You are on page 1of 17

A devolutiva etnográfica como ferramenta de produção de recalcitrância: o pesquisarCOM em

uma Divisão de Psicologia Aplicada

Arthur Arruda Leal Ferreira1


Rafael de Souza Lima2
Marcus Vinícius do Amaral Gama Santos
Paulo Henrique Mendes da Cunha
Thaíssa Rosa Alves Almada
David de Lima Brito
Laura Silva Campos Lessa
Isabella Gomes Freire3

Resumo:

A presente pesquisa pretende observar as diferentes formas de produção de subjetividades


engendradas por práticas psicológicas clínicas e de pesquisa. A partir do referencial teórico adotado
o conhecimento científico é entendido como uma articulação entre pesquisadores, técnicas de
inscrição, aliados e entidades investigadas. A proposta da pesquisa é acompanhar as supervisões de
técnicas terapêuticas de orientações como, Análise Institucional Francesa, Gestalt-Terapia,
Psicanálise Lacaniana, Psicanálise Winnicottiana, Psicanálise Existencial e Terapia cognitivo-
comportamental performadas na Divisão de Psicologia Aplicada (DPA) da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ). São utilizados instrumentos metodológicos da etnografia e pesquisa
cartográfica, onde os pesquisados são considerados co-experts aptos a se manifestar sobre os temas
de pesquisa. Foram produzidos relatórios finais de pesquisa na intenção de efetuar uma devolutiva às
equipes. Após sua produção, foi realizada uma leitura dos relatórios em conjunto com as equipes com
o intuito de permitir uma construção coletiva do conhecimento sobre as mesmas. Os resultados desta
parcela de nossa pesquisa têm acarretado diversas reverberações e problematizações no campo
estudado, como a possibilidade de uma produção de conhecimento em conjunto com este, um
pesquisarCOM que abre espaço para que o campo se imponha e não seja reduzido à perspectiva do
pesquisador.

1Professor Associado do Instituto de Psicologia da UFRJ e de Programas de pós-graduação em História das Ciências e
das Técnicas e Epistemologia (HCTE) e Psicologia (UFF e UFRJ). Pesquisador financiado pelo CNPq e FAPERJ.
E-mail: arleal1965@gmail.com
2Mestre e doutorando em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFRJ.
3Estudantes da Graduação em Psicologia da UFRJ.
Palavras-chave: Devolutiva, etnografia, PesquisarCOM, recalcitrância, Divisão de Psicologia
Aplicada.

Introdução:

A presente discussão decorre da realização de uma pesquisa situada na Divisão de Psicologia


Aplicada Profª Isabel Adrados (DPA) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Além de
abrigar a Coordenação de Estágio, ficando responsável pela regularização de estágios obrigatórios e
não-obrigatórios do curso de Psicologia da mencionada universidade, este serviço também funciona
como Clínica Escola, na qual estudantes de Psicologia cumprem estágios, realizando atendimentos
psicológicos à comunidade, na forma de psicoterapia individual e em grupo, avaliação
neuropsicológica e psicopedagogia. Ele abarca várias equipes que oferecem estes serviços e seguem
distintas perspectivas psicológicas, contam com um psicólogo supervisor – que geralmente é um
professor do curso, mas pode ser também um técnico da DPA – e um número variável de estagiários,
a depender da oferta e demanda pelo estágio. Fonte de info?
A pesquisa tem se desenvolvido a partir da realização de entrevistas abertas com supervisores,
estagiários e pacientes da instituição, assim como do acompanhamento - que se dá a partir do método
etnográfico - de cinco equipes de atendimento psicoterápico individual, que se orientam por diferentes
abordagens terapêuticas: Psicanálise de base Lacaniana, Psicanálise de base Winnicottiana, Gestalt-
terapia, Psicanálise Existencial de base Sartreana, Terapia Cognitiva-comportamental, e Análise
Institucional Francesa e. Gestalt-Terapia?
Deste modo, busca-se observar as diferentes formas de produção de subjetividades
engendradas por práticas psicológicas clínicas e, neste contexto, como essas práticas clínicas são
performadas, como elas se articulam entre si (ou não), que controvérsias surgem de seus modos de
atuação e que mundos e modos de subjetivação são aí produzidos entre pacientes, estagiários,
coordenadores, setting clínicos e grades curriculares (Ver FERREIRA et al., 2013, p. 373).
Nesta pesquisa são utilizadas como referencial para trabalho de campo a Teoria Ator-Rede de
Bruno Latour e John Law, e a Epistemologia Política de Isabelle Stengers e Vinciane Despret,
assumindo-se que o conhecimento científico é produzido por uma articulação entre pesquisadores,
técnicas de inscrição, aliados e entidades investigadas, e que o mesmo é politicamente diferenciado
entre articulações redundantes ou arriscadas.

[...] No primeiro caso, há uma situação em que a articulação é extorquida ou condicionada a uma resposta pontual, Formatted: Indent: Left: 0", First line: 0.5"
conduzindo os seres pesquisados a um lugar de “docilidade”. No segundo, há uma articulação na qual o testemunho iria
além da mera resposta, abrindo-se ao risco de invalidação das questões e proposições do pesquisador e à colocação de
novas questões pelos entes pesquisados. Esta seria uma relação de recalcitrância. ( Ver FERREIRA et al., 2011, pP. 233 ).

