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Análise de

O Mundo em que vivi


de
Ilse Losa

Madalena Fernandes
AEQB – 2014/15
Título da obra: O Mundo em que Vivi
Nome do autor: Ilse Losa
Editora: Afrontamento
Número de páginas: 196
Autor das ilustrações: Gretchen
Wohlwill
Autor do desenho do rosto: Ângela
Melo

A capa do livro é predominantemente


verde, onde está uma menina de
aproximadamente 12 anos com a
fotografia do sítio onde viveu na sua
primeira infância.
“Tio Franz mandou dizer, por carta, que casara e que a mulher se chamava Marie. “Kleina
Oma” queixou-se de que, bem vistas as coisas, não ficou a saber nada, nem sequer se
Marie era judia. A minha mãe pediu informações mais pormenorizadas e o tio Franz
respondeu que não, que Marie não era judia. Que era uma jóia!
- Resposta bem dada!, comentou o pai, e deu uma gargalhada. (...)
A partir do momento em que Marie me pediu que não lhe chamasse tia, mas pelo nome,
afeiçoei-me a ela. Marie morreu. No fim da guerra o seu nome figurou, burocraticamente,
entre os dois mortos em Buchenwald. Como poderei eu esquecê-la?
Como se soubesse das dúvidas que me afligiam, procurava ocasiões para estar a sós
comigo. Viu entrar o sr. Heim e perguntou quem era. Falei-lhe então das lições de Bíblia e
de hebraico que com ele tomávamos e, em seguida, falei do liceu onde frequentemente me
sentia humilhada por ser judia. Não mostrava ter pressa nem impaciência, dava a ideia de
estar à espera das minhas palavras, de ter sede das minhas palavras. De vez em quando
pousava a mão sobre a minha cabeça como se quisesse dizer: “Fala, desabafa. Estou
aberta para te receber, inteirinha, tal como és”. E tudo o que em mim se debatia há tanto
tempo, saía: porque é que eu era diferente da maioria?» Porque é que, desejando ser igual,
quando ouvira o médico Schonberg dizer que baptizara os filhos, não me apetecera fazer o
mesmo? (...) E Marie ouvia, silenciosa.
Mas um dia também me falou de si:
- Eu era pobre, Rose. Passava muitas vezes fome. A fome magoa e eu sofria, chorava.
Torturava-me a ideia de ser diferente das colegas de escola. Perguntava-me: porque é que
não tenho uma casa bonita?”

Ilse Losa, O Mundo em que vivi


Edições Afrontamento. (texto com supressões)
Sinopse da obra

O Mundo em que vivi é um livro de 1943 que fala


de uma jovem judia- Rose - que passou parte da
sua infância com os avós. Esta história conduz-
nos à primeira infância de Rose, nos finais da
primeira guerra mundial.
Um dia, o seu pai vem buscá-
la para ela ir viver com eles
(pais e irmãos).
Inicia-se a segunda guerra
mundial.
Com o nazismo, muitos judeus
acabam nos campos de
concentração. Rose relata-nos
a sua vivência nesses campos.
Ela descreve-nos os rituais da
religião judaica, como por
exemplo "o Passah" , a Páscoa
dos judeus, a qual era passada
em casa dos avós, como
manda a tradição.
Sobressaia, ao longo da obra,
a difícil passagem pela
adolescência até ser adulto.
“Passah”
“…Depois das declamações começaram a dançar a «horra».
Deitando os braços pelos ombros uns dos outros formavam um
círculo, rodavam para a esquerda sempre para a esquerda, alegres
e entusiásticos. Cantaram a comunicativa melodia da «hatikwah», a
canção da «esperança».
Excitada, falei em casa da reunião. Tencionava voltar lá para
aprender a falar em coro, dançar a «horra» e cantar a «hatikwah».
Mas tanto o meu pai como a minha mãe acharam que não, que isso
não me servia. Só me meteria na cabeça a emigração para a
Palestina e eu, como boa alemã, não devia abandonar a pátria a
que pertencia.
Quando falei ao sr. Heim, sorriu um tanto triste:
- Repara, Rose, o meu rapaz também anda com os sionistas e por
isso há discórdia em casa. Ele e a mãe quase que não se falam…”

Excerto do livro de Ilse Losa, O mundo em que vivi (1949)


Obra autobiográfica
Na sua obra, a autora – judia de
nascimento – recorda vivamente
a sua infância, vivida na
Alemanha pré-nazi, com tudo o
que significou, em termos
pessoais e familiares, e a
ascensão de Hitler ao poder.
Esta história é baseada na vida
de Ilse Losa, que teve, tal como
Rose, personagem principal desta
história, de abandonar o seu país,
apenas por ser judia.
O livro está dividido em quatro fases:

 Rose vive com os avós


paternos numa aldeia. Ela
adora o seu avô Markus e
respeita a avó Ester.
 a primeira infância, (p 5 a 52)  No fim desta fase, ela vai
viver para a casa dos seus
pais (pai “Leo” e mãe
“Selma”), juntamente com
os seus irmãos. A sua vida
muda radicalmente.
Havia falta de amor entre Rose e os
seus pais, tendo em conta que
passou a maioria da sua infância com
os seus avós. Passa a viver na
cidade, onde entra na escola primária
e onde não há discriminação pelo
facto de ser judia.
 a segunda infância, (p. 53 a 138) Já quando entra no Secundário não
se sucede o mesmo, sendo que
começa a perceber como são
tratados os judeus. Começa a sentir
na pele o que é ser discriminado.
Contudo, a sua vida tem também
aspetos positivos: tal como o seu
namoro com Paul, pessoa que a fazia
feliz e que, de certa forma, a protegia.
Os seus problemas começaram com a
morte do seu pai, que morreu com cancro.
Rose teve que desistir de tirar um curso. A
sua mãe, não tendo como sustentar três
filhos, teve de vender a sua casa.
Rose vai trabalhar para Berlim, onde
consegue uma colocação modesta numa
companhia de seguros, mantendo viva a
lembrança daquele que foi o seu primeiro
 a adolescência ( p. 139 a 184) amor, “Paul”. Aceitou esse emprego para
ter uma vida melhor e para a sua mãe não
ter que trabalhar tanto, ajudando-a assim,
a sustentar a família.
Contudo, as crises de inflação, de
desemprego, do assassínio de Rathenau
(ministro judeu), do aumento de influência
e da vitória dos Nazis causam um
distúrbio na sociedade e Rose, por ser
judia, corria risco de vida.
Dois homens convocam Rose a ir
a um quartel por causa de uma
carta que mandou a Kurt em que
diz que Hitler era mentiroso.
A sua grande sorte foi um oficial
nazi ter simpatizado com ela, por
ser loira e de olhos azuis. Dá-lhe
 A idade (precocemente) o prazo de 5 dias para sair do
país, escapando-se assim ao
adulta (página 185 até ao fim )
triste fim dos restantes judeus: o
campo de concentração.
Abandona assim o seu país rumo
a um longo exílio da terra natal e
um tempo de felicidade
ensombrada, com medo de a
matarem ou de a prenderem,
devido ao facto de ser judia.
 O livro conta a história de
uma rapariga judia, Rose
Frankfurter - loura e de  Rose vive com os avós
olhos azuis, tal como Ilse paternos numa aldeia.
Losa.
 A primeira infância de Ilse
Losa foi passada com os  Rose, por ser judia,
avós paternos. corria risco de vida.
 Devido à sua ascendência  Dois homens convocam
judaica, foi perseguida pela Rose a ir a um quartel
Gestapo e teve de por causa de uma carta
abandonar o seu país. que mandou a Kurt em
 Ilse Lieblich (o seu apelido que diz que Hitler era
de solteira) abandonou a mentiroso.
Alemanha. A Gestapo
tivera acesso a uma carta
em que Ilse criticava Hitler.  Abandonou a Alemanha.
 Abandonou a Alemanha.
Contextualização histórica
A ação desenrola-se, em termos de tempo entre as duas grandes guerras mundiais.

1ª GUERRA – 1914/18 2ª GUERRA – 1939/45


A narradora, para narrar
parte da sua vida, recorre:
à analepse à prolepse

“Recordo aquela tarde em que “No fim da guerra o seu nome


Paul me imitou fazendo cara
figurou, burocraticamente,
carrancuda: «Porque me
entre os dois mortos em
apetece».” Buchenwald.”
Contextualização geográfica
Em termos de espaço, a ação situa-se na Alemanha.

Alemanha 1918 Alemanha 1945


Personagem principal
Na infância era uma menina "frágil, de
cabelo louro, de feições infantilmente
lisas" que adorava o seu avó.
O crescimento de Rose, foi marcado por
ser uma criança diferente das outras,
pois era judia.
Caracterizava-se pela sua curiosidade,
imaginação, ingenuidade e sensibilidade.
Era uma menina que se fascinava com
coisas simples e banais!
O regime nazi fez sentir o seu peso,
forçando Rose a tornar-se adulta
rapidamente. Ficou uma pessoa mais
triste, que sofria muito pela perda dos
seus entes queridos e começou a ter
mais preocupações e a sentir medo...
Personagens secundárias

