You are on page 1of 8

Scribd Upload a Document Search Books, Presentations, Business, Academics...

Ex
plore
DocumentsBooks - FictionBooks - Non-fictionHealth & MedicineBrochures/CatalogsGo
vernment DocsHow-To Guides/ManualsMagazines/NewspapersRecipes/MenusSchool Work+
all categoriesFeaturedRecentPeopleAuthorsStudentsResearchersPublishersGovernment
& NonprofitsBusinessesMusiciansArtists & DesignersTeachers+ all categoriesMost
FollowedPopular..Sign Up|Log In..
1First Page
Previous Page
Next Page
/ 26Zoom Out
Zoom In
Fullscreen
Exit FullscreenSelect View Mode
View ModeBookSlideshowScroll ...Readcast
Add a Comment
Embed & Share
Reading should be social! Post a message on your social networks to let others k
now what you're reading. Select the sites below and start sharing.Readcast this
Document..
Login to Add a Comment..
Share & Embed.Add to Collections
Download this Document for FreeAuto-hide: on
O intercâmbio entre arte e antropologia: como a pesquisa de campo em artes cênicas
pode informar a reinvenção da pesquisa de campo em antropologia1 George E. Marcus Jo
seph D. Jamail Professor e Chair of Anthropology na Rice University, Department
of Anthropology em Houston, Texas, EUA RESUMO: As críticas do projeto Writing Cult
ure, endereçadas ao texto etnográfico, além de não atingirem o método antropológico por exc
lência, a pesquisa de campo nos moldes malinowskianos, ajudaram a disseminá-la nas h
umanidades e nas artes. A pesquisa de campo tradicional, contudo, mos- tra-se in
adequada aos novos temas de investigação da antropologia em um mundo mais complexo,
integrado e frgmentado produzido pela globalização. Este trabalho, originalmente esc
rito para uma conferência, sugere a reinven- ção do imaginário da pesquisa de campo antr
opológica a partir de sua apro- priação pelo teatro e pelo cinema. Baseado no trabalho
do cenógrafo venezue- lano Fernando Calzadilla, o autor propõe a substituição do distan
ciamento e da limitação espacial damise-en-scène malinowskiana pela cumplicidade entre
observador e observado e pela pesquisa em campos multilocalizados.
PALAVRAS-CHAVE: pesquisa de campo, etnografia, antropologia e tea- tro, reflexiv
idade crítica, pesquisa de campo multilocalizada. Os profissionais da antropologia
e das artes enfrentaram-se em algumas ocasiões durante a história das diferentes mo
dernidades e dos modernis- mos do século XX, e mesmo antes. Mas, é claro que o mais
recente em-
- 134 - GEORGE E. MARCUS. O INTERCÂMBIO ENTRE ARTE E ANTROPOLOGIA bate que conduz
aos interesses desta conferência, no qual as cenas e os procedimentos da própria pes
quisa de campo etnográfica são questio- nados, tem uma nítida origem nas chamadas crític
as de Writing Culture dos anos 1980. Como parte de um momento, então muito mais di
sse- minado, de efervescência interdisciplinar, essa colaboração bastante efe- tiva de
estudiosos situados, por formação, em pontos muito diferentes das artes, humanidade
s e ciências sociais permitiu um exame crítico revelador do mecanismo textual de pro
dução de conhecimento de auto- ridade sobre os outros e sobre as culturas. Ao fazê-lo,
incentivou, e tem incentivado até o presente, uma esperança e um imaginário por tipos
constantes de colaborações recíprocas altamente convergentes como um
modus operandi do trabalho intelectual [aqui, estamos trabalhando no interior de
sse imaginário muito recente de trabalho intelectual], por um lado; e, por outro,
que esse trabalho pode tornar a atividade em ques- tão, a etnografia e a pesquisa
de campo que a produz, algo inteiramente diferente das formas assumidas por ela
no interior da tradição empiricista da qual surgiu uma tradição comprometida com uma funç
docu- mental e uma representação naturalista, impulsionadas pela participa- ção e observ
ação distanciadas e disciplinadas nos e dos mundos vitais de outros tomados formalme
nte como objeto de pesquisa.
