção coletiva, com importância às intervenções e dinâmicas sociais.
Projetos abaixo: Sopa de Pedras, um espaço de debate no Porto (PT); Cozinha
Comunitária, nas Terras da Costa (PT).

Fonte: www.warehouse.pt
54

Cartaz elaborado como


subproduto do projeto
de pesquisa.
4. “Rio Comprido em nós”: metaprojeto para a construção do
público por meio do design
“Rio Comprido em Nós” dá nome ao projeto de pesquisa desta investigação e se
refere ao sentimento de pertencimento com relação ao lugar; ao bairro que vive em
nossas memórias, vivências, estórias, relações cotidianas; aos nós que o amarram
e conectam, suas questões, problemas, valores, interrelações; que formam um
“emaranhado de coisas (...), uma malha de linhas entrelaçadas de crescimento e
movimento” (Ingold, 2012: 27).

O conceito de bairro no Brasil decorreu da nomenclatura oficial portuguesa de


freguesia, mas “não pegou porque bairro é coisa mais íntima e mais definida”
(Nava, 2005, apud Siqueira, 2013)46, “se baseia num sentimento coletivo dos
habitantes, fruto da coexistência de uma série de elementos que lhe dão uma
originalidade, uma individualidade” (Soares, 1995, apud Siqueira, 2013).

O trabalho de projeto aqui relatado busca a abordagem colaborativa tratada


nesta dissertação, com consideração à comunidade envolvente do bairro do Rio 55
Comprido, contudo sem a ilusão de uma imagem de comunidade “purificada de
tudo aquilo que pode implicar um sentimento de diferença, ou conflito, a respeito de
o que ‘nós’ somos” (Sennett, 2012). Ao contrário, parte da proposição das “design
things” (tratada no capítulo anterior) de reunir a diversidade de opiniões e desejos; de
estimular a troca através da mediação de possíveis debates entre essas diferenças;
produzir espaços de engajamento e ferramentas de visualização que provoquem a
imaginação coletiva sobre as questões compartilhadas do espaço público.

O design participativo para, com e pelas comunidades deve reconhecê-las como


estruturas abertas, heterogêneas e fluidas, formadas por uma pluralidade de
identidades, interesses e práticas compartilhadas, com as quais deve procurar
negociar e interagir. (DiSalvo et al, 2013). O projeto contido nesta investigação
foi conduzido no sentido de acolher e preservar a multiplicidade da comunidade
envolvente, estabeler relação dialógica e experimentar instrumentos de reflexão
e imaginação coletiva por meio do design. As pessoas envolvidas no processo
foram definidas a partir das relações pessoais, com apliação da rede em função
das indicações seguintes, mas também foram procuradas figuras com atuação
relevante no bairro que pudessem contribuir com experiências pregressas.

46
Siqueira, Saulo Aguiar. Rio Comprido: Lugar, memória e identidade. Monografia apresentada ao Instituto de
Geografia, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2013.
Em consonância com as proposições do Design Anthropology, buscou-se criar um
ambiente exploratório em construção permanente, atuando em correspondência às
dinâmicas locais, se moldando a cada nova ideia, desafio e oportunidade, alterando
a previsão das ações e desdobramentos. Com presença constante no terreno,
misturou-se vida pessoal e pesquisa, com a descoberta de uma diversidade de
olhares e possibilidades, num processo de imersão e ideação em constante resposta
e estímulo. Foram retomadas as entrevistas e conversas informais com moradores,
na busca de perceber os últimos acontecimentos e as principais questões que
interferem no cotidiano das pessoas.

De acordo com a proposta inicial do projeto, manteve-se a abertura e flexibilidade


para lidar com as questões em tempo real, mas também com a limitação do tempo
de realização do mestrado, levando à adaptação das atividades e prioridades. Sob
a ótica pluralista para a construção do público (DiSalvo, 2009), o projeto relaciona
táticas projetuais em orientações temporais diferentes e complementares, buscando
as origens das questões no passado, tornando-as visíveis no presente e projetando
suas possíveis consequências no futuro, em articulação dinâmica e não linear.

56 As atividades realizadas junto aos habitantes revelaram aspectos como a memória


afetiva com lugares de importância simbólica que poderiam ser valorizados, outros
em abandono que mereciam cuidado prioritário, projetos e iniciativas de pessoas
que lutam para melhorar o bairro e podem ser potencializadas, manifestações
culturais que alcançariam maior público com devida visibilidade, entre outros. Foram
desenvolvidas ferramentas visuais de apoio e estímulo às conversas sociais, que
atuaram como dispositivos de conversação e provocação para levantar questões
de interesse e promover discussões, em referência à abordagem dos provótipos,
que atuam mais no sentido de “criar sonhos possíveis, em vez de futuros prováveis”
(Anastassakis, 2015). Nesse contexto, um dos desafios dos designers é ativar as
pessoas para a reflexão coletiva, criar espaço de reunião e diálogo, estimular a
imaginação para a geração colaborativa de ideias e conceitos compartilhados.

