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A Tentação de Cristo - John Knox

Uma exposição confortadora de Mateus 4,

A Tentação de Cristo

Uma exposição confortadora de Mateus 4,

concernente a tentação de Cristo no deserto.

por John Knox (1503-1572†)

***

A causa que me moveu a tratar desta passagem das Escrituras, foi para que aqueles que, pela
inescrutável providência de Deus, caem em diversas tentações, não se julguem, por causa
disso, menos aceitáveis na presença de Deus; mas, pelo contrário, tendo o caminho
preparado para vitória através de Cristo Jesus, não temam, acima da medida, as astutas
investidas da ardilosa serpente, Satanás; mas, com alegria e coragem, tendo tal Guia, tal
Campeão e tais armas, como as encontradas nesta passagem (se com obediência ouvirmos e
crermos verdadeiramente), possam assegurar-se do presente favor de Deus e da vitória final,
por meio de Cristo, que, para nossa segurança e livramento, entrou na batalha e triunfou sobre
seu adversário e sobre toda sua fúria, e também, para que as subseqüências, sendo ouvidas e
entendidas, possam ser melhor guardadas na memória.

Pela graça de Deus, nos proporemos a observar, no trato deste assunto:

1) Primeiro, o significado da palavra tentação e como ela é usada nas Escrituras;

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2) Em segundo lugar, quem é tentado aqui e quando esta tentação aconteceu;

3) Em terceiro lugar, como e por quais meios Ele foi tentado;

4) E por último, porque Ele deveria experimentar aquela tentação e qual o proveito
decorrente deste episódio, para nós (a parte aqui traduzida).

...

"Se és Filho de Deus manda que estas pedras se transformem em pães. Jesus, porém,
respondeu: Está escrito: Não só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que
procede da boca de Deus" (Mt.4:3-4)

O propósito pelo qual o Espírito Santo conduziu Jesus ao deserto para que Jesus fosse
tentado, é nos fazer entender, através deste fato, que Satanás nunca cessa de se opor aos
filhos de Deus, mas continuamente, por um meio ou outro, os conduz e os provoca a algum
juízo pecaminoso sobre o Deus deles.

Desejar que pedras se transformem em pães ou que a fome seja satisfeita, nunca foi pecado,
nem tão pouco uma opinião pecaminosa sobre Deus, mas, creio que esta tentação foi mais
espiritual, mais sutil e mais perigosa. Satanás estava se referindo a voz de Deus que disse ser
Cristo Seu Filho Amado.

Contra esta declaração ele luta, como lhe e intrínseco fazer, contra a indubitável e imutável
palavra de Deus; pois sua malícia contra Deus e seus filhos escolhidos é tal, que para quem
Deus declara amor e misericórdia, a estes ele ameaça com desprazeres e maldições; e onde
Deus ameaça morte, lá ele é audacioso em declarar vida. Por causa disto Satanás é chamado
de mentiroso desde o princípio (Jo. 8:44).

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Assim sendo, o objetivo de Satanás é levar Cristo a desesperança, para que Ele não creia na
voz de Deus seu Pai; e este parece ser o significado desta tentação: "Tu ouviste", Satanás
diria, "uma voz dos céus dizer que Tu eras o amado Filho de Deus, no qual Ele se compraz
(Mt.3:17), mas não te julgarão louco ou um tolo sem juízo, se creres em tal promessa? Onde
estão os sinais deste amor? Tu não estás sem o conforto de todas as criaturas? Tu estás pior
do que as brutas feras, pois todo dia elas caçam para se alimentar e a terra produz grama e
ervas para seu sustento, de forma que nenhuma delas definha ou é consumida pela fome.
Mas tu jejuas há quarenta dias e quarenta noites, esperando sempre algum alívio e conforto
dos céus, mas tua melhor provisão são pedras duras! Se Te glorias em teu Deus, e crês
verdadeiramente na promessa que foi feita, ordena que estas pedras se transformem em
pães. Mas, é evidente que Tu não o podes fazer, pois se pudesses, ou se teu Deus tivesse Te
concedido tal privilégio, há muito terias matado tua fome e não necessitarias suportar este
abatimento por falta de comida. Mas vendo que ainda continuas assim e que nenhum
mantimento foi preparado para Ti, é presunção acreditar em tal promessa, e por isso, perca a
esperança de qualquer socorro das mãos de Deus e proveja para Ti, por qualquer outro meio!"

Eu usei muitas palavras, mas eu não posso expressar o grande despeito que se esconde
nesta tentação de Satanás. Foi uma zombaria de Cristo e de sua obediência. Foi uma clara
rejeição da promessa de Deus. Foi a voz triunfante dele que aparentava ter conseguido a
vitória. Oh! quão amargo este tipo de tentação é, nenhuma criatura pode entender, a não ser
os que sentem a dor de tais dardos lançados por Satanás na consciência sensível dos que
alegremente descansam e repousam em Deus e nas suas promessas de misericórdia.