Nesta palestra, pretendo examinar algumas das atuais ironias, ten- sões e possibil
idades, manifestadas neste momento, da relação entre an- tropólogos e artistas em sua
atração mútua por uma certa experiência disciplinada de investigação que coloca buscas inte
ectuais diretamente em contato com os modos do mundo.
Antropólogos, por mérito próprio, estavam abertos a essa crítica e ficaram aliviados em
que, aparentemente, ela fosse hermeticamente tex- tual e não tocasse a profissão qua
se religiosa de sua atividade de pesquisa de campo uma formação folclórica de cultura
profissional sobre a qual irei falar mais. Ela, no entanto, teve efeitos profund
os na pesquisa de
REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SÃO PAULO, USP, 2004,V. 47Nº 1. - 135 - campo, não tanto sobr
e como era feita, metodológica e empiricamente [ela de fato reforçou o que chamo ami
se-en-scène malinowskiana clássi- ca, que tem criado problemas no presente e que tam
bém pretendo dis- cutir], mas em como era pensada e concebida, bem como ampliou as
comunidades intelectuais para as quais a pesquisa de campo se tornou um atraent
e objeto de interesse e de potencial apropriação. Para grande ambivalência dos antropólo
gos, as práticas que, caracteristicamente, os definia e os tornava uma corporação nas
ciências sociais, viraram moda no mundo das artes e nas humanidades. Assim, os tro
pos clássicos da pesquisa de campo foram remitologizados conforme as sensibilidade
s e teorias do momento, e não apenas para antropólogos, mas também para outras comunid
ades intelectuais que a consideraram útil para seus pro- jetos e apertos. Em certo
sentido, desde então a antropologia vem li- dando com essa revitalização e apropriação co
mbinadas de seu método clássico. Antropólogos ficaram tanto desdenhosos como lisonjead
os com o mimetismo. Além disso, eles ainda não avaliaram como esse fluxo no intercâmbi
o entre antropologia e artes pode ser benéfico nas condições contemporâneas, ainda pobre
mente articuladas, em que a pesquisa de campo é feita, as quais, finalmente, estão r
emodelando o poderoso ima- ginário malinowskiano da pesquisa de campo, o qual perm
aneceu como método para a antropologia.
A ferramenta e doutrina intelectual partilhada que definiu a colabo- ração no projet
o Writing Culture e, desde então, espalhou-se pelo dis- curso teórico, pelos textos
interpretativos e pelas obras de arte como uma espécie de marca definidora foi o e
xercício de uma reflexividade crítica aguda e por vezes incansável, que, primeiro, pre
tendia desmascarar e transgredir um regime hegemônico de modos naturalistas de nar
ração e representação e, depois, incentivar diferentes tipos de relações e de co- munidades
normativas de produção de conhecimento no próprio ato de pesquisa ou de criação artística.
reflexividade crítica respondeu aos
- 136 - GEORGE E. MARCUS. O INTERCÂMBIO ENTRE ARTE E ANTROPOLOGIA impulsos revoluc
ionários/reformistas da vida intelectual de esquerda/ liberal no período extremament
e conservador dos anos 1980 e 1990. Agora, nas confusões do pós-guerra fria de esper
anças e pesadelos da nova ordem mundial, esses impulsos duradouros carecem totalme
nte de qualquer limite social contemporâneo, e o exercício da reflexividade crítica es
tá menos a serviço de visões políticas normativas que dos meios de descobrir o que pode
ser a crítica em novos arranjos sociais, cujos contornos políticos e culturais ainda
não estão claros.
