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ANAIS ELETRÔNICOS

II Encontro de História – Historiografia Brasileira: Problemas, Debates e Perspectivas


25 a 27 de Outubro de 2010
ISSN 2176-784X

NA TEIA MUNICIPAL ALAGOANA:


FORMAÇÃO E CONSTITUIÇÃO DOS CONSELHOS DA COMARCA (SÉCULO XVIII)

Arthur Almeida Santos de Carvalho Curvelo


Graduando em História
Universidade Federal de Alagoas
Grupo de Estudos Alagoas Colonial - GEAC
Orientador: Antonio Filipe Pereira Caetano
Email: arthurcurvelo90@hotmail.com

Ao debruçarmo-nos sobre estrutura político-administrativa da Comarca das Alagoas, é


possível perceber que a mesma compunha-se, no início do século XVIII de três “Concelhos”1 ou
Vilas principais: Porto Calvo, Santa Maria Madalena d’Alagoas do Sul e Penedo, e que cada uma
constituía uma circunscrição jurisdicional polarizadora do poder local, ou centros políticos locais.
Cada uma delas era presidida por uma Câmara Municipal, que parece ser o órgão administrativo de
maior destaque na localidade, e potencial espaço de representação política das elites locais.
Contudo, até nossos dias, um estudo sistemático com enfoque no papel dessa instituição na Comarca
das Alagoas, nunca foi feito. Apesar de a historiografia alagoana fazer menção à instituição, esta
ficou sempre relegada à uma temática secundária, nunca constituindo o enfoque do trabalho2. Esse
pequeno ensaio tenta esboçar um pouco de suas especificidades estruturais e políticas no século
XVIII, bem como uma tentativa de perceber alguns mecanismos de articulação entre essa instituição
e a coroa portuguesa.
Mas primeiro, talvez seja necessário recorrer à outros estudos que analisam as Câmaras
Municipais na América Portuguesa para respaldar o presente trabalho. Portando o texto de Vera
Lúcia Amaral Ferlini para a coletânea “O Governo dos Povos” intitulado O município no Brasil

