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Ecologi@ 6: 50-62 (2012) Artigos Científicos

O conceito de Resiliência no contexto dos sistemas


socio-ecológicos
Maria Helena Farrall

mail@helenafarrall.com

Resumo

Este ensaio pretende reflectir sobre o contributo que o conceito de resiliência,


e o corpo teórico a ele associado, pode trazer à busca de estratégias e de
soluções para os grandes problemas que a sociedade enfrenta actualmente.
Este trabalho encontra-se dividido em cinco partes. Numa primeira fase é
introduzido o conceito de resiliência de um sistema na sua multiplicidade de
aspectos, bem como o seu enquadramento à luz da teoria de sistemas e da
teoria da complexiade. Numa segunda parte é apresentada a metateoria da
Panarquia, de Holling. a que se segue um capítulo que aborda dois dos
conceitos associados - o da adaptabilidade e o da transformabilidade dos
sistemas complexos adaptativos. O quarto elemento deste trabalho consiste
numa breve descrição e análise das especificidades da aplicação da teoria da
resiliência aos sistemas humanos. Por fim, numa última fase é discutido em
que medida uma sociedade em crise, como a sociedade de risco, pode manter
a sua identidade no decurso de um processo evolutivo e qual a contribuição da
teoria da resiliência e do pensamento resiliente para esta análise.

Palavras-chave: resiliência; panarquia; sistemas complexos adaptativos;


sistemas socio-ecológicos

1. Resiliência e Sistemas Resilientes sistemas sociais em relação aos recursos e


aos serviços providenciados pelos
Passaram quase quatro décadas desde ecossistemas (Berkes et al., 2003).
que o termo resiliência surgiu como um
conceito distinto de outros conceitos até aí Folke (2006) descreve as raízes do
associados à definição de "estabilidade". conceito de resiliência "na gestão da
Holling, no seu artigo "Resilience and capacidade dos sistemas socio-ecológicos
stability of ecological systems", em 1973, lidarem com a mudança, se adaptarem às
foi o primeiro cientista a definir resiliência alterações e moldarem as modificações".
como "a persistência de relações num Norris et al. (2008), num trabalho de
sistema; uma medida da capacidade dos revisão, lista vinte e uma formas correntes
sistemas em absorver alterações das suas de interpretar resiliência, utilizadas desde
variáveis de estado, das suas variáveis o nível do indivíduo ou da comunidade, e
determinantes e dos seus parâmetros, até ao dos sistemas físicos, ecológicos e
continuando a perdurar no tempo". sociais. A maioria das definições dão
ênfase à capacidade do sistema se
O conceito de resiliência apresenta adaptar com sucesso a situações de
atualmente uma grande variedade de perturbação, de stress ou de adversidade.
definições, provenientes de um vasto
corpo de disciplinas, mas todas as noções A resiliência tem sido igualmente
derivam, na sua essência, de um corpo abordada em termos da ênfase atribuída a
teórico baseado na teoria de sistemas e na duas características distintas da
teoria da complexidade. A sua aplicação estabilidade de um sistema:
estende-se a numerosas áreas - da
Ecologia à Inovação Social - mas tem sido • a estabilidade do sistema na
particularmente frutífera no domínio dos vizinhança do ponto de equilíbrio;
sistemas socio-ecológicos, i.e. sistemas neste contexto, a resiliência é
ecológicos fortemente influenciados pelas definida como o tempo necessário
atividades humanas em que se regista para um sistema regressar a um
uma não menos forte dependência dos estado de equilíbrio após uma

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perturbação (de entre os reorganização da rede à escala micro - em