Formatted: Justified, Indent: First line: 0.5", Space


After: 0 pt, Widow/Orphan control
Assim, o acompanhamento das equipes segue alguns parâmetros da Teoria Ator-Rede e da
Epistemologia Política:
Formatted: Justified, Indent: First line: 0.5", Space
After: 0 pt, Widow/Orphan control
A) Os participantes da pesquisa têm sido tomados como experts no tema, sem qualquer divisão prévia
entre o saber comum e o saber científico dos pesquisadores (entende-se que os atores pesquisados são
os que melhor conhecem suas práticas);
B) Enquanto experts, ou participantes ativos da pesquisa, têm sido demandadas definições sobre suas
experiências, práticas, e expectativas quanto ao próprio tratamento, numa posição em que suas
abordagens podem redefinir o próprio sentido da investigação.
Formatted: Justified, Space After: 0 pt, Widow/Orphan
control
Devido a questões políticas vinculadas ao acompanhamento de atividades terapêuticas no
setting terapêutico4 (POR NOTA dado o lugar do segredo e de proteção,: Ver Ferreira et al. 2013)
optou-se pelo acompanhamento das reuniões de supervisão das equipes participantes, que propiciam
o acesso ao próprio processo em que os relatos dos diversos atores envolvidos na pesquisa são
fornecidos, tal como aponta o método cartográfico (Kastrup, 2009) e principalmente o etnográfico
(Caiafa, 2007; Clifford, 2014, Favret-Saada, 2005, Goldman, 2003, Wacquant, 2002)). POR MAIS Formatted: Font color: Red

REFERENCIAS. Em ambos, não apenas a processualidade e os jogos de força presentes no ato de Formatted: Font color: Red

pesquisar são descritos, mas também os próprios processos de co-produção e co-engendramento entre
pesquisadores e pesquisados. Isso possibilita o foco nos sutis jogos políticos que envolvem a entrada
em campo.
As reuniões de supervisão acontecem semanalmente, e envolvem supervisor e estagiários,
para a discussão principalmente dos atendimentos psicoterápicos realizados pelos últimos. Mas
diversas outras questões são discutidas nas supervisões, como as referentes à realização de triagens
ou ao funcionamento da instituição em geral. A partir do que é observado pelos pesquisadores nestas
reuniões são produzidos diversos materiais, entre eles: apresentações para congressos, alguns artigos
científicos e a chamada “devolutiva” para a equipe acompanhada, que será o foco do presente trabalho.

4 Em outro texto (Ferreira et al. 2013) discutimos a questão política da clínica vinculada à questão do segredo, não apenas Formatted: Justified
quanto à proteção de pacientes e terapeutas, mas à própria operação de internalização de um determinado grupo de causas
vinculadas às demandas clínicas dos pacientes. Apesar de tecnicamente possível observar o atendimento clínico numa
divisão de psicologia aplicada (seja por uma câmara Gesell ou um falso espelho), entendemos que esta observação coloca
uma questão política, quanto a uma exposição da performance terapêutica a um grupo mais amplo do que o da própria
equipe de atendimento. De igual maneira, as sessões de supervisão trazem esta exposição, mas de modo mais indireto e
trabalhado, além de representar uma operação de tradução do trabalho terapêutico mais trabalhada pela equipe.
Pretendemos discorrer sobre a importância da proposta de discutir com as equipes as
observações que são feitas sobre elas, com o intuito de possibilitar a participação dos atores
envolvidos na pesquisa para a elaboração do conhecimento disso que lhes diz respeito. E a devolutiva
é um material que se mostrou interessante para informá-los sobre o que produzimos sobre eles e para
incluí-los nessa produção de modo crítico. É uma ocasião para eles questionarem nossas elaborações,
oferecerem outras definições para o que foi abordado no texto, esclarecer pontos ainda não muito
bem definidos e sobretudo para tratarem de aspectos não observados pelos pesquisadores. Enfim,
trata-se de uma possibilidade de produzir um modo de articulação recalcitrante e produtor de novas
versões.

O PesquisarCOM em uma Divisão de Psicologia Aplicada:


Formatted: Space After: 0 pt, Widow/Orphan control

Conforme inicialmente descrito, o que é observado e vivido pelo nosso estagiário -pesquisador em Formatted: Indent: First line: 0"

campo é discutido em reuniões do grupo de pesquisa, que também ocorrem semanalmente. Nelas,
procura-se articular e comparar as diversas abordagens acompanhadas, buscando os pontos
semelhantes e antagônicos presentes entre elas. A partir das observações e das discussões, o estagiário
produz um texto que é apresentado à própria equipe acompanhada por ele, no final deste processo.
O encerramento do processo de acompanhamento de uma equipe por um pesquisador pode se
dar por diversos motivos: fechamento da equipe que se está acompanhando; saída do pesquisador do
grupo de pesquisa, em certos casos por conta da conclusão da graduação; necessidade de que o
pesquisador passe a acompanhar outra equipe por conta da saída de um outro pesquisador, etc. Esses
diversos motivo do encerramento do acompanhamento em certos casos trazem implicações para a
formulação do texto da devolutiva, e seus efeitos devem ser levados em consideração na análise
etnográfica.
Tal material produzido não visa “ensinar” ou “demonstrar” algo que foi descoberto para quem
está sendo pesquisado. O propósito, na verdade, é permitir que o próprio texto do pesquisador seja
colocado em discussão, possibilitando inclusive que a equipe que está sendo pesquisada discorde de
pontos do texto ou até do texto como um todo.
Trata-se de uma escolha política adotada pela pesquisa, tendo em vista que quem está sendo
pesquisado já possui o conhecimento sobre suas práticas, cabendo ao pesquisador descrevê-las e
enumerar os atores nelas envolvidos, assim como retraçar as redes formadas nessas relações. Ao se
permitir o questionamento por parte daquele que está sendo pesquisado, busca-se umase uma
diminuição do processo de docilidade e uma abertura para processos de recalcitrância.
Bruno Latour opõe a recalcitrância das entidades não-humanas à docilidade e obediência à
autoridade científica dos seres humanos. Para ele, as ciências humanas só se tornariam realmente
ciências não se imitassem a objetividade das ditas naturais, mas sua possibilidade de maior
recalcitrância (Latour, 1997, p.301, tradução nossa). O autor segue com suas considerações em outro
texto referindo-se à Epistemologia Política de Stengers e Despret:

[…] A única grande descoberta da maior parte da psicologia, sociologia, economia,


psicanálise, segundo S-D, é que, impressionados pelas batas brancas, os humanos
transmitem obedientemente objectivação: imitam literalmente a objectividade. Ou
seja, deixam de se <<objectar>> à pesquisa, ao contrário dos objetos naturais bona
fide, que, totalmente desinteressados pelas pesquisas, obstinadamente se
<<objectam>> a ser estudados e fazem explodir com grande serenidade as questões
formuladas pelos investigadores – quando não os seus laboratórios. (LATOUR, 2007,
p. 50)

Esta proposição é adotada para a realização do trabalho de campo, das discussões e produção
dos materiais e textos; além disso, a pesquisa busca seguir algumas outras orientações propostas pela
Teoria Ator-rede de Bruno Latour. Segundo Latour (2006, p. 339): “Ela é uma teoria, e penso que
uma teoria forte, mas sobre como estudar as coisas, ou antes sobre como não estudá-las. Ou ainda,
sobre como permitir que os atores tenham algum espaço para se expressarem”. A partir do contato
estabelecido com o campo, o pesquisador deverá descrever os actantes/atores que permitem que as
práticas se manifestem, permaneçam ou mudem com o passar do tempo. Retomando Latour (2006, p.
343-344) “Seu principal argumento é que os próprios atores fazem tudo, inclusive seus próprios
quadros, suas próprias teorias, seus próprios contextos, sua própria metafísica, até mesmo sua própria
ontologia…”.
Ainda segundo o autor, a produção do texto se reveste de grande importância e merece
bastante atenção por parte do pesquisador:

Na nossa disciplina, o texto não é uma história, Formatted: Indent: Left: 2.28"
nem uma bela história, mas o equivalente funcional do laboratório. É o local dos
testes, experimentos e simulações. Dependendo do que se passa nele, há
ou não há um ator, há ou não há uma rede sendo traçada. E isso depende
inteiramente da maneira precisa como ele é escrito – e cada novo tópico exige
uma nova maneira de ser tratado por um texto (LATOUR, 2006, p. 345-346).

A partir desta perspectiva, a pesquisa se valeu da ocasião da devolutiva etnográfica para


permitir que aqueles que estão sendo pesquisados participem, não de forma passiva, apenas por meio
de seu consentimento, mas também manifestando suas impressões e até mesmo direcionando o texto
e a investigação para outras questões que não aquelas esboçadas pelo pesquisador, permitindo um
pesquisarCOM. Segundo Moraes (2014, p.132), o modelo de pesquisa denominado pesquisarCOM
pode ser entendido da seguinte forma:

Do que se trata esse método de pesquisa? Se considerarmos, como Bruno Latour


sugere, o método de pesquisa como um guia de viagem, ou como uma mala que
levamos quando saímos em viagem, eu diria que nessa mala não podem faltar
algumas coisas. Poucas e relevantes coisas. Eis a lista que faço: a) o outro que
interpelamos é tomado como sujeito agente e expert e não como objeto passivo, como
alvo de nossas ações; b) os mal-entendidos são pistas relevantes que podem anunciar
novas e interessantes versões de mundo; c) pesquisar e intervir são inseparáveis, de
sorte que a pesquisa, mais do que representar o mundo, é uma ação de produzi-lo, ou
seja, pesquisar é performar certos mundos, é delinear fronteiras, fazer movê-las,
alargá-las e problematizá-las. (MORAES, 2014, p. 132)

Quanto a relação inextricável entre a pesquisa e a intervenção, Law (2004, p.10buscar citação)
observa que “[...] os métodos não são simples dispositivos seguros de representação de uma realidade
dada, mas englobam modos políticos de produção de realidades.”realidades. ” Isso também é
vislumbrado pela pesquisa cartográfica, que se atenta para o caráter político de suas produções, como
podemos ver com Passos e Barros: Formatted: Font color: Dark Red

Formatted: Justified, Space After: 0 pt, Widow/Orphan


control
Defender que toda pesquisa é intervenção exige do cartógrafo um mergulho no plano
da experiência, lá onde conhecer e fazer se tornam inseparáveis, impedindo qualquer
pretensão à neutralidade ou mesmo suposição de um sujeito e de um objeto
cognoscentes prévios à relação que os liga. Lançados num plano implicacional, os
termos da relação de produção de conhecimento, mais do que articulados, aí se
constituem. Conhecer é, portanto, fazer, criar uma realidade de si e do mundo, o que
tem consequências políticas. Quando já não nos contentamos com a mera
representação do objeto, quando apostamos que todo conhecimento é uma
transformação da realidade, o processo de pesquisar ganha uma complexidade que
nos obriga a forçar os limites de nossos procedimentos metodológicos. O
método, assim, reverte seu sentido, dando primado ao caminho que vai sendo
traçado sem determinações ou prescrições de antemão dadas. (PASSOS; BARROS,
2014, p. 30-31)

Quando nos encontramos situados no contexto do campo de pesquisa, estamos interferindo na


dinâmica presente. A simples presença do pesquisador basta para que isso ocorra. Entretanto, nossas
produções textuais encontra-se igualmente incluídas nessa produção de realidade. Moraes (2014, p.
134) nos indica a importância das narrativas que construímos em nossas pesquisas:
O pesquisarCOM se lança precisamente no desafio de desfazer e refazer certas
fronteiras e, com isso, se engaja na aposta de fazer um mundo comum, mais
heterogêneo, onde mais e mais atores contem. Para lidar com as fronteiras, o
pesquisarCOM é um modo de fazer pesquisa que preza pelo caráter situado daquilo
que se faz com o outro no campo de pesquisa. Não se movem as fronteiras com
posições desengajadas. Ao contrário, elas são movidas quando nos engajamos, dia
após dia, na tarefa de movê-las e problematizá-las. Sem dúvida, uma das formas de
desfazer e refazer as fronteiras está nas narrativas que fazemos do nosso trabalho de
campo. Ao narrarmos incluímos certas cenas, deixamos outras de fora. O que fica
dentro de nossas narrativas ganha consistência, faz outros laços, se articula em outros
domínios, outros textos. Narrar é, pois, uma das formas de interferir e de produzir
objetividade, no sentido definido por Haraway.