Com grande quantidade de possibilidades para a atuação projetual reveladas


durante o processo, optou-se por uma atuação não linear e sem resultados previstos,
formando um programa aberto que poderia ser modificado a qualquer momento, a
partir da associação combinatória dos diversos elementos que formam o território
urbano complexo (Reyes, 2010). Essa construção enquadra-se no conceito de
metaprojeto, o projeto do projeto, na medida em que aborda, de forma participada,
os principais ativos e passivos do contexto para desenvolver cenários futuros que
forneçam caminhos para outros projetos no bairro.
Também o tempo se mostrou um fator contextual de extrema relevância nas
decisões de abordagem projetual, não apenas objetivamente enquanto número
de horas e agenda disponível, mas principalmente como um fenômeno social,
ou seja, da percepção relativa do tempo para os demais atores do processo, dos
contextos culturais e dinâmicas particulares, que influenciam o devir de um projeto
de design participativo (Gaudio, 2014). No contexto desta investigação, tendo sido
desenvolvida a maior parte do tempo em Portugal, o trabalho de campo contou com
o tempo reduzido de aproximadamente 6 meses, fragmentados em intervalos.

A seguir serão relatadas as atividades desenvolvidas durante esse tempo, entre


o levantamento histórico, o mapeamento pessoal e participado das questões
de interesse, as ações no espaço público online, a análise dos dados obtidos, o
desenvolvimento de subprodutos com a finalidade de organizar e comunicar, a
construção de possíveis cenários futuros e a produção de uma publicação com
narrativa visual desse processo (livro de projeto anexo à dissertação). A apresentação
que segue foi organizada de forma linear para melhor compreensão dos momentos
que compõem essa trajetória, mas na prática ocorreu em movimento fluido e
espontâneo, com etapas sobrepostas e em contínua revisão e reflexão.
57

Diagrama com as questões


de interesse surgidas ao
longo da investigação.

Esboço das possíveis


etapas projetuais, que foram
alteradas inúmeras vezes.

47
Gaudio, Chiara Del. “O tempo do design participativo.” Artigo apresentado no 12o Congresso de Pesquisa e
Desenvolvimento em Design (P&D Design). Gramado (RS), 2014.
4.1 Breve histórico
Em outros tempos, com a ocupação dos portugueses e a fundação da cidade do
Rio de Janeiro em 1565, o Rio Comprido fazia parte de uma região de engenhos
para produção de cana de açúcar (Engenho Velho), abrigando chácaras de famílias
abastadas. Era um vale de clima ameno próximo ao maciço da Tijuca e, portanto
muito procurado pelos estrangeiros (Siqueira, 2013). O nome do bairro é uma
referência ao rio que o corta: Yguasu (ou Iguassú ou Iguaçu), de origem indígena
guarani, significa “água grande”, ou “rio grande”, tendo se popularizado como Rio
Comprido e assim oficializado em 1875 (Silva, 1966, apud Siqueira, 2013).

58

À esquerda a Casa do Bispo em aquarela de Thomas Ender,


1817, patrimônio histórico tombado, presente no local. À
direita, o Rio Comprido em 1844, por Eduard Hildebrandt.

No sec. XIX instalou-se a Família Real Portuguesa e o Rio de Janeiro virou capital
do Império, recebendo diversas reformas urbanísticas para sua modernização, com
investimento na área central da cidade. Porém o cenário no fim do século era de
insalubridade, com aumento populacional, precariedade de infraestrutura, água,
saneamento e falta de moradia popular, que começava a se desenvolver nas favelas
e cortiços (Abreu, 1987, apud Siqueira, 2013). A “Reforma Pereira Passos”, de 1903 a
1906, foi a primeira grande reforma urbanística do Rio de Janeiro a impactar o bairro
do Rio Comprido. A “higienização” das ruas e demolição dos cortiços desencadeou
o processo de ocupação efetiva do subúrbio e expansão das favelas (Santana,
2009, apud Siqueira, 2013).

No bairro em questão, as famílias herdeiras retornavam às suas luxuosas chácaras,


enquanto a população pobre formava as primeiras ocupações irregulares nos
morros locais. Entre 1920 e 1960 o bairro foi valorizado com a construção da
Avenida Paulo de Frontin, canalização do rio, arruamento, arborização e limpeza,
favorecido pela localização, transporte e serviços. Porém, a expansão da cidade
e o intenso fluxo de carros acabou por resultar na construção do Túnel Rebouças
(1967) e do Elevado Paulo de Frontin (1971), que aproximou o subúrbio carioca da
zona sul da cidade, transformando o Rio Comprido em bairro de passagem, com
progressiva decadência.

Os últimos 40 anos foram marcados pela desvalorização econômica do bairro,


grande degradação ambiental e ruptura social, desordem urbana e aumento da
violência em função do tráfico de drogas presente nas favelas e dos confrontos
constantes com a polícia, com consequente saída de muitos moradores e empresas.
A configuração geográfica peculiar de um vale estreito fez com que o Rio Comprido
ficasse cercado por favelas, o que interferiu nas dinâmicas do lugar, e também no
sentimento de identidade.