defensores desta visão destacam- resposta à alteração das condições do
se deAngelis, 1980; Pimm, 1984; sistema - aumenta a probabilidade da
Tilman e Downing, 1994; Lugo et persistência do sistema considerado no
al., 2002); seu todo (escala macro) (Mitleton-Kelly,
• as condições longe de qualquer 2003).
ponto de equilíbrio, onde a
instabilidade pode deslocar o Na perspetiva da dinâmica de sistemas e
sistema para outra região aprofundando o conceito de "resiliência
controlada por um conjunto como capacidade do sistema", Gotts
distinto de variáveis e (2007) defende que a estrutura de um
caracterizada por uma arquitetura sistema resiliente pode ser caracterizada
sistémica diferente (nesta linha por quatros aspetos: [1] regimes
destacam-se Holling, 2001; múltiplos meta estáveis - em lugar de um
Gunderson, 2000; Holling e único ponto de equilíbrio, os sistemas
Gunderson, 2002; Walker et al., resilientes apresentam múltiplos pontos de
2004). equilíbrio; [2] ocorrências de episódios de
mudança – os sistemas com regimes
Gunderson (2000), distingue entre múltiplos meta estáveis podem alternar
resilência de engenharia ("engineering rapidamente entre estados logo que os
reslience") e resiliência ecológica respetivos limiares críticos sejam
("ecological resilience"): a primeira ultrapassados; [3] resiliência sensuHolling
permite a um sistema, após uma e Gunderson (2002:28), i.e. “(...) a
perturbação, retornar a um estado ou a magnitude da perturbação que pode ser
uma função pré-designado; a segunda, absorvida antes dos sistemas modificarem
assume a possível coexistência de a sua estrutura devido à alteração das
múltiplos estados de equilíbrio num variáveis e dos processos que controlam o
mesmo sistema, considerando que a seu comportamento"; [4] multiplicidade
velocidade de retorno deste ao seu estado de escalas e de interações entre elas - os
inicial de equilíbrio é apenas uma das sistemas ecológicos e os sistemas sócio
formas de avaliar um sistema em termos ecológicos formam uma estrutura multi-
da sua resiliência. hierárquica, dependente da escala e por
ela interligada (Holling et al., 2002)
De acordo com Norris et al. (2008) e no
que respeita à conceptualização da Por outro lado, Bruneau et al. (2003)
definição de resiliência, parece existir um consideram que os sistemas resilientes
consenso entre especialistas sobre dois apresentam quatro características chave,
aspetos importantes: designadas como os quatro Rs: [1]
Robustez, i.e. a capacidade de suportar
• a resiliência é mais uma condições de stress sem sofrer
"capacidade" ou um "processo" do degradação; neste sentido, uma
que um "resultado"; estratégia robusta barra ou contractua
• a resiliência está mais associada à uma vasto leque de perigos, mas é frágil
adaptabilidade do que à se funciona apenas para um reduzido
estabilidade. número de cenários; [2]
Redundância, i.e. a extensão da
Os sistemas resilientes têm sido possibilidade de substituição de elementos
associados a um género especial de constituintes do sistema face a eventos
sistemas complexos - os sistemas críticos disruptores ou a fenómenos de
adaptativos complexos. Estes sistemas degradação - relacionada com a
dissipativos sensu Prigogine (1984) redundância está a condição de
caracterizam-se por: [1] terem um diversidade; [3] Rapidez, ou seja, a
comportamento muito especial, "entre a capacidade de atingir metas/objetivos
ordem e o caos"; [2] apresentarem uma num período de tempo adequado por
capacidade de auto-organização derivada forma a conter perdas e evitar crises; [4]
da rede dinâmica de interações - relações Capacidade mobilizadora
de retroalimentação positivas e negativas ("Resourcefulness"), a capacidade em
- entre os elementos que compõem as identificar problemas e mobilizar recursos
designadas microestruturas (por exemplo, face a condições que ameaçam o sistema.
indivíduos) e entre estes e a
macroestrutura de que fazem parte. A Aplicando o conceito de resiliência aos
emergência de um novo comportamento sistemas socioeconómicos, Buckle et al.
do sistema como resultado da (2000) definem um sistema resiliente
como apresentando um conjunto de

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qualidades de pessoas, comunidades, 2003). No centro da teoria da resiliência


agências e infraestruturas que reduzem a está o ciclo da adaptação. De acordo com
vulnerabilidade a 3 níveis: Holling (2001), hierarquias e ciclos de
[1] capacidade de prevenir, mitigar perdas adaptação constituem a base dos
e de, caso os danos ocorram; ecossistemas e dos sistemas socio-
[2] manutenção das condições de vida das ecológicos, através das suas várias
populações dentro dos parâmetros escalas. Ciclos de adaptação individuais
considerados normais e estão interligados hierarquicamente no
[3] gestão da recuperação do impacto tempo e no espaço. Estas hierarquias
sofrido. imbricadas podem ter um efeito
estabilizador através da memória do
De acordo com a Estratégia Internacional passado e do distante que, gravada na
para a Redução de Desastres das Nações estrutura do sistema, permite a
Unidas (UN/ISDR, 2004), resiliência é a recuperação deste após a ocorrência de
capacidade de um sistema, comunidade uma mudança. Estas mesmas hierarquias
ou sociedade, potencialmente exposto a podem ser destabilizadoras quando a rede
perigos, se adaptar a esta situação de ligações entre as diversas escalas se
resistindo ou modificando-se por forma a torna demasiado densa e intensa,
atingir e manter um nível aceitável de permitindo que pequenas mudanças
funcionamento e estruturação. Isto é ocorridas a uma escala reduzida possam
determinado pela capacidade de auto- originar crises globais, numa "cascata" de
organização do sistema social e pela efeitos. No seu conjunto, estas hierarquias
aptidão deste em incrementar as suas de ciclos adaptativos formam uma
competências de aprendizagem e "panarquia".
adaptação, incluindo a capacidade de
recuperar de um desastre. Um sistema complexo adaptativo e
dissipativo é caracterizado por três
Todas as definições de resiliência propriedades que moldam o seu ciclo de
anteriormente apresentadas têm por base adaptação e o seu estado futuro: [1] a
o princípio de que a resiliência é uma riqueza do sistema, i.e. a energia nele
propriedade estática do sistema, i.e., de acumulada e que corresponde ao potencial
que o seu valor não varia. disponível para a mudança (este potencial
determina o leque de opções disponíveis
Desde meados de 1990, ecologistas, no futuro e inclui todo o capital ecológico,
economistas, cientistas das áreas das económico, social e cultural acumulado
ciências sociais e matemáticos têm bem como todas as mutações e invenções
trabalhado conjuntamente na elaboração ocorridas mas não expressas no sistema);
de uma teoria da resiliência, no [2] os mecanismos de controlo interno do
desenvolvimento de modelos e aplicações sistema, i.e. o grau e o tipo de ligações
desta teoria e na avaliação de casos de entre as variáveis internas de controlo e
estudo. Esta investigação científica os processos (estas interligações
interdisciplinar continua até aos dias de traduzem-se na maior ou menor
hoje, a cargo de grupos de cientistas e de flexibilidade ou rigidez destes controlos
gestores organizados em redes. Uma que por sua vez determinam a
destas redes, a "Resilience Alliance", dá sensibilidade do sistema a perturbações);
ênfase às propriedades dinâmicas e [3] a resiliência do sistema, uma medida
adaptativas dos sistemas socio-ecológicos da sua capacidade de continuar a
definindo a resiliência como "a capacidade desempenhar as suas funções e de manter
do sistema absorver perturbações, ser a sua identidade face a choques
modificado e depois se auto-organizar inesperados ou imprevistos.
mantendo ainda assim a sua
identidade, i.e. retendo a mesma O ciclo dinâmico de adaptação de um
estrutura básica e modo de sistema vivo, da célula ao bioma, é
funcionamento" (Resilience Alliance, 2013) caracterizado por quatro fases: a da
exploração (r); a da consolidação
2. Panarquia - princípios teóricos organizacional (K); a da libertação (Ω); e
a da reorganização (α). A Figura 1
A teoria da resiliência é um corpo de representa estas fases expressas no
conhecimentos, em expansão, que tenta espaço tridimensional definido pelas três
articular explicações para as origens e o propriedades do sistema anteriormente
papel da "mudança" em sistemas descritas. A trajetória do sistema alterna
adaptativos, em particular o tipo de entre longos períodos de lenta acumulação
mudanças que são promotoras da e transformação de recursos - o designado
evolução dos sistemas (Redman e Kinzig, "frontloop" r e K - e curtos períodos que

