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PRESENÇA SENSÍVEL: A EXPERIÊNCIA DA TRANS-

FERÊNCIA EM FREUD, FERENCZI E WINNICOTT

Daniel Kupermann*
Para Chaim Samuel Katz

RESUMO

Através de uma análise histórico-crítica das concepções de transferência


apresentadas nas obras de S. Freud, S. Ferenczi e D. W. Winnicott, pretende-se
demonstrar que o estilo clínico desenvolvido por esses autores não pode ser dissociado
do contexto no qual exercem a psicanálise, especialmente das formas de sofrimento
psíquico nele predominantes. Tendo a neurose como matriz clínica privilegiada, Freud
concebe a transferência como atualização dos complexos inconscientes infantis dos
analisandos, seu manejo estando regulado pelo princípio da abstinência e pela
interpretação da resistência e do recalcado. Por seu turno, Sándor Ferenczi e D. W.
Winnicott lidaram com pacientes severamente traumatizados e comprometidos em
seus processos de subjetivação e, baseando seu estilo clínico na regressão à
dependência e no brincar compartilhado, indicaram que é a qualidade do encontro
afetivo que se estabelece entre analista e analisando o que pode conduzir à produção
de sentidos na experiência psicanalítica.

Palavras-chave: Psicanálise. Transferência. Sigmund Freud. Sándor Ferenczi. D. W.


Winnicott.

Introdução

Desde os primórdios do emprego do méto-


do da associação livre, Freud situa na relação
analista-analisando o plano decisivo em que ocor-
*
Professor Doutor do Departamento de
rem os acontecimentos que definirão os rumos de
Psicologia Clínica do Instituto de Psico- uma análise. Em “Sobre o início do tratamento”
logia da Universidade de São Paulo (USP). (1913/1980m), ensaio que compõe seus artigos
Psicanalista membro da Formação Freu- sobre a técnica, Freud compara o percurso psica-
diana. Autor dos livros Transferências nalítico a um jogo de xadrez, do qual só se pode
cruzadas. Uma história da psicanálise e
suas instituições (Revan) e Ousar rir. transmitir sistematicamente a abertura e o térmi-
Humor, criação e psicanálise (Civiliza- no, ficando o intermédio sujeito às variáveis mais
ção Brasileira). inusitadas e indeterminadas. Posteriormente,

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Jacques Lacan explicita que a abertura psicanálise – sobretudo as formas de


e o término do xadrez psicanalítico es- sofrimento psíquico nele predominan-
tão referidos à instalação e aos desti- tes – na composição de seu estilo de
nos dados à transferência (Lacan, 1968/ psicanalisar. O propósito deste ensaio
2003). Assim, o curso de uma análise é, justamente, indicar de que maneira a
pode ser definido como o espaço e o transferência aponta para a dimensão
tempo do manejo da transferência; isto estética da clínica, sendo a qualidade
é, o processo psicanalítico está intima- do encontro afetivo o que pode condu-
mente relacionado às vicissitudes da zir à criação de sentidos na experiência
afetividade que circula entre analista e psicanalítica e a emergência de con-
analisando. cepções distintas da transferência em
Porém, como é comum se obser- momentos cruciais da história da psica-
var, apesar de o conceito de transfe- nálise.
rência ser um dos mais empregados na
literatura psicanalítica, é também aque- A atualização do inconsciente:
le do qual, provavelmente, menos se a transferência em Freud
encontra uma univocidade de sentido
(Plon & Roudinesco, 1998). Isso se O conceito de transferência
deve ao fato de que a transferência – emerge cedo na obra freudiana, ainda
sua instalação, manejo e destino –, sen- no século 19, no último dos ensaios que
do considerada o modus operandi da compõem a coletânea “Estudos sobre a
clínica, e estando referida ao plano de histeria” (escrita em parceria com Jo-
afetação que se estabelece no setting, seph Breuer), no qual as duas principais
não nos deixa esquecer que o processo noções referentes à clínica são apre-
analítico não pode ser reduzido à mera sentadas: resistência e transferência
aplicação de uma técnica ou à aquisi- (Freud, 1893-1895/1980d e 1980e).
ção inteligível de um saber sobre o Freud atribui a descoberta da
passado e seus efeitos no psiquismo do transferência, ainda que indiretamente,
sujeito, o que impõe uma série de difi- ao “fato inconveniente” que lhe foi
culdades de definição e de entendimen- revelado por Breuer acerca do caso da
to dos modos como efetivamente ope- Fräulein Anna O., atendida segundo
ra, segundo a especificidade de cada os princípios do método catártico (Freud,
análise. Nesse sentido, a teorização 1914/1980g). A escuta ofertada por
acerca da transferência está intima- Breuer aos sofrimentos e paixões de
mente vinculada à qualidade da experi- Anna O. dera origem ao enamoramen-
ência afetiva estabelecida no curso de to da paciente pelo seu médico, condu-
uma análise, o que implica considerar o zindo a um dramático desfecho em que
contexto no qual um autor pratica a Anna O. “simula” um parto anunciando

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a chegada do filho do Dr. Breuer, levan- sessão analítica. Apesar de confessada-


