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Introdução ao estudo dos instrumentos musicais: aspectos teóricos e classificação

Eduardo Nespoli
Universidade Federal de São Carlos

Parte 1: Instrumentos acústicos

A organologia e a classificação dos instrumentos musicais acústicos: o sistema Hornsbostel-


Sachs

A organologia compreende o estudo dos instrumentos musicais e suas origens socioculturais,


assim como é responsável pela investigação, classificação e análise de suas estruturas, materiais e
formas. Este campo de estudo ocupa-se, portanto, pela investigação de instrumentos musicais de
diversas culturas, mapeando seus trajetos históricos e os significados sociais, considerando as
crenças e os valores simbólicos que apoiam seus usos. Para isto, a organologia considera os
aspectos estruturais, estéticos e simbólicos que fornecem aos instrumentos musicais suas
propriedades intrínsecas.

Neste sentido, os instrumentos musicais podem ser classificados de diferentes modos,


seguindo critérios que podem variar desde aspectos estruturais até aspectos estéticos e simbólicos
relacionados aos significados sociais adquiridos. Neste texto, serão abordados os aspectos
relacionados ao modo de produção do som.

Ao longo da história ocidental da música, diversas foram as tentativas de desenvolver um


modelo de classificação. No entanto, o sistema criado por Erich Moritz Von Hornbostel e Curt
Sachs é um modo de classificação que se consolidou e é frequentemente utilizado quando falamos
de instrumentos musicais acústicos. O sistema Hornsbostel-Sachs considera os instrumentos
musicais acústicos a partir do reconhecimento do elemento vibratório que produz o som. Os autores
dividem os instrumentos musicais acústicos em quatro categorias principais, a saber: idiofones,
membranofones, cordofones e aerofones.

Idiofones: são os instrumentos musicais em que o som é produzido pela vibração de corpos
sólidos, isto é, que não necessitam ser submetidos a uma tensão. Fazem parte desta categoria
instrumentos como o triângulo, o prato, o agogô, ou qualquer outro tipo de objeto cujo som é
produzido a partir da vibração do próprio corpo.

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Membranofones: são instrumentos que para produzir som utilizam uma membrana (pele)
tensionada. Fazem parte deste grupo o tamborim, o tímpano, o surdo e a caixa clara. Os
membranofones são em sua maioria tambores.

Cordofones: são instrumentos que produzem som a partir da vibração de uma corda
tensionada fixada ao seu corpo. Podemos encontrar neste grupo o violão, o contrabaixo, o violino, a
harpa.

Aerofones: são os instrumentos musicais em que o som é produzido pelo ar. Em sua maioria,
os aerofone produzem som pela passagem do ar em um tubo, mas existem ainda aerofones cujos
sons são produzidos pela passagem do ar em lâminas que vibram. Exemplos deste tipo de
instrumento são as flautas, os oboés, o trompete; mas também o orgão de tubos, os instrumentos de
lâminas como os acordeão e gaita.

Estas quatro categorias recebem subdivisões, de acordo com aspectos específicos. Vejamos a
seguir algumas possibilidades de classificação.

Idiofones

Existem diversos tipos de idiofones que podem ser agrupados de acordo com o modo de
produção do som.

Os idiofones percussivos são aqueles em que se obtém o som a partir do choque com o corpo
vibrante, o que pode ser realizado com uma baqueta, com os dedos, ou mesmo com as mãos. É o
caso dos xilofones, vibrafones, sinos, agogôs, pratos e diversos outros instrumentos.

Os idiofones de agitar são aqueles que devem ser movimentados para produzirem sons, como
é o caso dos chocalhos.

Os idiofones de fricção produzem o som quando algo é friccionado na superfície vibrante. É o


caso do reco-reco, da cuíca e das taças de cristal (quando friccionadas pelos dedos).

Os idiofones beliscados produzem som a partir da vibração de uma ou mais lâminas. É o caso
de alguns instrumentos africanos como o mbira e a kalimba.

Os idiofones podem também ser classificados em idiofones de altura definida e idiofones de


altura indefinida. Os xilofones, por exemplo, possuem frequências (notas) definidas enquanto que o
reco-reco gera um som ruidoso e sem definição de frequência.

