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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

SECRETARIA DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA


INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE GOIÁS
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
DIRETORIA DE PESQUISA E INOVAÇÃO

UTILITARISMO E UTOPIA: DAS ORIGENS DO CAPITALISMO À


FORMAÇÃO DA IDENTIDADE MODERNA

Elias Jorge Moura Filho1


Danilo José Dálio2, Geraldo Witeze Junior3
1
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás/Campus Formosa/Licenciatura em Ciências Sociais
– Programa institucional de Bolsas de Iniciação Científica - PIBIC, eliasjorge_@hotmail.com
2
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás /Campus Formosa/ Departamento,
danilo.dalio@ifg.edu.br
3
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás /Campus Formosa/ Departamento,
geraldo.junior@ifg.edu.br

Resumo

Este trabalho buscou responder se o utilitarismo se apropria da utopia para se constituir. Se a


busca utópica pelo bem comum através de uma organização coletiva foi convertida pelo
utilitarismo em perseguição da felicidade individual através do acúmulo de bens materiais. O
método escolhido foi uma revisão historiográfica, onde o primeiro passo foi realizar a revisão
dos autores clássicos do Utilitarismo: Jeremy Bentham e John Stuart Mil. Em seguida uma
análise documental das utopias clássicas: Utopia de Thomas Morus (2009), A Cidade do Sol
(2008) de Thomaso Campanella e Nova Atlântida (1976) de Francis Bacon, buscando evidências
em contraponto. A individualidade está presente no pensamento utilitarista e também esteve
presente em todas as narrativas utópicas analisadas, seja como um ponto a se precaver ou como
uma parte do todo. As funções do indivíduo perante as duas correntes teóricas são distintas,
porém o objetivo de bem comum é o mesmo e partem também, do mesmo princípio: a disposição
dos indivíduos em busca de uma sociedade ideal. Não é possível o utilitarismo se apropriar da
utopia para se estabelecer por que são correntes teóricas distintas, que por analogia, partem do
mesmo pressuposto rumo aos mesmos objetivos. A utilidade serve tanto para as questões
individuais quanto para as coletivas. Ou seja, o ponto de partida, de ambas as teorias:
Utilitarismo e Utopia, está na individualidade que se forma em conjunto com a possibilidade de
acumulação de bens materiais, da realidade material que o capitalismo consolida, de um lado
aceitando essa realidade e do outro buscando uma nova alternativa.

Palavras-chave: Utilitarismo, utopia, bem comum, capitalismo, modernidade.

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa buscou compreender o processo histórico de surgimento do utilitarismo no


mundo moderno, com sua insistência na ideia de que para tudo o que for feito deve haver um
objetivo, uma utilidade prática. Para isso, retorna às origens do utilitarismo para perceber como
ele se estabeleceu e quais as suas relações com o sistema capitalista. Por meio dos
desenvolvimentos da ciência moderna, a racionalidade empírica passou a guiar o
desenvolvimento das sociedades, em sintonia com a ordem capitalista. No encalço desse
ordenamento surgiram utopias que criticavam a sociedade que se formava e, ao mesmo tempo,

Relatório Final do PIBIC/PIBITI/CNPq/IFG - agosto/2017-julho/2018


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tentavam propor um outro modelo a ela contraposto. O alvo das utopias é a felicidade para todos
numa vida em comunidade e harmonia. O utilitarismo também promove a ideia de bem comum,
mas a partir da felicidade do indivíduo: a vontade da maioria é definida pela experiência de cada
um sobre o bem e o mal, sobre o que proporciona dor e prazer.
Na ordem capitalista o utilitarismo acaba por assumir o sentido de busca da riqueza e de
objetos que venham a proporcionar uma maior quantidade de prazer. A felicidade passa a ter um
preço e formas de ser alcançada. O utilitarismo torna úteis todas as ações que são realizadas
durante a busca por prazer e inútil tudo que se aproxime da dor, porque isso não colabora com o
progresso da sociedade. A partir desses pressupostos, a pesquisa responde se o utilitarismo se
apropria da utopia para se constituir. A busca utópica pelo bem comum através de uma
organização coletiva foi convertida pelo utilitarismo em perseguição da felicidade individual
através do acúmulo de bens materiais?
Trata-se de uma revisão historiográfica, na qual o autor foi o mediador entre o presente e
o passado na construção do conhecimento. O primeiro passo adotado para compreender a
formação da identidade moderna e os princípios de utilidade, foi realizar a revisão dos clássicos
do Utilitarismo: Jeremy Bentham e John Stuart Mill – as obras escolhidas foram O Panóptico e
Os princípios da Moral e da Legislação (1984) de Bentham; e Utilitarismo (2000) e Sobre a
Liberdade (1998) de John Stuart Mill, buscando evidências utópicas em suas obras. O segundo
foi encontrar as ferramentas necessárias para entender o ideal utópico de bem comum, para isso
foi realizada uma análise documental das utopias clássicas: Nova Atlântida (1976) de Francis
Bacon, Utopia de Thomas Morus (2009) e A Cidade do Sol (2008) de Thomaso Campanella,
buscando evidências utilitárias em contraponto. A partir disso, uma revisão bibliográfica de
estudiosos sobre o assunto foi também necessária; a disposição dos assuntos foi ordenada de
forma óbvia, onde utilitarismo, utopia e os resultados encontrados se dividem nos tópicos a
seguir:

UTILITARISMO: FERRAMENTA DE PROPAGAÇÃO DA INDIVIDUALIDADE

Para essa filosofia, os movimentos, as conquistas, tudo o que se produz tem de ter um
objetivo, uma utilidade prática, um benefício claro e quase sempre imediato. Trata-se de uma
lógica que exclui a curiosidade do ser humano e a liberdade do espírito. Uma lógica materialista
em que a principal preocupação está no alcance dos bens materiais e do lucro. O utilitarismo
defende o bem-estar individual e, simultaneamente, propõe “fórmulas” para alcançar esse
objetivo. Mesmo que o sujeito, em seu estado de “liberdade”, não queira seguir esse rumo, ele
será empurrado na direção desse caminho como a forma mais prática para alcançar a tão sonhada
e talvez ilusória felicidade. Com isso, deixará de lado suas aspirações, seus sonhos, o que de fato
o deixaria feliz. Abraham Flexner (2014, p. 195) diz que “o verdadeiro inimigo da espécie
humana não é o pensador destemido e irresponsável, esteja ele certo ou errado. O verdadeiro
inimigo é aquele que procura moldar o espírito humano de modo que ele não ouse abrir as asas”.
Para que os indivíduos possam se manter longe da dor e próximos do prazer convém
estabelecer formas de alcançar a felicidade, o que culmina com a constituição do bem comum
como a soma das felicidades individuais. Aquilo que na prática só é alcançado mediante esforço
humano, pela dor que é associada diretamente ao trabalho, na teoria é possível sem muitos
esforços. Claro que o trabalho poderia ser escolhido por motivações particulares, mas quando se
trata de trabalho necessário para a sociedade, estaremos sempre falando de esforço humano.
Assim, costuma-se pensar que, para a felicidade da maioria, alguns são sacrificados (HELLER,
2008, SIMÕES, 2008; ARAÚJO, 2010).

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De fato são, mas não é isso que Jeremy Bentham quis dizer com a expressão “a maior
felicidade do maior número”. Ele entende que os interesses dos menos favorecidos devem
anteceder os interesses dos mais poderosos. Ao mesmo tempo, se determinado recurso ou bem
não pode ser usufruído por todos, deve ficar disponível ao maior número de pessoas possível.
(MULGAN, 2014).
Bentham acredita que cada indivíduo é o próprio juiz de seus prazeres e que os
interesses da comunidade só podem ser compreendidos se for possível entender o que cada
indivíduo procura. Nas palavras dele: “é inútil falar do interesse da comunidade, se não se pode
compreender qual é o interesse do indivíduo” (BENTHAM, 1984, p. 10). Não seria factível
estabelecer quais atividades seriam aprazíveis a todos, pois o mesmo trabalho pode satisfazer uns
e desagradar outros: “considerando-se igual a quantidade de prazer, pode-se dizer que apertar
parafusos seria tão bom quanto fazer poesia” (BENTHAM, apud HUNT, 1981, p. 180).
A ideia geral de Bentham, encontrada na obra Uma Introdução dos Princípios da Moral e
da Legislação, publicada em 1789, é que todos os seres humanos agem de forma a maximizar o
grau de satisfação em suas vidas. Que o princípio da utilidade – o utilitarismo – define se as
ações realizadas para alcançar os prazeres são aprováveis ou não, se aumentam ou diminuem o
grau de satisfação geral, o bem comum. (BENTHAM, 1984; HUNT, 1980; BALBACHEVSKY,
2016; SIMÕES, 2008). Bentham defendia o utilitarismo como sendo “o princípio que estabelece
a maior felicidade de todos aqueles cujo interesse está em jogo, como sendo a justa e adequada
finalidade da ação humana, e até a única finalidade justa, adequada e universalmente desejável”.
(BENTHAM, 1984, p. 15) De acordo com Michele Perrot (2008), é nesta obra que Bentham
define a utilidade “como a submissão, científica e calculada, aos dois grandes princípios que
governam toda a conduta dos indivíduos e das sociedades: a evitação da dor e a busca do prazer”
(PERROT in BENTHAM, 2008, p. 129)
O princípio da utilidade – o utilitarismo – define se as ações realizadas para alcançar os
prazeres são aprováveis ou não, se aumentam ou diminuem o grau de satisfação geral, o bem
comum. A possibilidade de alcançar os prazeres está associada à liberdade individual. O
indivíduo deve ter em mente que ele é livre para não agir coletivamente se ele não quiser, que ele
possa fazer suas escolhas individuais independentemente da vontade do maior número de
pessoas. Esta liberdade, por sua vez, acaba se vinculando ao bem comum, a uma espécie de
vontade da maioria. Todos querem ser livres e agirão coletivamente, mesmo que inconscientes,
para alcançar esse grau de satisfação, que é ao mesmo tempo, um objetivo em comum.
(SIMÕES, 2008; OLSON, 1999).
Com a divergência de interesses, o indivíduo é capaz de fazer as escolhas que melhor lhe
agradam, mas isso acaba por gerar um conflito entre ações individuais e coletivas, pois até
mesmo se unindo a coletividade em prol de um bem comum, o indivíduo agirá de acordo com
seus prévios interesses, se e somente se, existirem formas de se beneficiar aumentando seu
próprio grau de satisfação. Ao mesmo passo em que essa liberdade individual é ilusória. Ilusória
por que permite se pensar em interesses individuais antes do bem comum mas obriga-se antes
disso, a contribuir com os impostos, com as obrigações acessórias, com tudo o que o indivíduo
não faria se não tivesse em mente, esse princípio básico de que liberdade e segurança serão
garantidas a partir disso. É curioso ter que “produzir” para um todo, tendo a ilusão de que é
somente para o bem estar individual a ser alcançado, para a felicidade que se está buscando.
Essa construção acaba contribuindo mecanicamente para a manutenção do sistema que rege toda
sociedade, para o “bem comum”. (BALBACHEVSKY, 2006, ARAÚJO, 2006).

