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de-alice-no-pais-das-maravilhas

Os 150 anos de Alice no País das


Maravilhas
Saiba mais sobre obra mais conhecida de Lewis Carroll, de difícil definição e
marcada pelo nonsense

Em julho de 2015, Alice no País das Maravilhas completa 150 anos de publicação.
Professor de matemática, gago e tímido, o autor Lewis Carroll deixou uma obra de
difícil definição, que conquistou um lugar privilegiado no imaginário de várias
gerações, com a fantasia e o nonsense como suas principais marcas. Alice, em
particular, apesar de um século e meio de idade, continua uma menina. É um
símbolo importante de nossos tempos, objeto de inúmeros estudos, adaptações
literárias e, mais recentemente, versões para o cinema.

Pseudônimo do reverendo Charles Lutwidge Dodgson, Lewis Carroll nasceu em


1832. Por quase meio século, trabalhou e residiu em Christ Church, uma das
faculdades da universidade inglesa de Oxford, e por muitos anos foi professor de
Matemática. No entanto, não fazia muito sucesso entre os alunos (suas aulas eram
consideradas maçantes) e não deixou nenhuma contribuição significativa para a
área da matemática. Por toda a obra de Carroll, porém, percebe-se o seu lado
lógico, tanto no enorme interesse cultivado pelos jogos, enigmas e paradoxos,
como no prazer com que desmonta raciocínios e linguagens estabelecidas.

Carroll tinha talento para contar histórias, mas, introvertido, sentia-se mais à
vontade com as crianças. Declarou, certa vez, numa fórmula bem carrolliana:
“Gosto de crianças, exceto meninos”. Escreveu Alice durante uma viagem de
barco pelo Tâmisa, entre Oxford e a aldeia de Godstow, em 1862. Faziam parte da
comitiva o reverendo Robinson Duckworth e as três filhas do seu amigo (e diretor
da faculdade Christ Church) Harry Liddell: Edith (8 anos), Alice (10 anos) e Lorina
(13 anos). Para entreter as meninas durante a viagem, Carroll inventou um mundo
de fantasia cheio de personagens excepcionais e nomeou sua protagonista de
Alice. A menina Alice teria gostado tanto da história que pediu a Carroll que a
colocasse no papel e, assim, surgiu o manuscrito de As Aventuras Subterrâneas
de Alice (Alice’s Adventures Under Ground).

O manuscrito de Alice chegou às mãos do autor escocês George MacDonald,


pioneiro na literatura de fantasia e ídolo de Carroll, que o leu para seus próprios
filhos. Todos, sem exceção, vibraram com a história. Estimulado, Caroll revisou o
manuscrito, incluindo a cena do Chapeleiro Louco e o personagem do Gato de
Cheshire. Apresentou-o em seguida para publicação com um tamanho duas vezes
maior que o originalmente enviado a Alice Liddell. Assim, em 1865, foi lançado
Alice no País das Maravilhas.

Em 1871, Carroll publicou a continuação das histórias de Alice em Através do


Espelho e o Que Alice Encontrou Por Lá. Além dos livros mais conhecidos,
escreveu também poemas, contos e o extenso romance em duas partes Sílvia e
Bruno (1889-1893), misturando real e fantasia.

Alice no País das Maravilhas não é propriamente um conto de fadas, os quais têm
origem na tradição oral e, geralmente, carregam um conteúdo moral. Tampouco é
uma obra surrealista, pois o absurdo lida com valores humanos. O livro de Carroll
se situa no campo da lógica. Mas o problema lógico do raciocínio em Carroll
muitas vezes se subordina ao problema semântico. Carroll questionava
poeticamente, por meio do nonsense, os jogos de palavra e sentido, assim como
os paradoxos.