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Membranofones

O tambor é um membranofone comum em várias partes do mundo. Caracteriza-se por ter uma
estrutura vazada chamada de casco, ao qual se fixa em suas aberturas 1 ou 2 membranas. Estas
membranas fixadas nas bocas do casco, são percutidas com baquetas ou mãos para se obter o som.

Os materiais mais utilizados para se construir o casco do tambor são madeira, metal, cerâmica
e bambu. Atualmente, materiais alternativos, como latas, recipientes diversos e tubos de PVC
podem ser utilizados como cascos na confecção de tambores. Evidentemente, cada material possui
uma resolução sonora diferente. O casco geralmente possui a forma cilíndrica, mas encontramos
também tambores em formato de cone e semiesfera.

Como membrana ou pele, o material mais usado é o couro animal. No entanto, também são
usados materiais sintéticos. A tensão pode ser obtida de diversas maneiras. Um dos modos de
tensionar a membrana é esticar a pele por meio de cordas que atravessam furos feitos em sua borda.
Atualmente, é muito comum encontrarmos tambores cuja forma de tensionamento da membrana é
realizada por meio de aros de metal que são puxados por parafusos presos a uma base de metal
fixada na lateral do casco. Neste caso, o aro circula a borda da pele, e serve como componente
estrutural que proporciona uma tensão mais uniforme.

Alguns tambores possuem fios de tripa ou metal esticados na membrana inferior. Deste modo,
conseguem um som diferenciado e com um zumbido proporcionado pelo atrito dos fios na pele.
Este aparato de fios é denominado comumente de "esteira", e é encontrado na caixa-clara.

O membranofone pode ter frequência definida, como é o caso do tímpano de orquestra. O


tímpano é um tambor cuja pele pode ser esticada através de um sistema de tensão que se encontra
acoplado a um pedal que é acionado pelo executante. O pedal permite ao músico aumentar e
diminuir a tensão na membrana, alterando a frequência principal gerada no instrumento.

Aerofones

Geralmente, os aerofones produzem som a partir da excitação de uma coluna de ar em um


tubo, mas existem aerofones que independem do tubo, como por exemplo, a gaita. Num aerofone, o
ar deverá excitar algum dispositivo que iniciará a vibração, transferindo-a para as demais partes do
aerofone. Esta geração de som a partir do ar pode ocorre pelo sopro humano ou por algum
dispositivo que gere pressão, como um fole, uma bomba de ar, ou mesmo apenas o movimento do
material no ar.

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Em relação ao tubo, podemos destacar algumas relações importantes. O diâmetro e o
comprimento, por exemplo, influenciam na quantidade e na qualidade dos harmônicos que são
possíveis de serem obtidos. Um tubo largo coopera para produzir harmônicos mais graves, enquanto
que um tubo mais estreito ajuda na produção de harmônicos agudos. Nos instrumentos que possuem
tubo uma das formas de se alterar as frequências é modificando o comprimento do tubo através da
abertura e fechamento de orifícios localizados ao longo do tubo. Na flauta, por exemplo, quando os
orifícios encontram-se todos fechados, o som é o mais grave que se pode obter. Porém, quando
algum dos orifícios é descoberto o tamanho total do tubo é diminuído, o que resulta em notas mais
agudas. Outro modo de alteração das frequências é através do pistão, que na realidade é uma
espécie de chave que permite a passagem do ar por diferentes caminhos, proporcionando o aumento
e a diminuição do comprimento total do tubo. O pistão é um êmbolo cilíndrico que quando
pressionado intercepta o tubo principal, permitindo ou não a passagem de ar pelo tubo adicional,
fazendo variar a frequência. Há também os instrumentos de vara deslizante, como o trombone, cujo
princípio se faz pela presença de dois tubos que trabalham em conjunto, um deslizando dentro do
outro, variando deste modo o comprimento total.

A embocadura é o termo que designa a parte do instrumento ao qual se aplica o sopro. Mas o
termo embocadura também pode se referir à posição da boca, isto é, ao posicionamento e controle
que a boca do instrumentista exerce para obter a sonoridade desejada. Os harmônicos resultantes de
um tubo podem ser alterados a partir da embocadura.