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A liberdade individual, por sua vez, se vincula ao bem comum, a uma espécie de
vontade da maioria. Regras, leis, estatutos e todo sistema burocrático teoricamente agem em prol
do bem comum. Foucault identifica que esse processo se inicia no radicalismo inglês 1 e o define
como o grande problema da utilidade. Uma das contradições do utilitarismo é que o intuito de
aumentar a liberdade individual acaba levando a resultados opostos: O radicalismo da utilidade
também vai ser levado, a partir da distinção utilidade individual/utilidade coletiva, a fazer a
utilidade geral prevalecer sobre a utilidade individual, e por conseguinte, reduzir infinitamente a
independência dos governados (FOUCAULT, 1979, p. 59).
Jeremy Bentham teve grande contribuição nesse processo de redução. Em 1787 escreve
um emaranhado de cartas onde detalhava sucintamente o projeto de um estabelecimento
denominado por ele: Casa de Correção. Seu projeto não estaria apto apenas para controlar os
presídios de forma utilitária, mas também outros estabelecimentos que viessem a precisar do
controle social de determinadas pessoas. O projeto, denominado Panóptico, permite que os seus
“prisioneiros” acreditem estar sendo vigiados mesmo quando não existe ninguém observando. A
disposição da vigília, localizada ao centro da estrutura daria a impressão de sempre estarem
observando, seria o olho que tudo vê. As outras instituições que poderiam se utilizar do
panóptico são aquelas cuja a finalidade é descrita por ele da seguinte forma:
seja a de punir o incorrigível, encerrar o insano, reformar o viciado, confinar o
suspeito, empregar o desocupado, manter o desassistido, curar os doentes,
instruir os que estejam dispostos em qualquer ramo da indústria, ou treinar a raça
em ascensão no caminho da educação, em uma palavra, seja ele aplicado aos
propósitos das prisões perpetuas na câmara de morte, ou prisões de confinamento
antes do julgamento, ou casas penitenciárias, ou casas de correção, ou casas de
trabalho, ou manufaturas, ou hospícios, ou hospitais, ou escolas. (BENTHAM,
2008, P. 19)
Se trata de um projeto que serve ao utilitarismo, que deixa a população sob o controle
da parcela que detém o poder. É uma forma objetiva de controlar as pessoas e deixá-las a mercê
deste domínio, presas ao avanço científico que transformava a sociedade e individualizava cada
vez mais as pessoas. Para Miller (1976) “o prisioneiro, o pobre, o louco, o estudante, o doente,
toda essa população a qual Bentham destina sua invenção, o poder pode dispor dela. Ela é
entregue, os pés livres e os punhos amarrados, à racionalidade, aos dispositivos. (MILLER, J.A
in BENTHAM, 2008, p. 93)
O que define as escolhas e a tomada de decisões, de acordo Bentham, são os comandos
da dor e do prazer. Ao fazer uma escolha errada, que contrarie e lei, ele deverá medir a
quantidade de prazer que aquela ação poderá lhe proporcionar e ao mesmo medir as
consequências, que serão mediadas pela quantidade de dor que ele deverá sofrer na punição. O
cálculo parece simples de se operar, mas ideologicamente ele aprisiona os indivíduos e os
submetem a um controle social invisível, onde cada um busca seus prazeres mediados pelos
méritos e pelas consequências de uma escolha. Sobre esse cálculo dos prazeres, Miller o dispõe
de forma bem acertada quando diz que:

1
Radicalismo Inglês: O termo “radicalismo” havia sido empregado na Inglaterra para designar a posição dos que
queriam fazer valer, em face dos abusos reais ou possíveis do soberano, os direitos originários, os célebres direitos
originários. O radicalismo é isso. Consistia portanto em fazer valer os direitos originários, no sentido em que o
direito público, em suas reflexões históricas, podia identificar os direitos fundamentais. Agora, a palavra vai
designar a posição que consiste em colocar continuamente ao governo, à governamentalidade em geral, a questão da
sua utilidade ou da sua não-utilidade. (FOUCAULT, 2008, p. 56)

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o homem é submisso, ele é governável; ele é, por natureza, desnaturável pela


sensibilidade; basta, para conduzi-lo, segurar as alavancas que ativam suas
molas; procurando o prazer, fugindo da dor, ele é uma máquina elementar,
entregue pela natureza ao poder dos distribuidores de felicidade. (MILLER in
BENTHAM, 2008, p 116)
Stuart Mill, por sua vez, vai além dos ideais utilitários de Bentham, introduzindo a
discussão sobre a utilidade da liberdade. Na visão de Mill, o homem é um ser totalmente capaz
de desenvolver suas capacidades e, mais ainda, é de sua natureza a necessidade desse
desenvolvimento. Para ele “um ser com faculdades superiores exige mais para ser feliz, está
provavelmente sujeito a sofrimentos mais agudos e é, certamente, suscetível a tais sofrimentos
em mais ocasiões do que um ser de tipo inferior” (MILL, 2000, p. 32). Assim, na tentativa de
minimizar a dor, será sempre necessário ao indivíduo maximizar o prazer (BALBACHEVSKY,
2016).
Em sua obra Sobre a Liberdade (2011), Mill questiona sobre a prescrição de regras
gerais na sociedade, sobre a análise das condutas, sobre o olhar vigilante da própria sociedade
sob o outro. Existe um controle formado pela moral e pelos costumes que se constrói e
desenvolve de acordo os “progressos” vão acontecendo; e exigindo mudanças. Importante dizer
que os progressos podem se dar de forma autoritária por que pode o povo não o desejar. Para ele
“essas tendências do tempo tornam o público mais disposto a prescrever regras gerais de conduta
e a esforçar-se para que todos se conformem com o padrão aprovado”. (MILL, 2011, p. 133)
A sociedade aprende com as imposições, a legislação que foi imposta já se apresenta
com os sintomas da verdade, como o caminho a ser seguido. A sociedade se torna o próprio
panóptico, o próprio regulador das condutas, totalmente úteis para os propósitos. Aquele que age
diferente do já estabelecido estará transcorrendo uma premissa à qual devia se acomodar, aceitar
o seu lugar, a sua condição e trabalhar para mudar, para merecer parcela dos prazeres que a
felicidade pode prover seguindo a acumulação de bens materiais como o fim específico de se
alcançar tal prestígio. Ser feliz é ter uma variedade infindável de recursos à disposição.
Os preceitos de liberdade cunhados por Mill são outros. Concordo com Ari R. Tank
Brito (2011), quando ele diz que “o objetivo da liberdade, a sua razão de ser, a sua utilidade, é o
aumento do bem-estar da humanidade. A liberdade constitui-se na única e infalível fonte do
aprimoramento da humanidade” (BRITO in MILL, 2011, p. 24) O poder que a liberdade tem de
melhorar a humanidade é o mesmo que pode proporcionar felicidade para todos os indivíduos,
promovendo o bem-estar geral da sociedade. Nos ideais de John Stuart Mill, o utilitarismo pode
funcionar junto com a democracia e com a liberdade de sermos individuais.
O utilitarismo parte de uma doutrina onde a felicidade é desejável, “é a única coisa
desejável, como um fim; todas as outras coisas são desejáveis apenas enquanto meios para esse
fim”. (MILL, 2005, p. 75). Tudo que a sociedade produzir e progredir estará servindo o fim
especifico de alcançar a felicidade. Importante lembrar que aqui, na visão utilitária, a busca da
felicidade é realizada de forma individual. Afinal, cada um sabe o que proporciona maior
felicidade em suas vidas. O utilitarismo pensa com a realidade concreta, em nenhum momento se
pretende algo impossível de alcançar. Não se busca a igualdade por que o utilitarista parte da
premissa que a felicidade de uns é diferente da felicidade de outros; e tudo bem que isso legitime
a desigualdade e individualize as pessoas. Individualmente, a felicidade de alguns vai sempre
gerar dor para outros. Será diferente essa visão na utopia?