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geram oportunidades para a inovação - o inovações, capital acumulado e elementos


"backloop" Ω e α. externos ao sistema são reclassificados e
recombinados, alguns resultando em
Durante a primeira sequência, da novas oportunidades de exploração.
exploração à consolidação, as ligações
entre os elementos e a estabilidade Quando se inclui a dimensão da resiliência
aumentam ao mesmo tempo que se na representação do ciclo de adaptação, é
verifica um aumento de energia possível verificar que esta propriedade
acumulada / capital. Embora este capital varia, expandindo-se ou contraindo-se, ao
seja necessário para o crescimento e longo do ciclo. A resiliência diminui à
maturação do sistema, ele também medida que sistema avança na fase de
representa um aumento do potencial para consolidação (K) e aumenta quando o
o surgimento de outros tipos de sistema e sistema atravessa rapidamente a fase de
de outros futuros. Para um sistema reorganização (α) para dar início a um
socioeconómico, este potencial acumulado novo ciclo. De igual forma, atributos que
poderá derivar das capacidades humanas, conferem resiliência na fase de
das redes sociais e das relações de reorganização podem ser secundários na
confiança recíprocas que se desenvolvem fase de consolidação, enquanto que
de forma incremental e integrada na atributos que determinam a resiliência nas
progressão da fase "r" para "K"; Esta escalas superiores podem ser secundários
transição da fase "r" para a fase "K" nas escalas inferiores (Redman e Kinzig,
maximiza a produção e a acumulação, 2003).
torna-se progressivamente mais
previsível.

À medida que o sistema progride na fase


"K", a ligação entre o capital acumulado, a
estrutura e os processos determinantes do
sistema torna-se cada vez maior,
aumentando a rigidez do controlo do
sistema; eventualmente, o número e
intensidade das ligações que compõem
esta rede excedem um ponto crítico e
qualquer mudança poderá despoletar uma
alteração do sistema. Atingida a fase Ω de
"libertação", o capital acumulado é
dissociado e a organização rígida que o
enquadrava desaparece; esta é uma fase
crítica para o sistema uma vez que pode
ocorrer uma delapidação do capital
existente (natural e/ou social) o que a
suceder vai condicionar a reorganização
do sistema. Holling (2001) menciona Figura 1. Resiliência como a terceira
vários exemplos de colapso de sistemas dimensão do ciclo de adaptação
naturais, económicos e sociais que (Fonte: Gunderson e Holling,
2002 in Holling, 2004)
ilustram a evolução de uma fase "K" para
uma fase "Ω", enquanto que Walker et al.
(2006) refere que a perda excessiva de Nesta perspetiva, a resiliência é uma
qualquer forma de capital na propriedade dinâmica dos sistemas
fase Ω resulta em reconfigurações do adaptativos porquanto as suas
sistema muito estáveis e simultaneamente características se alteram ao longo do
depauperadas, como por exemplo a processo de evolução do próprio sistema,
denominada armadilha da aos seus diversos níveis.
pobreza ("poverty trap").
Existem exceções ao ciclo adaptativo
A passagem da fase Ω de "libertação" para anteriormente descrito. Na realidade, nem
a fase α de "reorganização" é um período todos os sistemas apresentam uma
durante o qual ocorrem numerosas dinâmica "perfeita" e Walker et al. (2006)
recombinações, por exemplo de descrevem quatro situações de sequências
conhecimento e/ou de experiência, alternativas às quatro fases do processo
conducentes às inovações que marcam o de transição.
início do ciclo seguinte "r". Esta é uma
transição marcada pela incerteza e pela
impredictabilidade - todas as mutações,