59

Fotografias do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro: construção do Elevado Paulo de Frontin em 1971; Avenida Rio
Comprido (primeira nomeclatura da Av. Paulo de Frontin), inaugurada em 1919; desabamento de trecho do viaduto logo
após sua inauguração, em 1971; um dos bondes que circulavam no bairro, durante o carnaval de 1954.
4.2 Caracterização e mapeamento
Oficialmente o bairro do Rio Comprido faz parte da III Região Administrativa, possui
43.764 habitantes distribuídos em 15.559 domicílios numa área de 3,34 km2 (IBGE,
2010), sendo cerca de 30% moradores das diversas favelas presentes. Dispõe de
localização estratégica e privilegiada, por estar no limite da zona central e ter ligação
direta com bairros da zona sul, centro e norte da cidade.

60

Delimitação do bairro do Rio Comprido e localização


a partir de visualização no Google Maps.
Com a extinção das antigas linhas de bonde que por ali circulavam, o principal
meio de transporte público utilizado é o ônibus, com metrô apenas nos bairros
vizinhos (Estácio e Tijuca) e intenso tráfego de carros particulares e táxis. Há escolas
públicas e particulares, duas grandes universidades privadas, duas unidades de
saúde pública, um hospital da Aeronáutica e dois hospitais privados; apenas
um mercado de porte maior e outros estabelecimentos menores de venda de
produtos alimentícios; farmácias, bancos e comércio. De um modo geral, há grande
quantidade de serviços, porém sua frequente capacidade excedida e a visível busca
de alternativas externas denotam insatisfação da população local. Conta com três
importantes igrejas e três clubes (Alemão, Curió e Poveiros) e, como ponto de
encontro e lazer, destaca-se a praça principal do bairro (Condessa de Frontin), onde
há trânsito intenso de pessoas e atividades realizadas diariamente, além de eventos
noturnos e de fim de semana. Há outros espaços públicos subutilizados e grande
concentração social nos inúmeros bares do bairro.

Durante o processo de mapeamento do lugar, foram realizadas caminhadas e


explorações em busca de novas percepções, o que resultou na recolha de muitas
fotografias, alguns vídeos, desenhos, diagramas e notas, reunidos num caderno de
campo/projeto. 61

Esboços e anotações no caderno de campo/projecto.


fotografados no caderno???

62

Praças/áreas de lazer
Praça Condessa de Frontin
Praça Del Vecchio
Praça Santa Alexandrina
Praça do Querosene
Hospitais/Casas de saúde
Clínica da Família
Hospital Salles Neto
Casa de Portugal
Hospital do Amparo
Hospital da Aeronáutica

Instituições de Ensino
4 escolas públicas
3 escolas privadas
2 universidades particulares

Clubes
Clube Curió
Clube do Alemão
Clube dos Poveiros 63
Clube da Beira
Helênico Atlético Clube

Instituições religiosas
Igreja de São Pedro
Igreja Nossa Senhora das Dores
Igreja de São Francisco
~10 Igrejas Evangélicas

Comércio e serviços

Fotos de campo
64
65
4.3 Mapeamento participado
Com intenção de ultrapassar a visão pessoal do lugar e conhecer outras perspectivas,
estórias, desejos e interesses foi criado um mapa participado com função de
ferramenta visual para alimentar a conversa social com os moradores escolhidos
a partir da rede pessoal e em expansão dinâmica, ou seja, a partir da indicação
dos primeiros entrevistados. Foi desenvolvida uma primeira versão do dispositivo
etestada em algumas entrevistas, depois adaptada para melhorar a recolha de
informações e a visualização de seus resultados.

O dispositivo se revelou um instrumento valioso, repleto de interpretações e novas


informações a cada conversa. Abrange um pequeno guia de perguntas escritas a
fim de amarrar os interesses da investigação, mas mantendo uma abertura suficiente
para captar novos assuntos advindos do momento e da relação construída. Foram
criados alguns ícones em referência a possíveis temas a serem abordados, como
os serviços do bairro, lugares de interesse pessoal, segurança, ideias e prioridades.
Ao visualizar os símbolos, os participantes lembravam-se de outros assuntos de
66 interesse que não estavam previstos nas perguntas, o que aconteceu em variação
contextual. Tais elementos também tiveram a função de criar um caráter lúdico e
gerar uma simpatia com o objeto, o que se complementou com o uso dos cartões
coloridos para registrar informações extras que não cabiam no curto espaço
reservado para as respostas. As cores dos cartões remetiam às categorias dos
ícones, para facilitar o acesso posterior às informações.