Mas aqui devemos notar a base e o fundamento desta tentação. A conclusão de Satanás é
esta: "Tu não és um eleito de Deus, muito menos seu Filho amado". Sua razão é esta: "Tu
estás em dificuldades e não achas alívio". Logo, o fundamento da tentação era a pobreza de
Cristo e a falta de comida, sem esperança de receber, da parte de Deus, o remédio. É a
mesma tentação com a qual o diabo objetou a Cristo por meio dos principais sacerdotes,
quando em seu tormento atroz na cruz; eles gritavam: "Se Ele é Filho de Deus, deixe que
desça da cruz e creremos nele. Confiou em Deus; pois venha livrá-lO agora, se de fato Lhe
quer bem" (Mt. 27:40,43). Como se dissessem: "Deus liberta os seus servos dos problemas.
Ele nunca permite que os que O temem sejam envergonhados. Mas vemos este homem em
angústia extrema. Se Ele é o Filho de Deus, ou ainda um verdadeiro adorador do Seu nome,
Deus o livrará desta calamidade. Se não livrá-lO, mas permitir que pereça nesta angústia,
então é um sinal seguro de que Deus O rejeitou, como hipócrita, que não terá porção de sua
glória". Assim, Satanás tem oportunidade para tentar e também para mover outros a julgar e
condenar os eleitos de Deus e seus filhos escolhidos, em função de que lhes sobrevêm muitas
angústias.

Aprenderemos, agora, com quais armas devemos lutar contra tais inimigos e assaltos, na

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resposta de Jesus: "Não só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da
boca de Deus ".

A resposta de Cristo prova aquilo que estivemos mencionando antes, pois a menos que o
propósito de Satanás tenha sido demover Cristo de toda esperança na providência
misericordiosa de Deus concernente a Ele, naquela sua necessidade, Cristo não respondeu
diretamente às palavras de Satanás: "ordene que estas pedras se transformem em pães"
(Mt.4:3). Mas Jesus Cristo, percebendo sua astúcia e malícia sutis, respondeu diretamente ao
significado delas, desconsiderando suas palavras. Nesta resposta Satanás foi tão frustrado,
que teve vergonha de replicar além, sobre este assunto.

Mas para que você entenda melhor o significado da resposta de Cristo, a expressaremos em
outras palavras: "Você labora", Cristo diria, "em trazer ao meu coração dúvida e suspeita com
relação a promessa de meu Pai, que foi publicamente proclamada no meu batismo, por causa
da minha fome e da carência de toda provisão carnal. Você é audacioso em afirmar que Deus
não cuida de mim. Mas você é enganador e sofista corrupto, e seu argumento é vão e repleto
de blasfêmias; pois você vincula o amor, misericórdia e providência de Deus, a ter ou carecer
da provisão carnal, o que não nos é ensinado em nenhuma parte das Escrituras de Deus, mas
antes, elas expressam o contrário. Como está escrito "Nem só de pão...", ou seja, a vida e a
felicidade do homem não consistem na abundância de coisas corpóreas, pois a possessão
delas não abençoa ou torna feliz o homem, nem a falta delas é a causa da sua miséria final;
mas a vida do homem consiste em Deus e nas suas promessas, e os que nelas se apegam
sinceramente, viverão a vida eterna. E embora todas as criaturas na terra o desamparem, sua
vida corpórea não perecerá até que o tempo apontado por Deus chegue. Pois Deus tem meios
para alimentar, preservar e manter, ignorados pela razão humana e contrários ao curso
comum da natureza. Ele alimentou seu povo Israel no deserto quarenta anos sem provisão
humana. Ele preservou Jonas na barriga do grande peixe e manteve e guardou os corpos dos
seus três filhos (Sadraque , Mesaque e Abede-Nego) no fogo da fornalha. A razão e o homem
natural não viam saída nestes casos, a não ser destruição e morte, e julgariam que Deus
havia retirado o Seu cuidado destas suas criaturas; e todavia, sua providência foi mais zelosa
em relação a eles no limite dos perigos que enfrentaram, dos quais Ele os libertou de tal forma
(e durante os assistiu), que sua glória, que é sua misericórdia e bondade, apareceu e
sobressaiu-se mais, depois de seus problemas, do que se eles tivessem sucumbindo neles. E
por esta razão, eu não meço a verdade e favor de Deus pelo fato de ter ou não necessidades
físicas, mas pela promessa que Ele fez para mim. Assim como Ele é imutável, também são a
sua palavra e promessa, as quais, Eu creio, me apego e sou fiel, independentemente do que
possa vir externamente ao corpo".