1
Entenda-se “concelho” como a menor circunscrição jurisdicional que compõe a estrutura estatal portuguesa, que por
sua vez foi transplantada para as conquistas ultramarinas.
2
CAROTÁ, José Próspero Jeová da Silva. Crônica de Penedo.in: Revista do Instituto Arqueológico e Geográfico
Alagoano Vol. 1 a 3[S.l.],[S.d]; AZEVEDO, José Ferreira de. Formação sócio-econômica de Alagoas. O período
holandês (1630-1654). São Paulo, 2002 Tese (Doutorado) FFLCH/USP.
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colonial e a configuração do poder econômico3 se faz emblemático. Ferlini aponta para a existência
de basicamente três correntes historiográficas que reconhecem o papel das câmaras na construção de
uma governabilidade local. A primeira é representada por Capistrano de Abreu, e tem seus
desdobramentos em Caio Prado Junior e Vitor Nunes Leal4, por essa via de interpretação as câmaras
são entendidas basicamente em nível local, representando os redutos das oligarquias rurais, e da
institucionalização de seu poder de mando, constituindo portanto, antros de absoluta autonomia
política frente ao Governo Geral e à Coroa portuguesa e sendo também responsáveis pelas tentativas
de organização municipal.
A segunda é representada pela interpretação de Raymundo Faoro, que em seu clássico “Os
Donos do Poder”, entende a instituição camarária enquanto espaço de imposição e exercício da
soberania régia nas colônias, tornando relativo o poder político que essas elites rurais tinham em tal
espaço.5
E a terceira, é representada pela historiografia contemporânea, que ao revisitar esses,
conceitos busca ampliá-los espaço-temporalmente, e que reconhece nas câmaras espaços de
articulação entre poderes locais e régios, ou Centros e Periferias6, e que possibilitaram uma certa
articulação territorial do Império Português. É nessa perspectiva que se pautam as conclusões desse
pequeno trabalho. Essa articulação é feita através das diversas solicitações que os oficiais das
câmaras (membros das elites locais) dirigem à coroa portuguesa, e que informam sobre os mais
diversos assuntos tais quais as reduções de taxas, ajudas de custo para construção de igrejas ou
financiamento de procissões, aumento do número de tropas, requerimentos de privilégios e títulos de
distinção social para os oficiais, dentre outros. Mais adiante, serão analisadas algumas dessas
solicitações contidas na documentação que está sendo trabalhada com o intuito de se ter um
panorama da realidade local no século XVIII.
Mas antes, se faz necessário mencionar também um dos principais expoentes da
historiografia tradicional e que permitiu uma grande renovação dos conceitos da historiografia
3
FERLINI, Vera Lúcia Amaral. O município no Brasil colonial e a configuração do poder econômico. In: SOUZA, Laura
de Mello e; FURTADO, Júnia & BICALHO Maria Fernanda. O Governo dos Povos. São Paulo: Alameda 2009. Pp.389-
399.
4
FERLINI, Ibidem. Pp. 389-390.
5
FAORO, Raymundo. Os donos do poder. Porto Alegre: Globo, 1975. Apud:FERLINI, Ibidem. P. 390.
6
RUSSEL-WOOD, A.J.R. “Centro e periferia no mundo luso-brasileiro, 1500-1808”. In: Revista Brasileira de História,
vol. 18, n. 36,
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contemporânea sobre a colonização: Charles Ralph Boxer, que em seu clássico “O império
marítimo português”, reconheceu a importância que as câmaras, ou conselhos municipais, tiveram
para a constituição do império português. Entendendo-as em nível local, enquanto espaços de
organização da vida pública, responsáveis por sediar um tribunal de primeira instância, por zelar
pelo policiamento das vilas, pela manutenção das obras públicas, por impor taxas e fintas sobre
alguns produtos e vender os direitos de arrecadação de alguns gêneros principais7, caracterizou-as
como instituições estruturalmente homogêneas, que pela heterogeneidade de conjunturas sócio-
políticas de cada canto do império, assumem características muito diferentes umas das outras.
Enquanto a nível ultramarino, foram os elos mantenedores de uma relativa unidade imperial, e da
soberania portuguesa sobre as conquistas, justamente pela função articuladora de interesses, já
debatida acima. Destacando assim a importância de sua compreensão, enquanto menores células da
administração portuguesa nas conquistas.
No Brasil, um dos principais nomes que vem guiando as renovações por quê tem passado a
historiografia é Maria Fernanda Bicalho, que em artigo lançado para a coletânea que publicou
juntamente com João Fragoso e Maria de Fátima Gouvêa, “O Antigo Regime nos Trópicos”8
dedicou-se a falar do papel das câmaras na construção de uma governabilidade colonial. Segundo
ela, o auge do poder e da autonomia das câmaras deu-se no século XVI até os finais do XVII,
quando Portugal estava sobre o domínio espanhol, na União Ibérica, e conseqüentemente em guerra
contra os flamengos, que por sua vez, invadiam os domínios ultramarinos das coroas unidas. Assim,
os monarcas, por não terem fundos suficientes para arcar com as guerras de restauração de seus
domínios, concederam às câmaras uma série de atribuições taxativas para o sustento das infantarias
e da própria guerra. Com o fim destas, as câmaras continuaram gozando por algum tempo desses
privilégios, das quais as mais beneficiadas foram as do sudeste da América Portuguesa, que por não
terem a guerra às suas costas, puderam usufruir desses privilégios sem terem de combater inimigo
batavo. O auge de poder político autônomo dessas instituições, pode ser apontado para o Nordeste

