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Precariado ou

proletariado?
Projeto Editorial Praxis
A Condição de Proletariedade: A precariedade do SÉRIE TELA CRÍTICA
trabalho no capitalismo global
Giovanni Alves Tempos Modernos
Charles Chaplin (1936)
Dilemas da globalização: O Brasil e a
mundialização do capital Metrópolis
Francisco Luiz Corsi (Org.) Fritz Lang (1927)

Dimensões da Crise do Capitalismo Global Nós a Liberdade


Giovanni Alves (Org.) René Clair (1931)

Dimensões da reestruturação produtiva: Ensaios de A Terra Treme


sociologia do trabalho Luchino Visconti (1948)
Giovanni Alves
Ladrões de Bicicleta
Economia, Sociedade e Relações Internacionais: Vittorio De Sica (1948)
Perspectivas do Capitalismo Global
Salário do Medo
Giovanni Alves (Org.)
Henri-Georges Clouzout (1953)
Lukács e o Século XXI: Trabalho, Estranhamento e
Beleza Americana
Capitalismo Manipulatório
Sam Mendes (1999)
Giovanni Alves
Segunda-Feira ao Sol
Tela crítica - A Metodologia
Fernando Léon de Aranoa (2002)
Giovanni Alves
Pão e Rosas
Teoria da Dependência e Desenvolvimento do
Ken Loach (2000)
Capitalismo na América Latina
Adrián Sotelo Valencia Eles não usam black-tie
Leon Hirzsman (1981)
Trabalho e cinema: O mundo do trabalho através do
cinema vol 1, 2, 3 e 4 O Corte
Giovanni Alves Costa-Gavras (2004)
Trabalho e Capitalismo Global - O Mundo do O que você faria?
Trabalho Através do Cinema de Animação Marcelo Piñeyro (2005)
Cláudio Pinto
A classe operária vai ao paraíso
Trabalho, Educação e Reprodução Social Elio Petri (1971)
Eraldo Leme Batista e Henrique Novaes
2001 - Uma Odisséia no Espaço
Dimensões da precarização do trabalho: ensaios de Stanley Kubrick (1968)
sociologia do trabalho
Giovanni Alves A agenda
Laurent Cantet (2001)
Trabalho e gestão através do cinema
Bruno Chapadeiro Vinhas da Ira
John Ford (1940)
Sindicalismo e reestruturação produtiva no Brasil:
desafios da ação sindical dos metalúrgicos de Laranja Mecânica
Caxias do Sul/RS Stanley Kubrick (1971)
Paulo Roberto Wünsch
Meu Tio
O trabalho do juiz: Análise crítica do vídeo Jacques Tati (1958)
documentário O Trabalho do Juiz
Giovanni Alves (org) Morte de um caixeiro-viajante
Volker Schlondorff (1985)
Trabalho e Neodesenvolvimentismo: choque de
capitalismo e nova degradação do trabalho no O adversário
Brasil Nicole Garcia (2002)
Giovanni Alves O Invasor
Trabalho, Educação e Formação Profissional: um Beto Brandt (2001)
debate do Serviço Social O Sucesso a qualquer preço
Araré de Carvalho Júnior, Maria Cristina Piana e James Foley (1992)
Maria Jose de Oliveira Lima (orgs)

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Pedidos pelo e-mail vendas@canal6.com.br
Precariado ou
proletariado?

Adrián Sotelo Valencia


Sociologo e Doutor em Estudos Latino-americanos e professor-pesquisador do
Centro de Estudos Latino-americanos (CELA) da FCPyS-UNAM.
Endereço eletrônico: sotlova@gmail.com.

TRADUÇÃO:
Diógenes Moura Breda
Mestre em Estudos Latino-Americanos do Programa de Estudos Latino-Americana da
Faculdade de Ciências Políticas e Sociais da UNAM, México.

CENTRO DE ESTUDOS LATINO-AMERICANOS


FACULTADE DE CIÊNCIAS POLÍTICAS E SOCIAIS
UNIVERSIDADE NACIONAL AUTÔNOMA DO MÉXICO

1ª edição 2016
Projeto Editorial Praxis Bauru, SP
Copyright do Autor, 2016

Coordenador do Projeto Editorial Praxis


Prof. Dr. Giovanni Alves

Conselho Editorial
Prof. Dr. Antonio Thomaz Júnior – UNESP
Prof. Dr. Ariovaldo de Oliveira Santos – UEL
Prof. Dr. Francisco Luis Corsi – UNESP
Prof. Dr. Jorge Luis Cammarano Gonzáles – UNISO
Prof. Dr. Jorge Machado – USP
Prof. Dr. José Meneleu Neto – UECE

Ilustração da capa
“Saturno devorando um filho” – Francisco de Goya (c. 1819-23)

H992 A Hýbris de Saturno: precarização do trabalho, saúde do trabalhador


e invisibilidade social / Giovanni Alves, André Luís Vizzaccaro-
Amaral e Bruno Chapadeiro (orgs). — Bauru: Canal 6, 2016.
170 p. ; 23 cm. (Projeto Editorial Praxis)

ISBN 978-85-7917-XXX

1. Trabalho. 2. Precarização do trabalho. 3. Condições de tra-


balho. I. Alves, Giovanni. II. Vizzaccaro-Amaral, André Luís. III.
Chapadeiro, Bruno. IV. Título.

CDD: 331.2

Projeto Editorial Praxis


Free Press is Underground Press
www.canal6editora.com.br

Impresso no Brasil/Printed in Brazil


2016
De todas as classes que hoje se defrontam com a burguesia, só o
proletariado é uma classe verdadeiramente revolucionária. As
demais classes degeneram e perecem com o desenvolvimento da
grande indústria moderna; o proletariado, em câmbio, é a sua
produto mais peculiar.

Marx y Engels, Manifesto Comunista


P R E FÁC I O
DECIFRANDO O CONCEITO DE
PRECARIADO

Giovanni Alves1

Adrián Sotelo Valencia é um dos mais prolíficos intelectuais da esquerda ra-


dical na América Latina, tendo escritos vários livros nos últimos anos discutindo
o mundo do trabalho no Capitalismo Global, com destaque para “El mundo del
trabajo em Tensión: Flexibilidad laboral y fractura social em la década de 2000”
(2007); “Crisis capitalista y desmedida del valor: Um enfoque desde los Grun-
drisse” (2010), “Los rumbos del trabajo: Superexplotation y precariedade social
em el siglo XXI” (2012) e “Méxigo (re)cargado: Dependência, neoliberalismo y
crisis” (2014). Em seus livros, posiciona-se sempre numa perspectiva marxista,
com influência marcante do economista Ruy Mauro Marini. O livro “Precariado
ou Proletariado” (com tradução de Diógenes Moura Breda) é um importante livro
de esclarecimento crítico-intelectual sobre um conceito de larga utilização entre
intelectuais de esquerda no Brasil: o conceito de “precariado”.

1 Giovanni Alves é doutor em ciências sociais pela Unicamp, livre-docente em sociologia e profes-
sor da Unesp, campus de Marília. É pesquisador do CNPq com bolsa-produtividade em pesquisa
e coordenador da RET (Rede de Estudos do Trabalho) –www.estudosdotrabalho.org ; e do Projeto
Tela Crítica/CineTrabalho (www.telacritica.org). É autor de vários livros e artigos sobre o tema
trabalho e sociabilidade, entre os quais “O novo (e precário) mundo do trabalho: reestrutura-
ção produtiva e crise do sindicalismo (Boitempo Editorial, 2000)”, “Trabalho e subjetividade: O
espírito do toyotismo na era do capitalismo manipulatório” (Boitempo Editorial, 2011), “Dimen-
sões da Precarização do trabalho” (Ed. Praxis, 2013), “Trabalho e neodesenvolvimentismo” (Ed.
Praxis, 2014) e “A Tragédia de Prometeu: A degradação da pessoa humana-que-trabalha na era do
capitalismo manipulatório” (Ed. Praxis, 2016). E-mail: giovanni.alves@uol.com.br. Home-page:
www.giovannialves.org

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PRECARIADO OU PROLETARIADO?

Adrián Valencia colocou como epigrafe de seu livro, a passagem do “Mani-


festo Comunista” (1848), de Karl Marx e Friedrich Engels, onde os dois revolucio-
nários alemães atribuem ao proletariado a tarefa histórica de ser o sujeito social
capaz de operar a “negação da negação” da ordem burguesa. Dizem eles: “De todas
as classes que hoje se defrontam com a burguesia, só o proletariado é uma classe
verdadeiramente revolucionária. As demais classes degeneram e perecem com o
desenvolvimento da grande indústria moderna; o proletariado, em troca, é o seu
produto mais peculiar”. Portanto, na visão clássica do marxismo, o proletariado,
como produto mais peculiar do modo de produção capitalista, é a classe social e o
sujeito social revolucionário capaz de operar a mudança histórica do capitalismo
para o socialismo. Nenhuma outra classe social poderá ocupar o lugar do proleta-
riado enquanto existir o modo de produção capitalista. Adrián Valencia demons-
tra que o precariado não é uma “nova classe social”, como supõe Guy Standing,
mas sim, uma nova camada social da classe do proletariado – posição com a qual
concordo. Entretanto, antes de discutir o conceito de precariado, ele faz um longo
percurso de reflexões críticas.
Por exemplo, no capitulo 1, Valencia reafirma que o modo de produção do-
minante é o modo de produção capitalista, o que contribui para o desenvolvi-
mento da indústria moderna, e portanto, para a produção do proletariado como
seu produto mais peculiar. No capítulo 2, ele apresenta as múltiplas dimensões da
contradição antagônica Trabalho-Capital: dimensões econômica, social, política,
ético-cultural e científico-técnica; destaca a seguir, a centralidade do trabalho
como sujeito histórico. Trata-se de uma discussão atualíssima que contesta os in-
telectuais pós-modernos que pregam que a luta de classes acabou. No capítulo 3,
Adrián Valencia discute o tema da desmedida do valor, tempo de trabalho e crise,
tema explorado com desenvoltura por ele em 2010 no livro “Crisis capitalista y
desmedida del valor: Um enfoque desde los Grundrisse”. No capítulo 4, aborda
outro tema crucial do debate marxista do século XXI: “Trabalho imaterial e su-
perexploração do trabalho”, resgatando, deste modo, com criatividade, a catego-
ria marinista de “superexploração do trabalho” para tratar do tema de “trabalho
imaterial”. Nos capítulos seguintes, Adrian Sotelo Valencia aproximou-se do te-
ma-objeto do título do livro, tratando no capítulo 5 da tensão e fratura social no
capitalismo neoliberal discutindo o tema “Trabalho precário e barbárie social”. O
capítulo 6 expõe a “condição de precariedade do trabalho assalariado no século
XXI”, concluindo o livro com o capítulo 7, onde discute finalmente, o conceito de

8
Decifrando o conceito de precariado

precariado: “O precariado: Uma nova classe social? E o que ocorreu com o prole-
tariado?”. Adrian Sotelo Valencia conclui salientando que, o que vislumbramos no
século XXI, é um processo crescente de precarização que atingem todas as cate-
gorias, qualificações, rendas, idades e origens étnicas, sendo a precarização, uma
dimensão global do mundo do trabalho. Deste modo, o precariado não pode ser
considerado um “sujeito social” distinto do proletariado, mesmo como camada
social, tendo em vista que a precarização como processo histórico-social de atua-
lização e reestruturação da precariedade do trabalho atinge e abrange a maioria
das categorias semiprofissionais da classe trabalhadora independentemente da
idade, sexo, etnia, origem racial, cultura ou categoria profissional. Deste modo,
Adrián Valencia considera que o conceito de precariado torna-se desnecessário
como categoria heurística no século XXI.
Adrian Sotelo Valencia assumiu neste livro, uma posição marxista ortodoxa
(diria ele, essencialista e doutrinária). Ele se recusa a validar heuristicamente o
conceito de precariado, considerando suficiente o conceito de proletariado para
tratar do movimento das classes sociais no século XXI. De imediato, ele diverge
categoricamente de Guy Standing que considera o precariado uma nova classe so-
cial. Ao mesmo tempo, concorda com Ruy Braga, que torna equivalente o conceito
de precariado ao conceito de proletariado precário. Entretanto, Valencia poderia
interrogar Ruy Braga: Por que não utilizar apenas o conceito de proletariado pre-
cário ao invés de precariado? Eis a questão). Adrián Valencia diz também que,
não se deve tratar o precariado como sujeito social. Diz ele: “[...] não é correto
falar de precariado como “sujeito social”, seja como camada, fração, categoria,
como parte ou não do proletariado; seja como “nova” classe diferenciada da classe
trabalhadora, do proletariado, da juventude ou dos adultos”. Depois salienta que a
precarização do trabalho assume dimensão global, atingindo todas as categorias
sociais do mundo do trabalho e não apenas o precariado: “Para nós, o correto,
mesmo correndo o risco de que nos acusem de essencialistas e dogmáticos, é falar
de precarização como processo histórico-social de atualização e reestruturação da
precariedade do trabalho na era do capitalismo neoliberal e depredador, que vai
atingindo e cobrindo a maioria das categorias socioprofissionais da classe traba-
lhadora e do proletariado independentemente da idade, sexo, etnia, origem racial,
cultural ou da categoria profissional”. 
Para concluir, a título de polêmica fraterna com Adrian Valencia, torna-se
necessário esclarecer o seguinte:

9
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

1. Concordamos com Adrian Valencia quando salienta a “precarização como


processo histórico-social de atualização e reestruturação da precariedade do tra-
balho na era do capitalismo neoliberal e depredador, que vai atingindo e cobrindo
a maioria das categorias socioprofissionais da classe trabalhadora e do proletaria-
do independentemente da idade, sexo, etnia, origem racial, cultural ou da catego-
ria profissional”. É indiscutível, principalmente desde meados da década de 1970,
a precarização estrutural da totalidade viva do trabalho que discutimos em vários
livros, inclusive no último livro intitulado “A Tragédia de Prometeu: A degrada-
ção da pessoa- humana-que-trabalha na era do capitalismo manipulatório” (2016).
Entretanto, salientamos que, a precarização e precariedade do trabalho tornou-se
desigual e combinada, heterogênea e contraditória, exigindo distinguir as particu-
laridades radicais da degradação da condição salarial nas camadas sociais do prole-
tariado. Portanto, ao delimitarmos a abrangência social do precariado como cama-
da social do proletariado, buscamos operar aquilo que deve ser a função heurística
da categoria social: esclarecer as particularidades concretas do movimento radical
do ser social do capital como contradição viva. É importante investigar as formas
particular-concretas da precarização do trabalho no capitalismo global do século
XXI. O proletariado como sujeito social não é um todo social monolítico, mas sim
uma totalidade viva permeada de múltiplas formas heteróclitas de precariedade
salarial, Para nós, o conceito de precariado – tal como o conceito de gerontariado
ou proletaróides – visa operar o movimento da particularidade concreto no seio da
totalidade viva do trabalho. Portanto, não discordamos de Valencia quando ele diz
que a precarização do trabalho possui dimensão global, tanto que, foi para salien-
tar a universalização da “condição existencial de proletariedade”, que tratamos da
precarização do trabalho em categoriais profissionais que, a rigor, pela sua inserção
na estratificação social e estrutura de poder na sociedade capitalista, pertenceriam
a “localizações contraditórias” da estrutura de classe (“O Trabalho do Juiz”, Editora
Praxis, 2014). Discordamos de Adrián Valencia quando ele se recusa a apreender de
modo dialético, as formas particulares-concreta do movimento global contraditório
e complexo da precarização do trabalho no interior da totalidade viva do trabalho.
Essa apreensão dialética exigiu operar, por exemplo, com o conceito de precariado
posto como camada social do proletariado.
2. Tenho utilizado o conceito de  precariado  num sentido bastante preciso
que se distingue, por exemplo, do significado dado por Guy Standing e Ruy Braga.
Para mim, precariado é a camada média do proletariado urbano constituída por

10
Decifrando o conceito de precariado

jovens-adultos altamente escolarizados com inserção precária nas relações de traba-


lho e vida social. Para Guy Standing, autor do livro The Precariat: The new dan-
gerous class, o precariado é uma “nova classe social” (o título da edição espanhola
do livro é explicito: Precariado: una nueva clase social). Para alguns intelectuais
europeus, com o modo de desenvolvimento fordista-keynesiano do pós-guerra,
o proletariado transformou-se no salariado, sujeito de direitos portador da cidada-
nia fordista. Deste modo, com o suposto novo modo de produção social-democrata,
teria desaparecido a luta de classes. Entretanto, com a crise do fordismo ou crise da
social-democracia e o desmanche da relação salarial “fordista” a partir de meados
da década de 1970, surgiu uma nova classe social: o precariado, a “nova classe peri-
gosa”, segundo Standing, tendo em vista que eles se sentiriam atraídos por políticos
populistas e mensagens neofascistas.
3. Tal como Adrian Sotelo Valencia, Ruy Braga criticou Guy Standing, com
razão, salientando que, o precariado não é exterior à relação salarial que carac-
teriza o modo de produção capitalista, isto é, o precariado pertence sim à classe
social do proletariado, sendo tão-somente o “proletariado precarizado”. Para Bra-
ga, o precariado como proletariado precarizado existiria desde os primórdios do
capitalismo histórico, confundindo-se com o conceito de proletariado industrial,
o coração do modo de produção capitalista. Esta posição essencialista (e ortodoxa)
se aproxima da posição de Adrian Sotelo Valencia (com a diferença de que, Adrián
Valencia despreza o conceito de precariado). Entretanto, consideramos que, ao
identificar o precariado meramente como sendo o “proletariado precarizado”, Ruy
Braga perdeu, tal como Adrián Valencia, a particularidade heurística do conceito
de precariado, capaz de dar visibilidade categorial às novas contradições do capi-
talismo global no século XXI.
4. Concordamos com Adrian Sotelo Valencia, que salienta que não se deve
considerar o precariado como sendo o sujeito social da mudança histórica. O pre-
cariado, como camada social do proletariado, por si só, é incapaz de constituir uma
alternativa política radical à sociedade capitalista. Ao considerá-los, por exemplo,
como Guy Standing, a “nova classe social perigosa”, oculta-se a importância das
alianças políticas no interior da classe do proletariado como tarefa crucial da al-
ternativa radical capaz de enfrentar o neofascismo em ascensão. Isolar a camada
social do precariado no plano categorial, desligando-a do movimento social do
proletariado organizado, por exemplo, seria condená-lo à ineficácia política efetiva,
tornando-o, deste modo, mero sujeito receptor das políticas da economia solidária.