A utilização dessa ferramenta ocorreu de modo bastante diferente nos domínios em que f
oi empregada autoconscientemente. Na produção de obras de arte e deper for mances, e
la tem sido um meio poderoso e aberto de introduzir o propósito de crítica social e
cultural em diversas mani- festações. Em nome da quebra de todas as formas de repres
entação e atuação naturalista [o antinaturalismo como um grito de guerra dura- douro da
crítica e da produção de arte modernistas], ela tem rompido limites, questionado efeit
os e levado a arte para domínios onde nunca esteve. Na antropologia, a reflexivida
de crítica foi o meio de tornar visí- vel e, deste modo, apontar para além dos tropos
da escrita etnográfica, mas ao invés de romper com amise-en-scène da pesquisa de campo
, como o cronotopo a partir do qual toda esta escrita é imaginada [talvez não houves
se, no mundo dos anos 1980, o ímpeto, na verdade, a necessida- de de destruir esse
cronotopo, como há hoje], ela terminou por reforçá- la e foi por ela ludibriada. A re
flexividade crítica levou, sobretudo, a gê- neros de auto-etnografia de grau e quali
dade variados, nos quais a cena malinowskiana de pesquisa de campo foi feita e r
efeita de acordo com critérios exploratórios acerca das condições de produção do saber antr
- pológico além das fronteiras da diferença cultural e da tradução, mas falhou em conceber
novas estratégias, formas e normas de prática para enfrentar os mundos mais complex
os, paralelos e fragmentados, com os quais muitos projetos de pesquisa de campo
devem, hoje, negociar.
REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SÃO PAULO, USP, 2004,V. 47Nº 1. - 137 - Enfim, a reflexivid
ade crítica, em sua forma antropológica, não pôde romper com o propósito de documentação e
erpretação realista ou naturalista historicamente imbuído na etnografia e que dela eme
rge. Relações em pesquisa de campo podem ser concebidas de maneira dife- rente, e o
velho naturalismo empiricista da representação etnográfica pode estar sendo profundame
nte solapado pela prática da reflexividade, mas a própria forma genérica permenece res
olutamente associada à fun- ção documental. Em minha opinião, essa persistência do propósit
rea- lista não é tanto uma coisa má ou condenável, mas é uma dimensão inevitável, ou até d
l, do trabalho intelectual, principalmente em forma de etnografia. Há muito, Raymo
nd Williams, inspirado pelo tea- tro brechtiano e pela possibilidade do que desi
gnou estratégias críticas subjuntivas na arte de representar, contestou aqueles que
atacam o rea- lismo como uma forma burguesa e a ele não propõem alternativa espe- cífi
ca alguma, salvo um tipo diferente de crítica. Apenas flertando mo- mentaneamente
com círculos de expressão e recepção de vanguarda, a força, o apelo e a efetividade da ant
ropologia dependem da capacida de fixar a expressão realista em formas inusitadas
e críticas. A tradição da pesquisa de campo está à altura disso, mas unicamente em novas c
onfi- gurações. Artistas, que se viram atraídos para a pesquisa de campo em seu modo c
rítico-reflexivo, enxergam esse potencial em suas práticas antropológicas. Os próprios a
ntropólogos, em minha opinião, não o en- xergam, ou não o fazem de modo tão claro. Nessa d
iferença repousa, creio, a direção para ulteriores discussões e colaborações estimulantes e
tre artistas e antropólogos quanto à prática da pesquisa de campo.
Em meados dos anos 1990, a apropriação artística dos métodos etno- gráficos, estimulada pe
las críticas de Writing Culture, que também re- pousavam no apelo a políticas de ident
idade, que seguiram essas críticas, foi submetida a um comentário crítico incisivo em
um ensaio bem curto de Hal Foster, Artist as Ethnographer? [ Artista como etnógrafo? ],
- 138 - GEORGE E. MARCUS. O INTERCÂMBIO ENTRE ARTE E ANTROPOLOGIA inserido em um v
olume que Fred Myers e eu editamos. Foster afirmou que o outro cultural ou étnico
substituiu a classe operária, em cujo nome o artista luta. O que era o local da pe
squisa de campo etnográfica tornou- se o local da transformação artística, que também é o l
cal da potencial transformação política. A clássicamise-en-scène malinoswskiana da antro-
pologia define um lugar de marginalidade e alteridade que, para a política de iden
tidade que sucedeu a crítica do projeto Writing Culture, se tornou o espaço primário d
a subversão da cultura dominante. Nessa política cul- tural da marginalidade, desemp
enhada pela obra de arte, Foster vê o peri- go de clientelismo ideológico, para o qu
al Walter Benjamin advertira.