Avós,
Pais/irmãos,
Tios/tias,
Paulo
E todas as pessoas que rodeiam
Rose.
“O primeiro dia da escola. A saca às costas, caminhei ao lado da minha
mãe, cheia de curiosidade e de receios. O Sr. Brand, o professor,
distribuía sorrisos animadores aos meninos, que o fitavam com
desconfiança. A barba grisalha e o colarinho engomado davam-lhe um ar
de austeridade, mas os olhos alegres protestavam contra tal impressão.
Começou por nos falar, e doseava serenidade com humor para afugentar
os nossos medos. De todas as escolas por que passei, a de que
verdadeiramente gostei foi a escola primária. Quando o Sr. Brand
tomou nota do meu nome ninguém se virou para mim com sorrisinhos
por soar a judaico, ninguém achou estranho eu responder “israelita” à
pergunta do Sr. Brand à minha religião. Fora a mãe que me
recomendara: “Quando o Sr. Brand te perguntar pela religião, diz-lhe que
és israelita. Soa melhor do que judia”. Eu não concordava, porque
achava “israelita” uma palavra estranha que não parecia pertencer à
minha língua e, por isso, corei de embaraço ao pronunciá-la. E
quando o Sr. Brand quis saber a profissão do meu pai respondi
“negociante de cavalos”. Coisa natural. Muitos alunos eram filhos de
lavradores e conheciam o meu pai. Não me sentia envergonhada daquilo
que eu e o meu pai éramos, como aconteceria mais tarde, no liceu,
quando a minha mãe me recomendou que às perguntas respondesse,
além de “sou israelita”, que o meu pai era “comerciante”.
Classificação quanto à sua participação

• É um narrador participante, pois


participa na história que conta,
uma vez que é a personagem
principal (Rose).
• Rose é narradora autodiegética de
“O Mundo em que Vivi”.
• A ação é narrada na 1ªpessoa.
Classificação do narrador quanto à sua posição

• É um narrador subjetivo, porque


exprime todos os seus sentimentos
e dá opiniões sobre os factos que
narra.
“Eu não concordava, porque achava “israelita”
uma palavra estranha que não parecia pertencer
à minha língua e, por isso, corei de embaraço ao
pronunciá-la.”
“O tempo em que amava Paul parece não ter ligação com o que tinha havido antes e o que
houve depois. [...]
Começou numa tarde de Inverno em que uma colega de nome Waltraut me apresentou
Paul Marten. Subimos, os três, o monte. Olhei de soslaio para o rapaz: era mais alto do que
eu, vestia um casaco claro com gola de astracã. A expressão um tanto infantil acentuava-se
pelos lábios um pouco puxados para a frente como os dos meninos quando amuam. Pousado
sobre o cabelo louro, encaracolado, o boné vermelho dos alunos do último ano do
«gymnasium».
O café, no cimo do monte, estava apinhado de gente e o ar engrossado pelo fumo dos
cigarros. Um trio tocava música, e os criados corriam, atarefados, dum lado para o outro.
Conseguimos uma mesa junto à janela, donde se via a cidade com a cúpula dourada da
catedral e o campanário pontiagudo da igreja gótica. Sentada defronte de Paul apercebi-me
que ele não tirava os olhos de mim. Virei a cabeça para o lado e olhei para fora. Pensei que
decerto me achava feia, e isso arreliava-me.
Waltraut contava coisas várias, mas notei que Paul não escutava.
De repente dirigiu-se-me:
– Em que ano anda?
– Isso interessa-lhe?, repliquei.
– Por que é que me fala dessa maneira?
– Porque me apetece, respondi desabridamente.
Mais tarde, ao evocarmos este primeiro encontro, divertíamo-nos sempre de novo.
Recordo aquela tarde em que Paul me imitou fazendo cara carrancuda: «Porque me
apetece». Era uma tarde de Primavera e as cerejeiras estavam em flor. Tanto nos rimos que
acabámos por nos encostar a uma das árvores e a leve chuva de pétalas brancas, que dela
se desprendeu, cobriu-nos como no Inverno nos cobriam os flocos de neve.”
Atividade
1. Identifique as personagens que participam na acção e as relações
que se estabelecem entre elas.
2. Descreva as circunstâncias em que a narradora conheceu Paul.
3. Logo no primeiro encontro, Paul sentiu-se atraído pela colega de
Waltraut.
Refira três atitudes da personagem masculina que revelem esse
interesse.
4. «Tanto nos rimos que acabámos por nos encostar a uma das
árvores e a leve chuva de pétalas brancas, que dela se desprendeu,
cobriu-nos como no Inverno nos cobriam os flocos de neve.»
(ll. 23-25)
Identifique um dos recursos de estilo presentes na frase, referindo o
seu efeito expressivo.
5. Dê um título ao texto, fundamentando a sua escolha sem recorrer
apenas a transcrições.
Desfecho da obra
Ilse Losa refugiou-se em Portugal, onde casou,
adquirindo assim nacionalidade portuguesa.
Morreu na cidade do Porto no ano de 2006.
Quanto a Rose não se sabe bem, pois o final do
livro é deixado em aberto e, por isso, não se
sabe qual o caminho que acabou por escolher, o
que nos possibilita fantasiar um final ao nosso
gosto.

Temos uma narrativa


aberta.
Ilse Losa nunca se cansou de
escrever «a valorização da
dimensão humana, dos afectos (às
pessoas, aos animais e às coisas), o
elogio da vida, sem esconder a sua
face mais austera e dura, mas
valorizando os pequenos nadas que
a tornam mais suave e mágica».
(Sousa, 2002: 129)

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