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A Teoria da Panarquia descreve de que Uma vez que os sistemas dinâmicos estão
forma um sistema pode inventar e em permanente mudança, o conceito de
experimentar, criando oportunidades, ao resiliência inclui também uma capacidade
mesmo tempo que mantem a estabilidade de aprendizagem e de adaptação que
e a capacidade de absorver processos envolvem uma complexidade
destabilizadores. Um sistema panárquico é organizacional crescente - daqui resulta
simultaneamente conservador e criativo um segundo paradoxo, uma vez que o
(Figura 2): recurso a um aumento da complexidade
para ultrapassar um problema, no curto
• cada nível do sistema associado a prazo, pode impossibilitar a sua resolução
uma determinada escala no longo prazo (Redman e Kinzig, 2003).
temporal/espacial/organizacional Estes são apenas dois dos aparentes
que opera a uma velocidade paradoxos inerentes à teoria da resiliência
própria, determinada pela uma vez que os aspetos que contribuem
proteção dos ciclos, lentos e para a resiliência de um sistema
largos, dos níveis superiores e dependem das escalas temporal, espacial
pelo estímulo dado pelos ciclos de e organizacional em causa, bem como da
inovação, rápidos e pequenos, dos fase do ciclo de adaptação em que o
níveis inferiores; sistema se encontra.
• ciclos pequenos e rápidos podem
afetar ciclos mais largos e lentos, 3. Resiliência, Adaptabilidade e
determinando a sua libertação Transformabilidade
(revolta) da mesma forma que
ciclos mais largos e lentos podem Na medida em que as componentes de um
controlar a reorganização de ciclos sistema podem sofrer alterações e
mais pequenos e rápidos interagir a diferentes escalas temporais,
(memória). diversos autores descrevem os limiares
críticos de mudança do sistema e as suas
configurações alternativas em termos de
variáveis de controle "lentas" e de
variáveis de estado "rápidas". Ao nível dos
ecossistemas, as reservas de nutrientes,
as propriedades de um solo e a
diversidade biológica são exemplos de
variáveis "lentas" - caracterizadas por
uma baixa velocidade ou uma reduzida
probabilidade de mudança. Neste caso, se
a estrutura do sistema é definida pelas
variáveis "lentas", a dinâmica desse
mesmo sistema resulta da interação entre
as variáveis de estado que, por sua vez,
respondem às condições criadas pelas
variáveis "lentas" (Folke et al. 2004 ).
Diferente dos sistemas naturais, nos
sistemas sociais as variáveis de controle
podem ser "lentas", como a cultura (no
sentido antropológico do termo), ou
caracterizarem-se por mudanças rápidas,
Figura 2. Representação das ligações críticas
entre os três níveis de um sistema panárquico como a tecnologia (Walker et al., 2006).
(Fonte: Gunderson e Holling,
2002 in Holling, 2004) As relações entre as variáveis de controle
e as variáveis de estado são não-lineares.
Quando ultrapassado o limiar crítico de
Um dos paradoxos associados ao conceito
uma variável "lenta", os efeitos registados
de resiliência, enquanto propriedade dos
ao nível das variáveis de estado são
sistemas dinâmicos adaptativos, reside no
ampliados, implicando a alteração das
facto de um sistema mais resiliente
relações de retroalimentação entre elas.
implicar maior flexibilidade e portanto um
Isto dá origem a uma conjugação
controlo mais lasso; no entanto, um
alternativa das interações entre variáveis
sistema resiliente é igualmente definido
que define uma nova configuração da
pela sua capacidade em manter a sua
dinâmica do sistema ou mesmo um novo
estrutura e o controlo.
regime (Walker and Meyers, 2004) que
pode ser reversível ou irreversível.

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As variáveis "lentas" são frequentemente Do ponto de vista da dinâmica de