11
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

Na verdade, a política radical deve deixar claro, como pressuposto necessário, a im-
portância crucial da unidade política e programática da classe do proletariado cliva-
do de segmentações sociais, que impedem sua eficácia histórica no plano da práxis
política.
5. Finalmente, discordamos categoricamente de Adrian Sotelo Valencia, que
considera insignificante no plano critico-heurístico, o conceito de precariado. Na
dialética, as categorias são formas de ser e modos de existência social. A categoria de
precariado expressa, deste modo, uma forma de ser do proletariado como totalidade
viva do trabalho. Dissolver a camada social do precariado na classe social do proleta-
riado, seria emascular o conceito de sua capacidade de expor, em si e para si, as novas
contradições da ordem burguesa hipertardia e do modo de produção capitalista na
etapa de crise estrutural do capital. A função heurística da dialética é expor o novo,
inscrito no movimento contraditório do capital. É observando a camada social do
proletariado jovem, altamente escolarizado, frustrado em suas expectativas de as-
censão profissional e sonhos, anseios e expectativas de consumo, que desvelamos as
contradições radicais da ordem sociometabólica do capital no século XXI. Para que
possamos exercer a percepção crítica dos limites do capital global no século XXI,
devemos focar sobre a juventude proletária escolarizada vulnerável ao desalento e
angústia intrínsecos ao prosaísmo da vida burguesa e a incapacidade da sociedade
das mercadorias na etapa de capitalismo manipulatório em permitir uma vida plena
de sentido. Enfim, o precariado representa, em si e para si, a carência de futuridade
intrínseca à ordem do capital (o que não nos impede de abordarmos a precarização
social noutras categoriais sociais do novo e precário mundo do trabalho).
6. A tarefa política da esquerda radical é construir a aliança interna das
camadas sociais do proletariado urbano – o que não ocorre hoje, por exemplo, na
União Européia, onde as lutas de classes alcançaram maior desenvolvimento social.
De um lado, os movimentos sociais do precariado; e de outro, as manifestações das
centrais sindicais e sindicatos do proletariado organizado com deformação burocrá-
tica. Por um lado, as misérias do esquerdismo, e por outro lado, a miséria do buro-
cratismo, impedindo a unidade política do proletariado como classe social capaz de
fazer história. Divide et impera torna-se hoje, mais do que nunca, nas condições da
proletariedade universal, o lema da ordem sociometabólica do capital.

12
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

CAPÍTULO 1
O MODO DE PRODUÇÃO
NÃO É MAIS CAPITALISTA?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

CAPÍTULO 2
O ANTAGONISMO: TRABALHO-CAPITAL. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

CAPÍTULO 3
DESMEDIDA DO VALOR, TEMPO DE TRABALHO Y CRISE. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49

CAPÍTULO 4
TRABALHO IMATERIAL E SUPEREXPLORAÇÃO DO TRABALHO. . . . . . . . . . . . . . 65

CAPÍTULO 5
TRABALHO PRECÁRIO E BARBÁRIE SOCIAL. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75

CAPÍTULO 6
A CONDIÇÃO DE PRECARIEDADE
DO TRABALHO ASSALARIADO NO SÉCULO XXI. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99

CAPÍTULO 7
O PRECARIADO: UMA NUEVA CLASE SOCIAL? E O QUE
OCORREU COM O PROLETARIADO?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115

CONSIDERAÇÕES FINAIS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 163

REFERÊNCIAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167

13
INTRODUÇÃO

O trabalho, no sentido ontológico, é o fenômeno original (Urphänomen)


que constitui o ser social da humanidade, segundo George Lukács.1 Sem ele, não
é possível conceber sequer a vida humana nem a natureza e a sua inter-relação.
Mas, no capitalismo, o trabalho e a força de trabalho são transformados em mer-
cadorias e, por consiguente, sujeitos à regra da produção de valor e mais-valia em
benefício do capital e os capitalistas. O modo de produção, portanto, asume um
carácter esencialmente capitalista. Ate para quem têm um contrato com dereitos
plenos (carteira assinada) sofre pela precarização de suas condições de vida e de
trabalho.
O capital global precisa asim — e é cada vez mais necessário para ele — criar
um enorme exército industrial de reserva para empurrar para baixo os salários,
aumentar a exploração e a concorrência entre os próprios trabalhadores e entre
estes e o Estado. Um dos resultados disto é a enorme incerteza de milhões de
seres humanos que, para sobreviver e reproduzir sua existência, têm que acudir
aos mercados de trabalho formais e informais, realmente subsumidos ao capita-
lismo, para vender a única mercadoria que possuem: sua força de trabalho física
e psíquica, geralmente de forma combinada e imbricada com o uso de máquinas
e tecnologia.

1 George Lukács, Ontología del ser social: el trabajo, Buenos Aires, Ediciones Herramienta, 2004.

15
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

Existem evidências de que atualmente a parte da humanidade que trabalha,


sob distintas modalidades de remuneração, é majoritária e que, portanto, localiza-
-se na dimensão do mundo do trabalho, o qual, em termos gerais, constitui-se
como o antípoda do capital. Deste modo, de acordo com a OIT, a força de trabalho
real no mundo em 2012 era de aproximadamente 3,3 bilhões de pessoas, das quais
200 milhões estavam desempregadas e outras 900 milhões viviam, juntamente
com sua família, com remunerações inferiores ao limiar de pobreza de 2 dólares
norte-americanos por dia.2 Esta tese é central para entender a natureza das rela-
ções sociais de produção e de vida que caracterizam o capitalismo contemporâ-
neo, imerso em uma profunda crise estrutural e sistêmica que ameaça converter-
-se em crise permanente e sobredeterminante da vida social e da natureza.3
Propomos neste trabalho a seguinte hipótese: diferentemente do passado – do
período situado entre o final da Segunda Guerra Mundial e a década de oitenta do
século XX – a característica peculiar dos seres humanos que trabalham hoje em
dia, os assalariados e assalariadas do mundo inteiro, é seu irremediável dimen-
sionamento e imersão em relações de trabalho e de produção monumentalmente
precarizadas, em um contexto de alta informalidade, que transgridem e vulneram
os princípios humanos do direito do trabalho, tais como os benefícios sociais e as
remunerações fixas, suscetíveis a melhorias com vistas a assegurar um futuro de
seguridade social cimentado em aposentadorias e pensões capazes de garantir a
tranquilidade e a segurança física e psíquica dos trabalhadores e suas famílias,
uma vez que estes finalizem sua vida na produção e passem a engrossar as fileiras
daqueles que cessaram sua relação trabalhista para tentar iniciar uma vida mais
humana e repleta de sentido.

2 Ver: OIT, Tendencias mundiales del empleo 2012, Prevenir una crisis mayor del empleo, disponi-
ble en internet: http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---dcomm/---publ/docu-
ments/publication/wcms_168095.pdf), p. 33.
3 A respeito, ver nosso livro Los rumbos del trabajo. Superexplotación y precariedad social en el Siglo
XXI, coedição Miguel Ángel Porrúa-FCPyS-UNAM, México, 2012, onde tratamos este tema. Por
sua vez, Julio Gambina caracteriza a crise como “[…] global, sistêmica, civilizatória, com uma di-
versidade de fases simultâneas na qual se manifesta: financeira, da bolsa e dos bancos, econômica
(pela falência de empresas, pela superprodução de mercadorias ou capitais), alimentária, energé-
tica, ambiental”, Crisis del capital (2007-2013). La crisis capitalista contemporánea y el debate sobre
las alternativas, Fundación de Investigaciones Sociales y Políticas (FISYP), Buenos Aires, 2013, p.
8, tradução nossa.

16
Introdução

Este livro está organizado em torno a essa hipótese central, de maneira que o
primeiro capítulo tenta demonstrar que, na atualidade, o sistema capitalista inter-
nacional, como modo de produção que alberga uma grande formação econômico-
-social, é hegemônico no conjunto das relações sociais, políticas e culturais, em
tal medida que estas estão constantemente pressionadas a adaptar-se à lógica de
acumulação e de valorização de capital pautados pelos ciclos econômicos e pelas
grandes empresas transnacionais que operam em escala mundial, nacional e local.
O capítulo 2 documenta o antagonismo entre o trabalho e o capital na eco-
nomia e na sociedade em várias dimensões de sua existência para mostrar que,
contrariamente aos postulados que sustentam os autores que chamamos do “fim
do trabalho” – e que de alguma maneira negam ou subestimam a existência desse
antagonismo –, o trabalho e o conjunto de relações e categorias que o conformam
como princípio originário e constituinte da humanidade continua sendo o eixo
central e dinâmico da produção de riqueza e das sociedades capitalistas que se
servem dele. Conclui-se que aquela premissa metodológica levantada por Marx na
Terceira Seção do Livro II do Capital relativa aos esquemas de reprodução, onde se
supõe a existência de apenas uma economia capitalista global, passou de premissa
metodológica a ser hoje em dia uma irrefutável premissa história, essencial, o pon-
to de partida para qualquer análise sobre a situação contemporânea.
Devido a que o eixo de nossa pesquisa no presente livro é mundo do tra-
balho – e sua precarização – como categoria essencial e central das sociedades
contemporâneas, o capítulo 3 retoma as reflexões de Marx tanto dos Grundris-
se como do Capital, as quais sintetizamos na categoria desmedida do valor que,
em síntese, significa que a redução constante do tempo de trabalho socialmente
necessário para a produção e reprodução das mercadorias, incluindo a própria
força de trabalho, é cada vez mais insuficiente tanto como parâmetro de medição
do valor global da produção mercantil, quanto para garantir escalas crescentes e
sustentáveis de produção de mais-valia. Esta hipótese nos permite concluir que a
crise capitalista atual é uma crise derivada de graves dificuldades do capital social
global para produzir valor e mais-valia, o que o impele, como ocorre atualmente,
a um processo de crescente desdobramento em esferas financeiro-especulativas,
reforçando assim o regime que podemos denominar de capital fictício produtor
de lucros fictícios. A desmedida do valor constitui, portanto, o eixo central da crise
contemporânea do capitalismo e do poderoso impulso ao processo de proletariza-
ção e precarização do mundo do trabalho.

17
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

O capítulo 4 tenta demonstrar como, frente a esta crise, o capital reage de vá-
rias maneiras para aumentar suas taxas de rentabilidade, especialmente através da
incorporação do trabalho subjetivo e imaterial diretamente à produção de mais-
-valia. Da mesma forma, a superexploração do trabalho, mecanismo que consiste
em expropriar parte do fundo de consumo da classe trabalhadora em favor da
acumulação de capital, estabelece-se como um processo genuíno de exploração e
produção de mais-valia inclusive nos países do capitalismo avançado, com a res-
salva, e diferentemente do que ocorre nos países dependentes e subdesenvolvidos,
de que lá isso ocorre sob a hegemonia da produção de mais-valia relativa, questão
que de alguma maneira expressa as dificuldades que o capital encontra em muitos
países desenvolvidos (Alemanha, Inglaterra, França, Estados Unidos) para gene-
ralizar, tal como ocorre na América Latina, o regime de superexploração da força
de trabalho.
O capítulo 5 documenta a relação íntima que se estabelece entre o trabalho
precário e a barbárie social desencadeada pela reestruturação capitalista e pela in-
trodução de dois componentes que operam de forma estrutural nos processos de
trabalho e na vida social: a tensão que se deriva da organização capitalista baseada
no método toyotista e o fenômeno da fratura social que se replica na estrutura de
classes, em particular na classe trabalhadora no proletariado, como uma forma
de debilitar sua organização social e política e de abrir de par em par as portas à
derrota dos trabalhadores e à imposição da precarização monumental no mundo
do trabalho.
No capítulo 6 nos concentramos particularmente na análise das semelhanças
e diferenças entre a categoria de precariedade e a de precarização do trabalho,
chegando à conclusão de que esta última corresponde a um processo de constante
atualização da primeira.
Por último, no capítulo 7, discutimos com autores relevantes, primeiro de
maneira geral sobre o conceito de classes sociais para depois discutir pormeno-
rizadamente a relação, existente ou não, entre precariedade e proletariado: se são
categorias idênticas ou, ao invés, se alguma delas substituiu a outra. Aqui exami-
naremos três posturas: os que propõem e reafirmam a existência do proletariado
como classe social fundamental na sociedade; os que, pelo contrário, afirmam que
aquele deixou de existir ou, pelo menos, já não representa uma classe significativa;
e, por último, os que assumem a existência de um precariado social, porém como
uma fração do proletariado. Concluímos com a tese de que, embora mudanças

18
Introdução

vertiginosas e profundas tenham ocorrido nas últimas décadas, estas não mo-
dificaram a essência das estruturas de classes, mas criaram novas frações que se
explicam, todas elas, em função das classes fundamentais da sociedade: burguesia
e proletariado.
Frente ao tema da existência ou não de um precariado enquanto classe ou
fração de classe, concluímos que sua existência não se sustenta como tal, dado que
a precariedade e a precarização são atributos constitutivos das relações sociais de
produção, trabalhistas, salariais e de trabalho que atingem praticamente todas
as categorias, ramificações, setores, e qualificações do mundo do trabalho. Mas
podem, de fato, existir setores mais precarizados que outros, como indiscutivel-
mente ocorre com a juventude trabalhadora, homens e mulheres que a cada dia se
veem expostos aos lacerantes e perniciosos efeitos macro e micro da precariedade,
expressados na perda de garantias e de direitos sociais que os submetem a regimes
de vulnerabilidade, insegurança e estresse, restringindo suas vidas e seu futuro
não só como trabalhadores, mas como seres humanos.

19
CAPÍTULO 1
O MODO DE PRODUÇÃO
NÃO É MAIS CAPITALISTA?

INTRODUÇÃO

Pode-se dizer que existe uma discussão entre a intelectualidade interessada


nas questões relativas à natureza de nossas sociedades que gira, grosso modo, em
torno a duas grandes correntes de pensamento. A primeira afirma que o que hoje
existe efetivamente é um sistema capitalista que vem se globalizando nas duas úl-
timas décadas, enquanto a outra corrente, que podemos caracterizar de hegemô-
nica, assegura que vivemos em uma sociedade pós-capitalista global, pós-indus-
trial e pós-moderna. Esta segunda interpretação se fundamentada no paradigma
da “pós-modernidade”, o qual tem criado suas próprias categorias e conceitos ex-
plicativos de sua natureza e dinâmica social, inclusive com expressão nas ciências
sociais e nos debates dentro das fileiras das esquerdas.

O MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA SEGUE VIGENTE

Durante a década de setenta do século passado ocorreu uma discussão acalo-


rada – e às vezes excessiva – sobre a natureza das sociedades e dos sistemas pro-
dutivos que operavam nas regiões periféricas do capitalismo mundial fornecendo
matérias-primas e alimentos aos centros do sistema. Aquele debate não era casual:
era resultado da necessidade de compreender a origem, o desenvolvimento, o papel
e a função que as periferias desempenhavam na ordem internacional e, sobretudo,
compreender por que sua fisionomia era diferente, estrutural e geneticamente, à
das sociedades do capitalismo avançado. Neste debate participaram antropólogos,

21
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

historiadores, sociólogos, economistas, geógrafos e cientistas políticos interessa-


dos em indagar-se sobre a natureza e as características econômicas, sociais, polí-
ticas e culturais das formações sociais que compartilhavam uma herança comum
marcada pelos impérios em expansão: a de pertencer a um passado colonial que,
em termos históricos, estendeu-se até mediados da década de cinquenta do século
XIX, quando se formam e se consolidam os Estados nacionais nessas regiões.
Esse debate, que ainda permeou a década de oitenta, definiu-se em duas posi-
ções até certo ponto antagônicas: em primeiro lugar estavam os que sustentavam
que inicialmente havia existido em nossos países, sociedades e economias, uma
situação feudal (alguns a chamava modo de produção, formação social ou sistema)
cujo período de vigência variava de acordo com os diferentes autores. Outro gru-
po de participantes das discussões considerava que o capitalismo era a estrutura
hegemônica estreitamente vinculada com os grandes imperialismos hegemônicos
em expansão desde o século XVI, e que seu desenvolvimento ulterior não fez outra
coisa que reafirmar dita hegemonia ao intensificar as relações de dominação e de
exploração próprias dos sistemas capitalistas de produção e de consumo assenta-
dos na propriedade privada e nas prerrogativas do mercado mundial.
Quaisquer que tenham sido os resultados das pesquisas e dos debates – par-
ticularmente entre historiadores da estatura de Caio Prado Júnior e Luis Vitale,
por exemplo –, o importante é que não há dúvidas de que o que prevaleceu – e
prevalece atualmente – é o capitalismo em carne e osso, mundial, intenso, em
crise e que se estende por todos os cantos e regiões do planeta. Ao contrário desse
passado, em algumas teorias e autores a discussão gira hoje em torno à ideia de
que o capitalismo “ficou para trás” e que surgiu em seu lugar – e existe hoje em dia
– uma “sociedade pós-industrial e pós-capitalista”, que teria deixado de depender
do trabalho e de suas categorias essenciais como salário, exploração, mais-valia e
lucros derivados daquelas. É o que temos denominado, do ponto de vista da socio-
logia do trabalho, de “teorias do fim do trabalho”, encarregadas de afirmar essa
negação e de postular a necessidade de desenvolver “novas” categorias, conceitos e
teorias supostamente encaminhadas a dar conta da condição das sociedades e dos
sistemas econômicos do século XXI.
Presenciamos um ponto de inflexão na história contemporânea da humani-
dade onde as velhas condições e os paradigmas que haviam regido a vida social
dos homens e das nações estão se transformando ou estão se esgotando verti-
ginosamente. Tomando a distância correspondente e as diferenças existentes,

22
O modo de produção não é mais capitalista?

atualmente ocorre algo parecido ao que se verificou entre a transição da antiga


ordem feudal ao novo sistema capitalista no decorrer dos séculos XVIII e XIX.
Mas, diferentemente do que pensam certos autores e correntes de pensamento, se
bem é certo que existe uma mudança de época – o que é evidente – de nenhuma
maneira implica uma mudança do modo de produção, nem da formação social
capitalista, nem de seus fundamentos essenciais: a propriedade privada dos meios
de produção, a acumulação de capital e a exploração do trabalho. Pelo contrário, o
que ocorre em escala ampliada é um processo expansivo, quantitativo e qualitati-
vo do sistema capitalista nos níveis local, nacional e internacional que atualmente
permeia e, inclusive, sobredetermina, a maioria dos eventos e espaços sociais da
convivência humana 4 tais como como a escola, o escritório, a família, o sindicato,
o clube e até mesmo os casal.
É necessário esclarecer que não negamos que tenham havido mudanças pro-
fundas das estruturas econômicas, sociais e políticas nas últimas três décadas –
ocorreram, e em diferentes escalas e dimensões –, o que afirmamos é que estas
ocorreram, efetivamente, dentro da formação social capitalista global que agora
se encontra em crise.
Além do mais, não se observa a presença das forças e das condições que Marx
apontou no Prólogo à Contribuição à crítica da economia política, e que citamos
abaixo, capazes de desencadear semelhantes transformações históricas em torno a
uma mudança não somente de paradigmas, mas do modo de produção como tal:

“Uma formação social nunca perece antes que estejam desenvolvidas todas
as forças produtivas para as quais ela é suficientemente desenvolvida, e no-
vas relações de produção mais adiantadas jamais tomarão o lugar, antes que

4 Octavio Ianni captou esta expansão da globalização: “Nesta altura da história, no declínio do sé-
culo XX e limiar do século XXI, as ciências sociais se defrontam com um desafio epistemológico
novo. Seu objeto transforma-se de modo visível, em amplas proporções e, sob certos aspectos,
espetacularmente. Pela primeira vez, são desafiadas a pensar o mundo como um sociedade global.
As relações, os processos e as estruturas econômicas, políticas, demográficas, geográficas, histó-
ricas, culturais e sociais, que se desenvolvem em escala mundial, adquirem preeminência sobre
as relações, processos e estruturas que se desenvolvem em escala nacional. O pensamento cientí-
fico, em suas produções mais notáveis, elaborado primordialmente com base na reflexão sobre a
sociedade nacional, não é suficiente para apreender a constituição e os movimentos da sociedade
global”, em: Teorias da Globalização, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, p. 237.