do-o a interromper definitivamente o tra- mente equivocado em relação à compre-
tamento.1 A lição extraída do episódio por ensão da bissexualidade de Dora, ao iden-
Freud, que já dispunha de uma concepção tificar sua posição na transferência à
psicodinâmica do funcionamento do apa- figura paterna, Freud fazia avançar sua
relho mental – da qual o conflito e a noção concepção de transferência na direção
de defesa através do recalque eram as do conceito de repetição, como se lê em
pedras fundamentais –, foi a de que a “A dinâmica da transferência”, de 1912.
contrapartida da oferta de escuta sensível Nesse ensaio, a transferência já se
para a histérica e da circulação da palavra encontra assimilada à teoria da clínica
que dela derivava é o advento de uma psicanalítica, não mais como um mero
modalidade específica de apaixonamento inconveniente – resistência – que aciden-
por parte da paciente, dirigida ao terapeu- talmente pode ocorrer nas análises, mas
ta. O passo seguinte foi associar a recém- como uma repetição necessária ao traba-
descoberta resistência ao tratamento a lho de acesso às fantasias recalcadas
esse mesmo apaixonamento, consideran- infantis e ao complexo de Édipo. Tratar-
do que na sua gênese estava uma trans- se-ia, então, da reedição dos clichês este-
ferência dos afetos – originalmente dirigi- reotípicos impressos na constituição do
dos às imagos parentais e convertidos no psiquismo do sujeito na primeira infância
sintoma histérico por força do recalque e sua manifestação configuraria, na situ-
para a figura do analista. Teríamos, as- ação clínica, a atualização do inconscien-
sim, uma “falsa-ligação” nessa transfe- te necessária ao processo psicanalítico.
rência (Uberträgung) de afetos, que Afinal, “...é impossível destruir alguém in
deveria ser acolhida como parte do trata- absentia ou in effigie” (Freud, 1912/
mento na forma de uma resistência ao 1980c, p. 143).
mesmo (Freud, 1893-1895/1980e). A transferência poderá se apre-
Apenas a partir da análise de Dora, sentar nas versões positiva ou negativa.
com o amadurecimento da teorização do A transferência positiva terna é conside-
complexo de Édipo na constituição da rada por Freud a maior aliada do trata-
subjetividade, Freud (Freud, 1893-1895/ mento. Através dela, o analista pode re-
1980e) disporia de elementos para conce- conhecer o investimento do analisando no
ber a transferência ao analista como uma doloroso processo terapêutico, bem como
forma de reedição ou de atualização das adquirir a influência necessária para a
imagos parentais no “aqui e agora” da efetividade das suas intervenções. Já a

1
A versão oficiosa desse episódio nos conta que Breuer teria fugido dessa atribuição de paternidade,
agendando uma segunda lua-de-mel com a esposa. Nessa viagem, teria concebido sua filha Dora (Forrester,
1990, p. 50).

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transferência positiva erótica, bem como nas análises, por outro esbarrara nos limi-
a transferência negativa, composta pelos tes impostos pela sua teoria da clínica. A
impulsos agressivos e hostis, são conside- situação paradigmática, que tem como
radas formas de resistência ao trabalho referência a clínica da histeria, é a do
analítico, constituindo os maiores obstá- enamoramento de uma analisanda por
culos ao tratamento. Assim, se a transfe- seu analista – característica da época.3
rência é, efetivamente, o modus operandi Postulando que essa situação crítica de-
do processo analítico, sendo no campo manda um manejo específico, não deven-
transferencial que a “vitória” tem de ser do a demanda de amor ser atendida,
conquistada, é também indiscutível que tampouco radicalmente recusada, Freud
“...controlar os fenômenos da transferên- adverte que as intensidades afetivas são
cia representa para o analista as maiores arriscadas: “Nosso controle sobre nós
dificuldades” (idem). mesmos não é tão completo que não
Pode-se desde já perceber que, no possamos subitamente, um dia, ir mais
percurso freudiano, apesar de a transfe- além do que havíamos pretendido (...)
rência ter sido assimilada ao processo portanto, não devemos abandonar a neu-
analítico, tendo seu manejo se tornado o tralidade (...) que adquirimos por manter
principal desafio, as dificuldades em apre- controlada a contratransferência (...) o
ender os sentidos das intensidades afeti- tratamento deve ser levado a cabo na
vas que invadem o espaço analítico con- abstinência” (Freud, 1915/1980j, p. 214).
duziram Freud a confundi-la ora com a Os termos empregados – controle,
repetição dos complexos infantis edipia- neutralidade, abstinência – remetem ine-
nos, ora com a sugestão – pelo uso por quivocamente a uma concepção segundo
parte do analista da sua forma positiva a qual o psicanalista precisa se proteger
terna –, ora com a resistência à análise,2 das intensidades afetivas suscitadas pela
nas suas manifestações eróticas e nega- transferência. Além disso, outra figura
tivas, o que culminou nos impasses de crucial referente à relação analista-anali-
“Observações sobre o amor transferen- sando é retomada, apesar de pouco ex-
cial” (Freud, 1915/1980j). plorada por Freud: a da contratransferên-
De fato, se por um lado Freud cia. Noção surgida alguns anos antes, em
reconhecera o primado da afetividade “As perspectivas futuras da terapêutica

2
Remeto o leitor ao artigo de Jacques-Alain Miller, “A transferência de Freud a Lacan” (Miller, 2002).
Apesar de não acompanharmos o argumento do autor – que pretende que as dificuldades de definição da
transferência terminaram desde a formulação, por Lacan, do “sujeito suposto saber” como transfenômeno
ou pivô em torno do qual os fenômenos da transferência girariam –, contrário aos objetivos do nosso ensaio,
suas indicações são valiosas para acompanharmos algumas das dificuldades encontradas por Freud,
expostas a seguir.
3
Atualmente, nem as analisandas parecem ser tão histéricas, nem os analistas são, em sua maioria, homens.

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psicanalítica” (1910/1980k), em que fora Nesse sentido, uma noção ganha-


considerada uma falha humana possível ria o estatuto de princípio ordenador da
de ocorrer como contrapartida ao impac- técnica freudiana: a abstinência. Se a
to dos afetos dirigidos ao analista, a con- análise tem apenas uma regra fundamen-
tratransferência – seu controle, melhor tal, a associação livre, a liberdade associ-
dizendo – passa a ser considerada decisi- ativa precisaria de limites, em virtude dos
va para o sucesso do empreendimento constrangimentos impostos pela intensa
psicoterapêutico. afetividade que inunda o espaço analítico.
No ensaio de 1910, escrito por É verdade que o estatuto da abstinência
ocasião da fundação da IPA (Interna- na clínica tem uma referência ética. Afi-
tional Psychoanalitical Association), nal, há uma tendência, visível na clínica da
Freud indicara que uma análise só avança histeria, de comprometer o trabalho psí-
até o ponto em que avançou a análise quico e o luto exigido pelo processo de
pessoal do psicanalista, destacando o pro- elaboração, tornando a situação transfe-
blema da qualidade do encontro afetivo rencial uma situação de gozo pulsional; o
nas análises e o questionamento acerca amor transferencial servindo, efetivamen-
das faculdades adquiridas pelo analista te, a uma paixão pela ignorância. Mas não
para o exercício da disponibilidade sensí- se pode esquecer, também, que há outro
vel que lhe é exigida pela clínica. Porém, fator em jogo nessa problemática: a cons-
poucos anos depois, em “Observações tatação de que as principais formulações
sobre o amor transferencial”, a questão técnicas freudianas foram constituídas
privilegiada passa a ser a do controle, por antes da chamada “virada dos anos 20”,
parte do analista, dos seus afetos e da sua na qual a pulsão de morte e, posterior-
reação aos afetos do analisando. Assim, mente, a segunda tópica, seriam concebi-
a exigência de análise para aquele que das. O modelo clínico de Freud, ao menos
quisesse se tornar psicanalista, que, a o que é apresentado em seus ensaios
partir dos anos 20, seria oferecida e regu- principais sobre a transferência, é ainda
lada pela associação internacional re- devedor da primeira tópica e da primazia
cém-criada, foi instituída obedecendo a do recalcado na estruturação subjetiva.
duas motivações principais: para que o Assim, a tarefa principal de uma análise
candidato a psicanalista reconhecesse e seria promover a recordação do material
experimentasse na carne os efeitos do recalcado, ainda que para isso fosse pre-
inconsciente, convencendo-se assim da ciso lidar com as vicissitudes da repeti-
sua efetividade, o que as curtas análises ção, cujo palco é o campo transferencial.
desse período pouco proporcionavam; e, O princípio de abstinência foi for-
sobretudo, para que pudesse lidar com mulado, e fez a sua fama, justamente
seus pontos cegos e controlar sua con- nesse contexto, no qual o trabalho privile-
tratransferência. giado nas análises era o do recordar, e