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UTOPIA: SERÁ UMA ALTERNATIVA?

Conforme o capitalismo se desenvolve, surge a utopia como uma forma de criticar os


rumos da sociedade e, ao mesmo tempo, propor alternativas. Enquanto o capitalismo toma por
base o indivíduo e fortalece a busca por interesses individuais, a utopia propõe uma vida
comunitária, em que os interesses individuais se submetam aos coletivos. O vencedor desse
embate é conhecido. Como vimos, o utilitarismo no ímpeto de organizar a sociedade buscando a
felicidade da maioria, cria mecanismos de domínio e controle que estão à frente daqueles
elaborados nas utopias clássicas de Thomas Morus, Thommaso Campanella e Francis Bacon. O
que no utilitarismo parte de uma relidade concreta, na utopia falamos de viagens imaginárias, de
um romance utópico onde é idealizada uma sociedade livre das contradições da modernidade e
livre da propriedade privada. (MULGAN, 2014; MORUS, 2009; BACON, 1976;
CAMPANELLA, 2008)
O intuito da utopia é pensar uma sociedade que consiga contrapor a realidade que a
modernidade traz com o renascimento. Para Baczko (2005) “a utopia visa uma vida nova em nome de
valores que transcendem a realidade existente e que são os únicos considerados aptos para regenerar a
vida individual e coletiva”. (BACZKO, 2005, p. 31). Na Utopia de Morus – onde o termo foi
cunhado pela primeira vez - por exemplo, a vida é regrada, não há hábitos de ostentação, a
produção se limita ao essencial. Todos são observados, o trabalho é obrigatório, mas dura apenas
seis horas diárias. O tempo livre deve ser utilizado de forma conveniente à sociedade. (MORUS,
2009) Isso é o contrário da ideia de liberdade individual das sociedades liberais, em que a
igualdade se daria apenas no ponto de partida dos indivíduos. Todos os indivíduos partiriam do
mesmo ponto rumo às suas conquistas individuais, com o objetivo de se livrarem da dor e
conseguirem o maior grau de satisfação que a vida pode fornecer. O ponto de chegada, claro, é
visto como o resultado dos esforços de cada um, do mérito. Partindo do pressuposto utópico
temos o contrário, todos os indivíduos vivem e trabalham em prol do bem coletivo, onde tudo é
ordenado e disposto a fim de que todos possam usufruir do que é produzido. “Sua esperança é
que, se for possível proteger o povo dessa cultura, este poderá ser mobilizado numa sólida frente
a perseguir objetivos nacionais comuns, invés de se dispersar numa multidão de direções no
encalço de voláteis objetivos individuais”. (BERMAN, 2007, p. 151)
Foram analisadas três obras literárias para a contraproposta do utilitarismo. No relato de
Rafael Hitlodeu (personagem da obra) sobre a Utopia, existe a presença de uma disposição
utilitária no ordenamento das questões práticas da vida. “Todo mundo, na Utopia, vive ocupado
em artes e ofícios realmente úteis. O trabalho material é de curta duração e mesmo assim produz
a abundância e o supérfluo”. (MORUS, 2009, p. 231) É perceptível também, na obra de Thomas
Morus, a presença de um “olho invisível”, aquele que tudo vê, onde todos participam na função
de vigiar o próximo. Essa vigília consegue evitar ociosidades e demasiada preguiça. É capaz de
retirar a possibilidade de que um indivíduo pegue “carona” no labor dos outros. Cada indivíduo é
exposto ao olhar do próximo. Se trata de uma participação ativa dos indivíduos nas instituições
da sociedade, meio importante para que os fins possam ser alcançados, para que a felicidade
geral, o bem comum, possa ser realidade. “O fim das instituições sociais é de prover antes de
tudo às necessidades do consumo público e individual; e deixar a cada um o maior tempo
possível para libertar-se da servidão do corpo, cultivar livremente o espírito e desenvolver suas
faculdades intelectuais”. (MORUS, 2009, p. 231).
Sendo assim, expostos ao olhar de todos e sem a preocupação pela falta de recursos, o
indivíduo assume as leis e os costumes do país como devem ser. Trabalham na verdade de
estarem construindo um lugar melhor, com abundância e mais tempo livre para todos. É claro