Adicionalmente, Foster previu que a próxima luta pela cultura não estaria situada em
espaços marginais, ou enclaves, mas em um campo de imanência definido pelo funciona
mento de um capitalismo multi- nacional globalizante, no qual antigos modelos ge
opolíticos de centro e periferia (em cujos termos também a etnografia foi fundada e
se desen- volveu) não teria mais lugar. Hoje, o artista como pesquisador de cam- po
pode buscar trabalhar com comunidades estabelecidas diz Foster com as melhores
intenções de engajamento político e transgressão ins- titucional, só em parte, para ter es
se trabalho recodificado por seus pa- trocinadores como proselitismo social, des
envolvimento econômico, relações públicas ou arte.
Esse pendor pelo etnográfico também é acompanhado por alguns desenvolvimentos da arte
avançada nas metrópoles anglo-americanas. Nos últimos 35 anos, Foster nota o deslocame
nto da investigação dos componentes objetivos da obra de arte para suas condições espaci
as de percepção, em primeiro lugar, e, depois, para a base corpórea dessa per- cepção mud
nças observadas desde as obras minimalistas do início dos anos 1960 até a arte conceit
ual, a arte performática, a body art e as obrassite-specific , nos anos 1970. Ness
e percurso, a instituição artística não pôde mais ser descrita simplesmente em termos de e
spaço físico (es-
REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SÃO PAULO, USP, 2004,V. 47Nº 1. - 139 - túdio, galeria, museu
); ela também era uma rede discursiva de outras práticas e instituições, outras subjetiv
idades e comunidades. E quais fo- ram os resultados para a arte? O mapeamento et
nográfico de determi- nadas instituições, ou de uma comunidade afim, é uma forma elemen-
tar assumida pela artesite-specific hoje. Mas as novas obrassite-specific ameaçam
tornar-se uma categoria de museu um instrumento para a crítica mundana bem-compor
tada. Aqui, valores como autenticidade, originalidade e singularidade, banidos c
omo tabus cruciais da arte pós- moderna, retornam como propriedades do local, da v
izinhança ou da comunidade da qual o artista se ocupa. Tais obras servem aos propósi
tos daqueles que as patrocinam, diz Foster, a exposição se torna o espetácu- lo onde o
capital cultural é acumulado. E ele termina com este cenário, que admite ser uma ca
ricatura:
Um artista é contatado por um curador a respeito de uma obrasite-specific. Ele, ou
ela, vai até a cidade para mobilizar a comunidade, indicada pela instituição, a colab
orar. No entanto, há pouco tempo, ou dinheiro, para muita interação com a comunidade.
Não obstante, um projeto é concebi- do e se realiza uma instalação no museu e/ou uma obr
a na comunidade. Poucos dos princípios do observador-participante da etnografia são
obser- vados, muito menos criticados. E apesar das boas intenções do artista, ape- n
as um envolvimento parcial do outro localizado [sited other] é efetuado. Quase nat
uralmente, o foco passa da investigação cooperativa para uma autoconfiguração etnográfica
qual o artista não é tanto descentrado quanto o outro é configurado à maneira artística.