consideradas como externas ao sistema sistemas, a adaptabilidade é uma
na medida em que as escalas temporais a propriedade que permite ao sistema
elas associadas as tornam aparentemente absorver os choques mantendo a sua
pouco relevantes para a dinâmica em estrutura e funcionalidade. Nos sistemas
estudo ou impossibilitam a sua socio-ecológicos tal pode implicar atuar
manipulação. No entanto, a dinâmica por forma a evitar que o sistema
verificada a uma determinada escala é em ultrapasse um limiar crítico ou intervir no
parte definida pelas relações de sentido de alterar a estrutura do próprio
retroalimentação entre as variáveis sistema de maneira a mover esse limiar. A
"rápidas" das escalas espaciais inferiores energia disponível para que esta
("comando bottom-up") e pela reorganização ocorra pode ser demasiado
configuração das variáveis "lentas" de elevada face à disponibilidade e possíveis
controle que resulta das relações de conjugações dos recursos requeridos -
retroalimentação a escalas espaciais capitais natural, social, humano,
superiores ("comando top-down"). O grau económico e financeiro. Neste caso, o
de "externalidade" das variáveis de limiar crítico é ultrapassado e o sistema
controle depende da existência e da sofre uma transformação - surgem novas
intensidade dos processos de variáveis de estado em lugar de outras,
retroalimentação que levam a que a que desaparecem, emergem novas
dinâmica do próprio sistema, à escala em hierarquias de escalas e novas relações
análise, influencie a dinâmica daquelas inter-escalares. Quando ocorre a
variáveis. transformação do sistema, os ciclos
adaptativos são interrompidos e uma nova
A ocorrência de mecanismos de panarquia é iniciada, sendo o processo
retroalimentação e de limiares críticos a irreversível. A transformabilidade de um
diferentes hierarquias de escalas sistema corresponde assim à capacidade
possibilita o que se designa por cascata de de um sistema alterar a sua identidade.
limiares críticos (Kinzig et al., 2006).
Neste caso, o cruzamento de um limiar a A transformação de um sistema socio-
uma dada escala induz o cruzamento de ecológico pode ser forçada - e.g. por
outros limiares críticos conduzindo o alteração das condições ambientais ou das
sistema a regimes alternativos circunstâncias socioeconómicas - ou pode
irreversíveis, de elevada resiliência mas ser intencional. Em ambos os casos, ela
frequentemente não desejados. Em envolve mudanças da configuração das
sistemas socio-ecológicos, ignorar as redes sociais, dos padrões de interação
variáveis "lentas" e as interações entre entre atores - incluindo relações políticas e
escalas e subsistemas pode ter de poder - e das instituições e
consequências gravosas para a sociedade organizações sensu Ostrom (1990).
como o ilustra as situações ocorridas nas Enquanto as transformações planeadas
cidades de Nova Orleães, de Phoenix podem ser iniciadas a pequena escala, de
(Arizona) e da Cidade do Cabo forma sequenciada, visando a modificação
(Ernstson et al., 2010). global do sistema, as transformações não
planeadas ocorrem em geral a escalas
A reconfiguração de um sistema socio- superiores à da escala em foco, fora da
ecológico na sequência do cruzamento de esfera de influência e controle dos atores
um limiar crítico corresponde a uma auto- (Folke et al., 2010).
organização dos elementos que integram
o sistema. Esta reorganização tem por Os conceitos de adaptabilidade e a
base o (re)estabelecimento de ligações transformabilidade têm sido objeto de
entre as componentes, articuladas em alguma confusão na literatura que aborda
redes modulares espácio-temporais. Na a temática da resiliência. Dois fatores têm
realidade, a sequência conexão-quebra- sido apontados como contribuindo para
conexão faz parte de um processo esta situação: [1] a interdisciplinaridade
permanente que caracteriza a dinâmica do processo, em curso, de constituição
dos sistemas complexos adaptativos. O das bases de um corpo teórico associado à
grau de flexibilidade das redes que "resiliência", com a utilização paralela de
compõem estes sistemas determina, em diferentes definições provenientes de
grande parte, a adaptabilidade do sistema áreas científicas distintas; [2] a escala
- a sua capacidade em acomodar / lidar considerada e a perspetiva implícita de
com a mudança, um dos aspetos abordagem. Neste último caso, o que um
fundamentais da resiliência. autor pode designar por
"transformabilidade", a uma dada escala
temporal, outro pode denominar de

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"adaptabilidade" referindo-se a uma A maioria dos sistemas humanos pretende


escala temporal mais alargada; por outro atingir o máximo de eficiência.
lado, a capacidade de transformação que Comportamentos eficientes, tais como a
caracteriza determinados subsistemas das especialização, a diminuição da
escalas inferiores de uma panarquia, redundância e a simplificação das redes de
garante que o sistema, à escala global, conexão, permitem ao sistema produzir
mantenha a sua adaptabilidade. mais a um custo inferior, em termos de
trabalho, materiais e energia, tornando-o
4. A especificidade dos Sistemas mais competitivo, mas eventualmente
Humanos menos resiliente. A eficiência pode
permitir a um sistema criar e acumular
Os sistemas humanos apresentam pelo bens, muito para além das necessidades
menos três características únicas que de consumo, e desta forma possibilitar a
alteram o carácter do sistema panárquico concentração de poder ou o
que integram, bem como a variabilidade armazenamento de capital. Esta
(associada à inovação e experimentação) acumulação de um excesso de bens
dentro do sistema (Holling, 2001): produzidos é uma condição necessária, se
previsão e intencionalidade; tecnologia; bem que não suficiente, para o
comunicação. surgimento de uma sociedade complexa.
Apesar de uma possível diminuição da
A aplicação do modelo do ciclo de resiliência e do desaparecimento pontual
adaptação aos sistemas humanos é de cidades, sociedades e mesmo
substancialmente diferente da aplicação a civilizações, a associação recorrente entre
outros tipos de sistema. Tal resulta do eficiência, complexificação e
facto dos seres humanos serem hierarquização dos sistemas sociais sugere
simultaneamente participantes do que esta é uma estratégia com um nível
processo de mudança e elementos ativos elevado de persistência nos sistemas
que tentam manipular tanto a sua posição humanos. Redman e Kinzig (2003),
na curva de adaptação do sistema como referem exemplos de sociedades que,
as consequências das perturbações do seguindo estratégias consideradas
sistema. Indivíduos ou grupos podem ineficientes eram simultaneamente muito
antever o que julgam ser fases de resilientes tanto ao nível global do sistema
crescimento, de colapso ou de como na perspetiva de vários dos seus
reorganização, e ajustar o seu subsistemas; a introdução de aparentes
comportamento em função dessa ineficiências a curto-prazo permitiam a
expectativa - o que sucede nos mercados mediação de riscos que ameaçavam estas
financeiros, por exemplo. Para Holling sociedades no longo-prazo.
(2001: 401), a previsão e a
intencionalidade podem reduzir ou mesmo Nos sistemas humanos, os níveis
eliminar o comportamento caótico de inferiores de organização nem sempre se
alguns ciclos. De acordo com Redman e caracterizam mudanças rápidas - muitas
Kinzig (2003), as sociedades atuam das entidades associadas a estas escalas,
frequentemente de forma deliberada no como por exemplo núcleos familiares em
sentido de garantir que se mantêm, tanto zonas rurais, atuam de forma
tempo quanto o possível, numa fase de conservadora com tradições
crescimento (r) próximo da fase de profundamente enraizadas que demorarão
consolidação (K); esta faixa é entendida muito tempo a ser alteradas.
como próxima da capacidade de carga do Paralelamente, aos níveis mais elevados
sistema e as sociedades tentam manter a da organização social, supostamente
posição através de um elevada produção e caracterizados por uma grande inércia e
acumulação de capital ou através da pouco suscetíveis à mudança, as
modificação da capacidade de carga alterações podem ocorrer de forma
recorrendo, por exemplo, à tecnologia. abrupta, como a queda de uma dinastia
Como consequência, uma vez que a fase ou uma substituição da administração.
de crescimento requer uma elevada Esta dinâmica pode reverter os ciclos de
disponibilidade de energia, a componente "revolta" e de "memória" associados à
humana tem de permanentemente resiliência do sistema, descritos no
aumentar o seu contributo em esforço de capítulo anterior. Nesta situação, as fortes
trabalho por forma a garantir a resiliência tradições presentes nos níveis sociais de
do sistema, um padrão que Netting (1993) menor escala fornecem um repositório
identifica como repetitivo nas sociedades para muita da informação que poderá ser
humanas. crítica, como "memória", na fase de
transição para um novo ciclo; por outro
lado, a sensibilidade a perturbações