O procedimento do pesquisarCOM nos ajuda a pensar a nossa pesquisa especialmente em


decorrência das especificidades do campo na qual ela se insere. Quando se trata de “relatos
etnográficos” ou de “etnografia” no geral, comumente se pensa nas etnografias clássicas dos
primeiros antropólogos que realizaram trabalho de campo, tal como Malinowski na Melanésia ou
Mauss na Polinésia. Esses primeiros trabalhos antropológicos possuíam o traço marcante de serem
relatos feitos sobre povos estrangeiros, com modos de vida muito diferentes do ocidental e que se
localizavam muito distante do local a que pertencia originalmente o etnógrafo (CAIAFA, 2007). Essas
características levaram a um modo específico de se fazer a prática etnográfica: uma prática em que
predominava o que Clifford (2014) denominou “autoridade experiencial”, marcada pelo argumento
de autoridade do “eu estava lá!”lá! ” e na qual predominava exclusivamente a perspectiva do
etnógrafo, desconsiderando-se as demandas e os interesses dos povos estudados.
Nossa pesquisa, ao contrário, se encontraria mais próxima de uma linha de pesquisa
antropológica mais recente, que ficou conhecida como Antropologia Urbana, que possui como grande
expoente local o pesquisador l Gilberto Velho (1999). Essa vertente da antropologia é marcada, por
sua vez, pelo estudo etnográfico de grupos sociais que uma antropologia mais clássica julgaria
impossível, por alegar não ser possível haver qualquer tipo de “estranhamento” ou “afastamento”.
Com isso, os estudos antropológicos, não sem resistência, conseguiram ampliar seu campo de estudos
e englobar o estudo de grupos presentes na própria sociedade do pesquisador e até mesmo grupos dos
quais o próprio pesquisador faz parte.

Dando contornos ao campo


Concebemos nossa pesquisa como mais próxima dessa área de estudos tanto pelo fato de ela
ser desenvolvida em uma instituição que tem como uma de suas finalidades a formação de futuros
psicólogos, quanto pelo fato dos integrantes da pesquisa serem graduandos e pós-graduandos em
psicologia, sendo o coordenador da mesma um dos professores do Instituto de Psicologia da UFRJ.
O local no qual fazemos nossas etnografias não nos é estranho, tendo sido em alguns casos
frequentado anteriormente ao início do trabalho de campo, assim como pode ser um possível espaço
no qual o pesquisador-estudante irá estagiar no futuro. Assim, concebemos que há uma conexão
particular em nossa pesquisa no que diz respeito à proximidade com o campo, o que trazás certas
consequências que buscamos identificar e que reconhecemos como importantes na produção deste
conhecimento situado.
Uma dessas consequências se dá no nível da relação com a própria abordagem veiculada pela
equipe acompanhada. Com o passar do tempo e prosseguimento natural do processo de graduação, é
comum que os estagiários busquem alguma equipe para realizar seus estágios curriculares
obrigatórios. Nesse sentido, é possível que o estagiário desenvolva interesse em se tornar membro da
equipe que acompanhou enquanto pesquisador. Com essa nova configuração surgem algumas opções:
o estagiário pesquisador pode deixar a pesquisa e se dedicar integralmente ao exercício da clínica
psicológica em seu novo estágio, ou pode optar por permanecer na pesquisa ao mesmo tempo em que
realiza seus atendimentos psicológicos. Nesse segundo caso é preferível que haja mudanças quanto à
equipe que era acompanhada de forma a evitar que o pesquisador atenda e acompanhe em campo a
mesma equipe .REPETIDO?
Outra característica presente em nossa pesquisa é a importância do sigilo como figura das
nossas relações de campo. Uma vez que o campo no qual nos inserimos é composto por pessoas que
estão mais ou menos diretamente relacionadas no cotidiano (professores, técnicos administrativos,
alunos, etc.), a confiança é constituída como um ator de grande importância nas relações. Um dos
motivos para tal é o fato das supervisões não raramente abordarem questões consideradas delicadas,
não só em relação a pacientes em atendimento, mas sobretudo a alunos, professores e técnicos, assim
como questões administrativas da DPA, da UFRJ, do curso de Psicologia, etc.
Certas situações vividas em campo nos colocam diante desta problemática. Em algumas delas,
os pesquisadores foram requisitados pelos membros da equipe a se retirarem por um momento, para
que questões mais delicadas fossem discutidas. Já em outras ocasiões, vimos o estabelecimento de
relações de confiança, com a inclusão dos pesquisadores nas discussões dessas questões.
A questão do sigilo não se presentifica apenas na prática do trabalho de campo em si; ela
também se faz presente em nossas produções científicas, sejam elas artigos científicos ou
apresentações em congressos. Dado que entendemos a potência que possuem certas questões com as
quais entramos em contato e dado que entendemos que boa parte delas só chegaram a nós por conta
de um certo pacto tácito de confiança, nos sentimos no dever de não levar certas questões a público,
mesmo seguindo os critérios de anonimato, pois concebemos que estas poderiam levar a
consequências danosas para os integrantes de nosso campo.
Ainda dentro da questão do sigilo, é importante enfatizar que a questão do anonimato se
constitui em nossa prática como necessitando uma atenção redobrada. Uma vez que os integrantes
das equipes acompanhadas por nossos pesquisadores são frequentemente e não dificilmente
conhecidos pelos professores, alunos e técnicos administrativos, poder-se-ia facilmente identificar,
em certos casos, a quem estamos nos referindo em nossos trabalhos. Como as equipes não são grandes
e como algumas abordagens teóricas possuem apenas uma equipe na DPA, retraçar quem seriam os
possíveis envolvidos em um tal relato nosso, em certos casos, se torna uma tarefa não muito difícil.
Portanto, ao produzirmos material para exposição ao público tomamos sempre o cuidado redobrado
de não expor características muito marcante dos estagiários e supervisores, para não identificá-losos Formatted: Font color: Red