Podemos classificar os aerofones pelo modo de produção sonora, considerando o tipo de


componente utilizado para excitar a vibração. Vejamos:

Aerofones de aresta: a embocadura, neste caso, é uma aresta para a qual se direciona um jato
de ar. Podem ser de dois tipos: as de embocadura simples, as quais a lâmina de ar é moldada pelos
lábios do executante (flauta pan, flauta transversal); e as de embocadura de apito ou bisel, em que o
ar é direcionado para uma aresta talhada na parede do tubo através de um canal (flauta doce).

Aerofones de palheta: O jato de ar faz vibrar uma ou duas palhetas. As palhetas podem ser "de
batente" ou livres. As palhetas de batente podem ser simples ou duplas. As palhetas simples vibram
contra uma armação. São exemplos de instrumentos de palheta simples o saxofone e o clarinete. As
palhetas duplas são formadas por um par de palhetas que vibram uma contra a outra, fechando e
abrindo a fenda que existe entre elas, já que estão conectada uma à outra por uma base. Exemplos
de instrumentos com palhetas duplas são o oboé, o fagote, corne inglês.

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Existem ainda instrumentos que funcionam com palhetas livres, pois estas oscilam sem
obstáculo para um lado e para o outro. Exemplos de instrumentos que possuem palhetas livres são a
gaita e o acordeão.

Aerofones de bocal: Nos aerofones de bocal os lábios do executante vibram, funcionando


como palhetas duplas, abrindo e fechando alternadamente para a passagem do ar. Geralmente, para
a melhor acomodação dos lábios, existe nestes instrumentos uma pequena peça em forma de taça
que é denominada bocal. Instrumentos deste tipo são o trombone, o trompete e a trompa.

Além dos tipos de aerofones citados acima, existem casos especiais como o órgão, que possui,
além dos tubos, um ou dois teclados que acionam um sistema mecânico para a execução das notas.
O órgão possui tubos que produzem o som a partir de arestas e tubos que produzem som a partir de
palhetas.

Ainda poderemos encontrar alguns objetos em que o som é acionado pelo movimento de um
corpo sólido no ar. É o caso do rombo, que é um aerofone formado por uma peça de madeira
achatada e presa a uma corda, que quando é girada no ar gera um ruído sonoro.

A voz humana também pode ser considerada um aerofone. Neste caso, trata-se de um sistema
de emissão de som extremamente complexo, e que faz parte do próprio corpo. Neste sentido, pode-
se considerar a voz e o corpo como os primeiros instrumentos musicais utilizados pelos seres
humanos para fazer música, além de se comunicar, o que nos assinala a relação intrínseca entre
comunicação, linguagem e música. É possível que, na origem do desenvolvimento da linguagem
oral, não houvesse tanta separação entre a emissão de sons, a comunicação e o fazer musical.

Madeiras e metais

Existe ainda outra divisão para os aerofones que geralmente é aplicada aos instrumentos da
orquestra, e que se baseia na qualidade do timbre dos instrumentos. Neste contexto, os instrumentos
de sopro são geralmente divididos em dois grupos: madeiras e metais.

Antigamente esta divisão ocorria em concordância com o tipo de material pelo qual era
construído o instrumento. Porém, alguns instrumentos confeccionados antigamente em madeira
passaram a ser confeccionados em metal. Mesmo assim, esta divisão ainda é comumente aceita,
com base na ideia de que alguns instrumentos feitos de metal possuem sonoridade mais aveludada e
próxima da sonoridade das madeiras, como é o caso da flauta e do saxofone.

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Atualmente, o grupo das madeiras é formado por instrumentos de aresta (flauta), de palheta
simples (clarinete) ou de palheta dupla (oboé). Os instrumentos que compõem o naipe dos metais
(trombone, trompete, trompa, etc.) possuem som mais estridente em relação às madeiras.