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exibida pelos níveis superiores Os organismos transferem, testam e


hierárquicos do sistema, podem fazer armazenam informação sobre um mundo
deles a fonte de "revolta" na transição em mudança através do código genético.
(Redman e Kinzig, 2003). As A nível dos ecossistemas, estas mesmas
consequências desta inversão da relação ações são concretizadas através da
entre escalas têm implicações não só para formação de padrões auto-organizados
os ciclos de adaptação dos sistemas que se repetem dentro de grupos de
humanos como para as dinâmicas de escalas que formam conjuntos discretos
mudança que ocorrem nos sistemas no espaço e/ou no tempo (Gunderson e
ecológicos a que os primeiros estão Holling, 2001). Estes padrões são o
associados. resultado da interação entre variáveis que,
operando a um dado nível espácio-
Nos sistemas ecológicos a "memória" de temporal, formam entre si um núcleo de
eventos muito distantes, no tempo ou no relações que se reforçam mutuamente.
espaço, contida em combinações
genéticas particulares, é eventualmente Nos sistemas humanos, podem ser
perdida devido ao domínio das pressões encontrados os mesmos padrões auto-
seletivas que atuam no curto prazo e que organizados mas há que igualmente
determinam a estrutura da comunidade. considerar a capacidade de comunicar
Nos sistemas humanos, eventos distantes, ideias e experiências, característica do ser
uma vez integrados na tradição e na humano. Particularmente interessante
cultura, podem continuar a moldar as para a operacionalidade da panarquia dos
respostas e os comportamentos humanos sistemas humanos, é analisar os efeitos
e ter potencialmente a mesma força que da informação transferida entre sistemas
eventos recentes na definição da trajetória que operam a diferentes escalas ou a
do sistema. A associação entre um diferentes níveis de organização: os sinais
passado presente (por exemplo, a "top-down" são veiculados através de leis,
memória de variabilidade ambiental e de decretos, impostos e outras formas de
eventos extremos) e a propensão do ser coerção; os sinais emitidos "bottom-up"
humano em manipular os sistemas, podem ser menos eficiente a chegar ao
resulta na elevada imprevisibilidade dos destinatário, pois esta informação gerada
sistemas humanos, em especial quando às escalas mais pequenas da sociedade
comparados com os sistemas ecológicos. pode ser degradada ou eliminada antes de
A explanação dos sistemas humanos atingir o topo. Esta "seleção" da
requer quase sempre um elevado número informação ao nível administrativo mais
de fatores, incluindo contingências elevado, pode resultar, ou não, de uma
históricas e culturais, que podem ser estratégia desenhada para garantir a
impossíveis de generalizar ou simplificar. continuação ou perpetuação daquele nível
de organização, i.e. de manipulação. Por
A escala de influência do ser humano tem outro lado, pode também significar que
vindo a ser amplificada pela tecnologia e aquelas instituições ao nível mais alto da
engloba atualmente desde o nível organização não dispõem da informação
submicroscópico até ao nível global de que necessitam, proveniente das
(Holling, 2001). Derivado à tecnologia, os escalas menores do sistema. O bloqueio
sistemas humanos estão ligados, direta ou da comunicação entre as diversas escalas
indiretamente, a um número cada vez do sistema pode diminuir a resiliência
mais elevado de sistemas ecológicos, deste, ao reduzir o número e qualidade
afetando as regras e o contexto das das conexões existentes.
panarquias dos dois tipos de sistemas,
bem como a sua mútua interdependência. 5. Resiliência e a Sociedade de Risco
Investigação realizada sobre os sistemas
socio-ecológicos reconhece a tecnologia A individualização engendra inovação e
como tendo uma importante influência na experimentação a vários níveis (e.g.
resiliência. Dependendo do contexto, esta cultural, social. económico, político); esta
influência pode ser positiva ou negativa. dinâmica, conjugada com o
(Anderies et al., 2004; Young et al., enfraquecimento dos mecanismos de
2006). A própria tecnologia tem sido controlo do indivíduo e com a dificuldade /
descrita como obedecendo a um ciclo de desinteresse em comunicar com os níveis
"destruição criativa" sensu Schumpeter mais elevados de organização, contribuem
(Harvey, 1990) integrando, influenciando para a diminuição da resiliência do
e sendo por sua vez influenciada pelo sistema. Por outro lado, a prática comum,
sistema socio-ecológico em que se insere. em várias sociedades antigas, de
introduzir ineficiências no curto-prazo
como forma de mediar riscos no longo-