Nesta resposta de Cristo podemos discernir quais armas devem ser usadas contra nosso
adversário, o diabo, e como devemos refutar seus argumentos, que, com astúcia e malícia, ele

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faz contra os eleitos de Deus. Cristo poderia ter repelido Satanás com uma palavra ou
pensamento, ordenando-o calar, como Aquele a quem todo poder foi dado no céu e na terra.
Mas foi agradável a sua misericórdia, nos ensinar como usar a espada do Espírito Santo, que
é a palavra de Deus, na batalha contra nosso inimigo espiritual. O texto da Escritura
mencionado por Cristo, encontra-se no oitavo capítulo de Deuteronômio. Foi dito por Moisés,
um pouco antes de sua morte, para firmar o povo na misericordiosa providência de Deus; pois
no mesmo capítulo, e em outros depois deste, ele avalia a grande luta, os diversos perigos e
as necessidades extremas que eles tiveram que suportar no deserto, no período de quarenta
anos; e quão constante Deus tinha sido em mantê-los e em cumprir sua promessa,
conduzindo-os através de todos os perigos até a terra prometida. E assim, este texto da
Escritura responde, mais diretamente, às tentações de Satanás, pois Satanás raciocina deste
modo(como mencionei antes): "Tu estás em pobreza e não tens provisão para sustentar tua
vida. Isto prova que Deus não considera e nem toma conta de Ti, como Ele faz com os seus
filhos escolhidos", Jesus Cristo responde: "Teu argumento é falso e vão, pois pobreza ou
necessidade não excluem a providência ou cuidado de Deus, os quais são facilmente
provados pelo exemplo do povo de Israel, que no deserto, muitas vezes, necessitou de coisas
necessárias ao sustento da vida e, por carecerem delas, invejaram e murmuraram. Apesar
disto, o Senhor nunca retirou deles seu cuidado e providência, mas, em conformidade ao que
uma vez falou, a saber, que eles eram seu povo peculiar, e em conformidade a promessa feita
a Abraão e àqueles que saíram do Egito, Ele continuou sendo seu guia e condutor, até que os
colocou na tranqüila possessão da terra de Canaã, não obstante a grande debilidade e as
diversas transgressões do seu povo".

Assim, nós somos ensinados, por Jesus Cristo, a repulsar Satanás e seus assaltos pela
palavra de Deus e a aplicar os exemplos de sua misericórdia, mostrada a outros antes de nós,
para nossa alma nas horas de tentação e nos tempos de nossas tribulações; pois aquilo que
Deus faz a alguém em determinada época, cabe a todos que confiam e dependem Dele e nas
suas promessas. Por esta razão, por mais que sejamos assaltados pelo nosso adversário
Satanás, encontramos, na Palavra de Deus, armadura e armas suficientes.

A principal astúcia de Satanás é atormentar aqueles que começaram a abandonar seu


domínio e a declarar inimizade contra a iniquidade, com diversos ataques, tendo como objetivo
colocar em suas consciências, divergências entre eles e Deus, para que eles não descansem
e repousem nas seguras promessas de Deus. E para conseguir isto, ele usa e inventa vários
argumentos. Algumas vezes ele chama à lembrança deles, os pecados de sua juventude ou
aqueles que cometeram no tempo de cegueira. Freqüentemente ele objeta a ingratidão deles
em relação a Deus e suas presentes imperfeições. Através de doença, pobreza, tribulações
nos seus lares, ou pela perseguição, ele pode alegar que Deus está zangado e não liga para
eles. Ou pela cruz espiritual, que poucos sentem e menos ainda entendem sua utilidade e
proveito, ele poderia levar os filhos de Deus ao desespero e, através de infinitos meios mais,
ele anda ao redor como um leão que ruge, para minar e destruir nossa fé.

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Mas é impossível para ele prevalecer contra nós, a menos que nós, obstinadamente, nos
recusemos a usar a proteção e a arma que Deus tem oferecido.

Os eleitos de Deus não podem recusá-la, mas buscar pelo seu Defensor quando a batalha
estiver mais acirrada, pois os soluços, gemidos e lamentações de tal luta (vencer o medo, as
súplicas por persistência), são a busca incontestável e certa de Cristo nosso campeão. Não
recusamos a arma, embora algumas vezes, por debilidade, não a usemos como devêssemos.
É suficiente que seus corações sinceramente clamem por forca maior, por persistência e pelo
livramento final de Cristo Jesus.

Aquilo que carecemos, Sua suficiência supre; pois é Ele que luta e triunfa por nós.

Nota sobre o Autor: John Knox foi o grande reformador da igreja na Escócia, contemporâneo
de João Calvino e reconhecido pelo Dr. D.M. Lloyd-Jones como o "fundador" e o maior dos
puritanos. Não é a toa que sua figura desponta em meio a Calvino e Farel na Placa Memorial a
Reforma que se encontra na cidade de Genebra(Suíça). Para melhor conhecer este
reformador, ler as páginas 268 a 288 do livro "Os Puritanos – Suas Origens e seus
Sucessores" – Editora PES.

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