Embora concorde com muitos dos argumentos de Foster, gostaria de indicar três objeções
a suas críticas: 1. Ao dirigir sua crítica aos artistas como etnógrafos, Foster parec
e assumir a perspectiva e a voz do que poderia ser o antropólogo tradicio-
- 140 - GEORGE E. MARCUS. O INTERCÂMBIO ENTRE ARTE E ANTROPOLOGIA nal, com seu toq
ue de ressentimento: os artistas só estão brincando com a séria atividade da etnografi
a, aquém do padrão exigido, no interesse de acumular capital simbólico no etos experim
ental do empreendimen- to artístico. Talvez isso seja verdade para a instalaçãosite-sp
ecific, mas uma acusação tão genérica de má-fé ou ingenuidade não se justifica. Deve-se adm
r o fato de que a pesquisa de campo empregada em al- guns projetos artísticos é, de
um modo sofisticado, bem concebida e adequada aos seus propósitos. Isto sugere que
, uma vez que a pesquisa de campo/etnografia tenha se disseminado por comunidade
s mais am- plas como uma prática ideal, como ocorreu com as críticas do projeto Writ
ing Culture, então suas virtudes não podem ser exclusivas à antro- pologia ou, ao meno
s, uma apropriação benevolente dela é a orienta- ção mais sábia a se adotar. Além disso, no
so de algumas áreas da arte, como no teatro e cinema, que desejo abordar logo mais
, é importante reconhecer que, desde muito, há práticas investigativas e preparatórias q
ue, embora similares à pesquisa de campo quanto à forma, têm, de fato, genealogia e pr
opósito completamente independentes no modo como se encaixam em uma configuração carac
terística das práticas artís- ticas. É com esses casos e essas arenas de produção artística
ma vez identificados, entendidos e respeitados como paralelos mas separados da v
oga do mimetismo (mesmo que cuidadoso) de práticas antropoló- gicas, que os antropólog
os podem aprender algo válido com relação as consideráveis instabilidades da aplicação do m
delo tradicional de pes- quisa de campo em seus projetos atuais. [Há aqui um tópico
tangencial, de importância e interesse consideráveis, sobre os perigos da inveja mú- t
ua, ou do querer-ser, que discussões recentes entre a antropologia e a arte às vezes
produz. Foster também examina esse fenômeno e suas fon- tes comuns como parte de su
as críticas. Prefiro encarar essa questão em termos de instâncias específicas de projeto
s em colaboração, ambas his- tóricas e recentes, envolvendo determinados artistas e an
tropólogos que
REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SÃO PAULO, USP, 2004,V. 47Nº 1. - 141 - ocupam a mesma, tra
dicionalmente concebida, cena malinowskiana de pesquisa de campo. O problema não é t
anto a postura acadêmica dis- tanciada de inveja mútua, mas a criação de tendências, inclu
sive mais fortes, de exorcizar o terceiro presente o nativo local para quem a pe
s- quisa de campo comum é orientada. Essas colaborações intelectuais são com freqüência bem
sucedidas, mas ao preço de como os nativos se tor- nam objeto dessas colaborações.]
2. É ao padrão da modalidade tradicional de pesquisa de campo an- tropológica o que ch
amei amise-en-scène malinowskiana , que Foster responsabiliza o mimetismo artístico d
a pesquisa de campo, e com efeito é essa modalidade tradicional que artistas acham
atraente apropriar, como Foster explicou em detalhe. Para os artistas, a pesqui
sa de campo fora da antropologia é uma prática estável contudo, invalidada por sua ass
ociação profunda com a produção de uma forma distinta de na- turalismo documental. Entre
tanto, há um espaço, especialmente se reimaginado conforme as críticas do projeto Writ
ing Culture, no qual uma arte de interesse pode ser feita. Mas, a partir do que
acontece na antropologia contemporânea (antropologia que é marcadamente dife- rente,
até mesmo da dos anos 1990, em alguns dos seus mais recentes interesses), a pesqu
isa de campo como uma prática exclusiva é cada vez mais instável, como demonstrarei. A
própria pesquisa de campo quais são são suas fronteiras espaciais e seus limites temp
orais, quais são suas formas, o que se quer hoje dos informantes , como é construída, del
ineada e concebida durante o aprendizado , em vez do texto etno- gráfico e sua form
a, é atualmente o objeto de experimentação na pedago- gia e prática antropológicas, princi
palmente para etnógrafos estudantes em formação, na medida em que desenvolvem novos tópi
cos em cir- cunstâncias completamente diferentes das de seus professores e antepas