Durante as conversas, na maioria dos casos, as pessoas se mostravam animadas


em poder falar sobre o bairro, sobre seus problemas cotidianos, suas percepções
pessoais, sobre o histórico familiar de como suas vidas se construiram ali;
relataram estórias, elegeram lugares de preferência, lembraram de personagens
e demonstraram afeto com a memória revelada. Nota-se que faltam espaços de
participaçao social efetiva e que os moradores gostariam de ser mais ouvidos e
envolvidos nas questões que tratam do lugar em que vivem. Algumas poucas pessoas
resistiram em participar, por motivos particulares ou movidas pela descrença de que
a situação possa de fato melhorar, então não faria sentido nem falar sobre o assunto.

A seguir serão estraídas algumas frases ouvidas e imagens que visam materializar
a experiência vivida. Outras percepções foram desenvolvidas no livro de projeto,
objeto anexo a esta dissertação.
“Rio Comprido é terra sem lei.”

“O Rio Comprido me ensinou a viver, me “Amo e odeio.”


mostrou o bem e o mal, o certo e o errado.”
“Nascido e criado...”
“Aqui estou em casa, não conseguiria viver
em outro lugar.” “Não gosto de nada aqui!”

“Queria que meu filho pudesse brincar na


praça onde passei a minha infância.”

67

Acima, fotografia as ferramentas utilizadas na construção dos mapas participados, abaixo exemplos de
entrevistas realizadas com o uso do dispositivo; autoria própria.
Na tentativa de abordar a imagem do bairro pelas crianças, foi feita uma experiência
utilizando também o mapa como base para intervenção por meio de desenhos
ou escritas, a partir dos materiais disponibilizados e uma breve conversa sobre
o assunto e as percepções individuais. Os participantes não entenderam bem o
sentido da atividade, nem a linguagem do mapa, portanto acabou por se transformar
num esqueleto para pintura. Foi interessante perceber a reação das crianças diante
68
do material e se considerou realizar outras tentativas adaptadas, mas não foram
levadas adiante por se assumir outras abordagens mais produtivas no curto espaço
de tempo que se dispunha.

Atividade realizada com crianças moradoras do bairro.


Estudo de caso: Iconoclassistas (Buenos Aires, Argentina)
Grupo que combina “arte gráfica, oficinas criativas e investigação coletiva” para
mapeamento coletivo do território socialmente construído, gerando recursos de
livre circulação para apropriação e uso, e para potencializar a comunicação a
“impulsionar práticas colaborativas de resistência e transformação”. Chamado em
outros lugares de mapeamento participativo, o “mapeamento colectivo” se refere
à apropriação da técnica de mapeamento, através de oficinas com organizações
políticas, movimentos sociais e coletivos culturais, como modo de criação que
subverte o lugar desafiando as narrativas dominantes sobre os territórios para
transformar a invisibilidade de saberes, situações e comunidades em narrativas
69
coletivas críticas.

Fonte: http://iconoclasistas.net/
4.4 Espaço público online
O mundo hoje possui grande conexão devido ao avanço das tecnologias digitais e
da internet, observam-se maior quantidade e qualidade de interações administradas
por esse sistema e as redes sociais reunem pessoas de todo o mundo em torno de
interesses comuns, facilitando o encontro, fortalecendo laços sociais e permitindo
maior alcance na comunicação de assuntos diversos. O espaço público se expandiu
para o mundo online, em complemento ao meio físico, formando um sistema híbrido
altamente conectado. Tendo em vista a importância da internet e das redes sociais
nos dias de hoje, foi realizada uma experiência no âmbito da investigação, com
o intuito de testar a capacidade de reunião nesse meio acerca dos assuntos de
interesse, com o mínimo de esforço, visto que o foco não era esse.

Foi criada uma página no Facebook com o nome do projeto “Rio Comprido em
Nós”, com a intenção de complementar as informações recolhidas no meio offline,
através de ações em um grupo composto por mais de 4.000 pessoas, moradores
e ex-moradores do bairro, ou pessoas com algum tipo de interesse pelo lugar. Foi
70 aplicado um questionário com perguntas complementares às informações obtidas
até o momento, permitindo novas contribuições por pessoas desconhecidas, o
que antes parecia mais difícil de se atingir. Entretanto, o grau de envolvimento dos
usuários não foi muito alto, acredita-se que por haver pouca atividade. A internet cria

Algumas imagens postadas na página do Facebook.


mais oportunidades de interação e colaboração entre as pessoas, mas para isso
seria necessário maior investimentos nas ações online, dinamizando as interações
em tempo real para obter um retorno mais significativo.

As postagens realizadas representam novas ferramentas visuais de estímulo às


discussões e buscaram levantar novos dados sobre as questões do bairro, em
relação aos interesses prévios e outros surgidos durante as conversas com os
moradores. Foram compartilhadas também notícias correlatas aos temas, de outras
páginas, websites e pessoas. Essa atividade teve grande importância na organização
dos assuntos de interesse da investigação, entre problemas, interesses e desejos,
valores estruturais e históricos. Foi possível delinear as classificações preliminares:
ativos (históricos, lugares, pessoas, projetos), passivos (problemas prioritários,
necessidades) e possibilidades para o futuro (ideias, desejos e oportunidades);
manifestando um caráter temporal não linear entre passado, presente e futuro.