23
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

suas condições materiais de existência tenham sido geradas no seio mesmo


da velha sociedade. É por isso que a humanidade só se propõe as tarefas que
pode resolver, pois, se se considera mais atentamente, se chegará à conclu-
são de que a própria tarefa só aparece onde as condições materiais de sua
solução já existem, ou, pelo menos, são captadas no processo de seu devir.
Em grandes traços podem ser caracterizados, como épocas progressivas da
formação econômica da sociedade, os modos de produção: asiático, antigo,
feudal e burguês moderno. As relações burguesas de produção constituem
a última forma antagônica do processo social de produção [...]”5.

Como vemos, Marx se refere aqui a grandes épocas históricas, a períodos de


transformações civilizatórias que abrangem os modos de produção e as socieda-
des históricas que se erguem sobre eles, e cuja dinâmica de câmbio social im-
plica, via de regra, décadas ou séculos. Também conclui que a última formação
social antagônica é a capitalista, a qual reforçou sua materialidade de forma muito
específica a raiz da desintegração do sistema socialista planificado liderado pela
extinta União Soviética. Deste trecho de Marx podemos extrair duas hipóteses
dialeticamente entrelaçadas.
Em primeiro lugar, a relação existente entre o desenvolvimento das forças pro-
dutivas (materiais, sociais e humanas), a velha formação social e a nova formação
social que floresce. Essa é uma lei social encarregada de explicar a própria relação
essencial e seu processo de gestação: a primeira formação social não pode perecer
se em seu seio não se desenvolveram todas essas forças progressistas e produtivas,
enquanto que, para que a nova sociedade floresça – junto a seu respectivo modo de
produção – é necessário que tenham amadurecido na antiga formação social todas
as condições e relações capazes de dar coesão o processo com a objetivo de assegurar
a transformação social e seus resultados. Até o momento, na época do neoliberalis-
mo, a classe trabalhadora em particular, e as forças proletárias em geral, têm sido in-
capazes não só de colocar um limite ao capitalismo, mas também de transcendê-lo
para assumir a tarefa de construir novos modos de produção, de vida e de trabalho.
De alguma maneira, o trecho seguinte de Marx ilustra o que temos afirmado:
“Dissolvem-se todas as relações sociais antigas e cristalizadas, com seu cortejo

5 Marx, Karl, Para a crítica da economia política; Salário, preço e lucro; O rendimento e suas fontes:
a economia vulgar, 1ª ed., São Paulo, Abril Cultural, 1982, p. 26.

24
O modo de produção não é mais capitalista?

de concepções e de ideias secularmente veneradas; as relações que as substituem


tornam-se antiquadas antes de se consolidarem. Tudo o que era sólido e estável se
desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado e os homens são obrigados
finalmente a encarar sem ilusões sua posição social e as suas relações com outros
homens”6. Pode-se comprovar que esta sequência de transformações das relações
antigas e cristalizadas deu lugar a outras relações presumivelmente novas, inse-
ridas na modernidade e na pós-modernidade, e que conformam novas relações
sociais correspondentes à emergência de novas tecnologias e de formas de orga-
nização e gestão do trabalho do capital. Mas ainda não existe o sujeito histórico
encarregado de impugná-las.
A segunda hipótese consiste na possibilidade real – ou não – de que as novas
forças produtivas, sociais, políticas, culturais e militares, sejam capazes de esti-
mular a transformação de um modo de produção e de seu sistema de relações
sociais a outro novo sistema que se consolide de forma duradoura e seja capaz de
forjar seu próprio ciclo histórico para preservar sua existência7.
Aplicando à nossa época o que foi exposto acima, considero que a primeira
tese se aproxima da realidade: as forças produtivas materiais lideradas pela revo-
lução tecnológica surgida no período posterior à Segunda Guerra Mundial esgo-
taram suas potencialidades e ainda se mantêm dependentes, em um grau extremo,
dos combustíveis fósseis não renováveis (petróleo, carvão e gás natural), apesar do
peso – aliás, cada vez mais importante – que nela tem a revolução microeletrônica
e sua estreita conexão com a informação e a internet.
De fato, como afirma Elmar Altvater: “[...] o sistema de energia fóssil está fecha-
do e por isso seus limites serão também os limites do desenvolvimento capitalista
[...] Hoje em dia já é impossível manter o ritmo da acumulação capitalista como o
fluxo de energia solar”8, o que, de acordo com o autor, anuncia necessariamente

6 Karl Marx y Friedrich Engels, Manifesto Comunista, Boitempo, São Paulo, 1998, p. 43.
7 Diferentemente do que em geral se acredita, Marx também atribui um aspecto negativo à estas
forças produtivas, que: “sob o regime da propriedade privada, obtêm apenas um desenvolvimento
unilateral, convertem-se para a maioria em forças destrutivas e uma grande quantidade dessas
forças não consegue alcançar a menor utilização na propriedade privada”. Karl Marx e Friedrich
Engels, A ideologia alemã, Boitempo, São Paulo, 2007, p. 60.
8 Elmar Altvater, El fin del capitalismo tal y como lo conocemos, El Viejo Topo, Barcelona, 2011, p.
119, tradução nossa.

25
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

uma transformação social que resultaria da combinação entre um choque externo


e “alternativas convincente de atores sociais e ‘políticos internos’”9.
Esta dependência dos recursos fósseis pode-se avaliar no trecho seguinte:

“[...] a atividade ‘virtual’ é dependente de uma base altamente material de


infraestrutura física e de mercadorias manufaturadas, a maioria das quais
é produzida fora de seu campo de visão, nas minas da África ou da América
Latina, nas sweatshops da China e outros locais no mundo em desenvolvi-
mento. A internet não poderia ser acessada por ninguém sem a geração de
energia, cabos, satélites, computadores, comutadores, telefones celulares e
milhares de outros produtos materiais, sem a extração de matérias-primas
que formam essas mercadorias, sem o lançamento de satélites ao espaço
para carregar seus sinais, sem a construção de edifícios nos quais essas
mercadorias são projetadas e montadas e de onde são vendidas, e a manu-
fatura e operação de veículos nos quais são distribuídas. A produção física
de mercadorias materiais é ainda o método preferido do capitalismo para
gerar lucro [...]”10

O problema aqui é crítico: por um lado, determinar se dentro dos limites do


capitalismo é possível por em marcha uma segunda revolução industrial – ou ter-
ceira revolução científico-tecnológica que implica a fusão da ciência, da tecnolo-
gia e da produção em mesmo processo11 – que dê inicio um nova fase histórica do
capitalismo, como ocorreu logo após a revolução industrial em Inglaterra. Mas,
caso isto não ocorra, então pode-se concluir que qualquer impulso tecnológico

9 Elmar Altvater, El fin del capitalismo, op. cit. p. 247, tradução nossa.
10 Úrsula Huws, “Vida, trabalho e valor no Século XXI”, em: Caderno CRH, Revista do Centro de
Recursos Humanos da Universidade Federal da Bahia, Salvador, v.27, n.º 70, Janeiro-Abril de
2014, p. 18.
11 Ernest Mandel, El capitalismo tardío, Ediciones ERA, México, 1972, p. 212. Neste livro o autor
identifica três revoluções tecnológicas ocorridas após a primeira revolução industrial original de
finais do século XVIII: a) produção maquinizada de motores a vapor, a partir de 1848; b) fabrica-
ção maquinizada de motores elétricos e de combustão interna, na última década do século XIX
e, por último c) produção maquinizada dos aparatos movidos a energia nuclear, no século XX, op
cit. p 115. A atual (quarta revolução tecnológica), surgida a partir da metade da década de setenta
do século passado, sustenta-se nas tecnologias microeletrônicas, dos novos materiais e da infor-
mação conectada aos meios de produção e comunicação.

26
O modo de produção não é mais capitalista?

e científico dificilmente poderá coroar esta tarefa, a exemplo do que parece estar
ocorrendo atualmente.
O outro problema se refere à segunda tese, ao fato de determinar se na atua-
lidade, no contexto da crise global do capital, existem forças sociais e políticas (o
sujeito histórico) suficientes e capazes não somente de desestabilizar o regime do
capital e seu modo de produção – algo que alguns movimentos político-sociais no
mundo já fazem parcialmente –, mas também de transcender a ordem capitalista
e constituir uma nova sociedade histórica diametralmente oposta – e qualitativa-
mente diferente e superior – ao capitalismo. Ao que parece esta última alternativa
não ocorre porque não está o suficientemente madura para se expressar.

CONCLUSÃO

Podemos concluir afirmando que, na medida em que a estrutura essencial


do modo de produção capitalista se mantém, a teoria do valor-trabalho de Marx
segue sendo vigente para sua compreensão e transformação, já que “[...] sem essa
teoria não se podem compreender tais constatações adequadamente. As trans-
formações do modo de produção capitalista previstas por Marx, especialmente
nos Grundrisse, ocorreram de algum modo na segunda metade do século XX e
se tornaram patentes a partir da década de 70 desse século, de tal modo que essas
constatações podem ser encaradas como confirmação das teses de Marx, e não
como prova de sua negação”12.
O mesmo se pode afirmar em relação ao estudo da produção de mercadorias
e seus respectivos efeitos sobre os trabalhadores, como afirma Úrsula Huws: “Este
ensaio sustenta que ainda é possível utilizar a teoria de Marx nas condições atuais
para definir o que é, ou não é, uma mercadoria, para identificar o local de pro-
dução de tais mercadorias, sejam materiais ou imateriais, e para definir a classe
trabalhadora global em relação a esses processos de produção”13.

12 Eleutério Prado, Desmedida do valor. Crítica da pós-grande indústria, Xamã, São Paulo, 2005, p. 41.
13 Úrsula Huws, “Vida, trabalho e valor no Século XXI”, em: Caderno CRH, Revista do Centro de
Recursos Humanos da Universidade Federal da Bahia, Salvador, v.27, no. 70, Janeiro-Abril de
2014, p. 14.

27
CAPÍTULO 2
O ANTAGONISMO: TRABALHO-CAPITAL

INTRODUÇÃO

A globalização do sistema capitalista e sua relação com o mundo do trabalho


como categoria política, sociolaboral e cultural, não abrange somente a esfera da
produção e do processo de trabalho em si mas, também, os mercados de trabalho
(espaço de compra e venda da força de trabalho), as condições de trabalho, os di-
reitos sociais e trabalhistas, além da relação complexa e contraditória que o mun-
do do trabalho mantém com outra categoria fundamental da sociedade: o capital,
pelo menos em seis dimensões de sua existência.

DIMENSÕES DAS CONTRADIÇÕES TRABALHO-CAPITAL

Dimensão econômica

A existência legal e institucional da propriedade privada dos meios de produ-


ção é um elemento constitutivo do espaço-tempo da reprodução material, assim
como a apropriação pelo capital dos produtos-mercadorias produzidos pela força
de trabalho, o que pressupõe que esta última continua dependendo do ciclo do ca-
pital (dinheiro-produtivo e mercantil) e que não pode escapar à sua órbita. Assim,
o fluxo de todos os produtos do trabalho (valor, mais-valia, lucros, juros, rendas
e riqueza material) se direciona às arcas das empresas, dos bancos e das bolsas
de valores do capital privado nacional e internacional, provocando, por sua vez,

29
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

crises econômicas, “explosão” de bolhas especulativas (tais como as do Japão, do


México e dos Tigres Asiáticos na década de noventa), queda da massa salarial, de-
semprego e precarização do trabalho com perda de direitos sociais e trabalhistas.
Nesta esfera, as relações trabalho-capital se recriam e o mundo do trabalho se
reacomoda constantemente às condições de acumulação e reprodução necessárias
para a manutenção das categorias básicas em que o capital se assenta.

Dimensão social

Na estrutura de classes da sociedade capitalista, o mundo do trabalho se re-


cria nas fábricas, empresas, serviços, famílias, matrimônios, amigos, territórios
e comunidades, o que lhe dá um caráter identitário, cooperativo e expressivo de
seus interesses de classe, de cultura, de etnia, de nação, de crenças ideológicas e
religiosas. Como afirma Robert Castel, “O mundo do trabalho na sociedade sa-
larial não forma, para falar em termos exatos, uma sociedade de indivíduos mas,
sobretudo, um encaixe hierárquico de coletividades constituídas na base da divi-
são do trabalho e reconhecidas pelo direito. Ainda mais que, sobretudo nos meios
populares, a vida extratrabalho é também estruturada pela participação em espa-
ços comunitários, o bairro, os amigos, o boteco, o sindicato”14.
Estruturas que, por sua própria natureza e dinâmica, entram em contradição
com os princípios, ideologias e mecanismos de dominação vigentes nas socieda-
des de classe, cujos dispositivos dissuasivos e fetichistas dos meios de comunica-
ção (TV aberta, a cabo, via satélite, imprensa escrita, cinema, internet) operam em
todos os países do planeta para “desideologizar” e fraturar as raízes históricas, as
atitudes solidárias e cooperativas dos trabalhadores. O seguinte passo é a conver-
são dos trabalhadores ao individualismo abstrato e a-histórico para fragmentá-
-los e impedir a recuperação daquelas identidades e comunidades solidárias que
pudessem reverter, ou pelo menos questionar, a ordem social vigente. Juntamente
com as determinações da dimensão econômica já indicadas, a ofensiva do capital
em sua dimensão social limita enormemente o impulso e a consolidação de pro-
jetos tipo “terceira via” ou “terceiro setor” no capitalismo, tais como cooperativas,
autonomias e controle operário da produção, entre outras iniciativas solidárias

14 Robert Castel, As metamorfoses da questão social. Uma crónica do salário, Editora Vozes, 1998, p.
600.

30
O antagonismo: trabalho-capital

destinadas a superar o caráter fetichista e alienado do trabalho e da relação sala-


rial. No fundo, esta possibilidade de desenvolver, sem modificar substancialmente
a realidade atual, um terceiro setor ou uma terceira via consiste em encontrar um
caminho “alternativo” e distinto ao capitalismo e ao socialismo, tal como pro-
puseram, inspirados na experiência britânica e norte-americana, autores social-
-democratas da estatura de Anthony Giddens em várias de suas obras15.
Seguramente, estas ideias inspiraram muitos pensadores e movimentos so-
ciais que, cedo ou tarde, enfrentaram-se aos bloqueios sistemáticos destas inicia-
tivas por parte do capital e das políticas de Estado, levando-as ao fracasso ou à
franca submissão às condições e vicissitudes do poder.

Dimensão política

No nível político, a classe trabalhadora e o proletariado, este último integra-


do por camponeses, indígenas, estudantes, donas-de-casa, e algumas frações das
classes médias, estão constantemente expostos à despolitização que os impossi-
bilita de participar do poder político do Estado capitalista e se converterem em
sujeitos históricos de transformação da sociedade em todos os planos: local, mu-
nicipal, provincial, estadual, regional, nacional e internacional. Ao contrário, ação
política subordinada desses setores ao poder político no capitalismo empresarial e
liberal circunscrito à “democracia representativa” torna-se uma quimera, na me-
dida em que se manifesta somente nos períodos eleitorais; fora de este momento,
aqueles setores mantêm uma atividade passiva frente às ações que o Estado e o
capital põem em marcha, as quais, geralmente, ferem os interesses e direitos fun-
damentais dos trabalhadores. Quando se insubordinam e se mobilizam contra es-
sas políticas, geralmente são reprimidos pelo Estado através de ações legais ou, em
último caso, violentas. Na democracia participativa somente os partidos políticos
institucionais levam a cabo o “jogo do poder” para reproduzi-lo incessantemente
como um ritual mágico que desencadeia na cidadania e na psicologia das massas
ondas de fantasia e confiança em supostos espaços libertários, governamentais
e democráticos que todas as sociedades ocidentais e não-ocidentais “deveriam

15 Anthony Giddens, A terceira via : reflexões sobre o impasse político atual e o futuro da social-demo-
cracia, 4ª ed., Record, Rio de Janeiro, 2001, e A terceira via e seus críticos, Record, Rio de Janeiro,
2001.

31
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

assumir”. Quando se extrapolam os limites, então as classes dominantes e as bu-


rocracias políticas reagem contra quem exige plena participação na determinação
dos assuntos do Estado que dizem respeito a seus interesses de classe, profissionais
ou de outra índole. Desta forma, a democracia representativa vigente no sistema
capitalista internacional, como forma dominante de governo, reflete os limites
estruturais e superestruturais que a participação popular pode alcançar, e que
consiste em não abalar suas bases nem colocar em xeque os valores centrais que a
inspiram e a justificam.

