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Interpretação de Texto: O Homem Trocado – Crônica com Gabarito

O homem trocado

(Luís Fernando Veríssimo)

O homem acorda da anestesia e olha em volta. Ainda está na sala de recuperação. Há


uma enfermeira do seu lado. Ele pergunta se foi tudo bem.

- Tudo perfeito – diz a enfermeira, sorrindo.

- Eu estava com medo desta operação…

- Por quê? Não havia risco nenhum.

- Comigo, sempre há risco. Minha vida tem sido uma série de enganos…

E conta que os enganos começaram com seu nascimento. Houve uma troca
de bebês no berçário e ele foi criado até os dez anos por um casal de orientais, que
nunca entenderam o fato de terem um filho claro com olhos redondos. Descoberto o
erro, ele fora viver com seus verdadeiros pais. Ou com sua verdadeira mãe, pois o pai
abandonara a mulher depois que esta não soubera explicar o nascimento de um bebê
chinês.

- E o meu nome? Outro engano.

- Seu nome não é Lírio?

- Era para ser Lauro. Se enganaram no cartório e…

Os enganos se sucediam. Na escola, vivia recebendo castigo pelo que não fazia. Fizera o
vestibular com sucesso, mas não conseguira entrar na universidade. O computador se
enganara, seu nome não apareceu na lista.

- Há anos que a minha conta do telefone vem com cifras incríveis. No mês passado tive
que pagar mais de R$ 3 mil.

- O senhor não faz chamadas interurbanas?

- Eu não tenho telefone!

Conhecera sua mulher por engano. Ela o confundira com outro. Não foram felizes.

- Por quê?

- Ela me enganava.

Fora preso por engano. Várias vezes. Recebia intimações para pagar dívidas que não
fazia. Até tivera uma breve, louca alegria, quando ouvira o médico dizer:
- O senhor está desenganado.

Mas também fora um engano do médico. Não era tão grave assim. Uma simples
apendicite.

- Se você diz que a operação foi bem…

A enfermeira parou de sorrir.

- Apendicite? – perguntou, hesitante.

- É. A operação era para tirar o apêndice.

- Não era para trocar de sexo?

Atividade

1) Que elementos o cronista utilizou para gerar humor no texto?

2) Justifique o título do texto.

3) Indique que consequências os seguintes fatos têm na narrativa:

a) Troca na maternidade

b) A ida de outro bebê para sua mãe

c) Engano do cartório.

d) Engano do computador

e) Engano da companhia telefônica

f) Engano do médico

4) Observe a fala do médico: “— O senhor está desenganado”. Qual o sentido da


palavra “desenganado”?

5) Por que o narrador não fica apreensivo com este diagnóstico?

6)Por que, no contexto, o uso da palavra “ desenganado” gera humor?

7) Comente o final da crônica. Como se produziu o humor nessa passagem

Gabarito:

1) O fato de acontecer tudo errado com a personagem central.


2) O homem trocado:trocado na maternidade; trocaram seu nome; sua mulher o trocou
por outro; trocaram a natureza de sua operação.

3) a- Foi criado por dez anos por um casal oriental.

b- O marido a abandonou.

c- Seu nome ficou sendo Lírio e não Lauro.

d- Não pôde frequentar a universidade, embora tenha passado no vestibular.

e- Pagava contas altíssimas e nem tinha telefone.

f- Este lhe dissera que ele estava desenganado, ou seja que o paciente estava prestes a
morrer.

4) Que não há mais salvação, que o paciente está prestes a morrer.

5) Porque ele sabe que sempre acontecem enganos com ele, então, certamente, ele não
estaria “desenganado” e, consequentemente, sua doença teria cura.

6) Porque o texto apresenta o personagem como vítima de enganos durante toda a sua
vida. O médico, ao dar seu diagnóstico, usa exatamente um termo derivado dessa
palavra, com um prefixo de negação (des), logo significaria que ele não estaria
enganado.

7) Novamente houve um engano em relação a ele, desta vez, extremamente complicado:


sua operação era apenas de apendicite, mas realizaram a troca de sexo. O humor se
estabelece juntamente com a surpresa e o absurdo da situação
Interpretação de Texto: A última crônica

A última crônica

A Última Crônica

A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao balcão.
Na realidade estou adiando o momento de escrever. A perspectiva me assusta. Gostaria
de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou do
irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de
seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida.
Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num
flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num acidente doméstico,
torno-me simples espectador e perco a noção do essencial. Sem mais nada para contar,
curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança:
“assim eu quereria o meu último poema”. Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço
então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica.

Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de sentar-se, numa das últimas mesas
de mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade, na contenção
de gestos e palavras, deixa-se acrescentar pela presença de uma negrinha de seus três
anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à
mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade
ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a

instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam


para algo mais que matar a fome.

Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou do


bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um
pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente
ansiosa, como se aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido
do homem e depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a
reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom encaminha a
ordem do freguês. O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-
o no pratinho – um bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular.

A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o


garçom deixou à sua frente. Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e
filha, obedecem em torno à mesa um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico
preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos, e
espera. A filha aguarda também, atenta como um animalzinho. Ninguém mais os
observa além de mim.
São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia do
bolo. E enquanto ela serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a
um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força,
apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada,
cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: “Parabéns pra você, parabéns
pra você…” Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa. A negrinha
agarra finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está
olhando para ela com ternura – ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de
bolo que lhe cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se
convencer intimamente do sucesso da celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo,
nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido – vacila, ameaça abaixar a
cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso.

Assim eu quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso.

SABINO, Fernando. A última crônica. In: Para gostar de ler – Crônicas. São Paulo:
Ática, 1981.

1..Identifique:
Foco narrativo: 1ª pessoa :narrador-personagem
Cenário: um botequim na Gávea
Tempo: alguns minutos (a cena se passa enquanto o narrador toma um café).
Personagens principais: narrador, família(pai, mãe, menina)

2..Qual a profissão do narrador? Retire um trecho do texto que justifique sua resposta.
Escritor. “Na realidade estou adiando o momento de escrever. A perspectiva me
assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca do
pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um.

3.Ele conta que entrou no botequim para tomar um café. Mas qual era o real motivo?
Ele estava sem ideia para escrever uma crônica, adiava o momento.

4.Releia o trecho “Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição
tradicional da família, célula da sociedade.”
a) Quem são esses “três esquivos”? Um homem, sua mulher e a filhinha de uns três
anos, uma família simples e pobre.
b) O que eles estão fazendo ali? Queriam comemorar o aniversário da menina.

5. Observe o início do 2º parágrafo.


a) Que termo usado pelo narrador tem um tom pejorativo?
Pretos.
b)O casal senta-se no fundo do botequim. Qual seria o motivo?
Talvez porque eram pessoas muito simples.

6.No texto “A última crônica” há ideia de discriminação? De que tipo?


Escreva um comentário sobre seu ponto de vista.
(resposta pessoal)
7. .Reescreva o trecho que mostra a pobreza das personagens.
“Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de sentar-se, a sua compostura de
humildade, na contenção de gestos e palavras, deixa-se acentuar pela presença de uma
negrinha de seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, os três
compunham a tradicional família, célula da sociedade.”

OUTRAS QUESTÕES:

Atividades:

1) Que tipo de narrador o texto “A última crônica” apresenta? Justifique sua resposta.

2) Retire do primeiro parágrafo as informações abaixo:


a) Quem entra no botequim?
b) Onde fica o botequim?
c) Em primeiro lugar, entra no botequim para quê?
d) Na verdade, o que ele faz nesse lugar?
e) o que ele deseja?

3) Sobre o trecho: “Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição
tradicional da família, célula da sociedade.”, responda:
a) Quem são esses “três esquivos”?
b) Onde eles estão?
c) Levante hipóteses a respeito do que eles estão fazendo ali.

4) O que o pai pede ao garçom?

5) No trecho “A mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa, como se


aguardasse a aprovação do garçom.”, explique a ansiedade da mãe ao esperar a
aprovação do garçom.
Por que o garçom não aprovaria o pedido do pai?

6) Observe que ao descrever a cena que está diante dos olhos, o narrador-personagem
questiona: “Por que não começa a comer?” Por quê? Levante hipóteses.

7) Em “Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno à mesa um discreto
ritual.”, a expressão destacada será revelada mais adiante. O que representa esse ritual?
Quais são os elementos que compõem esse ritual?

8) Explique o que sentiu o narrador-personagem quando o pai sorri para ele.

“Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se perturba,


constrangido - vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim
se abre num sorriso.”
Interpretação de texto: Ousadia