7
BOXER, Charles R. O império marítimo português(1415-1825).São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 288-289.
8
BICALHO, Maria Fernanda. As câmaras ultramarinas e o governo do império. In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria
Fernanda & GOUVÊA, Maria de Fátima(Orgs.). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séc.
XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
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colonial, entre o final das guerras de restauração contra os batavos, e a consolidação da dinastia de
Bragança em Portugal.
Até que em finais do século XVII, a então restaurada monarquia portuguesa, passa a tomar
uma série de medidas para cercear os poderes autônomos das câmaras, dentre elas, a nomeação de
Juizes de Fora – vindo de Portugal, e conseqüentemente com os interesses portugueses – para
presidir as principais destas, a criação e a transferência de uma série de atribuições monetárias das
câmaras para a Provedoria da Fazenda Real, como também, a criação do cargo de Ouvidor geral
para algumas localidades, tais quais Alagoas, São Paulo e Minas Gerais.
E assim estavam inseridas as câmaras municipais alagoanas no contexto político do século
XVIII, eram espaços de articulação entre o poder das elites locais e o poder régio, que em na
Comarca de Alagoas era representado pelos interesses dos ouvidores-gerais – cargo instituído
oficialmente em 1711. Esse período marca também pelo cerceamento de seus poderes e autonomia,
que provavelmente deveria ser muito mais forte antes da instituição do cargo de ouvidor geral da
comarca das Alagoas, devido à distância que separa a localidade da jurisdição do ouvidor geral da
capitania de Pernambuco. Contudo, cada uma possuía especificidades frente às outras, que poderiam
dotá-las de características próprias e autonomia política.
Para perceber as especificidades de cada uma, é interessante atentar para a respectiva
estruturação, e cargos que cada uma apresenta. Em relação à própria estrutura física, ou Casa da
Câmara, observa-se que as três eram bastante precárias, pois sempre solicitaram ajudas de custo à
Coroa para construir ou reformar tal edifício, como mostra uma menção à solicitação da Câmara de
Porto Calvo para a edificação de tal construção, contida numa “Carta do ouvidor-geral de Alagoas
José da Cunha Soares ao rei D. João V sobre o cumprimento da ordem aos oficiais da Câmara da
vila de Porto Calvo para fazerem a planta da casa da câmara e cadeia e certidão do lanço que se deu
para sua obra9”:
Certificamos que nossos antepassados mandavam pôr em praça pública desta Vila a planta junta
da Casa da Câmara debaixo da dita Vila e nos o fazemos por mandado do ouvidor geral desta
Comarca no mês de março passado, e não houve pessoa que lançou nela que fosse, chão e
abonado[?], só o tenente Ioam Bauptista Achioly, disse que se lhe dessem quinhentos e cinqüenta
mil Réis, a faria sendo só até o sobrado de pedra e cal e dali para cima de taipa o que se não
ajeitou por se achar ser muito caro, nem a ver a conta[sic] do dinheiro que lhe pedia para o
referido na verdade e por nos ser mandado pelo Ouvidor Geral da Comarca mandamos passar em

9
AHU, Alagoas Avulsos. Cx.1 documento 012.
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que nos assinamos e mandamos selar com o selo desta Câmara dada em [ilegível] casam aos
cincos dias do mês de setembro de 1713 anos.

Observa-se então o caráter precário dessa instituição, que ainda estava por ser construída no
início do setecento, e que mesmo assim, seria “só até o sobrado de pedra e cal e dali para cima de
taipa o que se não ajeitou por se achar ser muito caro, nem a ver a conta[sic] do dinheiro que lhe
pedia para o referido na verdade”, o que mostra também a pobreza da instituição em Porto Calvo,
que não tinha condições de arcar com o gasto, que recebeu o parecer favorável do ouvidor em 1713
para a efetivação dessa obra de taipa! Alagoas do Sul em 1751 e Penedo em 1764 solicitaram
através de seus oficiais as providências para a reforma desse espaço, sendo ambas atendidas10.
Quanto à própria organização burocrática, uma das maneiras mais pertinentes de perceber as
especificidades de cada uma delas é observar a quantidade de cargos exercidos ou pelo menos
existentes nas câmaras a fim de perceber como se estruturavam e seus graus de organização em
relação às outras. Deve-se levar em conta ainda que apesar de não, estarem sendo levados em conta
os ofícios das câmaras, que representam verdadeiramente os espaços públicos de representação
política das elites locais – ou seja os de Vereador, Juiz Ordinário e Procurador – as funções
burocráticas de cada uma delas, acabavam por desdobrarem-se em instrumentos de favorecimento
político, pois eram nomeados para servir nessas funções, os apadrinhados das elites locais, ou
mesmo pessoas que quisessem usufruir da remuneração de tal cargo, e assim arrendavam a serventia
do ofício do proprietário, concedendo-lhe 1/3 do ordenado, e assim essas funções traduziam-se
também em espaços de exercício ou desdobramento das redes de poder11. Vejamos então essas
funções:
Tabela 1: Funções na Câmara.
Vilas Quantidade de funções na câmara em 1749