Dimensão ético-cultural

O sistema central de valores de pertencimento, liberdade, solidariedade, le-


aldade, língua, etnia, crenças, utopias, cultura e tradição de povos e comunida-
des está ameaçado pelo turbilhão da globalização, entendida como a “compressão
do tempo e do espaço com a finalidade de converter o mundo inteiro em uma
mercadoria”16. Desta forma, a tecnologia da internet, a difusão da tecnomoder-
nidade e a mundialização do capital – que inclui a transnacionalização dos ciclos
econômicos nacionais, tais como a União Europeia com o euro, os acordos comer-
ciais do MERCOSUL, ou ainda aqueles francamente desiguais, injustos, depen-
dentes e assimétricos como o Tratado de Livre Comércio da América do Norte
(TLCAN) e a ALCA – convertem-se em instrumentos autênticos em proveito do
poder para acabar com os valores éticos-culturais e colocá-los a serviço da produ-
ção de mercadorias e de mais-valia.
No capitalismo, esta dimensão ético-cultural se circunscreve ao âmbito da-
quilo que Mészáros chama de mediações de segunda ordem, que são, de acordo
com o autor, as seguintes:

a) predomínio da família nuclear que atualmente o capitalismo tende a de-


sintegrar, sobretudo com a incorporação massiva da mulher e dos filhos
aos mercados de trabalho;
b) Os meios de produção alienados e suas personificações;
c) dinheiro mistificado, desde o cacau do antigos mexicanos até a época do
moderno sistema financeiro especulativo internacional;

16 Elmar Altvater, El fin del capitalismo tal y como lo conocemos, op. cit., p. 91, tradução nossa.

32
O antagonismo: trabalho-capital

d) A submissão do consumo e das necessidades da produção e acumulação


fetichizadas;
e) divórcio completo do trabalho assalariado e alienado em relação ao con-
trole dos meios de produção;
f) A existência de um variedade de Estados nacionais;
g) mercado mundial caótico e incontrolável17.

Estas mediações se antepõem – e acabam por dominar – às mediações de pri-


meira ordem que indicamos a seguir:

a) A inter-relação entre a regulação da reprodutividade biológica, a popula-


ção sustentável e os recursos naturais disponíveis;
b) A regulação social do processo de trabalho para a satisfação das necessi-
dades humanas;
c) A existência de relações igualitárias e simples de intercâmbio;
d) A preservação e reprodução das necessidades materiais e culturais das
sociedades humanas;
e) A distribuição racional e planejada dos recursos humanos e materiais
frente à anarquia e irracionalidade desta “distribuição” pelo capital, em
função da lógica do seu metabolismo social;
f) Por último, a promulgação e regulação de regras congruentes a estes prin-
cípios enunciados nas mediações primárias anteriores18.

A partir do exposto acima, o autor conclui que:

“[...] graças às mediações de segunda ordem do capital cada uma das for-
mas primárias é alterada de modo a se tornar quase irreconhecível, para
adequar-se às necessidades expansionistas de um sistema fetichista e alie-
nante de controle sociometabólico, que subordina absolutamente tudo ao
imperativo da acumulação de capital”19.

17 István Mészáros, Para além do capital: rumo a uma teoria da transição, Boitempo, São Paulo,
2002, p. 180 e ss.
18 Ibid., p. 208 y ss.
19 Ibid., p. 213.

33
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

Conforme a consideração de que as mediações de segunda ordem assumem,


inclusive, um perfil jurídico-institucional, Mészáros assevera que, em consequ-
ência, as mediações de primeira ordem se convertem em uma forma alienada do
Estado político, o qual se encarrega de impor à sociedade e aos indivíduos – me-
diante a coerção e o consenso, agregamos – os imperativos essenciais da reprodu-
ção capitalista em escala ampliada.20

Dimensão da centralidade do trabalho e o sujeito histórico

O trabalho e o capital são, no contexto de múltiplas contradições sociais, os


antípodas da sociedade capitalista, não por um capricho histórico ou por uma
“fatalidade indecifrável”, tampouco devido à ilusão de intelectuais tresnoitados,
mas porque constituem uma realidade que se nutre dia-a-dia dentro do metabo-
lismo da reprodução da sociedade capitalista estruturada em classes sociais e pela
existência da propriedade privada como princípios constitutivos reguladores da
sociedade a nível econômico, jurídico-político e institucional.
O trabalho abstrato – responsável pela substituição e conversão do trabalho
concreto em mercadoria – não pode desaparecer, por mais que sua morfologia
tenha experimentado modificações a partir do último quarto do século XX. Es-
tas mudanças se expressam no aumento da complexidade das relações sociais, ao
lado de processos evidentes de urbanização acelerada e de surgimento de novos
setores de valorização de capital (novas tecnologias, capital fictício, call centers,
outsourcing) em esferas como as telecomunicações, a informática, a telemática,
a microeletrônica, e o marketing – geralmente englobadas no conceito de traba-
lho imaterial –, mediante formas pós-tayloristas e pós-fordistas de organização
do trabalho, a exemplo do toyotismo, conectadas com os processos de produção
e valorização do capital. De alguma maneira estes fenômenos se explicam pelas
dificuldades inerentes à produção de mais-valia a partir do trabalho abstrato em
consonância com o trabalho concreto. Como afirma Alain Bihr:

“No fundo, o que se expressa desta maneira é uma contradição entre o va-
lor de uso (trabalho concreto) e o valor de troca (trabalho abstrato), já que
[...] a própria produção de trabalho abstrato implica a absorção tendencial-

20 Ibid., p. 214.

34
O antagonismo: trabalho-capital

mente cada menor de trabalho vivo por unidade de trabalho morto. É o que
produz a caída tendencial da taxa média de lucro, em prejuízo dos aumen-
tos de produtividade que são a principal contra-tendência interna desta lei.
Assim, sucumbe a própria base da formação de valor’”21.

A dinâmica contraditória desta relação trabalho abstrato – trabalho concreto,


que implica, como o trecho acima adverte, uma participação cada vez menor do
valor de uso da força de trabalho na produção de valor e de mais-valia – fenô-
meno que, como veremos no próximos capítulo, não foi ignorado por Marx – é a
determinação fundamental do funcionamento do capitalismo, dos mercados de
trabalho e das classes sociais que se reproduzem em seu entorno.
Assim, a base material e histórica da classe trabalhadora, do proletariado e de
categorias sociolaborais tais como técnicos, cientistas, analistas, programadores,
engenheiros, designers (“analistas simbólicos)22, que reproduzem sua existência
mediante a venda de sua força de trabalho a um patrão – seja ao Estado, ao em-
presariado ou a um conglomerado misto – para receber em troca um salário (em
qualquer forma que este assuma: salário mínimo, por peça, por honorários ou por
tempo) confirma que a força de trabalho continua sendo um fator fundamental
da existência social – ao mesmo tempo que depende das forças produtivas e das
relações sociais de exploração e domínio –, além de ser também a figura emble-
mática que visível ou invisivelmente se enfrenta constantemente ao capital – a
luta de classes –, fato que a imprensa e os meios acadêmicos e corporativos tentam
ocultar. Aqui, devemos insistir que, embora as transformações operadas pelo ca-
pitalismo nas últimas décadas sem dúvida engendraram novos tipos ou frações
de trabalhadores23 que aparentemente se afastam dos “cânones tipificados” nos

21 Alain Bihr, “Las formas concretas del trabajo abstracto”, Revista Herramienta no. 44, junio de
2010, p. 37, tradução nossa. De fato, “O tempo de trabalho abstrato/geral existe somente através do
concreto/particular. Colocados esses dois tempos em relação, o valor se manifesta com toda cla-
reza como abstração do tempo social”. Daniel Bensaïd, Marx intempestivo. Grandezas y miserias
de una aventura crítica, Ediciones Herramienta, Buenos Aires, 2013, p. 126, tradução nossa.
22 Ver Robert Reich, O trabalho das nações: preparando-nos para o capitalismo do Século 21, Educa-
tor, São Paulo, 1993.
23 Ver: Ricardo Antunes y Ruy Braga, Infoproletários. Degradação real do trabalho virtual, Boitempo
Editorial, São Paulo, 2009.

35
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

parâmetros do conceito de classe social, não se deve eludir a íntima relação exis-
tente entre estes novos tipos de trabalhadores e o trabalho assalariado. De fato,

“[...] os novos processos de acumulação flexível do capital criam um novo


tipo de trabalhadores: os precários, os intermitentes, os autônomos de últi-
ma geração, os ‘semi-autônomos’. Trata-se de novas formas e modalidades
de trabalho assalariado. Novas figuras que compreendem, sobretudo, os
jovens e as mulheres”24.

E pode-se estender a mesma conclusão aos “trabalhadores imateriais”, “infor-


máticos”, já que, como afirma certeiramente Úrsula Huws:

“[…] a existência de uma esfera visível, separada de trabalho não manu-


al, não é prova de um novo campo de atividade econômica ‘baseado no
conhecimento’, ‘imaterial’ ou ‘sem peso’; é simplesmente uma expressão
do crescimento da complexidade da divisão do trabalho, com a fragmen-
tação de atividades em tarefas separadas, tanto mentais quanto manuais,
crescentemente passíveis de serem dispersas geográfica e contratualmente
para diferentes trabalhadores, que podem mal saber da existência um do
outro”25.

As novas categorias de trabalhadores, assalariados ou não, materiais ou ima-


teriais, produtivos ou improdutivos, localizados na esfera da circulação ou da pro-
dução, explicam-se – e estruturam-se – em última instância por serem parte de
alguma das frações de classe existentes na sociedade, e agem no mundo do traba-
lho, na vida social ou, finalmente, na esfera política, de acordo com interesses ma-
teriais, de classe, de etnia, de gênero, profissionais e pessoais. Tal é o marco para as
alianças de classe, quando estas existem, e da ação política quando se enfrentam
a seu múltiplos antagonistas representantes dos interesses do capital, como os ge-
rentes, administradores, capatazes, chefes e guardiões de toda índole.

24 Luciano Vasapollo, Novos desequilíbrios capitalistas. Paradoxos do capital e competição global,


Londrina, Editora Praxis, 2004, p. 39.
25 Úrsula Huws, “Vida, trabalho e valor no Século XXI”, op. cit., p. 17.

36
O antagonismo: trabalho-capital

Dimensão científico-técnica

O desenvolvimento da ciência e da tecnologia (P&D), em vez de aumentar


o emprego, os salários e os níveis de qualificação – como supostamente deveria
ocorrer, em virtude do aumento da composição orgânica do capital (c/v), da pro-
dutividade do trabalho e da relocalização da força de trabalho como consequência
da automação – provoca, ao contrário, desemprego tecnológico, diminuição dos
salários, desqualificação, segmentação dos mercados de trabalho, terceirização,
marginalização social, elevação da intensidade do trabalho (através do neo-taylo-
rismo e do toyotismo), superfluidade, aumento da jornada laboral, precariedade e
superexploração da força de trabalho.
De fato, desde a Segunda Guerra Mundial,

“[...] o desenvolvimento tecnológico tem provocado grandes mudanças no


método de produção e, mais diretamente, no mundo do trabalho. A in-
dústria tem se transformado, os equipamentos, nascidos para melhorar a
produtividade do trabalho dos operário nos processos repetitivos, na rea-
lidade têm aumentado os ritmos e o fardo dos trabalhadores sem provocar
incrementos similares do salário real nem reduções correspondentes do
horário de trabalho”26.

No que toca a este último ponto, concernente à relação (negativa) tecnologia-


-emprego-salários, alguns autores como Manuel Castells afirmam o contrário, de
que existe uma relação positiva entre emprego e tecnologia.

“Em 1994-1995, dentro da área da União Europeia, os países com a maior


difusão das tecnologias eletrônicas (Áustria, Suécia, Alemanha) também
foram os que tiveram a taxa de desemprego mais baixa, enquanto Espanha,
um país atrasado tecnologicamente, exibia taxas muito superiores”27.

26 Luciano Vasapollo y Arriola, Flexibles y precarios. La opresión del trabajo en el nuevo capitalismo
europeo, El Viejo Topo, 2003, pp. 136-137, tradução nossa.
27 NT: Este trecho não consta na versão brasileira do livro de Manuel Castells: A sociedade em rede,
8ª ed. rev. e ampl., Paz e Terra, São Paulo, 2005, por se tratar de uma versão mais recente – e
completamente revisada por Castells – do que a utilizada por Sotelo Valencia neste trabalho. O
trecho que traduzimos nesta nota consta na versão em língua espanhola: Manuel Castells, La era

37
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

O autor supõe que a robótica e as linhas de montagem das fábricas reduzem


a jornada laboral e aumentam a produtividade do trabalho, cujo resultado é a
melhora da competitividade que, por sua vez, desencadeia um “círculo virtuoso”
que se reverte no aumento do emprego devido à expansão dos mercados e dos
investimentos que – supostamente – o acompanham:

“Se qualidade superior e a maior produtividade conseguida com a intro-


dução de máquinas eletrônicas aumentassem a competitividade, tanto a
empresa como o setor precisariam aumentar os empregos para atender à
maior demanda resultante de uma fatia maior do mercado. Desse modo,
levanta-se a questão em âmbito nacional: a nova estratégia de crescimento
implicaria aumento de competitividade à custa da redução do emprego em
alguns setores, enquanto o superávit gerado dessa forma seria usado para
investir e criar postos de trabalho em outros setores, como serviços empre-
sariais ou indústrias de tecnologia ambiental. Em última instância, o re-
sultado líquido do emprego dependerá da concorrência entre as nações”28.

Curioso argumento o de Castells, o mesmo que foi criticado por Marx em seu
tempo, quando James Mill, Torrens, Mc-Culloch e John Stuart Mill supunham
“[...] que toda maquinaria que desloca trabalhadores sempre libera, simultânea e
necessariamente, um capital adequado para ocupar esses mesmos trabalhadores”
29
. Marx se opôs a essa (falsa) “teoria da compensação”, afirmando que a substi-
tuição de trabalhadores por máquinas, em todas os ramos da produção social,
engendra o exército industrial de reserva cujas funções consistem em aumentar
a concorrência entre os trabalhadores, baixar os salários e elevar também a taxa
média de exploração do trabalho.

de la información, Vol. 1, Siglo XXI, México, 2004, p. 284, tradução nossa. Todas as referências
posteriores deste trabalho serão extraídas da versão brasileira.
28 Manuel Castells: A sociedade em rede, 8ª ed. rev. e ampl., Paz e Terra, São Paulo, 2005, pp. 320-
321. Salta à vista que o autor desconsidera que, em última instância, o sistema funciona por meio
da concorrência e que esta é, ao mesmo tempo, guiada pela lógica e pela dinâmica mercantil do
lucro extraordinário, fator essencial no estímulo à introdução de novas tecnologias no processo
produtivo, o que resulta na substituição da força de trabalho e na redução do emprego.
29 Marx, O Capital. Crítica da Economia Política. Livro I: O processo de produção do capital, Boitem-
po, São Paulo, 2013, p. 410.

38
O antagonismo: trabalho-capital

Ainda que se possa estar de acordo com Castells no fato de que não se trata
somente de uma conta de soma zero, de uma simples redistribuição ocupacional
que coloca o que se perde de um lado da balança e o se ganha do outro lado, o que
criticamos é o argumento principal dessa correlação, porque se fundamenta em
um período histórico muito curto, o que impede a análise de macrotendências de
longo prazo. Porém, ao ampliarmos o período de análise, por exemplo, de 1980
a 1995, veremos que na indústria automotriz europeia o emprego direto caiu de
2,2 milhões a 1 milhão de trabalhadores, e não se pode negar que durante todo
este período houve mudanças evidentes tanto na organização do trabalho como
na organização da produção30. Também nos Estados Unidos, entre 2000 e 2009,
o emprego absoluto nas empresas automobilísticas se reduziu em torno de 75%,
após o fechamento massivo de unidades produtivas31. O mesmo se pode afirmar
sobre o setor automotriz mexicano onde, entre 1990 e 2012, o pessoal ocupado se
reduziu praticamente à metade, apesar da – ou devido à – introdução de tecnologia
e sistemas toyotistas de organização do trabalho.
Em escala mundial, a curva de emprego – com o correlato aumento do de-
semprego – seguiu uma trajetória descendente na década de oitenta e noventa
do século passado, como produto da crise estrutural, da automação das unidades
produtivas e do surgimento de novos setores dinâmicos tais como os serviços ele-
trônicos, bancários e financeiros que incorporaram tecnologia de ponta em seus
processos de gestão, design e marketing.
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o ano de
1997 é um divisor de águas nas tendências de desemprego e criação de empregos
no mundo. Nesse novo cenário, América Latina aparece para a OIT como uma
região onde a situação do emprego melhora de forma duradoura, pois nesse ano:

“[...] se exibe um panorama laboral mais animador que o anterior. Há me-


lhorias em vários indicadores para o conjunto da região e para a maioria
dos países, mesmo com as diferenças habituais entre eles. Talvez o mais
importante tenha sido a interrupção da tendência à deterioração das con-
dições de trabalho, mas tal interrupção não foi suficiente para reverter a

30 Isabel Sánchez Contreras, “Características estructurales de la industria del automóvil en Europa”,


Revista Comercio Exterior, vol. 49, núm. 11, México, noviembre de 1999, p. 1031.
31 Guy Standing, O precariado: a nova classe perigosa, Autêntica, Belo Horizonte, 2013, p. 79.

39
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

situação ao níveis que prevaleciam no começo década atual e muito menos


aos tempos anteriores ao ajuste do anos 80. Além do mais, é difícil anteci-
par a sustentabilidade das tendências, tema particularmente complicado
devido à crise asiática”32.

Como vemos, apesar desta afirmação sobre a “reversão” da tendência nega-


tiva da curva de desemprego, o argumento é débil, e em grande medida efêmero
no que diz respeito à possibilidade de que tais tendências assumam um caráter
estrutural e permanente. Pelo contrário, parece que historicamente tem ocorrido
exatamente o oposto.
Desde mediados da década de setenta do século passado, as taxas de empre-
go deixaram de corresponder ao crescimento econômico e, em consequência, o
desemprego passou de 4% da força de trabalho – cifra estável entre 1950 e 1973
– a 8% dez anos depois nos 24 países capitalistas mais desenvolvidos, afetando 31
milhões de pessoas. 33 De acordo com a OCDE, em 2012 o desemprego chegou a
7,9% entre países membros desta organização; na União Europeia, alcançou a taxa
de 10,5% e na Zona do Euro (que inclui os países menos desenvolvidos da Europa),
11,4%34. Ao que parece, esta trajetória tende a persistir, mais do que reverter-se:
nos países capitalistas desenvolvidos, incluindo a União Europeia, a taxa de de-
semprego foi de 8,7% em 2013; de 8,6% em 2014 e será de 8,4% em 2015, dados que
significam milhões de pessoas a mais sem emprego35.