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prazo, foi quase totalmente substituída na perda de resiliência de outros subsistemas


sociedade atual por estratégias baseadas ou mesmo do próprio sistema global
no retorno imediato dos investimentos e (Cifdaloz et al., 2010 ; Folke et al., 2010;
que dificilmente permitem a mediação de Carson e Doyle, 2000). Se a resiliência
riscos que, permanecendo invisíveis por especificada permite ao sistema enfrentar
várias gerações, irão mais tarde afetar a perturbações conhecidas e frequentes,
sociedade (Redman e Kinzig, 2003). apenas a resiliência geral permite a
superação de disrupções associadas a
Face ao exposto, teoricamente pode-se níveis de incerteza elevados, raras e/ou
especular que, situando a sociedade atual catastróficas. No contexto da sociedade do
numa fase K de consolidação, poderão risco, apenas a alteração do subsistema
estar reunidas as condições para ocorrer social permitirá a manutenção da
uma mudança do sistema através de um resiliência do sistema socio-ecológico, i.e.,
processo de "revolução", caso se evitará que o sistema global em que nos
mantenham ou se acentuem as condições integramos deixe o domínio de
referidas no parágrafo anterior. No estabilidade em que se encontra e entre
entanto, os sistemas humanos são num outro domínio, onde um novo
recorrentemente manipulados para conjunto de variáveis de controlo
permanecerem numa posição entre a fase condicionará o seu percurso (Walker et
de crescimento e a fase de consolidação al., 2004), sabendo que a alteração do
do ciclo adaptativo. Nestas condições, regime de um sistema poderá ser
desde que a energia necessária para catastrófico para algumas das suas
garantir a resiliência do sistema não seja componentes. Deste modo, a resiliência
demasiado elevada, é possível que o de um sistema socio-ecológico, ou seja, a
sistema continue "at the edge of chaos", sua persistência no domínio de
mantendo a sua identidade, i.e. as estabilidade onde se encontra, depende da
funções, a estrutura e as dinâmica das interligações entre os vários
retroalimentações que o caracterizam subsistemas que o compõem e entre as
(Folke et al., 2005). Como é possível panarquias que o integram e que se
então conciliar o aparentemente traduzem num permanente "jogo" entre
inconciliável? Como é possível que uma adaptabilidade e transformabilidade.
sociedade em crise não perca a sua
identidade, acomodando paralelamente as A resiliência e as capacidades adaptativas
mudanças transformativas já em curso? O e de transformação, constituem o cerne
que queremos modificar e com que do pensamento resiliente (“resilient
objetivos? Qual a extensão de mudança thinking”) - uma estratégia de abordagem
que estamos dispostos a tolerar? dos sistemas socio-ecológicos baseada no
conceito de resiliência (Folke et al., 2010).
Para encontrar as respostas, Neste contexto, a resiliência é o processo
consideraremos a sociedade de risco como que permite que um sistema socio-
um sistema socio-ecológico, i.e., um ecológico sujeito a disrupções permaneça
sistema integrado de ecossistemas e da dentro do domínio de estabilidade,
sociedade humana com retroalimentações alterando-se e adaptando-se mas
recíprocas e interdependência (Folke et mantendo-se dentro dos limiares críticos
al., 2010). A extensão do conceito de das variáveis de controlo. Por sua vez, a
resiliência e da teoria da panarquia aos adaptabilidade é a capacidade de um
sistemas socio-ecológicos torna possível sistema socio-ecológico ajustar as suas
lidar, de forma explícita, com os aspetos respostas em função das pressões
da renovação, novidade, inovação e internas e externas, e desta forma
reorganização na evolução daqueles permitir a sua evolução dentro do domínio
sistemas, bem como equacionar a forma de estabilidade atual e segundo uma dada
como estes aspetos interagem entre trajetória – nesta perspetiva a capacidade
escalas. de adaptação faz parte integrante da
resiliência (Cutter et al., 2008). Por sua
O reconhecimento de que a resiliência é vez, a transformabilidade corresponde ao
um conceito dinâmico incentivou vários potencial de criar novos domínios de
autores a explorar a relação entre a estabilidade para o crescimento do
resiliência enquanto propriedade de um sistema e de cruzar limiares no sentido de
subsistema socio-ecológico e a resiliência novas trajetórias de desenvolvimento; a
global do sistema, ou seja entre a capacidade de transformação significa a
resiliência especificada e a resiliência criação e a definição de um novo atractor
geral. Constatou-se que o enfoque e dirigirá o desenvolvimento do sistema
excessivo na resiliência especificada de socio-ecológico pela introdução de novas
uma parte do sistema pode resultar na componentes, desta forma alterando as