Observou-se um envolvimento maior em uma postagem


sobre os problemas do bairro, em que muitos participaram
da discussão, enumerando grande quantidade de
questões urgentes para a melhoria do lugar. Esse 71
comportamento reforçou uma observação anterior sobre
a maior facilidade de se criticar o que não está bom e
cobrar atitudes de outrem, do que pensar em alternativas
para resolver as questões de forma compartilhada.

Printscreen da página do Facebook e postagem mais comentada.


4.5 Análise de dados
Durante todo o processo de recolha de dados através das conversas informais,
entrevistas e interação online, surgiram ideias acerca das possibilidades e
oportunidades do que se fazer para a melhoria da qualidade de vida no bairro. Havia
interesses e desejos pessoais pregressos e diversas contribuições dos moradores,
com seus sonhos e necessidades particulares, alimentados também pelos tantos
projetos adjacentes que foram observados ao longo do curso e das investigações,
com soluções simples e inovadoras, experiências possivelmente replicáveis no
contexto da pesquisa (alguns podem ser encontrados nos boxes de estudos de
caso ao longo deste documento).

Para lidar com tamanhos dados, analisar os possíveis resultados e refletir sobre
as ações seguintes, foram feitas muitas anotações e esboços de classificações
das informações, que foram se delineando ao longo do processo, através das
interações dinâmicas, das ideias surgidas, das dificuldades e oportunidades.
Posteriormente, foram organizadas em um painel e separadas entre ativos potenciais,
72 passivos prioritários e possibilidades futuras, com o intuito de pensar os cenários
representativos das ideias para o bairro. Optou-se por fazer essa atividade sem a
participação dos atores, devido à grande quantidade de informações levantadas e
curto tempo para seu desenvolvimento, mas poderia ter sido realizado um encontro
em formato de workshop de co-criação, para se discutir as questões sob diferentes
pontos de vista.

As atividades realizadas junto aos habitantes revelaram aspectos como a memória


afetiva e lugares de importância simbólica que poderiam ser valorizados, outros em
abandono que merecem cuidado prioritário, projetos e iniciativas de pessoas que
lutam para melhorar o bairro e podem ser potencializadas, manifestações culturais
que alcançariam maior público com devida visibilidade, entre outros.

A classificação foi então feita entre ativos, passivos e possibilidades, sendo:


- ativos os próprios moradores, os lugares de importância histórica e afetiva, as
pessoas e instituições que atuam em iniciativas espontâneas a favor do bairro, a
memória e a história, a diversidade cultural, os desejos e sonhos;
- passivos os problemas, dificuldades e necessidades;
- e possibilidades as soluções, ideias e insights que podem articular os elementos
ativos e passivos em oportunidades de novos projetos e cenários mais interessantes.
73

1- Painel de análise e classificação dos conteúdos do projeto de pesquisa.


2- Algumas páginas do caderno de campo/projeto com possíveis organizações dos dados.
4.6 Ativos, passivos e possibilidades
A classificação dos dados recolhidos entre ativos, passivos e possibilidades futuras
foi importante para organizar as informações e definir cenários mas também para
desenvolver outros produtos gráficos de modo a dar visibilidade para as questões
do bairro abordadas ao longo do processo, atingir maior número de pessoas e
retornar à comunidade para novas interpretações e discussões. As peças elaboradas
permitiram materializar os assuntos de interesse, representando os “nós” do Rio
Comprido, mas também podem ser usadas em ações no espaço público. Aqui
serão apresentados fragmentos do material, que poderá ser verificado em completo
no livro de projeto anexo à dissertação.

4.6.1 História e memória afetiva

A vasta pesquisa histórica sobre o bairro, relatada sucintamente no início deste


capítulo, em associação à história pessoal afetiva da autora enquanto moradora,
74 foi complementada e reforçada pelas conversas e entrevistas com os moradores.
Percebeu-se o carinho e apego sentimental que as pessoas possuem com o
lugar, em função da sua relação passada, dos fatos presenciados, das estórias
vividas e ouvidas, apesar da percepção comum de desgaste da relação com o
espaço em função dos muitos problemas acumulados. Foi notado também que
muitas pessoas não conhecem a história do bairro ou desconhecem lugares de
importância histórica e que, com a partilha das vivências e conhecimentos de
cada um, poderia se construir uma história compartilhada. Assim, o resgate da
memória do bairro tornou-se elemento fundamental para ativação do sentimento
de pertencimento que, por sua vez, está associado ao desejo e responsabilidade
sobre a construção do público.

Trechos do caderno de campo/projeto com esboços de ideias para os aspectos históricos do bairro: publicação e linha do tempo.
Para tornar visíveis os episódios revelados, foi elaborada uma linha do tempo com
os principais eventos da formação sócio-territorial do bairro, utilizando as imagens
encontradas nos bancos digitais das bibliotecas e websites. Cada evento foi
apresentado em uma peça individual formando um conjunto de acontecimentos
organizados em uma narrativa visual sobre a história do bairro.

