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A EPILEPSIA NA CLÍNICA PSICANALÍTICA: A HISTÓRIA DE UM

ATENDIMENTO ¹

Marina Zicardi Navajas Bastos *


Dras Sandra Dias **

Este texto conta a história de um atendimento realizado na enfermaria de um hospital de


São Paulo, no setor de Neurologia Pediátrica, referente ao caso de uma paciente de 3 anos,
com um diagnóstico de Epilepsia de Grande Mal, ou seja, um tipo de epilepsia difícil de ser
controlada através de medicações.

Neste atendimento, foi realizado um primeiro contato com a família e duas sessões com a
criança e sua mãe. No primeiro contato, realizado coma a mãe e sua irmã, a mãe revelou
que a criança vinha tendo crises em curto intervalo de tempo, há aproximadamente dois
meses. Ambas não souberam identificar nenhum fato ocorrido neste período que pudesse
explicar o início das crises. Elas contam que quando a criança tem uma crise, esta se
manifesta da seguinte maneira: sua cabeça faz movimentos para frente e para trás e logo
após, ela volta a falar normalmente e continua o que estava fazendo. Após este encontro, foi
marcada uma nova sessão para realizar o atendimento com a mãe e a criança.

No primeiro atendimento, entraram para a sessão a mãe e a criança. Foi fornecido material
lúdico e gráfico para a criança e dito a ela que poderia se expressar através deles. Em
conversa com a mãe, esta revelou que a criança sempre fora muito agitada e nervosa, desde
seu nascimento. Quando questionada sobre o início das crises, a mãe disse que não havia
acontecido nenhum fato em sua casa ou família que pudesse justificar as crises e que elas
tiveram um início repentino. Enquanto a mãe contava estes dados, a criança começou a
ficar agitada e impaciente, pedindo para que sua mãe se retirasse da sala. A criança ficou
neste estado até que sua mãe saísse. Quando isto aconteceu, a criança acalmou-se e
começou a desenhar.

Ela fez um desenho e quando terminou, pedi a ela que contasse o que havia desenhado. A
criança disse que era o desenho de uma bruxa. Contou que essa bruxa assustava um menino
e ele ficava com dor de cabeça e também, que sua cabeça fazia um barulho: “dum, dum,
dum” (sic). Esse barulho, acompanhado dos movimentos que a criança fazia com a cabeça,
reproduzia o movimento que ela mesma fazia durante as crises.
Após este primeiro atendimento, em conversa com a médica responsável pelo caso, esta
revelou que as crises haviam diminuído.

No segundo atendimento, a mãe confirmou os dados fornecidos pela médica e então, foi
solicitado á ela que contasse sobre a história de vida da criança. Neste atendimento, a
criança também não queria a presença da mãe, porém, ela consentiu depois que sua mãe
começou a contar sua história através dos bonecos. Ela contou que não teve complicações
no parto, que a criança teve um desenvolvimento normal e repetiu que ela era uma criança
agitada e nervosa. Após este breve relato, a criança pegou os bonecos e contou uma história
em que o boneco que representava a menina (ou seja, ela mesma), morreu quando tinha seis
anos. Terminada a frase, a criança guardou todo o material e encerrou a sessão. Como a
criança iria receber alta hospitalar, ficou combinado que entraríamos em contato para que
fosse marcada uma nova sessão a fim de dar continuidade aos atendimentos, porém, a
família da criança não respondeu aos telefonemas e o caso foi dado por encerrado.

Mesmo assim, é possível fazermos uma análise deste caso, a partir dos dados colhidos
durante estes três encontros. Uma primeira questão a ser levantada é a seguinte: existe uma
explicação para o fato da criança ter apresentado melhoras após a primeira sessão? E ainda
podemos pensar se a epilepsia, neste caso, pode ser uma manifestação de histeria.

A fim de buscarmos uma explicação, deveremos primeiramente entender como acontece


uma crise epiléptica. Se partirmos da hipótese de que o aparelho psíquico é responsável
pela representação simbólica da pulsão e que a convulsão, característica da crise, pode se
dar por falta dessa representação simbólica temos o seguinte:

1) CAMINHO NORMAL DA PULSÃO:

PULSÃO APARELHO PSÍQUICO REPRESENTAÇÃO

(SIMBÓLICO) (RECALQUE, SONHO, ETC)

2) NA CRISE EPILÉTICA:

PULSÃO APARELHO PSÍQUICO DESCARGA MOTORA

Assim, na crise epiléptica, a pulsão, não encontrando um representante simbólico, recorre a


uma descarga motora. Se recorrermos a Freud (1928), este nos confirma essa hipótese,
dizendo que a crise pode ser “uma descarga crítica de energias que se expandiram no
aparelho e aí não puderam ser adequadamente controladas”. Neste mesmo texto, ele ainda
diz que “a reação epiléptica, (...), também está indubitavelmente à disposição da neurose,
cuja essência reside em livrar-se, através de meios somáticos, de quantidades de excitação
com as quais não pode lidar psiquicamente”.
Com isso, podemos responder à primeira questão que colocamos, com relação à melhora no
quadro geral desta paciente. Ela pode ser explicada pelo fato de até então, a criança não ter
conseguido encontrar um representante psíquico para suas pulsões, o que foi possível na
primeira sessão, quando faz o desenho da bruxa, representante de suas crises.

Com relação à segunda questão, podemos dizer que neste caso, a epilepsia estava a favor de
uma histeria e isso pode ser entendido quando recorremos mais uma vez a Freud e este nos
diz que: “depois do ataque, o histérico em geral se recupera imediatamente; não subsistem
a tendência ao sono e a fraqueza que são observadas nos epilépticos.” (Freud, 1888)
Esta afirmação de Freud descreve exatamente o que ocorria com esta paciente, após suas
crises. Ela volta a falar normalmente e continua o que estava fazendo.

Resta ainda pensar um pouco sobre a relação da crise epiléptica e o complexo de Édipo
proposta por Freud, onde ele coloca que “a crise possui então o valor de uma punição.
Quisemos que outra pessoa morresse; agora somos nós essa outra pessoa e estamos mortos.
(...) Para um menino, essa outra pessoa geralmente é o pai e (...) A crise (...) Constitui assim
uma auto punição por um desejo de morte contra um pai odiado”. (Freud, 1928)

Com isso, podemos tentar entender a história contada pela criança na segunda sessão. Não
há possibilidade de fazermos afirmações com relação a esta hipótese, uma vez que não foi
possível dar continuidade aos atendimentos, mas isto não nos impede de tentarmos buscar
um entendimento maior do caso e da dinâmica desta paciente, pois a interrupção de um
atendimento, não significa a interrupção da busca de conhecimentos.

¹ Trabalho final do Aprimoramento A Clínica Lacaniana na Modernidade e o resgate


do Sujeito na Clinica Psicológica Ana Maria Poppovic da PUCSP em 2005

*Aprimoranda Marina Zicardi Navajas Bastos

** Supervisora Dra.Sandra Dias

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