- sados. Embora não mereça o termo crise (como na crise da representa- ção dos anos 1980
), certamente há um sentimento disseminado mas
- 142 - GEORGE E. MARCUS. O INTERCÂMBIO ENTRE ARTE E ANTROPOLOGIA ainda pobremente
articulado especialmente entre os estudantes de que o etos da pesquisa de campo
e os modos de inculcá-la na cultura profissional não encontram as realidades de sua
execução nas circuns- tâncias atuais de investigação. Nesse sentido, a crítica emergente d
pes- quisa de campo em antropologia está onde a crítica aos textos etnográficos estav
a antes de ser enunciada pela iniciativa de Writing Culture nos anos 1980. Do la
do da antropologia, ao menos, a questão é que valor pode ter o exemplo das apropriações
de sua prática central pelo mundo da arte, embora em sua forma tradicional, para s
ua própria situação atual de reimaginar a modalidade tradicional de pesquisa de campo,
talvez até incorporando aspectos de estilos de investigação mais amplos, constitutivo
s de alguns tipos de obras de arte que incorpora- ram, elas mesmas, a pesquisa d
e campo em seus processos? Que reper- cussão as apropriações experimentais das modalid
ades tradicionais de pesquisa de campo em antropologia feitas pelo mundo da arte
, para seus propósitos complexos, podem ter para uma antropologia que, por neces-
sidade, está passando damise-en-scène malinowskiana para a reinvenção dela? Gostaria de
pensar que há muito mais nessa conjuntura de reinvenção que a antropologia pode aprend
er de certos domínios artís- ticos, onde o que parece pesquisa de campo foi incorpor
ado a práticas de investigação mais complexas. Um exame dessas práticas artísticas tem mui
to o que mostrar para a antropologia, enquanto ela enfrenta a ulte- rior diminuição
de sua função documental característica e se envolve em projetos para os quais a modal
idade clássica de pesquisa de campo é insatisfatória. Creio que novas técnicas, ou ao me
nos uma nova estética da técnica, mesmo de um tipo formal, são necessárias para aperfeiçoa
r a
mise-en-scène malinowskiana, as técnica que já são cultivadas por algu- mas artes que mo
straram afinidade e desejo por aspectos da própria arte da etnografia em seus própri
os processos. Mas que artes? [O que me leva ao terceiro ponto acerca de Foster.]
REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SÃO PAULO, USP, 2004,V. 47Nº 1. - 143 - 3. Gostaria de conc
ordar que a apropriação da pesquisa de campo etnográfica pela tendência de artesite-spec
ific e de instalações, às quais ela parece adequada, é vulnerável, da maneira como Foster
caricaturou em sua crítica. Entretanto, onde encontro apropriações similares ou prá- tic
as paralelas à pesquisa de campo etnográfica, nos bastidores, por as- sim dizer, é no
teatro e no cinema, que não são tão vulneráveis à espécie de crítica que Foster fez à artes
pecific com pretensões etnográficas. Embora a contribuição do que parece com a pesquisa
de campo nas fa- ses preparatórias da produção teatral ou cinematográfica possa ser tão cu
rta quanto (e aparentemente superficial, do ângulo da auto-estima e sensibilidade
antropológicas no modo clássico), não é tão facilmente assimilada quanto o capital cultura
l de instituições culturais mais pode- rosas e ricas. Ao contrário, o que é investigação et
ográfica nas comple- xas ações coletivas que resultam em uma produção teatral ou cinemato-
gráfica está profundamente imiscuida nesses processos, de tal modo que, o que parec
e um momento ou fase da pesquisa de campo etnográfica em tais esforços, talvez deva
ser repensado, ampliado ou prolongado em termos do poderoso conceito de pesquisa
de campo que regula a cultura profissional da antropologia. Trabalhar com o que
se parece com pesqui- sa de campo nos ofícios de teatro e de cinema, aplicando-lh
es uma pers- pectiva metaetnográfica, poderia oferecer para a antropologia tanto u
m canal novo para continuar as discussões e colaborações com a arte, para além das baliz
as desse intercâmbio nos anos 1990, como fornecer um modelo apropriado de prática al
ternativa para enfrentar os desafios atu- ais das modalidades tradicionais de pe
squisa de campo. A questão não é tornar a pesquisa de campo antropológica uma forma de t
eatro mais do que já é mas usar experiências e técnicas deste para reinventar os limite
e as funções da pesquisa de campo em antropologia.