32 Organización Internacional del Trabajo, Panorama Laboral 1997, “Mejora coyuntural de la si-
tuación laboral”, Oficina Regional para América Latina y el Caribe, Lima, Perú, tradução nossa.
Disponível na internet: http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/docu-
ments/publication/wcms_187606.pdf.
33 Ruy Mauro Marini, “Proceso y tendencias de la globalización capitalista”, em Ruy Mauro Marini
Ruy Mauro y Márgara Millán, La Teoría Social Latinoamericana, Vol. IV, Cuestiones contemporá-
neas. Ediciones El Caballito, 1996, p. 55.
34 Eurostat, disponível em internet: http://epp.eurostat.ec.europa.eu/cache/ITY_PUBLIC/3-
31082012-BP/EN/3-31082012-BP-EN.PDF, julho de 2012.
35 OIT, Global employment…Tabla P1, p. 147. Projeções para 2014 y 2015.

40
O antagonismo: trabalho-capital

Quadro nº1
Evolução do desemprego nos principais países capitalistas avançados: 1950-2013 e projeções para
2014 e 2015 (%)
Anos
Países 1950-1973 1973-1983 2012 2013 2014 2015
Europa (24 países) 4 8
OCDE 7,9
UE 10,5
Zona do Euro 11,4
Países desenvolvidos (inclui UE) 8,7 8,6 8,4

Fonte: Quadro elaborado com base nos dados das notas 32, 33, e 34.

A situação dos países da OCDE é alarmante, tanto em matéria de desempre-


go, de qualidade dos postos de trabalho, quanto de remunerações salariais. De
fato, um Informe sobre as perspectivas do emprego 201436 revela que no primeiro
trimestre de 2014 existiam ao redor de 45 milhões de pessoas desempregadas, 12,1
milhões a mais do que antes da crise capitalista de 2008-2009, e que essa quan-
tidade significa cerca de 202 milhões de pessoas sem trabalho no mundo e uma
quantidade ainda maior que tem emprego, mas de natureza precária e com salário
quase ao nível da sobrevivência. As perspectivas divergem significativamente en-
tre países: na Espanha, em 2014, o desemprego girava ao redor de 24% e na Grécia
se aproximava de 27%. Na Zona do Euro alcançava 11,6% e na República Checa,
Eslovênia, Itália e Portugal era superior a 10%.
Por outro lado, o enfoque ultra neoliberal da OCDE põe nas mãos do mercado
a missão de “recuperar” os salários e a qualidade dos empregos:

“Enquanto os recortes salariais ajudaram a conter a perda de empregos e a


restaurar a competitividade dos países com grandes déficits antes da crise,
novas reduções podem ser contraproducentes e não criar empregos nem
impulsionar a demanda [...] Os governos ao redor do mundo, incluindo as

36 OCDE, Las perspectivas del empleo 2014. Disponível em internet: http://www.oecd-ilibrary.org/


sites/empl_outlook-2014-sum-es/index.html?itemId=/content/summary/376483e7-es

41
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

principais economias emergentes, devem enfocar-se em fortalecer o cresci-


mento econômico e a forma mais efetiva é através de reformas estruturais
para melhorar a competitividade nos mercados de bens e serviços. Estas
reformas estimularão a inversão, a produtividade, os empregos, as rendas
e o bem-estar”37. 

Além disso, o Informe destaca que a crise capitalista impactou os salários, de


tal maneira que o incremento salarial está praticamente estancado desde 2009 e,
nos casos de Espanha, Grécia, Portugal e Espanha, os salários caíram, em média,
entre 2% e 5%.
Em relação à natureza do emprego, o organismo destaca que uma porcenta-
gem superior a 50% dos trabalhadores temporários europeus, após 3 anos de tra-
balho, ainda não tinha um contrato de tempo completo definido com as empresas.
Estes dados nos permitem afirmar que existem fortes tendências de reforço
do desemprego estrutural, da deterioração e da queda dos salários, independen-
temente de que em determinadas conjunturas ocorram aumentos das taxas de
emprego, momentos esses que correspondem à própria natureza cíclica do ca-
pitalismo, mas sabendo que este é incapaz de absorver o desemprego estrutural
e manter constantemente uma situação de “pleno emprego” que ameace dimi-
nuir seriamente o exército industrial de reserva. Mesmo um autor liberal como
Standing reconhece que as recessões aumentam a precariedade nos mercados
de trabalho, principalmente hoje em dia, em que há cada vez mais trabalhadores
temporários facilmente despedidos pelas empresas. Devido a isso, o autor conclui
que: “Fora-se os dias em que um grande número de trabalhadores era dispensado,
mantendo-se seus empregos até que a demanda se erguesse”38, tal como se observa
na comparação entre dois períodos: logo após a recessão capitalista de finais da
década de setenta e começo da década de 80 o emprego cresceu, enquanto não
experimentou crescimento por mais de um ano após a crise de 2008-2009. Tal fato
demonstra que, efetivamente, o comportamento da taxa de emprego se tornou
independente da taxa de crescimento econômico, particularmente no período do
neoliberalismo.

37 Ibid., s/n de página. Destaques nossos.


38 Guy Standing, op. cit., pp. 79-80.

42
O antagonismo: trabalho-capital

Por outro lado, se nos concentramos no tipo e na qualidade dos empregos


criados e computados nas estatísticas de organismos internacionais e governa-
mentais, reparamos que, nos Estados Unidos e na Europa, este fenômeno – ao
contrário do que ocorreu nos anos sessenta e setenta do século passado – gerou
empregos precários com altos índices de instabilidade laboral. Desta forma,

“Diversos estudos na década de noventa nos Estados Unidos demonstra-


ram que uma flexibilização maior nos contratos não desembocaram em
mais e melhores empregos para os trabalhadores menos qualificados. É
verdade que se criaram mais empregos nos anos 80 e 90, mas também é
verdade que o tempo de férias foi reduzido, que a jornada de trabalho au-
mentou [...] e que boa parte do emprego criado é ocupado por donas de
casa para compensar a caída dos salários reais de seus maridos. Tal como
ocorreu no século XIX, os empregos precários e mal remunerados foram
ocupados por segundos e terceiros indivíduos dentro de cada família. A
criação de emprego, portanto, seria uma espécie de reaparição do salário
familiar um século e meio depois” 39.

Há certa pertinência no argumento de que, em primeira instância, a introdu-


ção de tecnologia eletrônica redistribui o emprego o que, por sua vez, depende em
parte da correlação de forças entre trabalho e capital, mas também da consciência
e da efetividade das organizações dos trabalhadores para resistir ou desatar uma
contraofensiva antipatronal e/ou anti-sistema40. No longo prazo, porém, constata-
-se, como característica estrutural da história do capitalismo e das lutas sindicais,
que juntamente com o crescimento relativo do emprego, vão se acumulando dé-
ficits cada vez maiores na criação de postos de trabalho, o que confirma a tese de
Marx relativa aos efeitos negativos da automação e da tecnologia eletrônica sobre
os postos de trabalho e, de maneira geral, sobre o mundo do trabalho em períodos
extensos de expansão capitalista e no contexto de aumento da composição orgâ-
nica do capital – aumento do capital constante (fixo e circulante), em prejuízo

39 Carlos Arenas Posadas, Historia económica del trabajo (siglos XIX y XX), Tecnos, Madrid, 2003, p.
271, tradução nossa.
40 Para este tema ver: Manuel Mera, “El contexto socioeconómico y los retos actuales del sindicalis-
mo”, III Xornadas do Mundo do Traballo, CIG-Ourense e FESGA, Galiza, Estado Español, s/d.

43
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

de inversões em capital variável (força de trabalho, salários) – cujo resultado é


a contração da criação de empregos produtivos e remunerados e, portanto, da
participação da força de trabalho na produção direta de valor. A consequência de
estes dois movimentos é a de reforçar a taxa de exploração da força de trabalho,
seja pelo aumento do tempo de trabalho, seja pelo aumento de sua intensidade.
Estes fenômenos adversos para os trabalhadores e para a sociedade em geral
também se percebem nos ciclos econômicos recessivos (com ou sem aumento da
taxa de lucro) e nos de recuperação e crescimento econômico, tal como ocorreu na
década de noventa do século passado nos Estados Unidos durante a administração
Clinton, quando se popularizou no meio acadêmico o eufemismo new economy41.
Fenômenos como a relocalização de empresas e setores (deslocalização), par-
ticularmente na indústria automobilística, a automação e a utilização de tecno-
logia nos processo produtivos para abaratar, flexibilizar e desregular o trabalho,
ao invés do que afirma a propaganda comercial, não solucionaram o problema da
rentabilidade do capital nem o do controle da força de trabalho sobre o processo
produtivo. Pelo contrário, só conseguiram “[…] reposicionar geograficamente as
contradições, deslocando-as de um lugar de produção para outro”42, questão que
revelou que o capital e suas empresas têm uma necessidade imperiosa de avançar
pela vereda de relocalizações e deslocalizações a zonas geográficas como o nor-
te do México ou a China, por exemplo, as regiões mais propícias para alcançar
aquele imperioso propósito, principalmente devido ao predomínio de economias
de salários baixos43, situação que o capital tende a reconstruir e fortalecer. Além
disso, esta deslocalização aparece também nos territórios europeus, entre as gran-
des empresas dos países imperialistas como Alemanha às novas periferias que se

41 Michel Husson, La economía mundial desequilibrada, documento em formato PDF disponível


na dnternet: http://www.lahaine.org/index.php?blog=2&p=6231&more=1&c=1. Atribui-se o con-
cepto de “new economy” ao economista de Harvard, Michael J. Mandel, em teu texto The triumph
of the new economy. Este conceito foi acunhado pelo economista Brian Arthur e popularizado
principalmente por Kevin Kelly, editor da revista norte-americana Wired, disponível em http://
archive.wired.com/wired/archive/5.09/newrules.html.
42 Beverly J. Silver, Fuerzas de trabajo. Los movimientos obreros y la globalización desde 1870, Ma-
drid, AKAL, 2005, p. 79 y ss., tradução nossa.
43 Ibid., p. 80. De acordo com o Bank of America Merrill Lynch, em abril de 2013, os custos traba-
lhistas no México (o que inclui os salários) foram 19.6% más baixos do que na China, em congru-
ência com nossa tese da concorrência capitalista pelo rebaixamento salarial em todo o mundo.

44
O antagonismo: trabalho-capital

formaram nos últimos anos nesta região, particularmente após a caída da URSS
e do bloco socialista.44 No mesmo momento em que a divisão internacional do
trabalho se amplia e a fratura operária se aprofunda, este mapa de deslocalizações
intensifica a concorrência pela utilização das zonas de baixos salários, incrementa
a taxa de exploração do trabalho e se aproveita do pouco ou nulo ativismo sindi-
cal, especialmente em regiões que enfrentam desvalorizações e crises endêmicas,
como a Indústria Maquiladora de Exportação (IME) no México 45.
Contudo, mesmo neste contexto crítico e de mudanças estruturais, não se
perde a centralidade do trabalho assalariado, criador de valor, responsável pela
produção de mais-valia e de lucros que garantem a reprodução do capital, e que se
mantém como o alicerce das sociedades capitalistas contemporâneas em sua atual
fase neoliberal, neoimperialista e dependente. Porque se estas categorias já não
fossem funcionais ao sistema – como alguns de seus intelectuais orgânicos creem
– dificilmente o capital encontraria os substitutos necessários para garantir sua
reprodução e continuidade, por mais que se professem as “virtudes” da tecnologia
e da ciência como dispositivos capazes de alcançar este fim “por si mesmas”.
As ideias expostas acima provam que, por mais que o sistema e suas institui-
ções – através da automatização e das inovações tecnológicas desencadeadoras
das constantes crises e restruturações do capital – pressionem para substituir o
fator humano (como força de trabalho simples e complexa, objetiva e subjetiva,
material e imaterial, cognoscitiva e manual) – e, assim, aumentar a taxa de lucro
– este objetivo enfrenta limites históricos-estruturais derivados da necessidade
de reprodução do sistema e da dinâmica da taxa de lucro. Demonstram, também,
que o que vem se transformando verdadeiramente é a fisionomia do mundo do
trabalho, modificada pela restruturação capitalista (downsizing) em, pelo menos,
quatro direções:

44 Estas novas periferias surgem nos países da Europa do Leste logo após a desintegração da URSS
e se constituem como plataformas de deslocalização da produção a favor das grandes empresas
transnacionais dos países desenvolvidos como Alemanha e França. Cf. Adrián Sotelo, Desindus-
trialización y crisis del neoliberalismo: maquiladoras y telecomunicaciones, coedición Editorial
Plaza y Valdés, UOM-ENAT, México, 2004, capítulo 6, p. 139 y ss.
45 Para este tema, ver meu livro, México (re)cargado. Dependencia, neoliberalismo y crisis, coedición
Facultades de Ciencias Políticas y Sociales-UNAM-Editorial Itaca, México, 2014.

45
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

a) Desregulamentação jurídico-política sob a ação do Estado e da patronal


dentro da “reforma do Estado” promovida pelo Banco Mundial, princi-
palmente na América Latina, região em que se ensaiaram as políticas ne-
oliberais de privatização econômica e de reestruturação produtiva;

b) Flexibilização da força de trabalho, o que acarreta a criação de operários


polivalentes (multiusos) e rotativos que são obrigados a realizar simul-
taneamente tarefas de operação, controle e manutenção de maquinaria,
tornando-os assim mais versáteis aos fluxos dos ciclos produtivos46;

c) Desintegração laboral, salarial e social, violando os direito trabalhistas


por meio da precarização do trabalho 47.

d) Por último, terceirização das atividades produtivas e da força de trabalho


(outsorcing)48.

Estas quatro dimensões (desregulamentação, flexibilização, precarização e


terceirização) codificam o contrato temporário vulnerável como forma hegemô-
nica do novo regime neoliberal da divisão internacional do trabalho vigente, ao
mesmo tempo que estimulam a generalização da superexploração do trabalho e
da precariedade, afetando a maioria das categorias que conformam o mundo do
trabalho. Este ponto é a base central para o debate que travaremos a seguir sobre a
plausibilidade da constituição, ou não, de um precariado social.

46 Testemunho de um trabalhador de uma empresa automobilística de São Paulo, entrevistado por


Renan Araújo, O novo prefil metalúrgico do ABC. Um estudo sobre o trabalho e o modo de vida
“just in time” do metalúrgico jovem-adulto flexível (1992-2008), Editora da FECILCAM, Campo
Mourão, PR, 2012, p. 111. Para una descrição geral ver: Eurenice De Oliveira, Toyotismo no Brasil,
desencantamento da fábrica, envolvimento e resistência, Expressão Popular, São Paulo, 2004, p. 77.
47 Desenvolvo este tema em meu livro: Globalización y precariedad del trabajo en México, El Caballi-
to, México, 1999.
48 Para o tema do outsourcing, ver nosso trabalho em conjunto com Dídimo Castillo: “Outsourcing
and the New Labor Precariousness in Latin America”, en: Latin American Perspectives, Vol. 40,
núm. 5, pp. 14-26, junho de 2013.

46
O antagonismo: trabalho-capital

CONCLUSÃO

Estas dimensões, que dizem respeito às distintas contradições entre o traba-


lho e o capital, e que aqui resenhamos de maneira geral, mostram um fato inques-
tionável: o mundo do trabalho existe hoje em si e para si (possui uma autonomia
relativa tanto em relação ao Estado quanto em relação ao capital), além de ser o
polo oposto deste último, qualquer que seja a forma de existência que este assuma:
produtiva, comercial, financeiro-especulativa, tecnológica ou industrial. Não é a
forma, mas o conteúdo aquilo que permanece em tensão e sua substância é a re-
lação antagônica e a luta entre o trabalho e o capital que se verifica todos os dias
nos diversos espaços e planos da realidade capitalista: econômico, social, político
e cultural.
Por isso é que o capital não pode prescindir de forma alguma da força huma-
na de trabalho (valor de uso), mas pode reduzi-la a sua máxima expressão com o
objetivo de obter os benefícios de sua utilização, por menores que sejam.

47
CAPÍTULO 3
DESMEDIDA DO VALOR, TEMPO DE
TRABALHO Y CRISE

INTRODUÇÃO

Este capítulo tem por objetivo expor um assunto bastante complexo que Marx
desenvolveu nos Grundrisse e que tem sido pouco considerado pelos autores que
se ocuparam do tema que abordamos neste livro. Interessa-nos, principalmen-
te, porque acreditamos que nos permite construir uma perspectiva analítica que
explique a crise contemporânea do capitalismo em curso, a qual se traduz, es-
sencialmente, em graves problemas de produção de mais-valia derivados de dois
movimentos inter-relacionados dialeticamente: por um lado, a crescente redução
do tempo de trabalho socialmente necessário para a produção do valor das mer-
cadorias e, por outro, a ênfase desmesurada do capital na extensão do tempo de
trabalho excedente para aumentar a mais-valia, à custa do primeiro movimento.
Ambos movimentos se desdobram nos ciclos e no fluxo do capital à esfera finan-
ceira, ocasionando o fenômeno que alguns economistas denominam “financei-
rização da economia mundial”, mas que se relaciona, em nossa opinião, com a
categoria de desmedida do valor e do capital.

VALOR E DESMEDIDA DEL VALOR

A crise capitalista é essencialmente uma crise de produção de valor e de


mais-valia, ideia esta que derivamos das proposições que Marx desenvolveu nos

49
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

Grundrisse e, posteriormente, no Capital.49 De fato, Marx expôs esta tese no Ca-


pital como uma lei:

“[...] quanto maior é a força produtiva do trabalho, menor é o tempo de


trabalho requerido para a produção de um artigo, menor a massa de tra-
balho nele cristalizada e menor seu valor. Inversamente, quanto menor a
força produtiva do trabalho, maior o tempo de trabalho necessário para
a produção de um artigo e maior seu valor. Assim, a grandeza de valor de
uma mercadoria varia na razão direta da quantidade de trabalho que nela é
realizado e na razão inversa da força produtiva desse trabalho”50.