Então, vamos às aventuras – “porque explicações sempre levam um tempo


medonho”. No início do livro, a menina Alice está sentada numa ribanceira, ao lado
de sua irmã mais velha, a qual lê um livro para adultos. Alice, inclusive, pensa: “E
de que serve um livro sem figuras nem diálogos?” Nesse momento, ela vê passar
um Coelho Branco de colete e relógio de bolso, que olha as horas e exclama: “Por
minhas orelhas e meus bigodes, como está ficando tarde!” Curiosa, mas não
espantada, Alice segue o Coelho Branco e cai pelo buraco de sua toca. A partir
daí, embarcamos junto com ela num mundo subterrâneo de fantasia – o País das
Maravilhas (Wonderland, no original em inglês). No entanto, essa não é uma
história qualquer. No mundo de Alice, “quase nada é realmente impossível”.

Para entrar no País das Maravilhas, Alice precisa mudar de tamanho. O problema
do tamanho é uma constante em Alice: ela cresce e diminui diversas vezes ao
longo do livro, seja porque tomou de uma garrafinha, comeu um pedaço de bolo ou
de cogumelo. E parece nunca ter o tamanho apropriado: quando precisa passar
pela porta está grande demais, quando necessita alcançar a chave em cima da
mesa, está muito pequena. No meio da história, Alice tem acesso ao cogumelo da
Lagarta, que de um lado faz crescer e do outro, diminuir. E, assim, passa a
controlar seu tamanho como lhe convém.

Ao mesmo tempo, são justamente as mudanças de tamanho que permitem os


encontros da protagonista com tantos seres que, de outra forma, não estariam ao
seu alcance. A conversa com uma Lagarta, por exemplo, só é possível porque
Alice estava, então, com o tamanho do inseto fumador de narguilé, que lhe
pergunta sorumbaticamente:
“Quem é você?”

“Eu... eu... nem eu mesma sei, senhora, nesse momento... eu... enfim, sei quem eu
era, quando me levantei hoje de manhã, mas acho que já me transformei várias
vezes desde então.”

(Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, 1980, pág. 69)

Esta é outra questão que se repete ao longo do livro: a identidade de Alice. Tantas
coisas estranhas acontecem a sua volta que a menina passa a duvidar de si
mesma e se pergunta: será que o mundo mudou, ou fui eu? E, para ter certeza de
que continua a mesma, Alice tenta se lembrar do que costumava saber: a tabuada,
as capitais... mas não acerta em nada. Ao recitar um poema conhecido de cor,
para seu espanto, as palavras saídas de sua boca recitam outra poesia. Em outro
momento, a Pomba confunde uma Alice muito comprida com uma serpente,
porque, além disso, Alice gosta de comer ovos, e todas as serpentes comem ovos.
Segundo Gilles Deleuze, filósofo francês, a perda do nome próprio é a aventura
que se repete em todas as aventuras de Alice. A incerteza sobre si mesmo está
ligada aos acontecimentos exteriores e o que se passa.

Sucedem-se os personagens, um mais surpreendente do que o outro: o Coelho


Branco sempre apressado, a Lagarta que fuma narguilé, o Gato cujo sorriso paira
sozinho no espaço, o Chapeleiro e a Lebre de Março, ambos loucos assumidos,
uma corte de cartas de baralho cuja Rainha encolerizada manda cortar as cabeças
ao menor deslize, a Duquesa que adora achar moral em tudo e constrói frases
complicadíssimas...

A história segue repleta de desentendimentos e mal-entendidos entre Alice e os


outros personagens. Aliás, Alice acredita que eles se ofendem facilmente, apesar
de também se sentir insultada em algumas ocasiões. Ela é repreendida diversas
vezes: não devia se sentar sem ser convidada, devia cortar o cabelo, devia ter
vergonha de fazer uma pergunta tão boba... Os personagens parecem não se
preocupar muito com os sentimentos uns dos outros: as relações entre eles são
sempre contraditórias e se estabelecem pela dialética.