identificar sem necessidade. Formatted: Font color: Red

Outro aspecto que caracteriza a nossa relação com esse campo de pesquisa é a proximidade
ou distanciamento das práticas e concepções presentes em cada equipe participante. Enquanto
estudantes de psicologia, em sua maioria, ou já na condição de psicólogos, como no caso do
coordenador da pesquisa ou de pós-graduandos participantes, os pesquisadores, quando situados no
contexto da reunião de supervisão, encontram-se em um tipo de dinâmica que está relacionada com
a formação profissional dos mesmos. Levando em conta a diversidade dos saberes e práticas presentes
na DPA, que abriga equipes com distintas perspectivas teórico-metodológicas, nos deparamos com
inúmeras possibilidades de intervenção dos nossos interlocutores sobre situações com as quais temos
ou provavelmente teremos que lidar no nosso exercício profissional. Essas dinâmicas também nos
apetecem, contempla, incita objeções ou aprovações, que devem ser analisadas no nosso dispositivo
de pesquisa, já que concebemos seus resultados como provenientes dos modos de relação que
estabelecemos com o campo de investigação. O que produzimos sobre as equipes tem a ver com a
maneira como participamos e com o modo como somos afetados pelo que ali acontece.
As considerações de Leny Trad, a partir da leitura que faz de Elsie Rockwell, nos indica esse
aspecto do trabalho etnográfico: “O etnógrafo observa e paralelamente interpreta. Seleciona do
contexto o que há de significativo em relação à elaboração teórica que está realizando. Cria hipótese,
realiza uma multiplicidade de análises, reinterpreta, formula novas hipóteses” (Rockwell apud Trad,
2012, p. 631). Se inspirando em outra autora, ela afirma:

Um rito ou um acto social não tem valor nem sentido intrínsecos constantes; muda
de valor e de sentido de acordo com os actos que o precedem e com os que o seguem;
de onde se conclui que para compreender um rito, uma instituição ou uma técnica,
não devemos extraí-lo arbitrariamente do conjunto cerimonial, jurídico ou
tecnológico em que está inserido; mas, pelo contrário, é sempre necessário considerar
cada elemento deste conjunto nas suas relações com todos os outros elementos.
(SEGALEN apud TRAD, 2012, p. 631)

A partir destas constatações somos levados a indagar sobre os sentidos e valorações que
produzimos sobre as práticas terapêuticas investigadas, que podem ou não nos lançar para lugares
comuns, já conhecidos, para concepções formadas anteriormente à entrada do pesquisador em campo.
Ampliando a problemática citada, consideramos que o sentido das práticas observadas não somente
depende dos atos precedentes ou posteriores às mesmas, mas sobretudo do tipo de relação que o
pesquisador estabelece com elas, e isso, no nosso caso, extrapola o espaço de supervisão, já que nos
encontramos num contexto de adoção/problematização de práticas psis díspares.
Caiafa (2007) advoga que a etnografia pode ser compreendida como uma espécie de viagem,
na medida em que o etnógrafo está a procura da introdução de uma irregularidade nos seus fluxos
comuns de pensamento e vida. A etnografia é, portanto, um encontro marcado por uma relação de
estranhamento, ou seja, uma interrupção, desfamiliarização, que traz novidade; sendo a questão
metodológica e pedagógica fundamental dessa prática saber não silenciar essa novidade e diferença.
Todavia, o estranhamento não advém de uma relação geográfica; se há aqueles que buscam o
estranhamento em outra sociedade ou cultura, nós o fazemos como estudantes de psicologia habitando
um campo terapêutico que é marcado pela diferença profunda de métodos, objetos e estatuto teórico.
Assim, pode haver uma proximidade com o campo e seus conceitos e práticas, assim como um
estranhamento, de ser um corpo estranho naquela dinâmica de supervisão (não ser um estagiário, não
ter pacientes, não estar imerso da mesma forma na teoria que embasa a prática estudada), que nos
abre um campo de possibilidades.
A questão que nos passa enquanto pesquisadores é a de como produzir uma articulação
interessante com o campo, de modo que seja maximizada a recalcitrância daqueles que são
interrogados, procurando produzir no campo possibilidades de redefinição do próprio propósito e
forma de pesquisa ao invés de práticas redundantes que apenas confirmem hipóteses prévias.
Entretanto, um dos maiores desafios parece ser o de não haver uma forma necessária e única de se
fazer pesquisa. É preciso trabalhar a partir da estruturação contingencial de um campo para fazer,
dessa nossa relação um pouco limítrofe de nativo e etnógrafo, algo fértil.
A proposta de um pesquisarCOM nos auxilia também a lidar com a questão da autoridade
etnográfica de formas que consideramos mais interessantes para a produção de conhecimento tal
como a entendemos. Clifford (2014, p. 20) observa que “[o] desenvolvimento da ciência etnográfica
não pode, em última análise, ser compreendido separado de um debate político-epistemológico mais
geral sobre a escrita e a representação da alteridade”. No que tange a produção da devolutiva, assim
como de outros tipos de textos concernentes à pesquisa, levamos em conta as considerações do autor
sobre a escrita etnográfica:

[...] a etnografia está, do começo ao fim, imersa na escrita. Esta escrita inclui, no
mínimo, uma tradução da experiência para a forma textual. O processo é complicado
pela ação de múltiplas subjetividades e constrangimentos políticos que estão acima
do controle do escritor. Em resposta a estas forças, a escrita etnográfica encena uma
estratégia específica de autoridade. Essa estratégia tem classicamente envolvido uma
afirmação, não questionada, no sentido de aparecer como a provedora da verdade no
texto. Uma complexa experiência cultural é enunciada por um indivíduo [...].
(Clifford, 2014, p. 21)

Precavidos quanto a essa possibilidade de uso de autoridade que desejamos evitar, optamos,
pelo contrário, por nos esforçarmos para permitir que os modos de subjetivação e constrangimentos
do campo surjam no texto. Nesse sentido, a utilização de devolutivas etnográficas endereçadas às
equipes acompanhadas nos parecem um modo favorável de proporcionar articulações inovadoras
com o campo. Por meio delas, acreditamos ser possível promover um maior grau de simetria entre
pesquisadores e pesquisados no processo de produção de conhecimento, tornando impossível que os
primeiros assumam uma posição de total autoridade e que os relatos destes assumam caráter de
monólogo.
Dessa forma, nossa proposta é que as devolutivas possam constituir um espaço aberto para
que relações de recalcitrância emerjam mais frequentemente e, com isso, para que o conhecimento
produzido possa ser colocado à prova, revisado, reformulado e perpassado pelas vozes daqueles que
constam nos próprios relatos produzidos.

O processo de devolutiva e a produção coletiva do conhecimento:

Nessa proposta, empreendemos uma composição conjunta na produção de conhecimento,


onde os pesquisados são considerados co-experts aptos a se manifestar sobre os temas de pesquisa. A
partir dos acompanhamentos realizados nas equipes de Gestalt-Terapia, Psicanálise de base lacaniana,
Análise Institucional Francesa e Psicanálise de base winnicottiana foram produzidos relatórios finais
de pesquisa – o que denominamos devolutiva - na intenção não apenas de comunicar às equipes o que
foi observado e produzido, mas de compor com elas um saber sobre suas práticas. Estes relatórios
foram compostos por tópicos como a implicação dos pesquisadores estagiários, o fazer clínico e as
dinâmicas observadas em supervisão. Após sua produção, foi realizada uma leitura dos relatórios em
conjunto com cada equipe, com o intuito de permitir sua composição com o coletivo.
Os resultados desta parcela de nossa pesquisa, que diz respeito ao processo de devolução sobre
o que é apreendido nos acompanhamentos de supervisão, têm acarretado diversas reverberações e
problematizações no campo estudado. Dessa forma, o material produzido pelo pesquisador se
inscreve na dinâmica investigada, participando da composição da mesma, e permitindo uma produção
coletiva do conhecimento.
Os pesquisadores responsáveis pelo acompanhamento das equipes aqui abordadas, e que
produziram devolutivas para as mesmas, serão identificados pelos seus respectivos nomes no texto.
O processo de devolutiva para a equipe de Gestalt-Terapia se deu com a leitura do relato construído
por David a partir do acompanhamento que o mesmo realizou. . AQUI CONTINUIDADE: ERA O
COTIDIANO DA PESQUISA DESCRITO OU DEVOLUTIVA?Após o fim de cada tópico lido, se
iniciava a discussão sobre o que era trazido através da supervisora e estagiárias. É possível destacar
dois momentos, ambos ocorridos após a leitura de dois tópicos desenvolvidos pelo pesquisador.
O primeiro deles é o que ele chamou de “Teatro de clientes”, que se caracterizava por uma
prática na qual, a pedido da supervisora, era realizada uma performance pelo estagiário, com o mesmo
“imitando” como o cliente se portava na situação de sessão que ele estava relatando, trazendo
expressões corporais, modos de fala, aspectos do corpo para o jogo. Após relatar isso à equipe, a
supervisora fez uma ressalva, a um termo usado na descrição. Foi pedido que se colocasse aspas no
termo “imitando”, sendo argumentado que sem elas poder-se-ia produzir um entendimento pejorativo
a partir dessa palavra articulada ao texto. Desse pedido, é possível pensar num movimento
recalcitrante vindo da equipe, ao não se apaziguar através do que foi descrito e colocar em questão o
que foi produzido.
Outro momento a se destacar ocorreu através do tópico “A pasta”. Neste, David descreve a
presença de um importante ator não-humano para o funcionamento da supervisão: uma pasta. Seria o
que Latour (2005) chama de aActante ou ator, uma vez que é relevante e modifica nossa conduta. Formatted: Font color: Red

este A pastaque é compostao por tabelas que organizam informações quantitativas de atendimentos
de cada cliente, esquemas teóricos, anotações sobre cada caso e o contrato terapeêuta-cliente
construído pela equipe. Ao final da discussão da devolutiva, foi proposto pela equipe que ela seguisse Formatted: Font color: Red