Porto Calvo 07

Alagoas do Sul 16

Penedo 10

10
AHU, Alagoas Avulsos. Cx.1 documento 012, Cx. 2 doc. 137 e Cx.3 doc.179, respectivamente.
11
MONTEIRO, Nuno Gonçalo. “Os concelhos e as comunidades”. In: HESPANHA, António M. (coord.). O Antigo
Regime (1620-1810), volume IV da História de Portugal dirigida por José Mattoso, Lisboa:Editorial Estampa, 1993. p.
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Dados extraídos da “Informação da Capitania de Pernambuco”12

A vila de Porto Calvo, que detém a menor quantidade, parece ser a menos estruturada das três,
pois mesmo que tenha os sete espaços para funcionários, quatro não possuíam proprietários, e os três
que tinham possuidores, acumulavam mais de um cargo, o que não significa que exercia todos eles.
Em Penedo, apesar de haver dez cargos mencionados no documento, só quatro tem proprietários ou
serventuários, o que indica que a região também possuiu uma organização administrativa
relativamente precária. Já Alagoas do Sul, se mostra uma câmara mais estruturada, possuindo
dezesseis cargos, dos quais somente quatro não tem serventuários, sendo que os outros todos estão
preenchidos, tendo ou não um proprietário fixo. Evidenciando assim as especificidades estruturais de
cada uma, buscar-se-á a seguir alguns traços da articulação entre as Câmaras da Comarca e a Coroa
Portuguesa, com a finalidade de encontrar-se também elementos indicadores de suas especificidades.
Uma maneira interessante de inferir a atuação de cada uma dessas câmaras frente à coroa é
lançar um breve olhar sobre a documentação, restritamente à quantidade de cartas que os oficiais das
Câmaras de Porto Calvo, Alagoas do Sul e Penedo endereçaram ao Conselho Ultramarino, somente
para que se entenda o grau de correspondência, ou articulação, entre as mesmas e a coroa
portuguesa, já que esta era feita justamente pelas situações informadas pelos oficiais à coroa sobre
os mais variados assuntos que tocassem a gestão da governabilidade local, e o posterior parecer do
Conselho sobre a situação, que ordenava o melhor procedimento a ser tomado conforme os
interesses da Coroa. Observe-se a tabela:

Tabela 2: Número de Cartas dirigidas pelas três câmaras principais da localidade ao Conselho
Ultramarino entre 1711 e 1780.
Vilas Quantidade de Cartas

Porto Calvo 01

Alagoas do Sul 08

Penedo 11

12
ANAIS DA BIBLIOTECA NACIONAL. Rio de Janeiro: BN, Volume 28, 1906. p. 472 e 473.

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Dados extraídos do Catálogo de Documentos manuscritos avulsos referentes


à capitania das alagoas existentes no Arquivo Histórico Ultramarino de
Lisboa.