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para o qual o psicanalista contribui atra- e seu principal interlocutor e colaborador


vés do seu instrumento maior, a interpre- ao longo de quase trinta anos, e depois em
tação, ainda que, para formulá-la seja alguns desenvolvimentos promovidos por
preciso assistir às repetições e às atua- D. W. Winnicott, de que maneira a con-
ções (acting-out) nas análises. Portanto, cepção do que é a relação transferencial
a técnica freudiana apresentada entre os foi sofrendo transformações e redes-
anos 1910 e 1920 (e é apenas em relação crições, na esteira dos desafios clínicos
a essa concepção que as críticas e os impostos pela segunda tópica e pela emer-
desenvolvimentos de outros autores deve gência de quadros de sofrimento psíquico
ser considerada) tem como balizas a re- diferenciados das neuroses que merece-
gra fundamental da associação livre, o ram os cuidados do criador da psicanálise.
princípio de abstinência regulando e
controlando o campo transferencial, e a A produção de sentido: a transfe-
interpretação como instrumento privile- rência em Ferenczi e em Winnicott
giado do qual dispõe o psicanalista para
remeter as repetições coloridas pela afe- O sentido do percurso teórico-clí-
tividade às recordações, ou seja, ao con- nico de Sándor Ferenczi está condensado
teúdo recalcado e à elaboração que lhe é no primeiro parágrafo do seu Diário clí-
sucedânea, como se pode encontrar em nico, escrito ao longo do ano de 1932 –
“Recordar, repetir e elaborar” (Freud, Ferenczi morreria no ano seguinte –, e
1914/1980n). publicado apenas em 1985, na França, por
No entanto, no terceiro capítulo de óbvias razões políticas, dado o seu caráter
Além do princípio do prazer (1920/ perturbador em razão do questionamento
1980a), encontramos uma confissão que da técnica psicanalítica clássica. A nota
abre espaço para contribuições futuras, de 7/1/32 refere-se à insensibilidade do
através da qual Freud reconhece que a psicanalista: “...maneira afetada de cum-
prática psicanalítica, originalmente uma primentar, exigência formal de ‘contar
“arte interpretativa”, em frente ao fenô- tudo’, a atenção flutuante que, afinal não
meno da compulsão à repetição, passaria o é e certamente não é a apropriada para
a privilegiar, lado a lado com a interpreta- as comunicações dos analisandos, im-
ção, os afetos vividos na relação transfe- pregnadas que estão de sentimentos e
rencial. A experiência analítica ficaria, freqüentemente trazidas com grandes di-
assim, menos referida ao seu registro ficuldades” (Ferenczi, 1932/1990, p. 31).
inteligível, e mais atenta ao campo do Para Ferenczi, essa “insensibilidade” –
sensível e do que nele se pode produzir que acabou se configurando a contrapar-
como sentido. Veremos, primeiramente tida do princípio de abstinência – nada
acompanhando o percurso clínico de mais era do que uma defesa (obsessiva,
Sándor Ferenczi, contemporâneo de Freud quando não esquizóide ou perversa) dos

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analistas, uma forma de “hipocrisia” e de para o término da análise acreditando,


recusa dos modos pelos quais o analista é assim, produzir um atalho para certas
afetado e afeta seu analisando no encon- recordações – no caso, a cena primitiva
tro clínico. (Freud, 1919/1980h). De fato, em uma
Na fase inicial dos seus experi- conferência pronunciada (não por acaso)
mentos clínicos, marcada pelo emprego no Congresso Psicanalítico Internacional
da técnica ativa que mereceu os elogios de Budapeste, sob o título “Linhas de
de Freud, Ferenczi tentara resolver os progresso na terapia psicanalítica”, Freud
problemas causados pela adesividade (1919/1980i) reconhecera que, diante de
transferencial e pela conseqüente estag- certos quadros – notadamente fobias e
nação das análises nos pacientes mais obsessões graves –, seria necessário uma
comprometidos através do uso de injun- outra “atividade” por parte do psicanalis-
ções e proibições, ou seja, da promoção ta, o que preparava o solo político no
de atos – suscitados pela palavra de campo psicanalítico para as inovações
ordem emitida pelo analista – que incidi- que seriam apresentadas por Ferenczi.
am sobre o corpo e sobre o circuito Mas a experiência se revelou contra-
pulsional dos analisandos (Freud, 1919/ indicada, já que, com o recrudescimento
1980i). Sua idéia fora a de produzir, com da abstinência e o excesso de interpreta-
a radicalização até o absurdo do princípio ções que lhe sucedia, a técnica ativa
de abstinência, um incremento da angús- produzia mais efeitos iatrogênicos do que
tia que obrigaria o analisando a “traba- terapêuticos.
lhar”, isto é, livre associar e, finalmente, Revendo esse posicionamento em
recordar (Ferenczi, 1919/1993). Buscan- um ensaio posterior, que pode ser consi-
do ser mais freudiano do que o próprio derado um verdadeiro divisor de águas no
Freud, Ferenczi rapidamente percebera campo psicanalítico, “Elasticidade da téc-
que, desse modo, produzia apenas maior nica psicanalítica” (1928/1992d), Feren-
submissão nos analisandos, que logo se czi retoma uma formulação importantíssi-
adaptavam aos sacrifícios da técnica ati- ma de Freud, até então não devidamente
va (Ferenczi, 1926/1993a). valorizada: a de que uma interpretação
É verdade que os quadros clínicos cometida sem tato é não apenas inócua,
graves aos quais atendia não configura- mas efetivamente patogênica (Freud,
vam, na sua percepção diagnóstica, neu- 1910/1980l). Justamente, essa categoria
roses clássicas, o que tendia a compro- sutil – o tato – é resgatada para a criação
meter a eficácia da regra fundamental da de um estilo clínico diferenciado. Feren-
associação livre. A inspiração para o czi remete o tato, cujo sentido Freud não
emprego da técnica ativa adveio da expe- chegou a aprofundar, à faculdade da
riência de Freud com o “Homem dos empatia (Einfühlung), até então explo-
lobos”, na qual Freud estipulara uma data rada apenas no terreno da investigação