Cordofones

Os cordofones são instrumentos musicais em que o som é produzido a partir da vibração de


uma corda esticada. Estes instrumentos necessitam de um componente denominado "caixa de
ressonância" para amplificar o som das cordas. No, entanto, atualmente alguns cordofones utilizam
captadores de contato ou eletromagnéticos ao invés da caixa de ressonância, como é o caso das
guitarras.

Os cordofones sofrem uma subdivisão de acordo com a forma de excitação da corda. Assim,
os cordofones podem ser divididos em: cordofones friccionados, cordofones dedilhados e
cordofones de tecla.

Cordofones friccionados: são aqueles em que se utiliza um arco de fricção para produzir o
som. Como exemplos, podemos citar o violino e o violoncelo.

Cordofones dedilhados: são aqueles em que o instrumentista utiliza os dedos ou uma paleta
para produzir o som. Como exemplo, podemos citar o violão, a guitarra elétrica e a harpa.

Cordofones de teclas ou sistema mecânico estendido: ainda podemos encontrar instrumentos


que possuem cordas como fonte sonora, mas estas cordas são vibradas a partir de um sistema
mecânico que inclui um teclado. É o caso do cravo e do piano. No caso do piano, as cordas são
percutidas por uma peça denominada de martelo, que é acionada pelos dedos do instrumentista no
teclado.

Caixa de ressonância e tensão das cordas

Os cordofones possuem geralmente uma caixa de ressonância através da qual o som das
cordas é amplificado e irradiado no espaço. As caixas de ressonância devem ser compatíveis às
dimensões das cordas. Para destacar os harmônicos graves é necessária uma caixa de ressonância
grande; enquanto que para realçar os harmônicos médios e agudos, caixas de ressonâncias menores
podem funcionar muito bem.

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Geralmente, as cordas encontram-se fixadas em uma das pontas ao corpo do instrumento,
enquanto que na extremidade oposta utiliza-se algum recurso que funciona como uma roldana a
partir da qual se enrola e estica a corda. Quanto mais esticada estiver a corda mais agudo será o som
produzido; e ao contrário, quanto menos esticada a corda, o som se torna mais grave. A espessura da
corda também influencia na geração do som, sendo que cordas mais finas geram harmônicos mais
agudos e cordas mais espessas geram harmônicos mais graves.

Existem diversos modos de se esticar uma corda. Entretanto, em algumas destas


possibilidades o controle preciso de frequências é muito complexo. O mais antigo sistema de
tensão de cordas é sem dúvidas o arco. Neste sistema, as cordas são esticadas a partir de uma haste
de madeira que é envergada, puxando para trás a corda e esticando-a em certa medida. Destacamos
como exemplos deste tipo de sistema o pluriarco africano e o berimbau.

Para obter maior precisão em relação à geração de frequências podemos destacar dois tipos de
sistema de tensão das cordas: as cravelhas e as tarraxas. As cravelhas é uma peça cilíndrica que
permite que as cordas sejam enroladas e retidas perpendicularmente. A tarraxa caracteriza-se pela
presença de um sistema composto por um cilindro (onde a corda é enrolada) e uma roldana que
altera a posição do giro em relação ao ponto de apoio dos dedos.

Algumas estruturas típicas de cordofones

Liras: nos cordofones tipo lira as cordas encontram-se esticadas da caixa de ressonância até
uma armação que se encontra no mesmo plano.

Harpas: nas harpas as cordas são tencionadas formando um plano perpendicular ou quase
perpendicular em relação à caixa de ressonância.

Braços: em alguns cordofones as cordas são esticadas sobre um braço. Neste caso, as cordas
encontram-se fixadas no corpo e atravessam sobre a caixa de ressonância do instrumento, indo em
direção às tarraxas ou cravelhas que se encontram ao final do braço. É o caso do violão, do
contrabaixo, do violino, do alaúde, do cavaquinho e de muitos outros instrumentos. A característica
principal deste tipo de instrumento é possibilitar que o instrumentista altere as notas ao pressionar
as cordas sobre o braço.