A partir da quantidade das mesmas podem der deduzidas algumas hipóteses. A quase total
ausência de correspondência direta entre a Câmara de Porto Calvo e a coroa portuguesa constitui em
si um indicativo da especificidade local. Pode ser atribuída a algumas hipóteses: ou a Câmara
sujeitou-se mais à jurisdição emanada da Comarca de Pernambuco; ou a mesma Câmara esteve mais
ligada ao ouvidor-geral assentado na vila das Alagoas para o atendimento de suas apelações; ou
talvez a mais palpável de todas: a ausência de documentação indica uma inoperância da mesma.
Contudo, para uma conclusão mais sensata acerca dessa consideração, é necessário o acesso à
documentação da câmara desta vila, algo que está fora do alcance no momento, frente a grande
possibilidade da dispersão da documentação, ou mesmo sua destruição frente às dificuldades de
armazenamento que enfrentou a localidade ao longo do tempo. Tal especificidade pode também
estar ligada ao fato de que Porto Calvo era a menor das três vilas no século XVIII, e ter sido
provavelmente fundada “para polarizar as populações dispersas dos agricultores e dar-lhes serviços
de polícia, justiça, religião e mercado, concentrados na área urbana”13, constituindo aquilo que
Nelson Omegna chamou de “Cidade Agrícola”. Essa câmara sim parece ser o verdadeiro antro das
elites rurais engajadas na produção açucareira, justamente, por representar a região mais estruturada
para a produção açucareira.
Penedo e Alagoas do Sul têm quase a mesma quantidade de cartas, contudo, a natureza desta,
as diferencia em alguns aspectos bastante relevantes, que podem também ser indicativos dos
respectivos graus de autonomia de cada uma se analisadas com um pouco mais de profundidade.
Penedo, por ser a vila mais distante ao extremo sul da capitania, provavelmente enfrentava
maiores problemas para manter o controle social, por “estar mais metida ao Sertão, e ser o domicílio
ordinário dos delinqüentes,”14, como mostra a ordenação que instituía o cargo de ouvidor na comarca
de Alagoas15. Logo, as cartas dos oficiais da câmara solicitavam freqüentemente o alívio de impostos

13
OMEGNA, Nelson. A cidade colonial. Brasília: EMBRASA, 1971. P.67
14
ANAIS DA BIBLIOTECA NACIONAL. Rio de Janeiro: BN, Volume 28, 1906. p. 461.
15
Para mais detalhes sobre a participação das câmaras municipais na instituição do Cargo de Ouvidor Geral da Comarca
de Alagoas, ver o artigo que escrevi para o XII Encontro de Estadual de História-ANPUH-CE: CURVELO, Arthur
Almeida S. de C. A cabeça e a coroa: atuação da câmara de Alagoas do Sul frente a coroa portuguesa (1711-1780). In:
Anais do XII Encontro de Estadual de História-ANPUH-CE. Universidade Regional do Cariri.
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e fintas16, destacando sempre a pobreza da população local, bem como a necessidade da construção
cadeias e obras públicas. Assim, indica-se inicialmente a condição de pobreza da região, bem como a
precária urbanização. Com uma população pobre, gera-se também um clima de insatisfação, o qual as
mesmas câmaras tentaram ao longo do tempo controlar, pedindo alívio de donativos e concessão de
privilégios econômicos, tanto para conter o clima de insatisfação, tanto para angariar fundos para suas
obras. Então, a câmara de Penedo tendeu sempre em suas solicitações a tentar barganhar junto à coroa
portuguesa, os mecanismos de controle social, que aplicava localmente. E o fato de a coroa aprovar
todas essas solicitações, demonstra, uma certa flexibilidade da mesma com o intuito de estabelecer sua
dominação sobre o território, amparada, evidentemente na influência política das elites locais.
A câmara de Alagoas do Sul durante o século XVIII, por ser da “cabeça da comarca”
demonstra pretensões muito mais voltadas ao aumento do poder político local. Atualmente a
historiografia vem trabalhando com o conceito de “economia política de privilégios” para a
compreensão da dinâmica de articulação entre os súditos, membros das elites locais, e o rei. Segundo
tal conceito, desenvolvido por Maria Fernanda Bicalho, juntamente com Maria de Fátima Gouvêa e
João Fragoso17, o monarca concede mercês e graças – expressas em signos de distinção social, ou
honras e privilégios, consagrados em títulos tais quais o de “cidadão do reino”, ou familiar do Santo
Ofício e Ordem de Cristo – aos seus súditos com a finalidade de estreitar os laços de pertença e
fidelidade daqueles a si. Os súditos, agraciados dessa forma, legitimam seu poder frente à coroa, e
ainda afirmam sua distinção no meio social. As câmaras são espaços em que essa elite local busca
esse tipo de legitimação, pois ao ocupar cargos públicos se tornam isentos de determinados impostos e
obrigações, e ganham prestígio. A documentação de Alagoas do Sul consta de duas representações
que solicitavam esses privilégios, uma em 1732 e outra em 175118.Na segunda solicitavam além dos
privilégios iguais aos da câmara da Bahia, a concessão de dois cargos para amparar a dita câmara nos
reparos da sede e da cadeia pública, como mostra a citação a seguir:
Rogamos a Vossa Majestade se digne fazer-nos mercê para a Câmara de propriedade dos ofícios
de escrivão e meirinho da correição da ouvidoria e de um de escrivão dos do geral e meirinho do
campo para com os rendimentos das terças partes que pagarem os serventuários de fazer as ditas
despesas que de outra sorte se não [ilegível] a remediar, por não possuir o conselho bens alguns
nem Tem rendas que cheguem mais que para a satisfação da aposentadoria anual do seu ministro