fosse encaminhada em anexo a essa pasta. Isso nos dá pistas de possíveis efeitos produzidos a partir
da articulação pesquisador-campo via devolutiva.
Na devolutiva para a equipe de psicanálise de base lacaniana, Rafael leu o relato que produziu,
abordando questões que perpassaram o período em que esteve ali na supervisão, como a sua
implicação, as mudanças no que concerne à sua participação neste acompanhamento e o que
observara da dinâmica da supervisão. Deste último item, destacou o modo como são produzidos os
relatos dos atendimentos clínicos e a análise dos mesmos, permeada por intervenções, dúvidas e
discussões teóricas, além, é claro, do talvez inusitado à primeira vista, porém sempre presente humor.
Humor que aparece na discussão dos casos clínicos, geralmente em forma de trocadilhos e
comentários divertidos, quando se faz referências aos pacientes atendidos pela equipe, o que pareceu
ao pesquisador em questão uma marca distintiva desta e um aspecto importante dentro da dinâmica
observada, já que por vezes era dito pelo supervisor: “é preciso escutar outra coisa!”, “você não pode
se prender no discurso do paciente, no sintoma!”, “o discurso é uma armadilha!”, “a gente não pode
ficar assustado com o que o paciente diz, ele organiza o discurso para nos assustar, para nos
surpreender!”, “é uma fala que chama a atenção, e ela serve justamente para isso, para prender a nossa
atenção! Mas assim a gente não trabalha!”trabalha! ”.
Há, assim, o desenvolvimento, nos estagiários, de um tipo de escuta específico, uma “atenção
flutuante” durante o atendimento, algo preconizado por esta psicanálise. Porém, o que o pesquisador
afirmou foi que uma escuta e atenção específicas foram observadas por ele na supervisão, na
discussão dos casos, e o humor contribui para isso, para não dirigir uma atenção especial ao
sofrimento dos pacientes, por exemplo. Foi levantada por ele a suspeita de que o supervisor recorresse
ao humor propositalmente, estrategicamente, para promover essa escuta, essa atenção, em si e nos
estagiários. O supervisor disse que não, que não havia pensado previamente nisso, que o humor se
faz presente de modo espontâneo, mas que as considerações levantadas fazem sentido para ele, que
nunca havia pensado nisso.
Não há, nessa situação de pesquisa, uma descrição simplesmente de aspectos já conhecidos
pelos participantes e nem mesmo uma revelação daquilo que eles desconhecem sobre suas práticas;
o que ocorre é a inscrição de uma novidade, que por mais que coincida com o que já é conhecido e
discutido em psicanálise e nesta equipe especificamente, promove um novo modo de olhar para algo
que talvez possa ser visto como marginal ou cuja importância no processo de trabalho analítico nunca
tenha sido levada em conta, como as piadas e trocadilhos. Dessa forma, podemos ver que a narrativa
do pesquisador não serviu apenas para representar um evento observado na supervisão; ela produziu
uma diferença na realidade estudada, um novo sentido e provavelmente uma nova função foram
conferidos ao humor presente na equipe.
Laura enviou o relatório final à equipe de Análise Institucional Francesa por e-mail. Sua
leitura foi feita também durante a supervisão. Nele continha o objetivo da pesquisa, o processo de
implicação da pesquisadora e sua apreensão do fazer clínico e da dinâmica da supervisão. Como
pontos importantes que marcaram o processo de devolutiva, é possível demarcar falas da supervisora
sobre o que esta chamou de “solaridade (ou solidariedade)” do relato; com isso, quis dizer que
discussões mais fervorosas da equipe não foram incluídas de forma satisfatória no relatório. Destaca-
se, portanto, um requerimento do campo sobre este ponto.
No que toca à parcela do relatório que tratava da dinâmica da supervisão, vale destacar que
ela abriu brechas para que alguns estagiários pudessem colocar inquietações sobre o tempo destinado
para a discussão dos casos e a frequência de envio dos relatos dos mesmos. Foi percebida por Laura
uma negociação entre os participantes, que debateram sobre possíveis organizações para a melhoria
destes processos. Pontuações sobre relações de poder e hierarquizações também entraram em
discussão numa tentativa de desconstrução destes lugares. Por fim, alguns novos estagiários
destacaram que com a leitura deste relatório, o objetivo da pesquisa e do acompanhamento
etnográfico ficou mais palpável e houve interesse sobre o acompanhamento de outras equipes.
Thaissa formulou sua devolutiva por escrito para a equipe de Psicanálise de base winnicottiana
que acompanhava. Nesse caso, a saída da estagiária da equipe se deu por conta do fechamento da
própria equipe. Em sua devolutiva, Thaissa tratou sobre seu primeiro contato com a equipe e como
essa relação foi se dando com o tempo; tratou também sobre como se sentia nas supervisões e como
se sentiu atraída pela abordagem da equipe.
Além disso elencou alguns pontos que considerava serem singularidades daquela equipe;
dentre estas, tratou sobre a questão do pagamento, que segundo ela seria considerado importante pela
equipe. Posteriormente, Thaissa relatou que após ter lido a devolutiva para a equipe, o supervisor a
esclareceu que o pagamento, além de uma imposição por parte da clínica psicanalítica, era também
uma exigência da DPA. Essa também foi a oportunidade para que o supervisor expusesse a sua
posição frente a essa exigência de forma mais direta: segundo ele, o pagamento poderia não ser o
valor simbólico (de no mínimo dois reais) exigido pela instituição, mas sim a presença do paciente;
e também, essa prática de pagamento obrigatório não seria interessante do ponto de vista dele por
levar a preocupações por conta dos estagiários em relação aos pacientes que não estavam efetuando
os pagamentos.
Também no relato, Thaissa mencionou rapidamente uma técnica que, segundo sua
compreensão, o supervisor utilizava para treinar a escuta e a intervenção dos estagiários. A técnica
consistia em apresentar um texto curto, uma poesia ou algo do gênero e pedir para que cada estagiário
presente (e Thaissa também era incluída na dinâmica) falasse o que tal texto trazia à mente. Thaissa
relatou, posteriormente à experiência da devolutiva, que até então não sabia por que o supervisor
havia parado de utilizar essa técnica nas supervisões; entretanto, com a devolutiva, o supervisor
esclareceu que a extinção do uso de tal técnica tinha se dado por falta de tempo e pela demanda por
parte dos estagiários de um maior tempo para a supervisão de casos.
A partir dessas reflexões acerca do relato de devolutiva de Thaissa assim como de suas
consequências, concebemos que por meio da devolutiva, questões que até então haviam aparecido na
experiência de campo sem serem tratadas tão diretamente podem ser abordadas de forma mais direta
pelos que compõem o campo. Desse modo, as devolutivas também constituem um ator no campo
estudado e suas consequências articulam novas relações para a produção de conhecimento em
conjunto.