Tanto no Capital como nos Grundisse Marx demonstra que o desenvolvimen-


to das forças produtivas implica uma redução do tempo de trabalho socialmente
necessário (TTSN) e o aumento conseguinte do tempo de trabalho excedente não
remunerado (TTENR) para a produção de mercadorias em geral e, em particular,
da força de trabalho, como se pode ver no diagrama seguinte.

Diagrama nº 1
Jornada de Trabalho = 8 hrs.

49 Consideramos que ambas obras (O Capital e os Grundrisse) são complementárias, como uma
sequência epistemológica e conceitual, em discordância com Antonio Negri, que em seu livro
Marx além de Marx (N.T.: no original, Marx beyond Marx, sem tradução ao português) afirma
que as duas são obras separadas (a primeira localizada acima da segunda), nem como Althusser
na sua afirmação sobre a “ruptura epistemológica” que divide o pensamento de Marx em compar-
timentos estanques. Ver nosso libro: Crisis capitalista y desmedida del valor: un enfoque desde los
Grundrisse, coedición Editorial Itaca-UNAM-FCPYS, México, 2010.
50 Karl Marx, O Capital. Crítica da Economia Política. Livro I: O processo de produção do capital,
Boitempo, São Paulo, 2013, p. 123. Marx já havia esboçado essa tese em seus Grundrisse. Ma-
nuscritos econômicos de 1857-1858. Esboços da crítica da economia política, Boitempo, São Paulo,
2011, pp. 269-270.

50
Desmedida do valor, tempo de trabalho y crise

O interesse estratégico do capital é aumentar ao máximo o tempo de trabalho


excedente não remunerado que constitui a mais-valia, de tal forma que conforme
se exacerba este procedimento (redução do tempo de trabalho socialmente neces-
sário e aumento do excedente), chega-se a um limite estrutural e histórico em que:

“O aumento das forças produtivas deviria indiferente para o capital; inclu-


sive a valorização, porque suas proporções teriam se tornado mínimas; e o
capital teria deixado de ser capital. [...] No entanto, isso não ocorre porque
cresceu o salário ou a participação do trabalho no produto, mas porque o
salário já caiu muito, considerado em relação ao produto do trabalho ou à
jornada de trabalho vivo”51.

Um ângulo desta indiferença radica no fato de que o capital social global ra-
pidamente percebe, mesmo sem compreender a essência do processo, que com a
dificuldade crescente para reduzir o tempo de trabalho socialmente necessário,
a revolução científico-tecnológica não cria mais valor nem, consequentemente,
mais-valia; mas que, ao contrário, cedo ou tarde a taxa de lucro cai, mesmo em
um ambiente onde o capital fictício sustente a hegemonia, o qual, em todo caso,
não faz outra coisa que exacerbar ainda mais a centralização do capital. Esta é
a essência do conceito de mais-valia relativa: para que esta se produza deve ha-
ver uma redução da magnitude necessária correspondente ao valor da força de
trabalho através da redução do valor e do tempo socialmente necessário para a
produção dos elemento materiais e histórico-morais que o conformam. Assim se
alcançam os limites do modo de produção capitalista já que, como afirma Mandel,
este limite não reside na absorção das esferas não capitalistas de produção, como
pensava Rosa Luxemburgo – processo que, diga-se de passagem, ocorreu de forma
massiva no transcurso dos dois últimos séculos –, nem na impossibilidade de va-
lorizar a totalidade do capital acumulado, como supunha Henry Grossman52, mas

51 Karl Marx, Grundrisse, op. cit., pp. 270. Destaques do autor. Contrariamente aos dogmas neoli-
berais, este trecho comprova que não é o salário em si o que provoca problemas na valorização
do capital, mas justamente o oposto: é porque baixa constantemente a participação do salário,
sobretudo em sua dimensão real, que se multiplicam estes problemas na esfera da valorização do
capital.
52 Ver: Henry Grossman, La ley de la acumulación y del derrumbe del sistema capitalista, México,
Siglo XXI, 3ª ed., 2004.

51
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

no fato de que “[...] Esse limite reside no fato de que a própria massa de mais-valia
necessariamente diminui como resultado da eliminação do trabalho vivo do proces-
so de produção no transcurso da etapa final de mecanização-automação” 53.
Esta relação entre tempo de trabalho e forças produtivas no âmbito do pro-
gresso técnico é o núcleo duro da teoria de Marx e opera com status de lei no
sistema capitalista, particularmente quando postula que “O aumento das forças
produtivas deviria indiferente para o capital”. O que significa isso? Por mais que
o capital revolucione seus meios de produção e de transporte, aplique a ciência e
a técnica aos processos produtivos e de trabalho, mesmo assim não consegue au-
mentar significativamente a produção de valor e de mais-valia (mas consegue des-
truir a natureza e as forças produtivas da sociedade), questão que coloca o sistema
à beira de um perigoso caminho de entrada ao (quase) estancamento, à recessão
de longo prazo e à barbárie depredadora, como parece estar ocorrendo hoje em
dia em quase todo o mundo 54 .
Do trecho seguinte dos Grundrisse pode-se inferir o conteúdo da categoria
desmedida do valor ou, em outras palavras, da insuficiência do tempo de trabalho
para determinar quantitativamente o valor das mercadorias e da riqueza em geral:

“O próprio capital é a contradição em processo [pelo fato] de que procura


reduzir o tempo de trabalho a um mínimo, ao mesmo tempo que, por outro
lado, põe o tempo de trabalho como única medida e fonte da riqueza. Por
essa razão, ele diminui o tempo de trabalho necessário para aumentá-lo
na forma do supérfluo; por isso, põe em medida crescente o trabalho su-
pérfluo como condição – questão de vida e morte – do necessário. Por um
lado, ele traz à vida todas as forças da ciência e da natureza, bem como da
combinação social e do intercâmbio social, para tornar a criação de riqueza
(relativamente) independente do tempo de trabalho nela empregado. Por
outro lado, ele quer medir essas gigantescas forças sociais assim criadas
pelo tempo de trabalho e encerrá-las nos limites requeridos para conservar
o valor já criado como valor. As forças produtivas e as relações sociais –
ambas aspectos diferentes do desenvolvimento do indivíduo social – apa-

53 Ernest Mandel, El capitalismo tardío, op. cit., p.204, tradução nossa.


54 István Mészáros, O século XXI: socialismo ou barbárie?, Boitempo, São Paulo, 2003.

52
Desmedida do valor, tempo de trabalho y crise

recem somente como meios para o capital, e para ele são exclusivamente
meios para poder produzir a partir de seu fundamento acanhado”55.

Podemos representar o trecho acima no seguinte diagrama:

Diagrama nº 2

Este diagrama ilustra a paulatina conversão do tempo de trabalho social-


mente necessário para a produção de riqueza-mercadorias – que determina seu
valor – em função de sua “base mesquinha” (o tempo de trabalho), o qual se re-
duz paulatinamente conforme se incrementa a capacidade produtiva, a partir da
conjunção do desenvolvimento científico-tecnológico, da natureza e das relações
sociais de produção. A ideia central é que o tempo de trabalho e a riqueza social
se “autonomizam” ao grau de dar uma impressão (fetichizada) de que ambos são
independentes um do outro, alimentando, por esta via, as teorias do “ fim do tra-
balho”, pois se tem a imagem de que a riqueza aumenta (em valores de uso) com
“menos trabalho”, sem que se perceba que tal coisa ocorre à custa da redução do
tempo vivo de trabalho do trabalhador e, portanto, de uma massa e uma taxa de
mais-valia menores.
A desmedida do valor (dismeasure of value) é um fenômeno contraditório que
se refere a que o tempo de trabalho socialmente necessário – fundamento da pro-
dução capitalista e da mais-valia (trabalho abstrato) – continua sendo o instru-
mento determinante do valor, de medição do desenvolvimento das forças produ-
tivas materiais da sociedade e da produção concomitante da riqueza social, porém
diminui paulatinamente pela ação dessas mesmas forças e impacta na redução da

55 Grundrisse. Manuscritos econômicos de 1857-1858. Esboços da crítica da economia política, Boi-


tempo, São Paulo, 2011, pp. 588-589.

53
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

mais-valia (da qual a taxa de lucro depende), enquanto a riqueza social (valores de
uso) aumenta sobre uma base frágil que o sistema capitalista já não pode suportar.
Além do mais, como afirma Bensaïd: “O valor está determinado pelo tempo de
trabalho socialmente necessário para a produção da mercadoria, tempo ele próprio
flutuante, flexível como instrumento de medida que variará de acordo com o obje-
to medido” 56, particularmente mediante o desenvolvimento fenomenal das forças
produtivas.
Essa tese foi formulada por Marx nos Grundrisse quando prognosticou que o
capitalismo terminaria sendo governado pelo General Intellect57, o que significa,
em síntese, que, se bem a riqueza social deve necessariamente ser produzida no pro-
cesso de trabalho e de reprodução material do capital mediante relações de explora-
ção e de valorização, cada vez mais – contraditoriamente – se dificulta sua medição
adequada pelo tempo de trabalho58, e que cedo ou tarde esta contradição conduziria
o capitalismo a uma crise profunda. Alguns autores têm destacado esta tese recha-
çando a afirmação de que a produção de valor continua dependendo do tempo de
trabalho, tal como nós sustentamos, pois no momento atual do capitalismo estaria
ocorrendo uma “transformação da produção” em “produção inteligente, em um
espécie de “capitalismo cognitivo”, tal como assevera Prado59. Ao contrário, para
nós, isso se deve fundamentalmente a) à redução do tempo de trabalho socialmente
necessário para a produção de mercadorias, o qual auxilia a redução da massa de
mais-valia e, b) ao fato de que o capital constrói toda sua estratégia no aumento
exorbitante do trabalho excedente não remunerado, com o auxílio da aplicação e
utilização capitalista da ciência e da tecnologia. Não enxergar este fato significa
menosprezar o “trabalho manual” na fase que o autor denomina de “pós-grande in-
dústria” onde, supostamente, o general intellect60 governa, deixando de considerar
que, em Marx, por mais desenvolvido que este general intellect esteja, o mesmo se
explica, em última instância, pela relação dialética entra força produtiva material
e o trabalho manual-intelectual que intervém na produção para engendrar valor e

56 Bensaïd, op. cit., p. 134. Destaque e tradução nossos.


57 Marx, Grundrisse, op. cit., pp. 588-589.
58 Esta tese é respaldada por Rosdolsky, de acordo com Prado, op. cit. p. 41.
59 Prado, op. cit., p. 42.
60 Prado, op. cit., p. 62 y ss.

54
Desmedida do valor, tempo de trabalho y crise

mais-valia, mesmo que diminuídos enormemente devido à redução gigantesca do


tempo de trabalho socialmente necessário, o qual determina o valor total da força
de trabalho do trabalhador coletivo e não somente seu valor individual.
É necessário ter clareza sobre este ponto: por mais que a ciência e a técnica
(intelecto geral) alcancem autonomia relativa frente à força de trabalho psíquico-
-física do trabalhador, é uma mera ilusão pensar que, sem esta última, o capital
possa sobreviver sem se extinguir, tal como ocorre com um iceberg em um oceano
candente. Sempre haverá, no capitalismo, uma “[...] interação crescente entre tra-
balho e ciência, trabalho material e imaterial, elementos fundamentais no mun-
do produtivo (industrial e de serviços) contemporâneo”61. O capital é a dimensão
morta do trabalho vivo, sem o qual aquele perece irremediavelmente, e isso bem
sabem os mortos quando os vivos desaparecem.
Teoricamente se poderia pensar que a redução do tempo de trabalho auxilia-
ria a restituição das bases para engendrar “tempo livre” e, deste modo, transitar
a uma nova sociedade, não capitalista, uma vez que o trabalhador estaria “livre”
da servidão do tempo de trabalho e dos grilhões do trabalho assalariado. Isto não
ocorre - e não ocorreu no passado – como, por exemplo, supôs André Gorz quan-
do afirmou:

“A sociedade do tempo liberado se esboça apenas nos interstícios e como


contraponto da sociedade presente: baseia-se no princípio de “trabalhar
menos para todos trabalharem e ter mais atividades por conta própria”.
Dito de outra maneira, o trabalho socialmente útil, distribuído entre todos
os que desejam trabalhar, deixa de ser a ocupação exclusiva ou principal de
cada um: a ocupação principal pode ser uma atividade ou um conjunto de
atividades autodeterminadas, levadas a efeito não por dinheiro, mas em ra-
zão do interesse, do prazer ou da vantagem que nela se possa encontrar. [...]
A maneira de gerir a abolição do trabalho e o controle social desse processo
serão questões políticas fundamentais dos próximos decênios”62.

61 Ricardo Antunes, Os sentidos do trabalho, Boitempo, São Paulo, 2000, p. 124.


62 André Gorz, Adeus ao proletariado: para além do socialismo, Forense-universitária, Rio de Janei-
ro, 1982, p. 12. Retornaremos a esse tema no último capítulo.

55
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

E quem é o sujeito encarregado desta tarefa? Obviamente, para Gorz, não é o


proletariado de Marx, nem a classe trabalhadora, mas a “‘não-classe’ dos ‘não-tra-
balhadores’ como sujeito social potencial da abolição do trabalho”63. Mais adiante
o autor afirma de maneira taxativa: “apenas a não-classe dos não-produtores é ca-
paz desse ato fundador; pois apenas ela encarna, ao mesmo tempo, a superação do
produtivismo, a recusa ética da acumulação e a dissolução de todas as classes”64.
Gorz omite que, na medida em que o modo de produção capitalista e suas leis
essenciais persistem, e que continua-se a produzir e consumir dentro de seu hori-
zonte e de seus conteúdos, é impossível capitalizar o tempo liberado em benefício
do trabalhador e da sociedade; assim, nos marcos deste modo de produção, toda
redução relativa do tempo de trabalho social se realiza necessariamente em fun-
ção do aumento da mais-valia e do trabalho excedente, pois:

“A produtividade acrescentada do trabalho libera tempo para a criatividade


individual e coletiva, propícia para novas formas de convivência e lucidez;
mas a medida ‘miserável’ de toda riqueza e de todo intercâmbio através do
tempo de trabalho abstrato metamorfoseia a incrível libertação potencial
em desemprego, exclusões e miséria física e moral”65.

Tal raciocínio leva Marx a concluir que:

“O roubo de tempo de trabalho alheio, sobre o qual a riqueza atual se ba-


seia, aparece como fundamento miserável em comparação com esse novo
fundamento desenvolvido, criado por meio da própria grande indústria.
Tão logo o trabalho na sua forma imediata deixa de ser a grande fonte da
riqueza, o tempo de trabalho deixa, e tem de deixar, de ser a sua medida e,
em consequência, o valor de troca deixa de ser [a medida] do valor de uso.
O trabalho excedente da massa deixa de ser a condição para o desenvolvi-
mento da riqueza geral, assim como o não trabalho dos poucos deixa de ser
a condição do desenvolvimento das forças gerais do cérebro humano. Com
isso, desmorona a produção baseada no valor de troca, e o próprio proces-

63 André Gorz, op. cit., p. 17.


64 André Gorz, op. cit., p. 93.
65 Daniel Bensaïd, Marx intempestivo…, op. cit., p. 110, tradução nossa.

56
Desmedida do valor, tempo de trabalho y crise

so de produção material imediato é despido da forma da precariedade e


contradição”66.

Podemos parafrasear este trecho como expressão do fenômeno de redução do


tempo de trabalho socialmente necessário, da energia laboral em sua forma de tra-
balho imediato, vivo, que conduz o capital a construir suas estratégia de produção
– de autovalorização – e de obtenção de lucros sobre a base do incremento do tempo
de trabalho excedente não remunerado, a mais-valia. A partir do exposto acima,
podemos derivar duas conclusões importantes: a) em primeiro lugar, conforme o
capitalismo se desenvolve, a valorização do capital se torna mais difícil na medida
em que já se encontra valorizado; b) como afirma Marx, “O aumento das forças
produtivas deviria indiferente para o capital; inclusive a valorização, porque suas
proporções teriam se tornado mínimas; e o capital teria deixado de ser capital.”67
Em outras palavras, a auto-liquidação da lei do valor em benefício da sustentação
da autovalorização do capital “sem” a participação da força de trabalho – objetivo
ideal de regime de produção capitalista de todos os tempos! – é uma empresa im-
possível na prática, e somente viável à custa de precipitar a bancarrota e a liquidação
do sistema, problema este que, no máximo, só se pode postergar, e ainda assim não
indefinidamente, pelo ação de forças contra-tendenciais tais como a expansão do
capital fictício, a superexploração do trabalho, entre tantas outras.
Em síntese: a desmedida do valor é a contradição flagrante entre o tempo de
trabalho socialmente necessário (valor de uso) e o tempo de trabalho excedente
não-remunerado (valor de troca), em que este acaba por subordinar aquele, até
produzir uma redução significativa da mais-valia que torna “indiferente” o desen-
volvimento das forças produtivas pelo capital. Para Marx, esta desmedida do valor
e, consequentemente, do capital, implica uma contradição flagrante entre a base
da produção burguesa e seu próprio desenvolvimento histórico. 68
Nesta linha de análise, concebemos o capitalismo como um sistema carac-
terizado por dificuldades crescentes que a produção de valor e de mais-valia a
partir da redução do tempo de trabalho socialmente necessário apresenta para

66 Grundrisse, op. cit., p. 588.


67 Grundrisse, op. cit., p. 284.
68 Grundrisse, op. cit., p. 587.

57
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

a determinação do valor das mercadorias e, por conseguinte, para a forma como


incide essa determinação na acumulação, na reprodução do capital e na formação
das taxas de lucro (média e extraordinária).
Como quando se estira uma corda até o limite em que já não se pode mais
tensioná-la sem que arrebente, o tempo de trabalho – médio, exato, social y ne-
cessário – diminui, mas cada vez menos, marginalmente, devido, entre outros
fatores: a) à substituição da força de trabalho, o que acarreta o aumento da compo-
sição orgânica do capital (a relação entre capital constante – meios de produção e
matérias-primas – e o capital variável – força de trabalho); b) ao desenvolvimento
tecnológico que, em si mesmo, não cria valor nem, portanto, mais-valia, mas só
o transfere ao produto-mercadoria, ao contrário do que afirmam os teóricos pós-
-modernos e neoclássicos do fim do trabalho, e, finalmente, c) à produção cons-
tante de mais-valia relativa, articulada com a produção de mais-valia absoluta e
com a superexploração do trabalho.
Um dos efeitos destas dificuldades é a reversão do capital produtivo, que não
encontra na produção condições adequadas a seus interesses de rentabilidade, à
esfera financeira e especulativa (capital fictício) a qual, por isso mesmo, converte-
-se em hegemônica dentro do ciclo do capital que Fraçois Chesnais denominou
“regime de domínio financeiro” 69. Esta tese coincide com a caracterização de Rei-
naldo Carcanholo da crise capitalista mundial como “[...] especulativa e parasitá-
ria, presidida pela insuficiente capacidade do capital produtivo gerar o necessário
excedente econômico real para atender às exigências de remuneração do chamado
‘capital financeiro’ e do capital em seu conjunto. E isso apresenta não só conse-
quências na relação intercapitalista, mas também na que existe entre o capital e o
trabalho”70.
Às dificuldades do capital para reduzir a magnitude do tempo de trabalho o
suficiente para aumentar a mais-valia soma-se à liofilização organizacional, que se
expressa em: a) redução do trabalho vivo, b) aumento do trabalho morto, c) subs-
tituição do trabalho manual pelo dispositivo técnico-científico, d) maior apro-
priação da subjetividade do trabalhador e, d) disseminação da precariedade do

69 Françoise Chesnais, “A fisionomia das crises no regime de acumulação sob dominância financei-
ra”, Novos Estudos, CEBRAP, núm. 52, novembro de 1993.
70 Reinaldo Carcanholo, Capital, essência e aparência, Vol.2, Expressão Popular, São Paulo, 2013, p.
139.