Minha experiência e opinião pessoais quanto ao valor da prática teatral para uma etnog
rafia realista começou com os comentários de - 144 - GEORGE E. MARCUS. O INTERCÂMBIO E
NTRE ARTE E ANTROPOLOGIA Raymond Williams, em um livro de entrevistas de 1981, s
obre o poten- cial das técnicas do teatro brechtiano para resgatar a tradição realista
da ciência social e da escrita histórica esquerdistas. Ele delineou o que, para mim
, seria um projeto de etnografia crítica baseada em roteiros explora- tórios de poss
ibilidades em locais de pesquisa de campo a substituição do indicativo pelo modo sub
juntivo para a pesquisa de campo etnográ- fica, mas ainda na tradição realista. O que
me impressionou foi como as técnicas de uma das maiores correntes do teatro modern
ista podem ser empregadas para esse propósito em uma atividade como a etnografia.
Nos anos seguintes, através da crítica do projeto Writing Culture, e depois, mantive
o interesse e a atenção pelas dimensões paraetnográficas das investigações, dosworkshops,
dos processos pelos quais é planejada a aparência de produções fílmicas e teatrais, bem c
omo pela pesquisa de que resultam estilos de atuação. Por exemplo, eu estava particu
larmente interessado na construção de A batalha de Argel, de Gillo Pontecorvo, e no
trabalho de pré-produção para diversos filmes do diretor indepen- dente norte-american
o John Sayles, especialmenteMatewan. Ao mes- mo tempo, quanto ao teatro, comecei
a prestar atenção na história das colaborações entre artistas de teatro e antropólogos, os
timos quase sempre no papel de dramaturgos. Havia os exemplos conhecidos de Coli
n Turnbull e a dramatização de seu primeiro livro e as colaborações de Victor Turner com
Richard Schechner, ao final da vida e da carreira do primeiro. Mais recentement
e, aproveitei um rico material de como produções teatrais incorporam investigações etnog
ráficas ao acompanhar o ingresso de Dorine Kondo no mundo do teatro asiático-america
no e, especialmente seu trabalho, nos anos 1990, como membro de um grupo de dram
aturgos, na criação e produção da peça de Anna Deaver Smith
Twilight : Los Angeles, 1992[Crepúsculo: Los Angeles, 1992] (para a qual Kondo pro
duziu uma narrativa dialógica incluída em um dos volumes de minha série Late Editions
de anuários que documentam os anos 1990 REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SÃO PAULO, USP, 200
4,V. 47Nº 1. - 145 - comofin-de-siècle). A obra teatral de Smith é produzida por meio
da pesquisa mais etnograficamente engajada que conheço no teatro con- temporâneo, fa
zendo do processo dramatúrgico do qual Kondo partici- pou um acesso único ao comentári
o e debate acerca da pesquisa de cam- po construída no processo da própria produção teat
ral.