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que “a abundancia sendo extrema, em todas as coisas, não se teme que alguém tire além de sua
necessidade. De fato aquele que tem certeza de que nada faltará jamais, não procurará possuir
mais do que é preciso” (MORUS, 2009, 235) Livres da acumulação de recursos e da aquisição
de propriedades, os utopianos aderem um princípio chamado de posse comum, onde é abolida a
ideia de propriedade privada, trocando de casas a cada dez anos, sendo resolvida na sorte de uma
partilha simples essa questão tão delicada na vida cotidiana capitalista.
Uma outra utopia é A cidade do Sol, imaginada por Thomaso Campanella, que traz uma
sociedade onde todos os eventos dependem da posição dos astros, o Sol é rei e influencia todas
as atividades, todos os ciclos da vida na terra. Toda disposição é voltada para o coletivo,
garantindo a igualdade de direitos e deveres. Dispondo a partir das divisões e do ordenamento,
uma coletividade que funcione a partir de regras e leis estabelecidas para este fim, também
passíveis de punição caso não sejam cumpridas. A propriedade privada não existe na cidade do
sol, nem as prerrogativas de pertencimento e de individualidade. Genovês (personagem da obra)
conta sobre suas descobertas e que “eles dizem que toda espécie de propriedade tem origem do
fato de construir casa em separado, de ter filhos e mulher própria, o que finalmente, gera o amor
próprio. Perdido o amor-próprio, permanece sempre e unicamente o bem comum”.
(CAMPANELLA, 2008, P. 26).
Na cidade do sol também existe uma disposição utilitária. Lá não existe privilégios e nem
falta trabalho para ser executado. Toda a sociedade é pensada da melhor maneira, que possibilite
extrair os melhores resultados de produção e desenvolvimento, para que o bem comum seja de
fato promovido para todos. Tudo é útil, todas as pessoas são necessárias para essa produção.
Sendo assim, quando há algum tipo de restrição física por alguma atividade fim, esse é sempre
utilizado em outras tarefas como:
o coxo serve de vigia com seus olhos; o cego serve para desfiar a lã e retirar a
haste das penas para preparar o enchimento dos colchões; quem está privado das
mãos serve para outras atividades; finalmente, aqueles que só possuem um
membro prestam seus serviços nas cidades, e são bem aproveitados como
guardas que advertem a república de tudo o que possa estar ocorrendo.
(CAMPANELLA, 2008, P. 43)
Essa disposição utilitária citada se torna uma ferramenta usada em prol da coletividade,
para o bem comum da população envolvida. Se todos conseguem contribuir com o trabalho, a
carga horária diminui para todos; e se temos uma forma de atingir o máximo que possamos
produzir de felicidade e de recursos, que seja de uso coletivo. Cabe ressaltar também que o fato
de termos uma coletividade não anula a individualidade das pessoas envolvidas, apenas não
permite que os interesses individuais sejam mais importantes que os de cunho coletivo, do que é
útil ao bem comum. (JUNIOR, 2012; MULGAN, 2014)
A modernidade representa uma rejeição completa aos conhecimentos “vulgares” que
Campanella apresenta em sua utopia. Sem as abstrações da mente, seria possível fazer uso do
próprio juízo sem intervenção de pensamentos que levam os homens a não enxergarem o
progresso, a não dominarem as forças da natureza, a não utilizarem a razão como o meio de
perseguir a verdade, fazer dela algo indubitável com suas comprovações científicas. Essa nova
era moderna, além de promover a valoração do indivíduo como princípio chave da sociedade,
busca formas padronizadas de produzir conhecimento com a pretensão de torná-lo acessível e
universal, fazendo com que deixe de ser monopolizado pelos filósofos e por quem mais
dominava as sabedorias ocultas. (BACON, 1999; CAMPANELLA, 2008; HELLER, 1982)
Por isso, em Nova Atlântida, Francis Bacon faz uma apologia do conhecimento na
sociedade, criando a cidade utópica denominada Atlântida. A principal instituição da ilha, a Casa

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de Salomão, foi construída “para a descoberta da verdadeira natureza de todas as coisas, e para
que maior fosse a glória de Deus na criação delas e maior o benefício dos homens no seu uso”
(BACON, 1976, p. 40). A casa era o centro de produção, disseminação e distribuição do saber.
Nessa utopia o Estado era visto como máquina de produção científica, em que o conhecimento
do ser humano e o progresso de uma sociedade ideal tinham como fator determinante a aplicação
da ciência. A atividade principal dos cientistas de Atlântida era o domínio total da natureza e da
técnica; Essa sociedade desconsidera todas as antigas sabedorias e nos apresenta um lugar
perfeitamente produzido para atender as necessidades humanas, utilizando todos os recursos
naturais para este fim. A ciência serve à utilidade do homem, ao que ele acredita estar à frente do
progresso, da verdade comprovadamente científica que serviam aos interesses do homem. Há
uma crítica à todas as formas pagãs de sabedoria por que são inúteis ao desenvolvimento da
humanidade. A disposição utilitária encontrada na utopia de Francis Bacon se legitima
justamente por essa noção de ciência produtiva, de uma revolução científica que tem como fim,
proporcionar um conhecimento que seja realmente útil para a sociedade, descartando os
conhecimentos ocultos que são inúteis para o completo domínio da natureza.
É possível afirmar, que a essência do utilitarismo está presente em todas as utopias
analisadas, o que não significa necessariamente que os utópicos tenham lido os utilitaristas e se
embasado teoricamente nesse ideal, até por que seria algo inviável cronologicamente. Por estar
presente e remeter ao individualismo preponderante na modernidade, ele pode ser o fator
estrutural para que as utopias sejam reconhecidas como um sistema impossível de ser
implantado, por que parte do mesmo pressuposto de organização utilitária. Claro que com meios
diferentes de se alcançar os fins sociais estabelecidos. A questão não anula o fato do bem comum
ser buscado pelas duas correntes teóricas e nem a possibilidade de uma continuidade entre o
pensamento utópico e o pensamento utilitário.