Numa cena emblemática, o Chapeleiro, a Lebre de Março e o Caxinguelê tomam


chá amontoados no canto de uma mesa bastante espaçosa, com várias cadeiras
vazias, mas juram que não há lugar para mais ninguém. Alice senta-se à mesa
assim mesmo, e eles acham por bem serem mal-educados com ela também. É
que Alice não está respeitando a lógica que vigora ali – pois não deixa de haver
uma lógica por detrás até da maluquice. O Chapeleiro teve uma briga com o tempo
e o seu relógio parou às 6 da tarde, hora do chá. E como não deixa nunca de ser
seis da tarde, a toda hora é sempre hora do chá, e eles estão fadados a rodar em
volta da mesa, em eterno recomeço, até conseguirem consertar o relógio. A
discussão entre Alice e o Chapeleiro sobre o tempo é muito instigante para se
tratar em sala de aula. Aqui segue um trecho:

“Atrevo-me a dizer que você nunca chegou a falar com o Tempo!”, disse o
Chapeleiro. “Por exemplo, suponha que fossem nove horas da manhã, hora de
estudar as lições; bastaria um cochicho com o Tempo, e o relógio giraria num
piscar de olhos! Uma e meia, hora do almoço!”

“Seria formidável, sem dúvida”, disse Alice, pensativa. “Mas nesse caso eu não
estaria com fome, não é?”

“Não a princípio, talvez”, disse o Chapeleiro; “mas você poderia mantê-lo em uma
e meia até quando quisesse.”
(Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, 2013, pág. 57)

O Gato de Cheshire afirma que todos ali são loucos, inclusive Alice. O que significa
ser louco? Somos todos loucos? Só no País das Maravilhas, ou no nosso mundo
também? O Grifo diz a Alice, com todas as letras, que tudo ali não passa de
fantasia, inclusive os sentimentos, como a tristeza que abate a Falsa Tartaruga.

Mais adiante na história, Alice é chamada a prestar depoimento diante da corte, no


julgamento do roubo das tortas. Diante de tantas arbitrariedades e desmandos do
Rei e da Rainha, porém, já não pode conter sua indignação e tudo se encaminha
para o limite. Ao mesmo tempo, durante o julgamento, Alice aumenta de tamanho
até o ponto em que o baralho de cartas adquire sua proporção normal e a menina
consegue se distanciar de tudo aquilo, vendo ali apenas um baralho de cartas.
Nesse momento, acorda novamente no campo, ao lado da irmã, e lhe conta todas
as aventuras que sonhou. Em seguida volta para casa, pois é hora do chá.
Enquanto isso, a irmã permanece na ribanceira, fecha os olhos e sonha com o
sonho de Alice. Quando o vento sopra, ela pode ouvir o Coelho Branco correr
apressado, ouve o tilintar das xícaras de chá do Chapeleiro no tinido dos sinos dos
carneiros pastando, os gritos estridentes da Rainha na voz do pastor e os soluços
da Falsa Tartaruga no mugir do gado. Esses e tantos outros sons e ruídos do
sonho estavam presentes nos confusos rumores do campo.

Julia Teitelroit Martins é doutoranda em Literatura e Cultura pela PUC-Rio,


Mestre em Letras (PUC-Rio) e Cineasta

Saiba Mais
A obra de Lewis Carroll foi objeto de inúmeras releituras e adaptações. É
importante escolher uma que seja compatível com a faixa etária dos alunos.

Livros

Alice – Aventuras de Alice no país das maravilhas & Através do espelho, de Lewis
Carroll. Edição comentada e ilustrada: Martin Gardner; ilustrações originais: John
Tenniel; tradução: Maria Luiza X. de A. Borges, Zahar, 2013.

Alice – Aventuras de Alice no país das maravilhas & Através do espelho, de Lewis
Carroll. Edição integral ilustrada, de Nicolau Sevcenko; ilustrações: Luiz Zerbini.
Cosac Naify, 2009.

Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll. Edição integral de Sebastião


Uchoa Leite, Summus, 1980.

Alice no país das Maravilhas, de Lewis Caroll. Versão integral para crianças.
Tradução de Ana Maria Machado. Ática, 1997

The Magic of Lewis Carroll, de John Fisher,1973.

The Field of Nonsense, de Elizabeth Swell, 1952.

Filmes

As versões do livro para filme tem, no geral, o enredo bastante reduzido, ou


combinam episódios dos dois livros de Alice.
Alice no país das maravilhas, Estúdios Disney, 1951.

Alice no páis das maravilhas, Estúdios Disney, Tim Burton, 2010.

Neco z Alenky, por Jan Svankmajer, da Tchecoslováquia, 1988.

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