Enfim, no final dos anos 1990, envolvi-me no co-patrocínio, em Houston, de uma série
de instalações de um grupo de artistas cubanos e venezuelanos. Uma delas, Market fr
om here, era baseada nos temas da crítica de Writing Culture, na natureza da pesqu
isa de campo e na refle- xividade do antropólogo. Foi criada pelo artista e crítico
cubano Abdel Hernandez e por um importante cenógrafo do teatro venezuelano, Fernan
do Calzadilla. A instalação foi criada, após meses de pesquisa de campo cooperativa, e
m Catia, o mercado urbano de Caracas, e foi recria- da em Houston. Admirava a pa
rte de Cazadilla nesse projeto, especial- mente a tradução de sua pesquisa de campo
no plano da instalação. Pos- teriormente, mantive uma troca ativa com Calzadilla e m
eu interesse transferiu-se para o seu trabalho como criador de produções teatrais na
Venezuela e em outros lugares, pelo qual angariou uma reputação consi- derável. O pro
fundo conhecimento teórico e prático de Calzadilla sobre todos os elementos da produção
teatral apenas elevou o nível de nossa discussão sobre cenografia. Relacionados ao m
eu pensamento sobre a si- tuação da modalidade tradicional de pesquisa de campo em a
ntropolo- gia e sobre a necessidade de reinventá-la para o âmbito dos projetos de pe
squisa, que sobretudo os jovens antropólogos estão assumindo, achei aspectos de minh
a discussão com Calzadilla durante os últimos três anos muito relevantes para pensar e
sses problemas da pesquisa de campo em antropologia, além de seu relato de como a
pesquisa de campo serve ao seu ofício e da imagem mais ampla de produzir teatro pe
ssoalmente satisfatório, de um modo que muitas narrativas recentes de pesquisa de
campo em antropologia não têm sido. Ainda não está completamente
Arte e Antropologia George Marcus
Download this Document for FreePrintMobileCollectionsReport DocumentReport this
document?Please tell us reason(s) for reporting this document
Spam or junk
Porn adult content
Hateful or offensive
If you are the copyright owner of this document and want to report it, please fo
llow these directions to submit a copyright infringement notice.
Cancel
.
.This is a private document.
Info and Rating
Reads:521Uploaded:05/07/2010Category:Books - Non-fictionRated:
.
arteantropologiapósmodernidademarcusarteantropologiapósmodernidademarcus(fewer)
.FollowJoão Francisco Ca.....Sign Up for an Ad-Free Scribd
Remove all ads.
Never see ads on Scribd again.
No ThanksShare & Embed
More from this user
PreviousNext
15 p.
80 p.
188 p.
16 p.
26 p.
361 p.
178 p..Recent Readcasters
.Add a Comment

Ads by Google
ICS - UL
Instituto de Ciências Sociais
da Universidade de Lisboa
www.ics.ul.pt
Halloween Teatro da Luz
Comboio Fantasma: Sustos, bichos, 3
Pistas, Circo. 10e = 10 imperiais
teatrodaluz.fotosblogue.com
Loja do Vitral
A intemporalidade dos vitrais na
sua casa! 210 453 265 e saiba mais.
www.lojadovirtal.PAI.pt
Print this documentHigh QualityOpen the downloaded document, and select print fr
om the file menu (PDF reader required).
Scribd Archive > Charge to your Mobile Phone Bill..
.Sign upUse your Facebook login and see what your friends are reading and sharin
g.
Other login optionsLogin with FacebookSignupI don't have a Facebook account
. email address (required) create username (required) password (required) S
end me the Scribd Newsletter, and occasional account related communications.
Privacy policy You will receive email notifications regarding your account act
ivity. You can manage these notifications in your account settings. We promise t
o respect your privacy. Why Sign up? Discover and connect with people of similar
interests.
Publish your documents quickly and easily.
Share your reading interests on Scribd and social sites.
..Already have a Scribd account?
email address or username password . Trouble logging in? ..
Login SuccessfulNow bringing you back...

« Back to Login
Reset your password
Please enter your email address below to reset your password. We will send you a
n email with instructions on how to continue.
Email address:
You need to provide a login for this account as well.
Login:

.Upload a Document
Follow Us!scribd.com/scribdtwitter.com/scribdfacebook.com/scribdAboutPressBlog
PartnersScribd 101Web StuffScribd StoreSupportFAQDevelopers / APIJobsTermsCopyri
ghtPrivacy

You might also like