58
Desmedida do valor, tempo de trabalho y crise

trabalho e das empresas terciárias (outsourcing). Do ponto de vista da estratégia


de maximização do trabalho excedente, estes elementos atuam como verdadeiras
causas que se contrapõe à diminuição da taxa de lucro mas, ao mesmo tempo, no
longo prazo, provocam desemprego, pobreza e redução do trabalho vivo por cada
unidade que economizam mediante seu uso e intensificação. Tudo isso, mas me-
nos tempo livre para o trabalhador!
A partir do que foi discutido anteriormente derivamos as hipóteses seguintes:
por mais que a produtividade continue aumentando, a revolução tecnológica se
desenvolvendo e economizando força de trabalho mediante o aumento do exército
industrial de reserva – como efetivamente está ocorrendo como consequência da
atual crise mundial do modo de produção capitalista –, a redução do tempo de
trabalho socialmente necessário para a produção de mercadorias e de força de
trabalho (desmedida do valor) vai perdendo funcionalidade e se tornando cada
vez mais insignificante como meio para produzir valor e mais-valia, ainda que
a sociedade presencie o aumento geral da riqueza física (valores de uso) no con-
texto de um aumento exorbitante da pobreza, do desemprego e da precariedade.
Paralelamente, a estratégia do capital se direciona para o aumento do trabalho
excedente da sociedade à custa da redução, ao mínimo, do trabalho necessário.
Como afirma Marx:

“Por essa razão, ele diminui o tempo de trabalho necessário para aumentá-
-lo na forma do supérfluo; por isso, põe em medida crescente o trabalho
supérfluo como condição – questão de vida e morte – do necessário”71.

Assim sendo, o sistema entra em crise orgânica, estrutural e civilizatória em


virtude de seus constantes déficits na produção de mais-valia. A respeito, Giovan-
ni Alves aponta corretamente que:

“O crescimento da produtividade do trabalho nas últimas décadas, devi-


do às inovações tecnológico-organizacionais do capital, significou uma
tendência à diminuição relativa do trabalho vivo na produção social, ao

71 Marx, Grundrisse, op. cit., p. 589.

59
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

interior de uma ordem mercantil dominada por uma acumulação finan-


ceirizada que preserva a obrigação de trabalhar”72.

No plano do pensamento e da ideologia este fenômeno aparece como a teoria


articulada do “fim do trabalho”, e se caracteriza por negar que o fundamento
ontológico do sistema capitalista seja – e siga sendo – o trabalho (abstrato), ao
mesmo tempo que atribui essa qualidade a outras categorias como o conhecimen-
to, a técnica, a cultura ou a ciência que – supostamente – existem de maneira
autônoma frente ao trabalho. Há, portanto, uma incompreensão essencial desta
fenomenologia que ocorre nos sistemas produtivos e de trabalho, cuja expressão
é a grande contradição entre o tempo de trabalho socialmente necessário e o tra-
balho excedente, entre valor de uso e valor, como já analisamos. Por essa razão,
não é casual que a partir da década de setenta, mas com maior força durante os
anos oitenta e noventa do século passado, os ideólogos e os meios de comunicação
começaram a postular a ideia de que finalmente se havia descoberto uma forma
de produzir mais-valia e riqueza sem a participação da força humana de trabalho,
e que este papel caberia agora às máquinas ou ao capital fictício e seus concomi-
tantes lucros fictícios. Deste modo,

“O trabalho teria, portanto, perdido a centralidade; a tecnologia, a infor-


mação e o domínio do conhecimento foram alçados à categoria de entes
mágicos capazes de tudo e objeto de adoração. Finalmente o capital não
precisaria mais sujar as mãos na produção para realizar-se como ser capaz
de, por si mesmo, gerar lucros, lucros elevados. Também a natureza seria
secundária”73.

Efetivamente, desde mediados da década de setenta do século passado, vários


autores começaram a defender a tese de uma suposta perda da centralidade do tra-
balho nas sociedades contemporâneas conforme o capital fictício afirmava seus
interesses e sua hegemonia no ciclo do capital e na sociedade. Assim, por exemplo,
Habermas afirma a tese da substituição da teoria do valor-trabalho de Marx pela

72 Giovanni Alves, Trabalho e subjetividade. O espírito do toyotismo na era do capitalismo manipu-


latório, Boitempo, Sao Paulo, 2011, pp. 24-25.
73 Reinaldo Carcanholo, Capital, essência, op. cit., p. 137.

60
Desmedida do valor, tempo de trabalho y crise

comunicação e pelo trabalho imaterial 74; Claus Offe proclama a incapacidade do


trabalho (assalariado) na “determinação macrossociológica” da sociedade e pos-
tula a necessidade de criar uma nova teoria social75; Jeremy Rifkin postula o “fim
do trabalho” 76; Reich substitui o mundo do trabalho pelo “analista simbólico” (ou
“sociedade do conhecimento”)77; Dominique Méda fala da disparition (“extinção)
do trabalho78, enquanto Gorz substitui o proletariado e a classe trabalhadora por
uma nova “figura subversiva” que denomina a “não-classe dos neoproletários pós-
-industriais”79. Castel, por sua vez, vislumbra que ocorreu “[...] a perda da centrali-
dade do trabalho e a degradação da condição de assalariado, e tenta encontrar-lhe
escapatórias, compensações ou alternativas”80, e Bell resume a “sociedade pós-in-
dustrial” preponderantemente como “sociedade do conhecimento” que se carac-
teriza “[...] pela coordenação de máquinas e homens para a produção de bens. A
sociedade pós-industrial se organiza em torno ao conhecimento para alcançar o
controle social e a direção na inovação e da mudança, e isto, por sua vez, dá lugar a
novas relações sociais e novas estruturas que devem ser dirigidas politicamente”81.
Parece-nos oportuno ressaltar o esclarecimento de Ulrich Beck sobre esse
ponto, de que “[...] não se trata da desaparição do trabalho na sociedade labo-
ral, tampouco trata-se do fim do trabalho assalariado, mas pura e simplesmen-
te do fim da sociedade do pleno emprego [...] A controvérsia fundamental gira,

74 Jürgen Habermas, Teoría de la acción comunicativa, vol. II, Crítica de la razón funcionalista, Tau-
rus, México, 2005.
75 Claus Offe, “¿Es el trabajo una categoría sociológica clave?”, en Offe, Claus y Carlos Hinrichs (co-
ords.), La sociedad del trabajo, problemas estructurales y perspectivas de futuro, Alianza, Madrid,
1992, pp. 17-51.
76 Jeremy Rifkin, The End of Work: The Decline of the Global Labor Force and the Dawn of the Post-
-Market Era, Putnam Publishing Group, New York, 1995.
77 Robert Reich, O trabalho das nações: preparando-nos para o capitalismo do Século 21, Educator,
São Paulo, 1993.
78 Dominique Méda, El trabajo. Un valor en peligro de extinción, Editorial Gedisa, Barcelona, 1998.
79 André Gorz, Miséres du présent, richesse du posible, dépasser la société salariale, Galilée, 1997.
80 Robert Castel, As metamorfoses da questão social, op. cit., p. 571. Analisaremos in extenso o traba-
lho deste autor no último capítulo.
81 Daniel Bell, El advenimiento de la sociedad post-industrial, Alianza, Madrid, 1989, p. 34, tradução
nossa.

61
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

portanto, ao redor desta pergunta: reestabelecimento ou fim da sociedade do ple-


no emprego?” 82
Certamente, pelo menos neste ponto o autor teve razão, visto que a partir
da década de 2000 até o momento o mundo do trabalho tem se enfrentado com
altas taxas de desemprego e subemprego, além da extensão da pobreza, da vulne-
rabilidade e da precarização monumental do trabalho, o que, por outro lado, em
hipótese alguma significa que o trabalho tenha deixado de ser a categoria central
no capitalismo, como fonte de produção do valor e da mais-valia83.
O desdobramento da acumulação e da concentração na esfera financeira se
tornam, então, uma necessidade imperante do capital social global para seguir
existindo, mesmo à custa de constringir a produção de mais-valia e pressionar o
sistema a uma situação de quase-estancamento econômico, tal como ocorre hoje
em dia na economia capitalista mundial, sobretudo nas principais regiões socioe-
conômicas com a União Europeia, Ásia, Estados Unidos e América Latina.
Assim, desde o ponto de vista da luta de classes, a estratégia que o capital pro-
põe para “sair” da crises e contrariar os efeitos perniciosos da desmedida do valor
que, afinal de contas, também é desmedida do capital, desdobra-se em três verten-
tes: a) por um lado, na tendência a se apropriar do trabalho subjetivo do trabalha-
dor coletivo em seu conjunto visando converter e materializar essa subjetividade
em produção de mais-valia; b) em segundo lugar, em uma tendência pronunciada,
propaga nos países do capitalismo avançado e em seus processos produtivos de
trabalho, consistente em superexplorar a força de trabalho e expropriar parte – ou
uma proporção crescente – de seu fundo de consumo para convertê-lo em fonte

82 Ulrich Beck, Un nuevo mundo feliz, la precariedad del trabajo en la era de la globalización, Bar-
celona, Paidós, 2000, p. 45, tradução nossa. Evidentemente que o tema é muitíssimo mais com-
plexo do que simplesmente reduzi-lo a uma mera questão de plausibilidade de instaurar o pleno
emprego. Gorz insiste nesta confusão (Metamorfosis.... p. 282): “[...] o que era utópico no início do
último século em parte já não o é atualmente: o processo social de produção, a economia, reque-
rem cada vez menos o trabalho assalariado. A subordinação de todas as outras atividades e dos
outros objetivos humanos ao trabalho assalariado e aos objetivos econômicos perde seu sentido
e sua necessidade”, não diferenciando duas equações elementares: a redução efetiva da massa de
trabalho, mas não do trabalho assalariado enquanto relação social.
83 Para uma apreciação da categoria trabalho, ver a obra de György Lukács, Ontología del ser social:
el trabajo, Buenos Aires, Ediciones Herramienta, 2004, onde se analisa o papel do trabalho no
processo de hominização y de constituição do Ser Social Humano.

62
Desmedida do valor, tempo de trabalho y crise

adicional de acumulação, o que leva ao aumento das taxas de mais-valia e de lucro.


Ambos procedimentos têm como ferramentas a organização científica e informa-
cional do trabalho, extremamente funcional ao sistema japonês: o toyotismo84; por
último, c) a terceira vertente é a precarização assombrosa do trabalho que ocorre
de forma vertiginosa na última década do século XX e nos primeiros três quinqu-
ênios do século XXI.

CONCLUSÃO

Existe uma relação entre a desmedida do valor, o tempo de trabalho e a crise


que o sistema capitalista enfrenta; uma trilogia que se caracteriza pela situação de
baixas taxas médias de crescimento econômico, particularmente dos países mais
desenvolvidos como os Estados Unidos, Japão e os países da União Europeia, par-
ticularmente Alemanha e França, os países hegemônicos desta região.
A desmedida do valor, tal como a apresentamos, deve ser constantemente
combatida mediante diversos procedimentos, tantos os que correspondem aos
métodos de produção de mais-valia absoluta quanto os relacionados à produção
de mais-valia relativa. Em particular, no capítulo seguinte nos concentraremos
no peso e no significado que o trabalho imaterial e a superexploração do trabalho
desempenham dentro deste processo.

84 Para o tema da extensão da superexploração do trabalho ao mundo desenvolvido ver: Ruy Mauro,
Marini, “Proceso y tendencias de la globalización capitalista”, em Ruy Mauro Marini y Márgara
Millán, La Teoría Social Latinoamericana, Vol. IV, Cuestiones contemporáneas. Ediciones El Ca-
ballito, 1996, pp. 49-68. Existe uma versão na internet: http://biblioteca.clacso.edu.ar/ar/libros/
secret/critico/marini/08proceso.pdf.

63
CAPÍTULO 4
TRABALHO IMATERIAL E
SUPEREXPLORAÇÃO DO TRABALHO

INTRODUÇÃO

As dificuldades que a desmedida do valor coloca para produção de mais-va-


lia, as quais discutimos no capítulo anterior, desperta a necessidade do capital de
combatê-las a partir de diversos mecanismos que auxiliem o aumento do trabalho
excedente não-remunerado e, dessa forma, a taxa de lucro.
Neste capítulo apresentamos o que, a nosso juízo, tem se implementado nas
últimas décadas para cumprir com aqueles objetivos. Em essência, tais objetivos
se traduzem no desenvolvimento e na implementação do trabalho imaterial, na
apropriação da subjetividade do trabalhador e na conversão desta em mais-valia
e, por último, na aplicação e generalização do regime de superexploração da força
de trabalho, inclusive nos sistemas produtivos dos países de capitalismo avançado.

TRABALHO IMATERIAL

Um dos ângulos a partir do qual se pode vislumbrar as mutações ocorridas


nos últimos anos no mundo do trabalho e na estrutura de classes da sociedade
capitalista é o peso que o trabalho imaterial tem adquirido nas determinações
econômicas e estruturais da produção de valor. Tal mudança serviu para lutar
contra as limitações do tempo de trabalho socialmente necessário na determina-
ção do valor das mercadorias (desmedida do valor) e da riqueza social, da forma
como vimos anteriormente.

65
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

Como todo processo de trabalho, o trabalho imaterial – que muitas vezes se


define indevidamente por oposição ao trabalho material – para nós é um processo
de trabalho de cunho cognoscitivo-intelectual realizado pelo trabalhador coletivo
com o auxílio da computação e visando produzir um resultado: a informação que,
de alguma maneira e sob diversos procedimentos, incorpora-se finalmente ao
mundo das mercadorias. Devemos esclarecer que, mesmo considerando a infor-
mação como um “subproduto do trabalho imaterial” – e que este último também
se concretiza em trabalho nitidamente material ou materializado na mercadoria
– ela está “[...] constituída por tempo de trabalho explorado e não pago, o que,
portanto, fundamenta e reproduz o capital como relação social hegemônica no
capitalismo contemporâneo”85.
Sustentamos a tese de que o trabalho imaterial é parte constitutiva da huma-
nidade da força de trabalho, o qual é arrancado do trabalhador pelo capital para
utilizá-lo como meio de produção de valor e de mais-valia; transformando-o,
além do mais, em um mecanismo cristalizado na máquina e na tecnologia, atra-
vés do qual se reforça o fenômeno do estranhamento-alienação e do controle do
trabalhador pelo processo de trabalho e pela gerência.
Quando se fala de trabalho imaterial, cognoscitivo, intelectual, subjetivo, sim-
bólico – termos que atualmente estão na moda nas fronteiras da arte e das ciências
sociais, especialmente na sociologia do trabalho – parece que se estaria referin-
do a transformações essenciais, ontológicas, no modo de produção, de vida e de
trabalho que – supostamente – teriam tornado anacrônicos os termos de Marx:
trabalho concreto, trabalho abstrato, valor-trabalho, mais-valia, capital produti-
vo-improdutivo. Assim, a natureza do modo de produção capitalista teria sido
transformada completamente em outra coisa. Porém, não há nada mais distante
da realidade do que tais afirmações, já que, como vimos no capítulo 1, “Marx con-
fronta [...] aparência e aparência; forma e conteúdo; ilusão e realidade; fenômeno e
fundamento oculto; manifestação e conexão interna. Estas antinomias assentam a
necessidade e a possibilidade de um conhecimento científico. O acesso à ‘conexão
interna’ passa por uma desconstrução das aparências”.86 E é esta “conexão interna”
que nos permite articular a essência com a aparência e encontrar suas determina-

85 Henrique Amorim, Trabalho imaterial. Marx e o debate contemporâneo, FAPESP-Annablume,


São Paulo, 2009, p. 135.
86 Daniel Bensaïd, op. cit. p. 346, tradução nossa.

66
trabalho imaterial e superexploração do Trabalho

ções fenomênicas e suas categorias essenciais: “[...] toda a ciência seria supérflua
se a forma de manifestação e a essência das coisas coincidissem imediatamente”87.
Isso não ocorre, porém, com as teorias do fim do trabalho que, mediante
diversos procedimentos metodológicos e artimanhas argumentativas, chegam
àquela conclusão através de uma separação flagrante entre essência e aparência,
por exemplo, ao confundir o trabalho como Urphänomen – fenômeno originá-
rio – com o trabalho enquanto simples emprego ou posto de trabalho. É dessa
maneira como, em geral, um dos argumentos mais utilizados pelos partidários
do trabalho imaterial, reflexivo, de conhecimento, informacional, é o de que,
enquanto o tempo de trabalho socialmente necessário para a produção de uma
mercadoria tangível, material, efetiva, é perfeitamente comensurável e, portanto,
está submetida às leis econômicas, não ocorre o mesmo com o serviços, os quais,
efetivamente, afirmam seus partidários, tornaram-se hegemônicos na sociedade
contemporânea nas últimas décadas. Nesta linha, Claus Offe, afirma o seguinte:

“Enquanto grande parte do trabalho prestado no setor ‘secundário’, isto é:


no setor da produção industrial de mercadorias, de fato se pode recondu-
zir ao denominador comum abstrato de estar sujeito ao também regime
comum de produtividade técnico-organizacional, assim como a uma ren-
tabilidade econômica particularista determinante para tal finalidade, estes
critérios do processo de trabalho e de valorização perdem sua univocidade
(relativa) ali onde o próprio trabalho se torna reflexivo, a saber: na maior
parte do setor ‘terciário’, do trabalho de prestação de serviços” 88 .