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Parte 2: Os instrumentos musicais eletrônicos

Instrumentos eletromecânicos

Os instrumentos eletromecânicos são aqueles que convertem a energia acústica gerada em um


sistema em energia elétrica. Um instrumento eletromecânico possui um sistema de vibração
acústico e um sistema de captação de áudio que converte ondas mecânicas em ondas elétricas que
são amplificadas e irradiadas em um sistema com um ou mais autofalantes. Neste grupo
encontramos a guitarra elétrica, o piano elétrico, o contrabaixo elétrico, dentre outros instrumentos.
Tecnicamente, toda vez que se converte vibração acústica em ondas elétricas um sistema
eletromecânico é produzido. Um violão com captação piezoelétrica, portanto, constitui um sistema
eletromecânico, já que o sinal elétrico de áudio convertido a partir do som acústico do violão pode
ser processado e amplificado.

Instrumentos eletrônicos analógicos

Um instrumento eletrônico é diferente de um instrumento eletromecânico na medida em que a


fonte de energia sonora não provém de um sistema mecânico (como a corda do violão). Os
instrumentos musicais eletrônicos são compostos por um sistema de controle e um circuito gerador
de som. Nestes instrumentos é a energia elétrica que é diretamente modelada para produzir as
frequências e timbres resultantes. A fonte de energia pode ser um alimentador conectado a uma
tomada elétrica ou uma bateria. As ondas elétricas geradas em um sintetizador eletrônico de som
são, ao final do processo, amplificadas e convertidas em ondas acústicas por meio de um sistema de
autofalantes. Isto nos permite escutar a energia gerada e modelada no interior dos circuitos
eletrônicos como som.

Nos sistemas eletrônicos analógicos, os sinais de ondas são análogos ao formato acústico. Isto
quer dizer que as ondas geradas em um sintetizador eletrônico analógico podem ser irradiadas por
meio de autofalantes diretamente, sem a necessidade de haver conversão digital-analógica.

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Instrumentos eletrônicos digitais

Num instrumento digital, o sinal analógico é convertido em sinal digital e vice-versa, por
meio de microprocessador (DSP – Digital Signal Processor). Os sistemas digitais trabalham com
amostras de sinais, que podem variar de acordo com a resolução do sistema. Usualmente se trabalha
com 44.100 valores de amplitude por segundo para se representar as variações de pressão, sendo
que alguns sistemas atuais permitem uma taxa de amostragem ainda maior. Em outras palavras, os
sistemas digitais convertem os sinais analógicos em quantidades de amostras numéricas por
intervalo de tempo, sendo que a quantidade de amostras por segundo é o que determina o nível de
resolução do som. Na maioria das vezes, entretanto, um sistema digital possui também componentes
analógicos combinados.

Os instrumentos musicais digitais podem ter um software rodando em uma máquina como um
computador, um tablet ou um smartphone. Para se comunicarem com o software, os dispositivos de
controle musical utilizam protocolos de comunicação, que são linguagens de computação que
enviam e recebem informações, geralmente relacionadas a parâmetros sonoros de diversos tipos. A
interface de controle pode variar, podendo ser um mouse, um teclado musical ou mesmo um sensor
que captura informações do corpo ou do meio.

Síntese e amostragem

Podemos observar os instrumentos eletrônicos quanto ao processo gerador de som. Os


instrumentos eletrônicos, analógicos e digitais, podem emitir som através de dois princípios de
geração: a síntese e a amostragem (sample).

A síntese sonora constitui a técnica de geração, modelagem e conversão de energia elétrica em


som. Nesta técnica, o som irradiado nos autofalantes foi sintetizado no interior de um circuito
eletrônico usado para este objetivo.

De modo diferente, a técnica de amostragem trabalha com a armazenagem de sons gravados


de qualquer fonte, que são executados por um dispositivo eletrônico. A amostra de som armazenada
pode passar por processamento de diversos tipos, podendo ser modulada, executada de forma mais
lenta ou mais veloz, do início para o fim ou do fim para o início, em fragmentos, em loops, etc.
estas diferentes técnicas possibilitam resultados sonoros muito diversos. O processo denominado de
síntese granular, por exemplo, realizado a partir de amostras de áudio armazenadas, consiste em
oscilar um pequeno fragmento de áudio para gerar um timbre resultante.