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estética, e cuja tradução literal seria “sen- teimoso”,4 e se oferecer como suporte
tir dentro”. Mas o fundamental de “Elas- das mais intensas manifestações afetivas
ticidade da técnica...”, ao contrário do previstas pela transferência, será recom-
que se poderia precipitadamente inferir, pensado com o ultrapassamento de mui-
não é a proposta de uma identificação do tas das “resistências objetivas” impostas
analista com o analisando, ou mesmo, e pelo tratamento-padrão.5 Assim, a “ino-
mais grave, de uma projeção sobre este vação” de Ferenczi, segundo sua própria
de conteúdos psíquicos do próprio psica- avaliação, foi resgatar, da regra funda-
nalista. O aspecto decisivo apreendido no mental, a dimensão de liberdade – perdida
curso das formulações de Ferenczi, que em grande parte ao longo do processo de
reside no recurso a essa categoria empre- institucionalização da psicanálise.
gada pelos estetas do século 19 e início do Acompanhando os ensaios clíni-
século 20 (cf. Pigman, 1997), é a compre- cos de Ferenczi, a surpresa revelada a
ensão do campo transferencial como um partir do emprego da sua “técnica elásti-
plano de compartilhamento afetivo que, ca” foi a de que seus analisandos passa-
através do encontro lúdico, favorece a ram a se permitir sofrer processos re-
produção de sentidos para as experiênci- gressivos intensos, nos quais as formas de
as de cada um dos parceiros da análise. expressão apresentadas se aproximavam
Porém, para se apreender o que está em das de crianças, tanto em sua dimensão
jogo no estilo clínico assim proposto, é lúdica, quanto em sua dimensão de dor
preciso avançar mais lentamente. traumática. Pode-se contrapor, claro, que
Na experiência ferencziana, na as regressões eram provocadas, e não
medida em que a fixidez da técnica torna- espontâneas, crítica merecida, posterior-
va-se mais elástica, os analisados passa- mente, também por Winnicott. Mesmo o
vam a encontrar condições de expressão termo utilizado por Ferenczi para nomear
afetiva inusitadas, sobretudo pelas mani- o que ocorria em sua clínica, “neocatar-
festações de hostilidade (transferência se”, é fértil para provocar equívocos (Fe-
negativa) agora favorecidas. Segundo renczi, 1930/1992e).
Ferenczi (1928/1992d), se o analista se No entanto, é preciso contextuali-
dispuser a ser usado como um “joão- zar essas experiências com o que se fazia

4
Ou “joão-bobo”, o boneco que oscila de um lado ao outro ao ser empurrado, mas que, pelo fato de não
perder o eixo, não tomba definitivamente, retornando sempre à posição vertical.
5
Convém notar, mesmo sem desenvolver a questão no espaço deste ensaio, que essas contribuições são
herdeiras de uma polêmica entre Freud e Ferenczi acerca da transferência negativa que data do período em
que Ferenczi foi analisado por Freud, nos anos de 1914 e 1916. Em uma carta tardia, Ferenczi acusara Freud
de não ter dado a devida atenção à sua transferência negativa, ao que Freud respondeu em Análise terminável
e interminável (1937/1980b), argumentando que na época da análise não havia sinais dessa transferência
negativa... (Kupermann, 2003, cap. 5).

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Presença sensível: a experiência da transferência em Freud, Ferenczi e Winnicott

em nome da psicanálise na década de 20: Em “Análises de crianças com


interpretação do complexo de Édipo, ba- adultos”, de 1931, encontra-se uma for-
sicamente. A referência de Ferenczi à mulação que revela o principal objetivo do
catarse dos primórdios da psicanálise estilo clínico ferencziano: em vez de falar
detém seu sentido maior no resgate da da criança que habita o analisando atra-
palavra encarnada e encorpada proferida vés do instrumento interpretativo, seria
pelas histéricas de então. Se o campo preciso voltar a falar com a criança que se
psicanalítico havia erigido, sob o álibi téc- expressa em cada paciente em análise.
nico da abstinência e da regularidade do Mas, para falar com ela, era crucial en-
enquadre, uma série de defesas obsessi- contrar uma modalidade clínica para essa
vas para o controle das intensidades na comunicação específica, nascendo assim
relação transferencial, era preciso re- a “análise através do jogo”, inspirada na
histericizar a palavra ou, na terminologia incipiente psicanálise de crianças que vi-
de Ferenczi (1933/1992c), “soltar as lín- nha sendo desenvolvida por von Hug-
guas” novamente no campo psicanalítico. Hellmuth, Melanie Klein e Anna Freud.
Mas, para isso, o analista precisaria evitar Além disso, era também necessário que o
comparecer com seu saber excessivo e psicanalista pudesse produzir enunciados
traumatizante, ficar quieto novamente, adequados ao encontro lúdico que assim
como pedia Frau Emmy Von N. a Freud se estabelecia nas análises, adotando uma
(Freud, 1893-1895/1980d), e promover um modalidade linguageira própria do infantil,
“laissez-faire” ou um relaxamento que a “linguagem da ternura”, bastante distin-
pudesse favorecer o encontro através do ta da dos enunciados interpretativos de
qual a experiência do inconsciente tem a outrora (Ferenczi, 1933/1992c).
oportunidade de acontecer (Ferenczi, 1930/ No estilo clínico que assim se cons-
1992e). A interpretação excessiva, através tituía, as balizas passavam a ser não mais
do privilégio atribuído ao campo do inteligí- associação livre, princípio de abstinência
vel, inibia certas manifestações mais re- e interpretação, porém associação livre,
gressivas. Coube a Ferenczi o mérito de regressão e jogo (ou brincar – Spielen
formular a necessidade do acolhimento do em alemão; to play, no inglês de Winni-
infantil em análise, de maneira que novos cott), indicando que a aposta principal do
sentidos pudessem ser criados pelos anali- trabalho analítico recaía agora na qualida-
sandos para suas existências severamente de do encontro afetivo que se estabelecia
comprometidas, sobretudo se considerar- na transferência.6 O problema é que, ao
mos a configuração subjetiva dos pacientes se definir o modus operandi da clínica
traumatizados com os quais lidava. através do encontro sensível entre analis-