Conclusão:

Observa-se, nestes breves resultados de uma pesquisa que ainda se encontra em andamento, modos Formatted: Indent: First line: 0"

de articulação dos pesquisadores com as equipes participantes que promovem a recalcitrância e a


produção de novas versões por parte destas últimas, que são convidadas a contribuir colocando suas
questões e questionando as nossas. Pudemos vê-las apontar aspectos que lhes pareceram importantes
nas suas composições, sugerir modificações no texto, modificar suas dinâmicas a partir das
reverberações que os relatos lhes provocaram, apropriar-se de modos específicos dos resultados da
pesquisa, assim como conferir novos sentidos para algo que foi observado e destacado pela mesma.
Assim, por meio de reflexões acerca do PesquisarCOM, entendendo os sujeitos pesquisados
como capazes de produzir conhecimento acerca de suas práticas, pensamos que a prática de
devolutivas etnográficas compõe um ator de grande impacto para a horizontalização das relações de
autoridade. Por meio dela, acreditamos ser possível compor com o campo um conhecimento que não
se submete estritamente ao relato do etnógrafo, possibilitando com que o campo não tenha sua
potencialidade reduzida.
Com essas reflexões - sobre a questão da proximidade do campo específico de nossa pesquisa
e sobre a questão da invenção de novas maneiras de se articular com o mesmo, para a produção de
um conhecimento a partir da possibilidade dos atores se posicionarem de modo crítico, ao invés de
simplesmente assentirem docilmente frente à narrativa dos pesquisadores - esperamos prosseguir
realizando uma investigação que leva em conta a multiplicidade de vozes que encontramos em campo,
nos tornando parte também desta polifonia.

Referências Bibliográficas:
Formatted: Justified, Space After: 0 pt, Widow/Orphan
control
CAIAFA, J. (2007) Aventuras das cidades. Rio de Janeiro: Editora FGV.

CLIFFORD. J. (2014) A experiência etnográfica. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ.

FAVRET-SAADA, J. (2005) Ser afetado Cadernos de Campo n.13, pp. 155-161. Formatted: Font: Italic
GOLDMAN, M. (2003) Os tambores dos mortos e os tambores dos vivos. Etnografia, Formatted: Font: Not Bold, Font color: Red, (Intl) Times
New Roman
antropologia e política em Ilhéus, Bahia. Rev. Antropol.[online]. 2003, vol.46, n.2, pp.423-444.
Formatted: Font: Font color: Red, (Intl) Times New
Roman
Formatted: Font: Not Italic, Font color: Red, (Intl)
KASTRUP, V. (2009) O método da cartografia e os quatro níveis da pesquisa-intervenção. In:
Times New Roman
CASTRO, L. R. & BESSET, V. (Orgs.) Pesquisa-intervenção na infância e ‘juventude’. Rio de Formatted: Font: Font color: Red, (Intl) Times New
Roman
Janeiro: Nau.
Formatted: Font color: Red

LATOUR, B. (1997) Des sujets recalcitrants. In: Recherche, Septembre 1997: 301.

__________ (2005) Ensamblando el social. Buenos Aires: Manantial

__________. (2006) Como terminar uma tese de sociologia: pequeno diálogo entre um aluno e se
professor (um tanto socrático). Cadernos de Campo, São Paulo, v. 14/15, p. 339-352.

__________. (2007) Como falar do corpo? A dimensão normativa dos estudos sobre a ciência. In: J.
A. Nunes e R. Roque (org.). Objetos impuros: Experiências em estudos sociais da ciência. Porto:
Afrontamento, 2007, p. 39-61.

LAW, J. (2004). After Method. Londres: Routledge. Formatted: Font: Italic


Formatted: Font color: Red

MORAES, M. (2014) Do “PesquisarCOM” ou de tecer e destecer fronteiras. Em: BERNARDES, A.


G.; TAVARES, G. M.; MORAES, M. (Orgs.). Cartas para pensar Políticas de Pesquisa em
Psicologia. 1ªed.Vitória: EDUFES, p. 131-137. Formatted: Font color: Red

PASSOS, E.; BARROS, R. B. de. (2014). A Cartografia como método de pesquisa-intervenção. In:
E. PASSOS; V. KASTRUP; L. da ESCÓSSIA (eds.), Pistas do método da cartografia: Pesquisa-
intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre, Sulina, p. 17-31.

TRAD, L. (2012) Trabalho de campo, narrativa e produção de conhecimento na pesquisa etnográfica


contemporânea: subsídios ao campo da saúde. Ciência & Saúde Coletiva; 17 (3): 627-633.
VELHO, G. (1999) (org.). Antropologia Urbana: Cultura e sociedade no Brasil e em Portugal. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Editor.

WACQUANT, L. (2002) Corpo e alma Rio de Janeiro: Relume Dumará Formatted: Font color: Red

You might also like