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Processamento

Muitos equipamentos eletrônicos são usados para processar o sinal de um sintetizador ou


instrumento eletromecânico cujo som foi captado por uma entrada de áudio. O processamento
consiste em modelar o som original por meio de diversas ferramentas, tais como filtros,
reverberações, atrasos, modulações, controle de frequência, dentre outras diversas técnicas. A
modulação pode alterar completamente a fonte sonora, de modo que ela não encontre mais
correspondência com a origem, ou seja, ela não mantém continuidade com a fonte. Esta
possibilidade lança o músico diretamente ao encontro do som como matéria prima de seu trabalho.

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Parte 3: Outros modos de escutar

A música eletroacústica e os desdobramentos para a escuta

Música eletroacústica é a música realizada por meio de diversas técnicas de manipulação de


áudio em equipamentos eletrônicos de diversos tipos, surgida nos anos 50 a partir da música
eletrônica e da música concreta. Já no final do século XIX, uma grande reviravolta da teoria musical
demarca a diluição do sistema tonal, fazendo com que diversos compositores busquem desenvolver
novas formas de organização dos sons. Com o surgimento dos sistemas de gravação, reprodução e
manipulação de áudio, o início do século XX é marcado por uma grande transformação dos modos
de escuta, que pela primeira vez na história das civilizações, puderam ser realizados por mediação
tecnológica. Sons de todos os tipos poderiam, a partir deste momento, serem registrados e ouvidos
na ausência da fonte sonora original.

Os primeiros instrumentos eletrônicos surgiram na virada do século XIX para o século XX,
com destaque para o Telharmonium, criado por Thaddeus Cahill em 1897 e o Teremim, criado por
Lev Sergeyevich Termen, por volta do ano de 1920. Um pouco antes da invenção do Teremim, em
1913, o italiano Luigi Russolo havia lançado seu manifesto "A arte dos ruídos", cujo propósito foi
questionar e propor a expansão do sistema de 12 notas para um sistema musical mais amplo, em que
a vasta gama de sons pudesse ser utilizada em obras musicais. Russolo, influenciado pela mudança
na paisagem sonora das grandes cidades, agora ocupadas por máquinas e fábricas de diversos tipos,
é o primeiro teórico do século XX a questionar os limites da escuta musical por notas e revelar o
ruído como material composicional. Sua proposta foi concretizada por meio da criação de diversos
instrumentos musicais "fazedores de ruídos", os intonarumori, os quais Russolo utilizou largamente
em sua obra musical.

A primeira metade do século XX é marcada por diversas obras que inauguraram o uso de sons
eletrônicos complexos. Neste período, não havia ainda a fita magnética disponível em um sistema
portátil, e muitos compositores utilizaram tocadores de disco para gerar sonoridades a partir de sons
gravados, além de instrumentos eletrônicos que proporcionaram a síntese de sons totalmente
diferentes daqueles gerados nos instrumentos mecânicos-acústicos. A possibilidade de execução de
sons em baixa e alta rotação, em fragmentos e loops, logo chamou a atenção sobre as novas
possibilidades de geração de sonoridades, evidenciando que a música passava por uma grande
transformação, tanto devido à possibilidade de fixação e reprodução dos sons, como pela
possibilidade de manipulação destes sons em composições.

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No entanto, é no final dos anos 40 que a redução dos equipamentos de fita magnética irá
possibilitar uma expansão do uso de amostras sonoras em composições musicais. Nos anos 50, uma
segunda onda de transformações atinge a música, e as discussões evidenciam cada vez mais a
necessidade de construção de novas teorias musicais. Nos anos 60 e 70, instrumentos eletrônicos,
fitas magnéticas e instrumentos acústicos passam a ser reunidos em obras híbridas, evidenciando a
possibilidade de fusão de tecnologias e sonoridades. É também nos anos 60 que os primeiros
recursos computacionais são utilizados em obras musicais.

A partir dos anos 80 e 90, observa-se o aumento do uso de computadores como instrumento
de geração e manipulação de áudio. Com a popularização e incremento da capacidade e velocidade
de realização de cálculos, os microcomputadores tornaram-se a partir do século XXI, instrumento
imprescindível no trabalho musical.