4.6.2 Lugares com importância histórica e simbólica

Com o objetivo de valorizar o que o bairro tem de bom e poder divulgar para um
público ampliado, foram elencados alguns lugares de importância histórica e/ou 75
simbólica, então expostos em forma de cartão postal e organizados em um mapa
como um roteiro para percurso exploratório.
4.6.3 Problemas prioritários
76 Sendo um bairro com bastante degradação, observa-se uma grande quantidade de
dificuldades e necessidades, que os moradores não hesitam em enumerar e cobrar
respostas, sem receber significativa importância por parte do poder público. Com
base nas conversas e reivindicações, foram selecionados problemas considerados
prioritários e então elaborados cartazes com o objetivo de denunciar e evidenciar.
4.6.4 Iniciativas locais

Foram identificados alguns projetos interessantes e pessoas que trabalham com


grande esforço pela melhoria do bairro, mas percebeu-se também que a maioria dos
moradores não conhecem e dizem não saber de que forma ajudar. Acredita-se que,
com maior visibilidade, as iniciativas locais podem ser estimuladas e potencializadas,
receber novas contribuições e ampliar seu poder de ação, integrando um ambiente
com potencial transformador. Além disso, projetos que envolvem as comunidades
em outros lugares do Brasil e do mundo podem servir como inspiração para buscar
alternativas colaborativas, como foi exemplificado ao longo desta investigação.
Este produto tem objetivo de reunir os estudos de caso observados em forma de
cartas impressas em duas cores de papel: uma para as iniciativas no bairro do Rio
Comprido e a outra para os projetos adjacentes; com que podem servir como ponto
de partida para uma atividade interativa que promova novas reflexões e discussões
sobre as questões do bairro.

77
4.7 Cenários futuros

A construção de cenários futuros é uma atividade projetiva das possíveis


consequências futuras, que pretende representar visualmente condições e
caminhos para transformações concretas de um determinado contexto. Aqui está
associada aos desejos e sonhos dos moradores. A partir da análise do insumo
recolhido durante o processo e das oportunidades observadas, alguns assuntos
foram definidos como prioritários pela repetição ao longo das conversas sociais, e
foram trabalhados a partir de imagens de modo a fornecer ideias e nortear projetos
futuros no bairro, com mais coerência com os reais interesses e necessidades dos
habitantes, por sua construção participada. O material foi reunido em um pequeno
livreto com maior riqueza e detalhamento na publicação anexa à dissertação, e aqui
será resumido para exposição das principais questões envolvidas.

1. Avenida Paulo de Frontin - grande marco histórico da degradação e objeto de maior


impacto visual do bairro, transformou-o em lugar de passagem, trouxe poluição sonora e
78 do ar com o tráfego intenso de veículos; enfrenta estado de má conservação com partes
em desabamento, com abandono da parte de baixo que constitui o bairro, gerando um
espaço de insegurança, sujeira, mal aproveitamento. Muitos defendem sua destruição
completa e retorno da avenida Paulo de Frontin como única passagem, para um fluxo menor
de transportes, priorizando a vida dos que vivem no local. Porém, assumindo que a solução
para o tráfego seria uma tarefa muito complicada de solucionar, outras possibilidades foram
levantadas pelos próprios moradores para melhorar a qualidade de vida local e foram
representadas visualmente no livreto anexo. As possibilidades apresentadas configuram
o espaço como uma alternativa à falta de espaços de lazer e circulação de pedestres e
prevê a redução do fluxo e velocidade dos transportes motorizados, aumento das calçadas,
construção de ciclovias, criando espaços para caminhadas e exercícios que não existem na
região, além de tornar a bicicleta um meio de transporte possível. Para amenizar o impacto
visual sujo e cinzento, propõe-se melhorar a conservação do viaduto, com reforma, pintura e
cores, e jardins ao longo da via melhorando também a qualidade do ar, recuperação do rio,
hoje escoadouro de esgoto. Outras possibilidades de uso do espaço traria mais movimento
e consequente segurança: pista de skate, quiosques para interação social e instalação de
comércio local, bancos públicos, academia de ginástica, etc.
2. Praça Del Vecchio - localizada em recanto
bucólico na subido para o Morro do Turano e para a
Estrada do Sumaré, que dá acesso a maior floresta
79
urbana do mundo. Foi foco de reclamação dos
moradores da região, por se considerar um espaço
potencial em estado de abandono. Em outros
tempos, passaram infâncias alegres e há relatos
de atividades como cinema ao ar livre e grandes
festas juninas. Hoje é pouco utilizada, os brinquedos
são os mesmos há décadas, os jardins estão mal
conservados e sujos, há uma quadra simples e um
quiosque que já movimenta um pouco o lugar à
noite. Para ativar o espaço seriam necessários pouco
investimento e maior organização dos moradores
locais para manter em funcionamento e bom estado:
melhorias dos brinquedos e dos jardins; transformar
a quadra em poliesportiva e promover campeonatos
regulares para incentivar o uso; colocar uma academia
da terceira idade, fazer uma horta comunitária para
envolver os moradores no cuidado cotidiano do lugar
e ativar o sentimento da cooperação comunitária;
retomar atividades que existiram outrora, como o
cinema e as festas populares.
3. Rio Comprido Acessível e Sustentável - procura atender às reivindicações
referentes à intensa degradação local, em termos ambientais e sociais, descrita
como um bairro sujo, barulhento e desordenado. Reúne algumas alternativas para
a melhoria da qualidade ambiental do bairro no sentido de contribuir para um
desenvolvimento sustentável: despoluição do rio e saneamento básico adequado;
implantação de coleta seletiva como política pública e educação ambiental para
fornecer aos moradores instruções de como alterar suas práticas cotidianas;
instalação de lixeiras com separação por tipos de resíduos e orientação de uso,
em lugares estratégicos do bairro para que possa atender a toda a população;
implantação de ciclovias e vias mais largas para pedestres; melhoria de calçadas
e construção de rampas para melhorar a acessibilidade; conexão entre modais de
transportes; regularização e fiscalização de transportes informais.