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variáveis de controlo e as escalas dos sociais, das relações de poder e de


ciclos-chave que definem o sistema liderança e, consequentemente, rearranjos
(Walker et. al., 2004). em termos institucionais e
organizacionais. As transformações
A resiliência dos sistemas socio- planeadas vão buscar à resiliência geral do
ecológicos face à incerteza e à “surpresa” sistema parte da energia necessária ao
baseia-se na promoção da capacidade em processo, utilizando as crises como janelas
esperar o inesperado e em absorvê-lo de oportunidade e recombinando fontes de
(Kates, 1996). Fontes sociais de experiência e de conhecimento para
resiliência, como o capital social – atravessar as fases de transição entre
incluindo redes sociais e relações de regimes. Este tipo de transformação
confiança – bem como a “memória social” envolve a destruição da resiliência do
– que inclui o acumular de experiência e antigo sistema para criar a resiliência do
de conhecimentos sobre como lidar/reagir novo, ou seja, requer pensamento
à mudança – são fundamentais para esta resiliente (Folke et al., 2010).
capacidade de viver em mudança
(Gunderson, 2010; Adger, 2003; Berkes e Situações complexas que requerem
Folke, 1992). A diversidade e redundância elevada capacidade de adaptação ou de
das instituições e da sobreposição de transformabilidade, dependem da criação
funções a nível organizativo podem de condições favoráveis geração e
desempenhar um papel central na (re)combinação de conhecimento através
absorção e na distribuição dos riscos (Low de procedimentos de experimentação, de
et al., 2003; Imperial, 1999) bem como inovação e de aprendizagem em ambiente
na amplitude da sua capacidade de transdisciplinaridade. Nestas condições,
adaptativa. Lidar com a mudança diversas formas de conhecimento -
("coping"), enquanto fator de tensão, é tácito/explícito, prático/teórico -
um processo iterativo de avaliação- provenientes de diferentes atores / fontes
atuação que implica capacidades de e de diferentes escalas, são associadas no
processamento de informação e de ação que constituem processos colaborativos
(Carver, 1989). A estratégia de "coping" experimentais, coletivamente construído e
adotada não só vai afetar a resiliência do validado. Se por governância entendermos
sistema no momento presente como " o conjunto de instituições e de
poderá condicionar a evolução futura do estruturas organizacionais que, juntas,
sistema e a resiliência. Donde, atuar sobre dão forma ao processo através do qual
a resiliência (especificada) de um sistema têm lugar as decisões a as ações que
implica responder a três questões, em afetam a entidade governada" (Ostrom,
simultâneo: [1] resiliência do quê - quais 1990), então o projeto de governância,
as fronteiras do sistema em foco e como é nos seus vários atributos, pode influenciar
que este se articula com as restantes positiva ou negativamente não só a
componentes e hierarquias; [2] resiliência resiliência do sistema socio-ecológico
para o quê - quais os objetivos da como, mais importante, a capacidade de
intervenção, que situações se estão a gerir essa mesma resiliência (Lebel et al.,
tentar evitar, que futuro se pretende 2006).
atingir; [3] resiliência para quem - quais
os processos de "empowerment", de Atualmente, desconhecemos onde o
promoção de justiça social e de sistema “sociedade de risco” se situa quer
responsabilização existentes e previstos. em termos da sua bacia de atração quer
em termos da paisagem de estabilidade.
Se as condições ecológicas, económicas, Sabemos que estão a ocorrer em
sociais e/ou políticas tornarem simultâneo várias crises que afetam
insustentável o regime do sistema, será diversos subsistemas deste sistema socio-
necessário criar um novo sistema ecológico a diversas escalas. Sabemos
recorrendo à capacidade de também o ser humano recorreu, desde
transformação. Os elementos desta sempre e com bastante frequência, à
capacidade têm muito em comum com os manipulação do(s) (sub)sistema(s) de que
atributos da resiliência geral, incluindo faz parte, nem sempre com consequências
multiplicidade de formas de capital, positivas. Sabemos também que
ecossistemas, instituições, grupos de abordagens simplistas e redutoras têm
atores-chave, redes, plataformas de aplicabilidade reduzida ou nula em
aprendizagem, ações coletivas e sistemas complexos e de elevado grau de
estruturas hierárquicas/organizacionais. incerteza como são os sistemas socio-
Mudanças transformativas envolvem ecológicos. O conceito de resiliência, bem
frequentemente uma alteração de como todo o corpo teórico a ele associado,
paradigma, a reconfiguração das redes oferece o enquadramento adequado para

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o equacionar de estratégias e de soluções small-scale social–ecological systems: the


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