6
Tendência presente em sua obra, ainda que em estado latente, desde o pioneiro “Transferência e introjeção”
(Ferenczi, 1909/1991).

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ta e analisando, passava-se a exigir uma como balizas da experiência psicana-


enorme disponibilidade afetiva do psica- lítica.
nalista, bem como uma ampliação dos Em relação à regressão, Winnicott
limites estabelecidos para o campo trans- enfatiza que, sobretudo no caso dos paci-
ferencial. Ferenczi (1928/1992d) formu- entes severamente traumatizados, a pos-
la, então, a “segunda regra fundamental” sibilidade de regressão ao estado de de-
da psicanálise: a análise do analista, que pendência característico da relação pri-
não se confunde com análise didática mordial entre a mãe e o bebê, é condição
institucionalizada.7 Ainda nesse sentido, sine qua non para a instauração de um
propõe, no Diário clínico (1932/1990), a processo psicanalítico. Essa formulação,
expressão da “contratransferência real” que só pode ser compreendida em refe-
– e não de uma “pseudo-contratransfe- rência às suas concepções acerca do
rência profissional” asséptica – por parte desenvolvimento emocional primitivo é,
do analista. Dessa maneira, o psicanalista no entanto, objeto de sucessivos mal-
deixaria de se defender da sua implicação entendidos, o principal deles o que con-
afetiva no espaço analítico – seja contro- funde a direção da clínica por ele pratica-
lando de maneira hipócrita “a contra- da e teorizada com uma suposta materna-
transferência”, seja buscando dela se gem benevolente e complacente, na qual
apropriar imaginariamente para construir a agonística e o ódio não teriam qualquer
uma interpretação –, sem, contudo, aban- participação.
donar a reserva necessária ao seu ofício Em “Aspectos clínicos e metapsi-
(Figueiredo, 2000). cológicos da regressão” (1954/2000a),
encontram-se duas importantes indica-
* ções que correspondem à ampliação, já
visível na época, do espectro de atuação
A obra de D. W. Winnicott, cons- dos psicanalistas, da qual a clínica com
truída ao longo das décadas que se crianças era apenas uma vertente (bas-
sucederam ao desaparecimento de Fe- tante importante, certamente, a ponto de
renczi, em 1933, desenvolve e mesmo atrair jovens pediatras como Winnicott
esclarece muitos aspectos do estilo clí- para a formação psicanalítica): a de que o
nico ferencziano. Suas contribuições “processo” psicanalítico não pode ser
mais originais estão, a nosso ver, justa- reduzido a uma técnica-padrão, cabendo
mente nos sentidos dados à regressão e a cada analisando, segundo sua singulari-
ao jogo ao lado da associação livre – dade, indicar o “ritmo” e os “rumos” a

7
Problemática herdada por Jacques Lacan (1968/2003), que a tornou o principal desafio ético da sua Escola,
nos anos 60: responder acerca dos destinos da transferência no final da análise dos próprios psicanalistas
– tarefa que constituiu o procedimento nomeado como “passe”.

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Presença sensível: a experiência da transferência em Freud, Ferenczi e Winnicott

serem seguidos; e a de que, para cada ferência, através do qual o analista busca
“categoria” de sofrimento psíquico, o psi- dosar o quantum ótimo de frustração de
canalista é convocado de modo diferen- maneira a dar prosseguimento à associa-
ciado. ção livre. Refere-se, ao contrário, à pos-
Assim, se para os analisandos que sibilidade de o analista adaptar-se sufici-
apresentam uma constituição narcísica entemente bem aos modos de subjetiva-
integrada, cujas dificuldades residem na ção do analisando, criando um “contexto
gestão dos relacionamentos interpesso- analítico” adequado.
ais, os princípios estabelecidos por Freud É interessante constatar que a te-
para a prática psicanalítica persistiam orização da adaptação ativa do ambi-
adequados; para os analisandos cujo so- ente à criança – inaugurada no campo
frimento se refere especialmente ao “es- psicanalítico por Ferenczi (1928/1992a),
tágio do concernimento” e à aquisição da tornando-se a pedra angular da concep-
posição depressiva (recordemos a influ- ção winnicottiana do desenvolvimento
ência de Melanie Klein sobre a psicaná- emocional primitivo – tem como contra-
lise da época), o laço transferencial se partida a adaptação do psicanalista ao
mostra bem mais delicado, sendo a “so- ritmo e aos rumos do processo de subje-
brevivência do psicanalista” à hostilidade tivação do analisando, bem como a adap-
do analisando o elemento privilegiado. Já tação da própria psicanálise às formas
para a terceira e última categoria descrita de sofrimento psíquico e às demandas de
por Winnicott – certamente a mais rele- intervenção clínica impostas pelo contex-
vante para suas elaborações teórico-clí- to cultural – como no caso da psicanálise
nicas –, a dos analisandos severamente de crianças, e do tratamento de pacientes
traumatizados, cuja integração egóica se traumatizados, borderlines e psicóticos,
encontra comprometida, a análise deverá matrizes clínicas que cunharam o pensa-
lidar com os estágios iniciais do desenvol- mento de Ferenczi e de Winnicott. As
vimento emocional primitivo, e a ênfase maiores resistências à análise se encon-
recairá sobre o “manejo”, o “trabalho trariam, nessa leitura, do lado do psicana-
analítico normal deixado de lado por lon- lista incapaz de se adaptar ao analisando,
gos períodos”, entendendo-se por traba- acolhendo as vicissitudes do seu processo
lho “normal” aquele fundado no princípio terapêutico.
de abstinência e na interpretação do re- Na teoria winnicottiana do desen-
calcado (idem). Tratar-se-ia, nesses ca- volvimento emocional primitivo (Winni-
sos, de criar as condições de confiabilida- cott, 1945/2000), a ênfase recai sobre a
de para que a regressão à dependência importância primordial da adaptação do
seja possibilitada. O “manejo” winnicot- ambiente às necessidades e ao gesto
tiano não equivale, portanto, à concepção criativo do bebê, condição para a conti-
freudiana de manejo na neurose de trans- nuidade da sua existência e a sua conse-