16
AHU, Alagoas Avulsos. cx. 1 documentos 069, 070, Cx. 2 documento 117, e Cx.3 documento 147.
17
BICALHO, Ibidem. 221.
18
AHU, Alagoas Avulsos, Cx. 1 documento 74 e Cx. 2 documento 137.
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e do ordenado que Vossa Majestade consignou para o secretario do Conselho Ultramarino e das
cartas de usanças dos juizes e oficiais da câmara; e para que também sirvam nela os eleitos com
livre vontade e zelo, e não forçados: rogamos também a mercê de gozarmos os privilégios
concedidos ao senado da Câmara da Cidade da Bahia deste estado em atenção dos serviços que os
nossos antepassados fizeram a causa na guerra dos negros do Palmar que a custa de seu sangue,
vidas e fazendas conquistaram, e do suborno que deram a praça do [ilegível] na
conbternaçam[sic] em que obteve pela situação do povo, e como pelas certidões e documentos que
apresentamos se justifica a verdade em que fundamos a nossa súplica. 19

Evidencia-se então, a pretensão de uma nobreza tentando se afirmar no senado da câmara da


vila de Alagoas do Sul, e que com a criação da comarca, começa a enxergar a possibilidade de
ascender socialmente, buscando apoio junto à coroa portuguesa para legitimar seu poder de mando. E
a coroa por sua vez, vale-se dessa iniciativa para firmar sua dominação sobre a região. Assim,
demonstram-se também as pretensões de um órgão para melhor estruturar a máquina administrativa
local, adicionando três ofícios a esta. Os rendimentos advindos com a possível venda, ou
arrendamento, desses cargos ajudaria ainda a suprir as despesas com construções públicas. Assim
evidenciam-se atitudes por parte dos oficiais das câmaras buscando ascensão social e estruturação
política da região.
Essas são as especificidades de cada câmara municipal da comarca das Alagoas. E as cartas
dos oficiais demonstram claramente sua atuação conjunta com a coroa portuguesa ao mesmo tempo
em que uma elite local busca legitimar o seu poder, procurando nesses espaços de articulação de
poderes, manter a ordem social e a manutenção da dominação sobre a região.
Portanto, pode-se dizer que com base na bibliografia e na documentação analisada, que cada
câmara municipal de “Alagoas” durante o período colonial, era dotada de uma especificidade local,
atrelada às principais características e realidades organizacionais de cada vila que representavam. E
que as mesmas, buscavam dentro dos interesses das elites que as dirigiam, a melhor articulação com
os poderes centrais, seja diretamente com Portugal, ou seja através de uma articulação maior com as
elites de Pernambuco, como parece ser o caso de Porto Calvo. Enquanto Penedo, por ser a mais
distante da sede da capitania de Pernambuco, parece gozar de mais autonomia política, ao passo que
demonstra ser também pouco estruturada em termos de burocracia. E por fim , a Cabeça da
Comarca, Alagoas do Sul, parece ser uma câmara administrada sob as pretensões de projeção
política de seus dirigentes.

19
AHU, Alagoas Avulsos, Cx. 2 documento 137.
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070, 071, 072, 073, 074, 113, 116, 117, 134, 136, e 137, 147, 148, 161, 179 e 182.

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