Pode-se avaliar que o advento de recursos eletrônicos e o surgimento da música eletroacústica


proporcionou uma revisão geral da teoria musical, fazendo emergir novas formas de escuta e
técnicas composicionais. Entretanto, a ampliação do campo de escuta trazido pela música
eletroacústica não irá se limitar apenas a este gênero, na medida em que irá influenciar toda a teoria
musical, fazendo emergir novas formas de se pensar e extrair sonoridades mesmo nos instrumentos
acústicos.

Um ponto marcante de toda esta discussão é o fato de a música contemporânea ter aberto os
ouvidos para os sons em geral, rompendo, deste modo, com a hierarquia dos componentes musicais,
antes mais focados no sistema de notas temperadas e escalas, assim como na organização
matematicamente simétrica dos componentes rítmicos. Para a escuta contemporânea, todo e
qualquer som pode ser utilizado musicalmente, mas para isto, deve passar por algum tipo de método
de organização.

A expansão do sistema musical e o surgimento dos equipamentos eletrônicos colocaram


novos paradigmas para os instrumentos musicais. Algumas perguntas se fazem presentes, tendo em
vista que a música eletroacústica utiliza recursos eletrônicos para manipular sons gravados a partir
de diversas fontes. Neste sentido, alguém poderá questionar se os gravadores de fita magnética e os
computadores poderiam ser entendidos como instrumentos musicais. A resposta para esta questão
não pode ocorrer sem que para isto se tenha em mente que há uma grande diferença entre os
sistemas eletrônicos e os sistemas acústicos.

Esta diferença se faz pela premissa de que os instrumentos eletrônicos não possuem
permanência instrumental, ou seja, os sons gerados em um instrumento eletrônico não possuem

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características intrínsecas como o som gerado nos instrumentos acústicos. Isto porque nos
instrumentos musicais acústicos, o timbre resulta diretamente de sua conformação física,
diretamente relacionada à sua estrutura. Já nos instrumentos eletrônicos, os parâmetros sonoros
podem ser alterados e modificados, sendo esta sua principal característica. Um instrumento
eletrônico pode simular ou sintetizar sons, de modo que não há como manter uma identificação
precisa de sua sonoridade. Um teclado eletrônico poderá executar diversos tipos de sons, inclusive a
partir de amostras gravadas de instrumentos acústicos. Esta variabilidade dos sistemas eletrônicos
faz com que o instrumento eletrônico se comporte como um sistema expansível.

Objetos em nova função

Os desdobramentos da ampliação do campo de escuta musical levaram, já na primeira metade


do século XX, ao uso de objetos cotidianos como recursos sonoros em composições musicais.
Muitas obras incorporaram objetos cotidianos selecionados por sua sonoridade, ampliando ainda
mais a questão acerca "do que é um instrumento musical". Um exemplo deste tipo de procedimento
são algumas obras de John Cage que utilizam eletrodomésticos e objetos diversos. Em 1960, Cage
realizou sua performance "Water Walk"1 no programa de televisão “I‘ve got a secret”, utilizando
uma banheira com água, gelo, aparelhos de rádio, um piano, uma panela de pressão, garrafas, jarros,
um liquidificador, dentre outros objetos. Esta composição de Cage é um bom exemplo de uso de
sonoridades diversas que não necessariamente foram geradas em equipamentos eletrônicos de
áudio.

O que está por detrás deste procedimento é revelar a ideia de que objetos em nova função
podem ser incorporados à prática musical a partir da ideia de que todos os sons podem ser utilizados
dentro de uma unidade musical. A expansão do campo de escuta musical, proporcionada
inicialmente sob forte influencia dos recursos eletrônicos, aparece neste tipo de procedimento ainda
mais ampliada. O gesto sonoro aparece aqui como pivô na geração de sons, já que ruídos e texturas
de todos os tipos podem ser gerados por meio da realização de gestos específicos nos objetos
cotidianos. O que Cage demonstra é que a expansão do campo de escuta não está necessariamente
atrelada aos equipamentos eletrônicos e à manipulação eletrônica do áudio, mas à percepção e ao
gesto sonoro colocando, deste modo, o corpo no centro de produção. Por meio do uso de objetos
diversos e gestos sonoros específicos, é possível gerar sonoridades muito semelhantes às geradas
em equipamentos eletrônicos.
1A performance pode ser assistida em: https://www.youtube.com/watch?v=SSulycqZH-U .