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Daniel Kupermann

qüente expansão psíquica. Nesse mo- desmame e da aquisição do sentido de


mento do desenvolvimento humano, há realidade.
uma efetiva dependência absoluta do bebê A desilusão da onipotência não
à mãe que, através das competências implica o fim das experiências de ilusão.
“técnicas” adquiridas pelo estado de sen- O bebê que teve a oportunidade de viver
sibilidade exacerbada característico do a ilusão de onipotência pode, doravante,
puerpério, nomeado “preocupação ma- constituir nas relações com o mundo um
terna primária”, possibilita os cuidados espaço de ilusão através do qual a expe-
necessários aos processos de integração riência da criatividade terá continuidade.
do ego e de personalização – a experiên- Com o início da distinção entre o eu e a
cia psíquica de habitar um corpo unitário. alteridade, preserva-se uma terceira área
Posteriormente, no momento próximo do da experiência – nem mundo interno, nem
desmame, a desadaptação gradual da mundo externo –, o espaço transicional,
mãe possibilitará o processo de realiza- no qual a experiência do viver criativo
ção, referente à aquisição do sentido de poderá ser exercida, seja na forma do
realidade e da dependência relativa, rumo brincar solitário e do brincar compartilha-
à independência, que será também sem- do, seja na forma da experiência cultural
pre relativa. propriamente dita – arte, religião, inven-
A modalidade de funcionamento ção...
psíquico do período da dependência abso- Uma falha desastrosa do ambiente
luta caracteriza-se pela “ilusão de onipo- no momento da dependência absoluta
tência”, isto é, não havendo ainda um provocada pelo abandono ou pela intru-
efetivo destacamento entre o eu e a alte- são perturbadora do gesto espontâneo,
ridade, o bebê teria a experiência de criar caracteriza uma ruptura na continuidade
o seu próprio ambiente cuidador. O objeto do ser e a incidência do trauma, ao qual o
que desse modo se constitui é nomeado bebê reage defensivamente. A reação
por Winnicott “objeto subjetivo” e se defensiva – ao contrário das reações
encontra sob o controle mágico do bebê. espontâneas às falhas ambientais supor-
Para fins ilustrativos, o seio da mãe táveis nas formas da queixa ou mesmo da
seria, em um primeiro momento, uma raiva – está na origem de toda a psicopa-
criação onipotente do bebê, parte de si tologia winnicottiana – neurose, psicose
mesmo, e não um objeto autônomo. ou dissociação egóica –, e expressa o
Para Winnicott (1951/2000e), a experi- assujeitamento aos imperativos de um
ência de onipotência é a base da inte- ambiente precário ou hostil (Winnicott,
gração do self, sobre a qual poderão 1952/2000f). O bebê que precisa estar
ocorrer as futuras experiências da de- atento demais ao ambiente termina, em
silusão – gradualmente proporcionadas busca de controle, mimetizando os adul-
pela mãe, segundo o ritmo do bebê –, do tos à sua volta e constituindo um falso self

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Presença sensível: a experiência da transferência em Freud, Ferenczi e Winnicott

protetor com base na submissão – o que Em Formas clínicas da transfe-


Ferenczi (1933/1992c), por sua vez, no- rência, Winnicott aponta alguns proble-
meara “progressão traumática” –, com- mas suscitados pela clínica com pacien-
prometendo seu viver criativo e acarre- tes traumatizados referentes à concep-
tando o sentimento de “inutilidade” ou de ção freudiana de neurose de transferên-
“irrealidade” sobre o qual a clínica quer cia. Se a neurose de transferência se
intervir. caracteriza pela atualização do inconsci-
Nesse sentido, a regressão em ente, isto é, “o passado vem ao consultó-
análise seria justamente a contrapartida rio”, na situação de regressão à depen-
clínica de uma progressão traumática dência seria mais adequado dizer que “o
defensiva. Seria preciso promover um presente retorna ao passado, e é o passa-
retorno à “situação bem-sucedida original do” (1955-1956, p. 396). A qualidade do
do narcisismo primário”, permitindo o encontro promovido pela constituição do
“descongelamento” dos pontos do desen- contexto ambiente-indivíduo remete, efe-
volvimento emocional, nos quais o anali- tivamente, à dupla dependência do par
sando ficou fixado em função da falha do amamentante. Justamente por isso, nes-
ambiente, dando origem a um “novo iní- ses casos, a experiência da raiva do ana-
cio”, agora afinado ao seu gesto criativo, lisando seria “objetiva”, dirigida às falhas
bem como à sua agressividade primária, do analista, não podendo ser caracteriza-
incapaz de expressão na ocasião do da como a transferência negativa da aná-
trauma (Winnicott, 1954/2000a, p. 384). lise dos neuróticos, na maior parte das
Finalmente, com a retomada do desen- vezes associada por Freud às resistências
volvimento emocional e da sua consti- à análise.
tuição egóica, o analisando pode expe- Dessa maneira, a concepção de
rimentar, muitas vezes pela primeira regressão à dependência deve ser enten-
vez, tanto a alegria do viver criativo, dida como a possibilidade de o analisando
quanto o ódio e a raiva referente à vivenciar, no seu encontro com o psicana-
situação da falha na adaptação ambi- lista hospitaleiro, experiências afetivas
ental originária. Para Winnicott, a ex- compartilhadas que despertem ou promo-
pressão da raiva é fundamental para a vam impulsos de vitalidade, livrando-o da
continuidade do amadurecimento do compulsão a reagir defensivamente e da
analisando em direção à sua indepen- submissão aos imperativos ditados pela
dência do analista (Winnicott, 1954/ tirania do outro.8 Porém, esse plano de
2000a; 1955-1956/2000c). afetação é habitado não apenas por uma
8
No belo ensaio “O anjo necessário: a idealização como um desenvolvimento”, Anne Alvarez (1994) ilustra
através do relato de um caso clínico o modo pelo qual a regressão à dependência e a experiência da ilusão
de onipotência na transferência pode favorecer a constituição das instâncias narcísicas ideais em um
analisando traumatizado.