O UTILITARISMO SE APROPRIA DA UTOPIA PARA SE ESTABELECER?

O homem é um ser social, fato. Não é possível viver sozinho. O ser humano está sempre
em busca de interação, procurando integração em algum grupo, a aceitação da sociedade em que
participa. As relações humanas, no entanto, são complicadas por que ainda não aprendemos a
lidar com as diferenças. Enquanto necessita-se do outro - do viver em comunhão - o que se
constrói é uma lógica individualista que nos separa em indivíduos dotados de direito. A
contemporaneidade, estabelece formas e meios de se obter a plena felicidade a partir do alcance
de bens materiais. O consumo de mercado substitui a vida em comunidade. (ELIAS, 1994;
DICKENS, 2014; HUNT, 1981, HELLER, 2008)
Vive-se uma realidade pronta e acabada, onde é preciso se adaptar às regras, à
cotidianidade que nos é imposta. Kosik (1926) afirma que este “é um mundo estático, em que a
manipulação, o ocupar-se e o utilitarismo representam o movimento do indivíduo presa da
solicitude, em uma realidade já pronta e acabada, cuja gênese está oculta”. (KOSIK, 1926, p. 76)
O homem então se movimenta e vive de acordo essa criação, que também é do homem, e assume
seu lugar nesse emaranhado de tecnologias e aparelhagens à qual aprende a lidar mas não faz
ideia da realidade que está por trás de todas as invenções e convenções da qual ele segue. O
utilitarismo serve à alienação, que serve também para manter as coisas estáticas. Na utopia esse
movimento também é criação do homem, à ele também é posto uma realidade técnica, pronta e
acabada, mas estão todos cientes da realidade de comunhão que é colocada em prol do benefício
coletivo. Na utopia não existe um motivo oculto de exploração por trás de cada posto de
trabalho, da utilidade de alcançar o lucro. As preocupações são outras e todos agem de acordo

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com essas regras por serem benéficas a todos e não para satisfazer a felicidade de uma minoria
que impõe o que é certo e errado, o que é útil ou inútil no mundo, transformando isso em verdade
universal, em pacote pronto para a vitória, para a realização do homem.
Norbert Elias faz uma indagação importante em sua obra A sociedade dos Indivíduos,
onde questiona “que tipo de formação é essa, esta sociedade que compomos em conjunto, que
não foi pretendida ou planejada por nenhum de nós, nem tampouco por todos nós juntos?”
(ELIAS, 1939, p.12). Essa contradição é real, não existe essa liberdade antes de atender toda
estrutura que é montada para induzir os indivíduos a seguir estes mesmos objetivos. De forma
inconsciente ou não, cada pessoa “singular”, no sentido da individualidade, está presa,
dependente de outras pessoas, das funções que elas exercem, presas neste elo, nesta rede que faz
de nós sociedade. Existe uma tensão coletivo-indivíduo que precisa ser aprofundada. Como é
possível fazer parte de uma comunidade política que é coletiva e ao mesmo tempo ser um
indivíduo livre, dotado de direitos que independem desta coletividade para serem garantidos?
Elias (1939) acredita que “apenas mediante uma estruturação diferente das individualidades,
seria possível estabelecer uma harmonia melhor entre as pressões e exigências sociais de um
lado, e as necessidades individuais, do outro” (ELIAS, 1939, p.48). Se o instrumento do bem
comum parte da individualidade, da busca por interesses individuais, precisamos de uma nova
definição para este termo. Uma definição que sirva de instrumento para ações coletivas que
promovam o bem geral da sociedade de fato.
A individualidade está presente no pensamento utilitarista e também esteve presente em
todas as narrativas utópicas analisadas, seja como um ponto a se precaver ou como uma parte do
todo. As funções do indivíduo perante as duas correntes teóricas são distintas, porém o objetivo
de bem comum é o mesmo e partem também, do mesmo princípio: a disposição dos indivíduos
em busca de uma sociedade ideal. O que permite esse contato entre pensamentos distintos é
justamente a afirmação do indivíduo, sua valorização perante a sociedade, que é resultado da
formação do capitalismo que trouxe uma apreensão muito particular da noção de liberdade. O
indivíduo parte rumo à sociedade para atingir seus prazeres, conquistar sua felicidade, livres para
fazer as escolhas que melhor atendam os seus interesses particulares. Enquanto a coletividade é
formada por estes indivíduos que estão dispostos a cumprirem as regras, seguirem as condutas
impostas em prol da coletividade. É notável que a utopia também gera um interesse individual: o
de se adequar, de fazer parte, se integrar, por que “somente em comunidade com os demais cada
indivíduo consegue os meios para cultivar seus próprios dons em todas as direções; só em
comunidade portanto, é possível a liberdade individual” (MARX apud BERMAN, 2007, p. 121).
Se partem do mesmo lugar e possuem o mesmo interesse, será possível alinhar essas
contradições e realmente promover o bem comum? Em algum momento será possível responder.
Sobre a indagação proposta: se existe algum tipo de apropriação ideológica entre utilitarismo e
utopia? Não! O que ocorre é uma continuidade entre os pensamentos, onde ambos derivam da
individualização, fruto da modernidade, e possuem o mesmo objetivo em buscar o bem estar
geral da humanidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não é possível o utilitarismo se apropriar da utopia para se estabelecer. São correntes teóricas
distintas, que por analogia, partem do mesmo pressuposto rumo aos mesmos objetivos. Isso fica
claro ao percebermos, na Utopia de Morus por exemplo, a disposição dos trabalhos e também a
escolha dos prazeres que melhor interessam ao conjunto de indivíduos. Não se fala em utopia nas
obras de Bentham e Mill mas se busca o bem comum da mesma forma que os utópicos. A