80
Estudo de caso: Strategic Design Scenarios
É um laboratório de inovação e sustentabilidade especializado em design
estratégico, construção de cenários, co-design com usuários e abordagem
centrada em comunidades. As atividades são baseadas em técnicas projetivas
como storytelling, storyboarding e a co-criação de formas visuais de cenários
futuros. Tem como foco de pesquisa inovação social, modo de vida sustentável,
serviços colaborativos, mudança de comportamento, desenvolvimento local e
planejamento urbano regional através de micro projetos. Atua em vários campos
como uso de energia, cidades sustentáveis, inovação de serviços públicos, usos
emergentes, design de interação, inclusão social e educação.

81

Fonte: www.strategicdesignscenarios.net/
4.8 Publicação

Ao fim do processo, as peças desenvolvidas para evidenciar as questões de


interesse, juntamente com os cenários futuros construídos, foram reunidas em
uma publicação com múltiplas camadas e formatos, denotando a diversidade
experimentada e descoberta durante a investigação, representando o Rio Comprido
e os seus “nós”. Este material configura o livro de projeto anexo a esta dissertação,
mas é também o produto final do projeto de campo, cujo objetivo é compartilhar o
processo desenvolvido, dar visibilidade às questões levantadas e às descobertas,
além do retorno à comunidade para novas reflexões e interpretações. As peças ali
reunidas, podem ter utilitidades públicas diferentes e isoladas, ou funcionar como
insumo para outras ações e projetos no bairro, seguindo o caráter metaprojetual
explicado anteriormente. Reforça ainda o caráter abeto e flexível, permitindo a
inclusão de novas informações (lugares, iniciativas, cartazes) a qualquer momento.

82

Esboços da publicação no livro de projeto.


83

Publicação final com produtos visuais e livro


de projeto anexo a esta dissertação.
Fotografia tirada em campo -
Rua do Bispo, Rio Comprido,
Rio de Janeiro (2015).

84
5. Considerações finais
Os questionamentos pessoais que motivaram esta investigação seguem renovados
nesse momento final do mestrado, tanto no que diz respeito ao lugar de trabalho de
projeto, com todas as descobertas e experimentações, dificuldades, oportunidades
e desafios; como ao que se refere às indagações disciplinares sobre o papel do
designer na sociedade e as novas possibilidades de atuação frente aos problemas
do mundo contemporâneo. Todo o conhecimento adquirido e experiências
vivenciadas foram importantes para alimentar novas questões em um movimento
de busca interminável.

O espaço público no mundo complexo exige esforços combinados que podem ser
trabalhados a partir de táticas locais que reúnam as pessoas para discutir suas
questões e para desenvolver alternativas coerentes com suas necessidades reais
e sonhos possíveis. A produção do espaço através de suas práticas sociais e a
construção do público acerca de assuntos de interesse representam uma combinação
potencial para a atuação profissional na busca por novas dinâmicas direcionadas
a uma sociedade mais sustentável e democrática. A investigação indica que essas 85
ações micropolíticas podem ser incentivadas e articuladas estrategicamente, em
movimento bottom-up, para uma mudança sistêmica em conexão.