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Daniel Kupermann

dimensão primeva do amor incondicional vência aos ataques da criança. Nesse


maternal, mas também pela possibilidade sentido, Winnicott (1947/2000d p. 287)
de expressão do ódio, condição para a afirma categoricamente que o “sentimen-
constituição da sua singularidade e para o talismo” não tem nenhuma utilidade para
amor do concernimento. Para Winnicott os pais, já que consiste em uma recusa
(assim como para Ferenczi, como vimos), afetiva, sendo prejudicial para a criança,
a autenticidade do encontro clínico é de- que se encontra incapaz, em um ambiente
terminada pela qualidade da presença sentimental, de admitir a intensidade do
sensível do psicanalista, sendo que o ana- seu ódio. Do mesmo modo, o analisando
lisando não poderá confiar em alguém só pode tolerar o ódio pelo analista se a
incapaz de discernir e admitir a sua pró- sua sensibilidade indicar que o analista
pria ambivalência e o ódio na contra- suporta odiá-lo e sobrevive aos seus ata-
transferência. “Quando o paciente está ques, sem a necessidade de retaliação.9
à procura de um ódio legítimo, objetivo, Assim, no capítulo de O brincar e
ele deve ter a possibilidade de encontrá- a realidade, intitulado “O uso de um
lo, caso contrário não se sentirá capaz de objeto e relacionamento através de iden-
alcançar o amor objetivo”, escreve Winni- tificações” (Winnicott, 1971/1975), en-
cott (1947/2000d, p. 283). contra-se a idéia de que, no curso do
Em seu processo de realização e processo analítico, o psicanalista compa-
gradual aquisição de independência, o rece tanto como presença sensível quan-
bebê precisa “destruir” seus objetos sub- to como alteridade radical, a experiência
jetivos, de modo a colocá-los fora do seu transferencial configurando um espaço
controle onipotente, adquirindo, assim, a de compartilhamento afetivo no qual a
capacidade de “uso” dos objetos no espa- criação é possibilitada. Primeiramente,
ço da realidade compartilhada. Porém, a deve-se proporcionar ao analisando trau-
destruição do objeto subjetivo por parte matizado a regressão à dependência e a
do bebê tem como condições necessárias relação de objeto, esta última equiva-
a capacidade de sobrevivência da mãe, lente à concepção tradicional de relação
sem retaliação. A negação do ódio por transferencial – projeção dos afetos do
parte do adulto denota uma inibição do analisando atualizados sobre a figura do
seu próprio gesto espontâneo, quando não analista. Porém, com o ganho de indepen-
a instauração de um masoquismo empo- dência do analisando e a percepção de
brecedor do seu viver criativo, o que que o psicanalista se encontra fora da
compromete sua capacidade de sobrevi- área do seu controle onipotente, há uma

9
Ao longo da história da psicanálise, encontramos inúmeros exemplos nos quais essa situação deixa de
se configurar, especialmente no que concerne ao par transferência-contratransferência nas análises
didáticas, institucionalizadas ou não (Kupermann, 1996).

88 Jornal de Psicanálise, São Paulo, 41(75): 75-96, dez. 2008.


Presença sensível: a experiência da transferência em Freud, Ferenczi e Winnicott

passagem da capacidade de relacionar- concepção da análise através do brin-


se com o objeto para a capacidade de uso car.10 “Dessa maneira”, descreve Winni-
de um objeto com o qual se pode brincar cott (1971/1975, p.131), “...cria-se um
e, brincando, produzir sentidos comparti- mundo de realidade compartilhada que o
lhados inéditos para a experiência de si e sujeito pode usar e que pode retroalimen-
do campo de objetalidade. Lemos em tar a substância diferente-de-mim dentro
Winnicott (1971/1975, p. 123): “...o obje- do sujeito”.
to, se é que tem que ser usado, deve ser É justamente o encontro com a
necessariamente real, no sentido de fazer alteridade que está no horizonte do enig-
parte da realidade compartilhada, e não ma que cerca os destinos da transferên-
um feixe de projeções”. cia no final da análise. De fato, na con-
A experiência da transferência em cepção winnicottiana, a dupla dependên-
Winnicott configura, assim, um arriscado cia do par mãe-bebê não tem como des-
desafio, sem dúvida, no qual é preciso tino uma suposta independência absoluta
poder odiar e se deixar odiar/destruir, – que poderia sugerir uma cultura de
sobrevivendo a esse movimento emanci- narcisos suficientes e isolados, para os
patório do analisando, sem abandono nem quais o outro não é mais objeto de concer-
retaliação. O desafio consiste em poder nimento. Ao contrário, o que se coloca em
desapegar-se dos sentidos de si já consti- jogo na aventura psicanalítica é a dissolu-
tuídos para habitar junto com o analisando ção da ambição de um ego autônomo e
a “terceira área da experimentação” que bem-acabado – o mito individual do neu-
faz, do encontro afetivo, criação (Winni- rótico –, para dar lugar ao self capaz da
cott, 1951/2000e). Não se trata, portanto, experiência da não-integração criadora e
como se poderia supor, somente de ocu- da capacidade para ficar só na presença
par, na relação transferencial, um lugar do outro, condição para a amizade e
específico segundo as imagos inconsci- matriz da própria experiência cultural
entes atualizadas do analisando – no caso, (Winnicott, 1958/1983a).
de assumir privilegiadamente uma postu- Há, na concepção winnicottiana
ra materna, em oposição ao que seria uma da constituição subjetiva, a formulação de
suposta postura paterna freudiana –, mas um núcleo do self ou self central – consi-
de poder fazer contato com a criança que derado o self verdadeiro – que é essenci-
habita também o psicanalista, promoven- almente secreto e incomunicável, ao qual
do o encontro lúdico e criativo inerente à o sujeito recorre permanentemente, so-

10
Sándor Ferenczi, em seu Diário clínico, já havia indicado que em muitas ocasiões se tem a impressão
de que o espaço analítico é habitado por duas crianças – o analisando e seu analista – que compartilham
o mesmo estado de desamparo, ligam-se entre si e estabelecem vínculos de amizade. Sua indagação: “Deve
a análise acabar sob o signo de tal amizade?” (Ferenczi, 1932/1990, p. 91).