Ousadia
( Fernando Sabino)
A moça ia no ônibus muito contente desta vida, mas, ao saltar, a contrariedade se
anunciou:
– A sua passagem já está paga – disse o motorista.
– Paga por quem?
– Esse cavalheiro aí.
E apontou um mulato bem-vestido que acabara de deixar o ônibus, e aguardava com um
sorriso junto à calçada.
– É algum engano, não conheço esse homem. Faça o favor de receber.
– Mas já está paga…
– Faça o favor de receber! – insistiu ela, estendendo o dinheiro e falando bem alto para
que o homem ouvisse:
– Já disse que não conheço! Sujeito atrevido, ainda fica ali me esperando, o senhor não
está vendo? Vamos, faço questão que o senhor receba minha passagem.
O motorista ergueu os ombros e acabou recebendo: melhor para ele, ganhava duas
vezes.
A moça saltou do ônibus e passou fuzilando de indignação pelo homem. Foi seguindo
pela rua, sem olhar para ele.
Se olhasse, veria que ele a seguia, meio ressabiado, a alguns passos.
Somente quando dobrou à direita para entrar no edifício onde morava, arriscou uma
espiada: lá vinha ele! Correu para o apartamento, que era no térreo, pôs-se a bater,
aflita:
– Abre! Abre aí!
A empregada veio abrir e ela irrompeu pela sala, contando aos pais atônitos, em termos
confusos, a sua aventura:
– Descarado, como é que tem coragem? Me seguiu até aqui!
De súbito, ao voltar-se, viu pela porta aberta que o homem ainda estava lá fora, no
saguão. Protegida pela presença dos pais, ousou enfrentá-lo:
– Olha ele ali! É ele, venham ver! Ainda está ali, o sem vergonha. Mas que ousadia!
Todos se precipitaram para a porta. A empregada levou as mãos à cabeça:
– Mas a senhora, como é que pode! É o Marcelo.
– Marcelo? Que Marcelo? – a moça se voltou, surpreendida.
– Marcelo, o meu noivo. A senhora conhece ele, foi quem pintou o apartamento.
A moça só faltou morrer de vergonha:
– É mesmo, é o Marcelo! Como é que eu não reconheci! Você me desculpe, Marcelo,
por favor.
No saguão, Marcelo torcia as mãos, encabulado:
– A senhora é que me desculpe, foi muita ousadia…

A) O gênero crônica trata de temas ligados ao cotidiano. Qual é o tema desta


crônica? O tema principal é o preconceito racial e social, mas temos como
subtema o assédio em transportes públicos nos centros urbanos.

b) Qual é o foco narrativo: 1ª pessoa personagem, 3ª pessoa observador ou 3ª pessoa


onisciente? Justifique com um trecho da crônica. (0,25)
3ª pessoa onisciente. Como no trecho em negrito: O motorista ergueu os ombros e
acabou recebendo: melhor para ele, ganhava duas vezes.

c) Personagens: indique quem são as personagens principais da crônica. (0,25)


A moça e Marcelo, noivo da empregada da família.

d) Caracterização das personagens: Percebe-se a demonstração de hostilidade da


personagem principal, em relação ao “mulato bem vestido”. A descrição física é
importante para a construção do mal-entendido na história? Por quê? (0,25)
Sim, pois o fato de ser mulato em uma sociedade ainda preconceituosa provoca a
desconfiança da moça em relação ao homem, que a segue e ousa pagar sua passagem de
ônibus.

e) A linguagem empregada no texto é formal ou informal? Dê exemplos. (0,25)


Informal: Abre aí!

f) Espaço da narrativa: copie do texto palavras ou expressões que demonstrem os vários


lugares por onde as personagens passaram ao longo da história. (0,25)
“Ia no ônibus”, “aguardava junto à calçada”, “correu para o apartamento”, estava lá
fora, no saguão”.

3) A sequência de fatos que mantêm entre si uma relação de causa e efeito constitui
o enredo. Identifique no enredo da crônica:

a) Situação inicial: (0,25) Moça, no ônibus, vai pagar a passagem.


b) Complicação ( surge o conflito): (0,25)
Surpreende-se ao saber que a passagem já foi paga por um rapaz que a espera.
c) O clímax é o momento de maior tensão na narrativa. Qual é o clímax da crônica?
Justifique com um trecho do texto. (0,25)
O clímax ocorre quando, ao subir para seu apartamento, percebe que o homem que a
estava seguindo está no saguão do prédio.
d) No desfecho da crônica, a moça “só faltou morrer de vergonha”. Explique por
quê. (0,25)
Porque descobre que o homem não era suspeito e sim o noivo de sua empregada. Ela
não o havia reconhecido.

4) Tema e título:
O título da crônica é “Ousadia”. Explique por quê. A moça considera uma ousadia um
“desconhecido” pagar sua passagem e segui-la até sua casa.

5) Humor:
a) De que recursos se serviu o autor para criar o humor presente na crônica? (0,25)

O cronista utilizou a quebra de expectativa, o inesperado, ao revelar ao final que


Marcelo não era um desconhecido. Além disso, constrói, sob o ponto de vista da moça,
o estereótipo do negro e mulato.
b) Além de provocar humor, a crônica de humor também pode apresentar uma posição
crítica a respeito de determinados assuntos. Em sua opinião, a crônica “Ousadia” faz
alguma crítica a algum comportamento humano? Qual? (0,25)
Provoca reflexão sobre o estereótipo social, incorporado pela moça, de que negros e
mulatos são marginais na sociedade.

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