O papel do design e suas possibilidades de atuação nesse contexto se mostram


vastos, no sentido de contribuir tática e estrategicamente para a construção conjunta
de espaços e públicos. A abordagem do Design para Inovação Social aponta
diretrizes de ação que incentivem novas dinâmicas sociais diferentes das praticadas
para a manutenção do sistema sociotécnico vigente; o Design Anthropology
busca atuar de forma engajada em correspondência às dinâmicas locais para sua
transformação em colaboração com os habitantes; o Participatory Design contribui
com sua experiência expandindo e reformulando suas metodologias participativas
para novos contextos de ação. A presente investigação e projecto de pesquisa
correspondente não seguiram uma das perspectivas analisadas, mas pretenderam
explorar e associar elementos de cada uma para a busca de uma atuação mais
responsável social e politicamente. Mostrou-se relevante a potencialidade do design
em utilizar seus produtos e processos para estimular a imaginação coletiva, criar
espaços de diálogo, mediar discussões, comunicar visões, incentivar a reflexão,
facilitar o engajamento; em contraste à expectativa de geração de soluções para
problemas objetivos.
A saída e regresso ao bairro de origem proporcionou uma perspectiva abrangente
e um olhar de empatia sobre as questões locais, com maior desapego às certezas
particulares de toda uma vida. Porém, a tentativa de manter um olhar distanciado
que evitasse um julgamento pessoal sobre o trabalho em campo, gerou por
vezes uma certa negação da própria experiência, acompanhado por momentos
de insegurança, à espera de movimentos alheios que estimulassem resultados
tangíveis compartilhados. Essa suposta liberdade e fluidez pode ser muitas vezes
frustrada pelo limitado retorno do outro. O trabalho em comunidade requer tempo
de dedicação e paciência para receber o possível, trabalhando com o que se tem.
No caso deste projeto, uma vida toda parecia ser suficiente para ter conhecimento e
gerar possibilidades conjuntas frente às questões de interesse. Mas o tempo parece
escasso, as perspectivas se expandem e as oportunidades de ação se multiplicam.

A abordagem do Design Anthropology sugere que os designers abandonem parte


do controle no processo projetual e se deixem levar mais pelo fluxo das dinâmicas
locais e das possibilidades surgidas dessa interação. As metodologias participativas
do design buscam construir espaços de interação e diálogo para criar alternativas
de forma colaborativa, a partir da diversidade, da diferença e do confronto, pois
86 a concordância tende a gerar soluções uniformes e distantes da complexidade
vivenciada. Essa tarefa não é fácil, quando se é condicionado a ter respostas, ao
invés de perguntas, quando o esperado é saber e a dúvida atrelada a uma certa
fraqueza. É preciso estar aberto para aceitar a própria incerteza e aprender com o
outro; a ouvir, observar, se questionar e permitir se perder.

A possibilidade de atuação de forma estratégica a partir do design se revelou possível


através das ferramentas visuais, como os produtos resultantes desta investigação,
mas que poderia ter sido mais explorada durante o processo. As ferramentas de
visualização têm forte caráter de dispositivo de conversação, enquanto estímulo e
provocação sobre as questões que se desejam abordar e discutir. Esse trabalho pode
ser explorado de forma contínua em consonância com o movimento contextual, a
gerar e materializar mais e novas alternativas. A construção colaborativa pretendida
neste projeto também se mostrou uma tarefa difícil, a depender da disponibilidade
e interesse da comunidade envolvente em concicliação com a da designer,
além do tempo e capacidade de reunir as pessoas em torno das questões. As
atividades aqui foram desenvolvidas de forma participada, com envolvimento dos
habitantes no processo, escuta e recolha de informações, gerando uma imaginação
coletiva e conteúdo de retorno para novas interpretações e discussões. Porém o
tempo disposto não foi suficiente para seguir adiante e colocar em prática ações
colaborativas para a construção do espaço público, o que se espera continuar a
desenvolver no âmbito do doutoramento.

Assim, a diversidade de descobertas foram reunidas e conectadas de forma a


produzir sentido, se aproximando da abordagem metodológica de metaprojeto, de
forma a se trabalhar a complexidade e multiplicidade de questões e possibilidades,
indicando algumas orientações para projetos futuros e potencialidades gregárias
para formação e ampliação da rede de pessoas. Criou-se um sistema aberto à
influência dos fatores externos e troca dialógica com os habitantes envolvidos,
incorporando múltiplas perspectivas na atividade projetual, na busca de contribuir
para a ampliação da democracia através da participação direta dos habitantes. Esse
caminho se revelou uma alternativa interessante para a prática e pesquisa do design
em direção à construção coletiva do público para uma sociedade mais democrática.
Através de espaços heterogêneos de discussão e imaginação coletiva, os designers
podem reunir pessoas em torno de assuntos de interesse enquanto mecanismos de
inclusão e participação social para gerar alternativas compartilhadas.

Como planos futuros, pretende-se seguir com essa investigação no doutoramento, 87


a desenvolver os resultados do projecto de pesquisa através de atividades
colaborativas práticas no local de estudo, com a possibilidade de expansão e
experimentação em outras áreas, com o intuito de explorar a capacidade do
design em constituir públicos em torno de seus produtos e processos. O desafio
será ampliar essa visão para o nível do planejamento urbano, articular diferentes
escalas partindo das ações comunitárias em movimento bottom-up, na busca da
contribuição do design para o aumento da participação social e a construção de
cidades mais democráticas.
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