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utilidade das produções e do conhecimento é uma problemática presente nas narrativas


imaginárias analisadas. Portanto, a utilidade serve tanto para as questões individuais quanto para
as coletivas. O ponto de partida, de ambas as teorias: Utilitarismo e Utopia, está na
individualidade que se forma em conjunto com a possibilidade de acumulação de bens materiais,
da realidade material que o capitalismo consolida, de um lado aceitando essa realidade e do outro
buscando uma nova alternativa.
Essa visão acaba por questionar a consolidação da individualidade moderna. Podendo ser
visualizada como um problema estrutural, que reforça, alimenta o Estado capitalista e distorce o
bem comum para uma esfera individualizada, onde cada um busca satisfazer suas próprias
necessidades. Sendo um possível desdobramento da pesquisa, fica complicado entender a relação
indivíduo-sociedade, essencial para se pensar uma forma de contornar os sistemas de dominação
política e transformar as instituições sociais, para que, em longo prazo, possa-se ampliar a
liberdade de modo geral, não individualizada e ilusória como se vem fazendo com as premissas
liberais.
Se um sentimento de individualidade inserido por aculturação chega ao ponto de se
estruturar, por que não podemos pensar uma forma de disseminar um sentimento de coletividade
que quebre com essa lógica individual geradora de desigualdades e explorações? A questão pode
se desdobrar de outra forma: como criar uma saída de centro – uma aliança - onde seja possível
promover o bem comum a partir da racionalidade econômica vigente em nossa sociedade
moderna? Será isso utopia? E se for, quais os motivos de ser um elo impossível de ser realizado?

REFERÊNCIAS
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moderna. De Hobbes a Marx Boron, Atilio A. CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias
Sociales; DCP-FFLCH, Departamento de Ciencias Politicas, Faculdade de Filosofia Letras e
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BENTHAM, Jeremy. Uma introdução aos princípios da moral e da legislação. Tradução de Luíz
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s.a, 1980.

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DICKENS, Charles. Tempos Difíceis. Tradução de José Baltazar Pereira Júnior. 1ª ed.-São Paulo:
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ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro, Editora
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FOUCAULT, Michel. Nascimento da Biopolítca. Curso dado no Cóllège de France (1978-1979).
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FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir, 5ª ed, Editora Vozes, Petrópolis: 1987.
HAYEK, Friedrich. O caminho da servidão. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1990. -
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HELLER, Agnes. O Homem do Renascimento. Tradução de Conceição Jardim e Eduardo


Nogueira. São Paulo: Editora Presença, 1982.

HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. Tradução de Carlos Nelson Coutinho e Leandro


Konder. São Paulo: Paz e Terra, 2008.
HUNT, E. K. História do pensamento econômico. Tradução José Ricardo Brandão Azevedo. -7ª
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KERSTENETZKY, Célia Lessa. Individualismo Interativo – Um Ensaio Sobre o Individualismo
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MORUS, T. Utopia ou a melhor forma de governo. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste
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ORDINE, Nuccio. A utilidade do inútil: um manifesto. Tradução Luiz Carlos Bombassaro. 1.ed.
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SIMÕES, Mauro Cardoso. John Stuart Mill & a liberdade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Entre a realidade e a utopia. Ensaios sobre política, moral e
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WEBER, Max. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de


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WEFFORT, Francisco. Marx: política e revolução. In: WEFFORT, Francisco (Org.). Os


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