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Entretanto, estes procedimentos podem ser fundidos. O compositor americano David Tudor,
por exemplo, utilizou em sua obra Rainforest diversos objetos, cujas vibrações e ressonâncias foram
captadas por microfones de contato, e posteriormente processadas por dispositivos de som, gerando
assim timbres bem diferentes daqueles produzidos pelos instrumentos tradicionais. A ressonância
destes objetos somente pode ser escutada a partir do uso de recursos eletrônicos, revelando assim
qualidades sonoras antes não perceptíveis pelos "ouvidos nus".

Luteria experimental

O desdobramento lógico destes processos é a ideia de que podemos reunir materiais e objetos
cotidianos diversos, incrementando por meio de combinações, as possibilidades de geração de
sonoridades. Este processo artesanal de construção de recursos produtores de som se tornou cada
vez mais presentes na prática musical, e a exploração, adaptação e organização de materiais em
nova função, aliada à compreensão de fundamentos acústicos essenciais, podem ser de grande
utilidade na criação de instrumentos musicais não convencionais que, no entanto, podem gerar
sonoridades interessantes.

A luteria experimental é o campo por onde estas ideias se desdobram. Sendo a matéria prima
da música o som, o processo composicional se inicia na criação dos recursos sonoros, e muitas
vezes, inclui a percepção de que a música trava um diálogo contínuo com outras áreas de
conhecimento, como a acústica e a eletrônica. Esta reunião de áreas de conhecimento proporciona
uma visão mais ampla das noções de instrumento musical, som e música.

Sob o ponto de vista pedagógico, o processo de criação de instrumentos musicais a partir de


materiais não convencionais coopera no estudo e compreensão do funcionamento de todos os
instrumentos musicais, considerando ainda que a partir de pequenas experiências é possível
alcançar excelentes resultados sonoros. Esta prática se torna ainda mais interessante no momento
histórico atual, na medida em que coloca estudantes de música como produtores de seus próprios
recursos sonoros, evidenciando a prática criativa e artesanal.

Na sociedade de consumo atual, a exploração, descoberta e realização dos próprios


instrumentos musicais, a partir da escuta ampliada dos sons, torna-se um recurso pedagógico que
reuni conhecimentos e experiências de diversos tipos, proporcionando uma visão ampla, não
somente da música, mas também das relações humanas travadas em coletivo. Este tipo de prática
revigora o processo criativo artesanal, aproximando a escuta, a composição e a criação de recursos
do universo sonoro e material dos ambientes envolventes.

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Atuando por meio desta metodologia, o estudante de música pode exercitar o aprendizado no
interior de uma prática coletiva e criativa voltada diretamente para a escuta dos sons que nos
rodeiam, assim como que para os sons que podem ser gerados criativamente a partir da reunião de
conhecimentos sobre o tema. O meio se torna recurso e o sujeito pode se colocar como agente de
produção e transformação do próprio ambiente que habita.

Bibliografia

• IAZZETTA, Fernando – Música e mediação tecnológica. São Paulo. Ed. Perspectiva.


Fapesp. 2009.
• HENRIQUE, Luís L. - Acústica Musical; Fundação Calouste Gulbenkian; Lisboa; Portugal;
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HENRIQUE, Luís L. - Instrumentos musicais. 3 ed. Lisboa, Portugal: Fundação Calouste
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• KOELLREUTTER, H. J. – Educação Musical, cadernos de estudo. Atravez Associação
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1988.
• SCHAFER, Murray - A afinação do mundo. São Paulo. Fundação editora da Unesp. 2001.
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• SCHWARTZ, E.; GODFREY, D. – Music since 1945: issues, materials and literature.
USA. Schirmer Books. 1992.

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Introdução ao estudo dos instrumentos musicais: aspectos teóricos e classificação
Autor: Eduardo Nespoli

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