Jornal de Psicanálise, São Paulo, 41(75): 75-96, dez. 2008. 89


Daniel Kupermann

bretudo nos estados de relaxamento e de de para estar só que permitirá ao anali-


não-integração, de modo a preservar a sando se manter vivo, bem e desperto:
autenticidade do seu gesto no curso do objetivos do processo psicanalítico (Winni-
árduo trabalho imposto pelo contato com cott, 1962/1983c).
a alteridade (Winnicott, 1963/1983b). O
trânsito com o núcleo do self é facilitado, REFERÊNCIAS
no desenvolvimento psíquico do bebê,
pela aquisição da capacidade de ficar só, Alvarez, A. (1994). Companhia viva.
promovida pela presença de um outro Porto Alegre: Artes Médicas.
acolhedor e não intrusivo. O retraimento
defensivo ou a constituição de graus ex- Ferenczi, S. (1990). Diário clínico. São
tremados de falso self revelam, por seu Paulo: Martins Fontes. (Trabalho
turno, tentativas de proteger o núcleo do original publicado em 1932.)
self, evitando a comunicação com o que
é não-eu. Na experiência transferencial, Ferenczi, S. (1991). Transferência e in-
são muito valorizados, portanto, os mo- trojeção. In S. Ferenczi, Psicanálise
mentos silenciosos de comunicação indi- I (pp. 77-108). São Paulo: Martins
reta (não-verbal) ou mesmo de não-co- Fontes. (Trabalho original publicado
municação, nos quais o analisando, po- em 1909.)
dendo livrar-se do retraimento, tem a
oportunidade de estar em contato com Ferenczi, S. (1992a). A adaptação da
seu verdadeiro self na presença sensí- família à criança. In S. Ferenczi,
vel do analista.11 Psicanálise IV (pp. 1-13), São Pau-
Curioso paradoxo: assim como lo: Martins Fontes. (Trabalho origi-
“...não é possível a um bebê existir sozi- nal publicado em 1928.)
nho” (Winnicott, 1945/2000b), não é pos-
sível a um analisando criar no isolamento Ferenczi, S. (1992b). Análises de crian-
defensivo que constitui a fonte do seu ças com adultos. In S. Ferenczi, Psi-
sofrimento; entretanto, o percurso analíti- canálise IV (pp. 69-83), São Paulo:
co indica que, no horizonte do encontro Martins Fontes. (Trabalho original
afetivo que ocorre entre analista e anali- publicado em 1931.)
sando está a possibilidade de experimen-
tação da solidão compartilhada, fonte do Ferenczi, S. (1992c). Confusão de lín-
gesto criador. É a aquisição da capacida- guas entre os adultos e a criança. In

11
Na clínica com adolescentes, em especial, o analista é convocado em sua sensibilidade para a necessidade
de não-comunicação ou de comunicação indireta (Winnicott, 1963/1983b). Sobre a solidão positiva, ver
também Chaim Samuel Katz (1996).

90 Jornal de Psicanálise, São Paulo, 41(75): 75-96, dez. 2008.


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94 Jornal de Psicanálise, São Paulo, 41(75): 75-96, dez. 2008.


Presença sensível: a experiência da transferência em Freud, Ferenczi e Winnicott

SUMMARY

Sensitive presence: the experience of transference in


Freud, Ferenczi and Winnicott

Through a historico-critical analysis of the conceptions of transference presented


in the writings of S. Freud, S. Ferenczi and D. W. Winnicott, we intend to show that the
clinical style developed by these authors cannot be dissociated from the context in
which they practice psychoanalysis, especially in regard to the forms of psychic
suffering which are predominant in it. Taking neurosis as the predominant clinical
structure, Freud conceives transference as the up-dating of childish unconscious
complexes of the patients, their handling to be ruled by the principle of abstinence and
the interpretation of the resistance and the repressed. Sándor Ferenczi and D. W.
Winnicott, on the other hand, treated traumatized patients whose subjectivity was
severely damaged, basing their clinical style on regression to the dependence and on
playing together. They thus established that it is the quality of the affectionate encounter
between the analyst and the patient which leads to sense in the psychoanalytical
experience.

Keywords: Psychoanalysis. Transference. Sigmund Freud. Sándor Ferenczi. D. W.


Winnicott.

RESUMEN

Presencia sensible: la experiencia de la transferencia en


Freud, Ferenczi y Winnicott

A través de un análisis histórico-crítico de las concepciones de transferencia


presentada en la obra de S. Freud, S. Ferenczi y D. Winnicott, se intenta demostrar que
el estilo clínico desarrollado por esos autores no puede ser disociado del contexto en
el cual ejercen el psicoanálisis, especialmente de las formas de sufrimiento psíquico
que en él predomina. Considerando la neurosis como matriz clínica privilegiada, Freud
concibe a la transferencia como actualización de los complejos inconscientes
infantiles de los analizandos, siendo que su manejo está regulado por el principio de
abstinencia y por la interpretación de la resistencia y de lo recalcado. Por su vez, Sándor
Ferenczi y D. W. Winnicott trabajaron con pacientes severamente comprometidos en
lo que a sus procesos de subjetivación se refiere y, basando su estilo clínico en la

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Daniel Kupermann

regresión a la dependencia y en el juego compartido, indicarán que merced a la calidad


del encuentro afectivo que se establece entre analista y analizando, esto puede
conducir a la producción de sentidos en la experiencia psicoanalítica.

Palabras-clave: Psicoanálisis. Transferencia. Sigmund Freud. Sándor Ferenczi. D. W.


Winnicott.

Daniel Kupermann
R. Carlos Millan, 22/51
01456-030 São Paulo, SP
Fone: (11) 3034-4986
E-mail: dkupermann@usp.br

Recebido em: 03/08/2008


Aceito em: 12/09/2008

96 Jornal de Psicanálise, São Paulo, 41(75): 75-96, dez. 2008.

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