Observe-se que Offe separa de maneira contundente o trabalho-produção


industrial, onde se supõe que a lei do valor funciona, do “setor terciário”, onde
isso não ocorre porque ali funciona, supostamente, uma espécie de “capitalismo
cognitivo”, imaterial. Ao contrário, a nosso entender o que existe em realidade é
uma articulação dialética entre o trabalho material e trabalho imaterial, manual e
intelectual, que conformam uma unidade contraditória e operam por meio da in-
formação e da ciência e da tecnologia como principais forças produtivas, mas em

87 Karl Marx, O capital: crítica da economia política, Livro terceiro, Volume III, Tomo II, Nova Cul-
tural, São Paulo, 1986, p. 271.
88 Claus Offe, op. cit., pp. 30-31, tradução nossa.

67
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

íntima interação com a força (individual e coletiva) de trabalho. Esta concepção


da subjetividade vinculada ao trabalho imaterial somente se pode sustentar caso
tal trabalho seja considerado, em termos gerais, como parte do funcionamento do
ciclo da produção e do trabalho material no capitalismo contemporâneo e respon-
da a suas leis essenciais.
Sinteticamente, isto significa que as tecnologias da informação e da comuni-
cação conseguiram suprimir virtualmente as limitações físicas do tempo de tra-
balho através, principalmente, do ciberespaço, uma realidade virtual sistematiza-
da nos chips dos computadores e articulada em redes informáticas que tendem a
afetar cada vez mais o tempo total de trabalho, construído mediante tecnologias da
informação e da comunicação que conseguem suprimir (virtual e relativamente)
as limitações do tempo físico e das diferenças espaço-temporais entre os centros
de produção e os mercados de consumo. Esta é uma verdadeira revolução do tem-
po de trabalho e do trabalhador coletivo, e se traduz na dilatação da produção de
mais-valia e da acumulação de capital mediante a exploração acrescentada daque-
le, ao conseguir reduzir os tempos mortos da produção e a porosidade das jorna-
das de trabalho com a intermediação do sistema de máquinas computadorizadas.
Mas nem assim se alcançou uma estabilidade estrutural da economia, e tampouco
taxas crescentes de desenvolvimento econômico que impedissem o surgimento da
crise e de suas sequelas.
Alguns autores também postulam que o trabalho imaterial possui seu próprio
ciclo de funcionamento:

“De um ponto de vista estritamente econômico, o ciclo de reprodução do


trabalho imaterial desloca a relação produção/consumo definida tanto
pelo ‘círculo virtuoso keynesiano’ quanto pelos esquemas de reprodução
marxistas do Livro II de O Capital. Por esta razão, mais do que falar de
uma inversão “da oferta e da demanda”, seria necessário falar de uma re-
definição da relação produção/consumo. O consumidor está imerso na
fabricação do produto desde sua concepção. O consumidor não se limita
mais a ‘consumir’ uma mercadoria (a destruí-la no ato do consumo). Pelo
contrário, seu consumo deve ser produtivo das condições das novas pro-
duções. O consumo é, então, principalmente um consumo de informação.
O consumo já não é somente a ‘realização’ de um produto, mas sim um

68
trabalho imaterial e superexploração do Trabalho

verdadeiro processo social que definimos momentaneamente com o termo


‘comunicação’”89.

Contrariamente a este postulado defendido por Lazzarato, o sistema capitalis-


ta de produção articula diversas formas de trabalho – entre as quais se incluem o
trabalho material e o imaterial –, articulação que refuta o argumento que afirma
que o trabalho imaterial possui um “ciclo autônomo”.
De fato,

“[...] é um equívoco o conceito de ‘processo (ou ciclo) de produção ima-


terial’. Na verdade, o que existe é um processo de trabalho capitalista, um
complexo vivo de trabalho que articula, em si, trabalho material e imaterial.
É mera fantasia conceitual admitir um tipo puro de trabalho imaterial, ou
mesmo a disjunção trabalho imaterial/trabalho material”90.

É preciso enfatizar que o trabalho imaterial está compreendido dentro tra-


balho abstrato (que determina a formação de valor e da mais-valia) e reafirma o
trabalho material que a força de trabalho coletiva realiza91.
A “subjetividade” corresponde ao âmbito do trabalho imaterial e é uma forma
infinitamente mais desenvolvida do trabalho material cuja reprodução depende
do processo de exploração capitalista. É, por isso, falsa a tese que supõe a “auto-
nomia” do trabalho imaterial e sua reprodução exclusivamente na esfera da sub-
jetividade humana. Esta, na realidade, é apropriada pelo capital e, em última ins-
tância, subsumida à produção de valor e entra, portanto, na lógica da reprodução
de capital e de suas leis essenciais. Tal resultado se consegue mediante a conexão
das telecomunicações (telefonia, internet, redes) com os processos produtivos e de

89 Maurizio Lazzarato, “El ciclo de la producción inmaterial”, disponible en: http://www.gobernabi-


lidad.cl/modules.php?name=News&file=print&sid=1777. A respeito, ver nosso livro: Los rumbos
del trabajo. Superexplotación y precariedad social en el Siglo XXI, Editorial Miguel Ángel Porra-
-FCPyS-UNAM, México, 2012.
90 Giovanni Alves, “Crise estrutural do capital: trabalho imaterial e modelo de concorrência,
notas dialéticas”, em Francisco Luiz Corsi et al. (org.), Trabalho e educação. Contradições do
capitalismo global, Praxis, São Paulo 2006, p. 70.
91 Para este tema, ver Karl Marx, Capítulo VI (Inédito). Resultados del proceso inmediato de produc-
ción, Siglo XXI, México, 1981.

69
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

trabalho que se articulam através do trabalhador coletivo, material e imaterial. A


desmedida do valor ressalta a tendência a se converter o trabalho material em tra-
balho imaterial e, deste modo, a este último operar como como causa do primei-
ro92, mas sem se separar, contraditoriamente, da produção material de mais-valia,
a qual permanece dependente das leis básicas do capitalismo. O trabalho imaterial
está ligado de maneira indissociável e se explica pelo ciclo do trabalho material;
portanto, ao compreendê-lo dentro de suas dimensões ontológicas e categoriais
fundamentais, valida a lei do valor-trabalho e sua teoria correspondente.
Por outro lado, o trabalho imaterial, do mesmo modo que o trabalho mate-
rial, está sujeito às contradições do capitalismo e aos processos e tendências que
apontam a desabilitar o tempo de trabalho – que havia sido o eixo articulador em
torno do qual se calculavam os valores e os preços de produção das mercadorias –
pela ação da desmedida do valor que provoca, primeiro, que o tempo de trabalho
entre em um estado de tensão irremediável e, mais tarde, em uma crise que gera
novos problemas para a reprodução do capital a partir das dificuldades na criação
da mais-valia e de lucros, já que estas categorias dependem do limite do tempo de
trabalho onde, como afirma Marx, “Os pequenos momentos são os elementos que
formam o lucro”93.
Ainda que a tendência do capital a prescindir da força de trabalho em seus
processos materiais e imateriais de produção e reprodução de mercadorias seja
um fato histórico – tema, a propósito, do capítulo XIII do primeiro volume de
O Capital –94, não lhe é possível realizá-la plenamente, pois estaria lesionando
e liquidando suas próprias bases econômicas, sociais e materiais de reprodução.
De fato, como expressa Amorim: “[...] historicamente o capital tende a reduzir e

92 Giovanni Alves, A condição da proletariedade, Praxis, Londrina, 2009, p. 33.


93 Marx, O Capital. Crítica da Economia Política. Livro I: O processo de produção do capital, Boitem-
po, São Paulo, 2013, p. 266.
94 Por exemplo, quando Marx afirma que “A máquina da qual parte a Revolução Industrial substitui
o trabalhador que maneja uma única ferramenta por um mecanismo que opera com uma massa
de ferramentas iguais ou semelhantes de uma só vez e é movido por uma única força motriz, qual-
quer que seja sua forma. Temos, aqui, a máquina, mas apenas como elemento simples da produção
maquinizada”. Marx, O Capital, op. cit., p. 366.

70
trabalho imaterial e superexploração do Trabalho

limitar sua dependência em relação ao trabalho, porém não pode fazê-lo por com-
pleto, pois depende de sua exploração para gerar mais-valia”95.
O tempo de trabalho socialmente necessário se determina pelo desenvolvimen-
to das forças produtivas e pelo grau médio de destreza, produtividade e intensidade
da força de trabalho, aspectos que atuam como processos inter-relacionados96 onde
a produção do valor novo (o equivalente do valor da força de trabalho mais a mais-
-valia), assim como a conservação e a transferência de valor dos meios de produção
ao produto-mercadoria, estão exclusivamente a cargo da força de trabalho, ampara-
da em seu caráter duplo de ser produtora de valor de uso e de valor de troca.
Como a experiência histórica comprova, o método idôneo, vernáculo, do ca-
pital é produzir mais-valia relativa com ênfase no incremento da produtividade,
reduzindo assim o tempo de trabalho socialmente necessário para a produção do
valor da força de trabalho. Mas, ao atingir um limite estrutural, tal desenvolvi-
mento das forças produtivas entra em contradição com as necessidades imanentes
de valorização do capital e da taxa de lucro, os componentes vitais para garantir a
reprodução ampliada do sistema.
Atualmente, estas duas contradições – desenvolvimento das forças produtivas
e desvalorização da força de trabalho – têm se potencializado com o progresso
científico e técnico. Mas, ao fazê-lo, têm ao mesmo tempo colocado em xeque a
produção de valor e de mais-valia – em função de que o sistema segue fundado
tanto no modo de produção capitalista e em seus conceitos e categorias funda-
mentais (exploração, propriedade privada, apropriação mercantil, valorização,
monopólio, capital fictício), quanto na lógica do metabolismo social do capital – e
impulsionado o capital à apropriação da parte subjetiva do trabalhador e à exten-
são da superexploração do trabalho como um recurso adicional colocado em prá-
tica para manter a continuidade da reprodução do valor e do regime de produção
de mercadorias.

95 Henrique Amorim, Trabalho imaterial, op. cit., pp. 17-18.


96 Ruy Mauro Marini, “Las razones del neodesarrollismo”, Revista Mexicana de Sociología, Año XL/
VOL. XL, Núm. Extraordinario (E), México, IIS-UNAM, 1978, p. 64. (Este ensaio foi publicado
em português em: Ruy Mauro Marini. Dialética da dependência: uma antologia da obra de Ruy
Mauro Marini, Vozes, Petrópolis, 2000, p.167-241)

71
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

SUBJETIVIDADE Y MAIS-VALIA

A apropriação da subjetividade humana e a intensificação dos ritmos de pro-


dução têm um limite histórico-estrutural que não pôde ser superado nem pela
revolução tecnológica em sua forma mais desenvolvida: o toyotismo flexível e
polivalente como instrumento hegemônico da organização do trabalho. Por esta
razão, nos interstícios dessa crise o capital terá que desencadear – com muitas
dificuldades – uma nova revolução técnico-científica e uma série de políticas e
estratégias articuladas que facilitem sua superação, de tal forma que se possa ge-
rar um novo ciclo de desenvolvimento capitalista vinculado com a produção de
mais-valia. Mas essa saída é extremamente difícil e mais complicada ainda se no
futuro o capital tenha que se enfrentar com o surgimento de um novo projeto
revolucionário em cujo núcleo se encontrem a classe trabalhadora e os projetos
políticos de superação do capitalismo. Assim, novamente, a luta entre o trabalho e
o capital se apresentará como a parteira da história, mesmo que mediada por essas
novas contradições e inter-relações.

SUPEREXPLORAÇÃO DO TRABALHO E PRECARIZAÇÃO

A flexibilização do trabalho e sua precarização constituem o produto mais


acabado das transformações estruturais e institucionais que ocorreram nas duas
últimas décadas, impactando negativamente os salários, os contratos trabalhistas
e as funções desempenhadas pelos trabalhadores, para colocá-los a serviço das
necessidades da produção, da produtividade, dos mercados e da taxa de lucro97.
Deste modo, a superexploração e o trabalho precário, como dispositivos
sociolaborais da reestruturação produtiva, implicam a desregulamentação dos
contratos coletivos para sua reconversão em dispositivos flexíveis, polivalentes,

97 Giovanni Alves distingue três gerações do processo de precarização do trabalho no capitalismo


histórico: a primeira corresponde à precariedade salarial extrema; a segunda à precariedade sa-
larial flexível ou nova precariedade salarial; e a terceira a denomina precarização do homem que
trabalha ou, também, precarização existencial. Ver: Trabalho e neodesenvolvimentismo. Choque
de capitalismo e nova degradação do trabalho no Brasil, Praxis, Bauru, SP., p. 43. Em nosso estudo
nos concentramos nas duas primeiras formas do processo de precarização do trabalho.

72
trabalho imaterial e superexploração do Trabalho

facilmente adaptáveis às necessidades de acumulação e valorização do capital na


dimensão estrutural da produção e dos mercados, com o objetivo expresso de
transpor as dificuldades que vão se interpondo ao capital na criação de valor e de
mais-valia em cada ciclo de produção e de superar os problemas derivados de sua
autovalorização devido, entre outras coisas, à desmedida do valor.
Já havíamos dito que a precariedade do trabalho é uma categoria imanente,
histórica e estrutural do trabalho assalariado dentro do sistema capitalista. Tam-
bém afirmamos que a precarização é um processo de atualização de tal preca-
riedade. Agora introduzimos um novo elemento: a superexploração do trabalho,
que definimos como o processo mediante o qual o capital arrebata uma parte
do fundo de consumo do valor da força de trabalho para convertê-lo em fonte
suplementar da acumulação capitalista. Os mecanismos utilizados para obter este
resultado já foram expostos por nós em outras ocasiões e se resumem em uma ar-
ticulação eficaz entre as formas de produção de mais-valia absoluta (basicamente
a prolongação da jornada de trabalho) e a mais-valia relativa (mediante o aumento
da capacidade produtiva do trabalho com ajuda do desenvolvimento tecnológico)
quando esta afeta os ramos produtores dos meios de produção e de consumo que
produzem os insumos e os produtos básicos que determinam o valor social da
força de trabalho.

CONCLUSÃO

Independentemente dos debates sobre a natureza do trabalho chamado ima-


terial, se esse possui ou não relação com a materialidade da mercadoria ou com a
lei do valor-trabalho, ou mesmo se ainda opera na produção capitalista ou corres-
ponde a um novo “tipo de sociedade”, o importante para nosso estudo é enfatizar
que este tipo de trabalho – que, em termos gerais, Marx definiu com conceito de
general intellect nos Grundrisse – funde-se com o conjunto de atividades mate-
riais e auxilia na produção de mercadorias e, portanto, de mais-valia. Se não fosse
assim, não teria sentido a expansão inusitada dos processos de trabalho que se
verificou em todo o mundo nos últimos anos e que se expressou de forma muito
importante na proliferação dos chamados Call Centers (centros de chamada), ver-
dadeiros elos entre produtores (empresas produtivas e comerciais) e consumidores

73
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

através de chamadas especializadas feitas por um exército de assessores, agentes e


supervisores treinados de forma eficaz para realizar estas tarefas e remunerados
sob o regime de trabalho assalariado.
Concluímos, então, que na medida em que a precarização deteriora as con-
dições de trabalho e os direitos sociais adquiridos pelos trabalhadores, reforça
também a captura da subjetividade (trabalho imaterial) e a superexploração do
trabalho como categoria substantiva do processo de exploração e valorização do
capital. Deste modo, trabalho imaterial e superexploração do trabalho se articu-
lam no mesmo espaço do processo de produção e se subordina às leis e condições
da produção de mais-valia que, insistimos, é o passo intermediário do capital para
sua valorização e obtenção de lucros.

74
CAPÍTULO 5
TRABALHO PRECÁRIO E
BARBÁRIE SOCIAL

INTRODUÇÃO

A palavra “barbárie” – proveniente do latim “barbarĭ” – significa “rustici-


dade”, “crueldade” e ferocidade, de acordo com a Real Academia Espanhola. Foi
– e é – utilizada amplamente pelas teorias estrutural-evolucionistas nas ciências
sociais, em geral, para dar uma conotação negativa às sociedades não-industriais,
periféricas, subdesenvolvidas, iletradas, as quais encontrariam muito “abaixo”
das sociedades capitalistas ocidentais – “em estágios inferiores da cadeia de de-
senvolvimento humano e econômico-social” –, que se auto-atribuem os adjetivos
de “civilizadas”, “modernas”, “desenvolvidas”, de “classe superior” em relação às
primeiras. Deste modo surgiu a suposta dicotomia “civilização vs. barbárie”, em
função da qual se levaram a cabo as atrocidades mais terríveis contra os povos
originários por parte dos imperialismos ocidentais colonialistas do capitalismo
avançado.
Como se sabe, Rosa Luxerburgo utilizou a ideia de “socialismo ou barbárie”
em um escrito de 1915 titulado: O folheto Junius: a crise da social-democracia ale-
mã, no qual, retomando Friedrich Engels, sentenciou que a sociedade capitalista
enfrentava um dilema histórico: avançar ao socialismo ou retroceder à barbárie.
Obviamente, a autora se referia ao curso da Primeira Guerra Mundial, que levava
à destruição da cultura e da própria humanidade: “É exatamente o que Friedrich
Engels havia predito, uma geração antes de nós, há quarenta anos. Nós estamos
colocados hoje diante desta escolha: ou bem o triunfo do imperialismo e a deca-
dência de toda a civilização tendo como consequências, como na Roma antiga,
o despovoamento, a desolação, a degenerescência, um grande cemitério; ou bem

75
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

vitória do socialismo, ou seja, da luta consciente do proletariado internacional


contra o imperialismo e contra seu método de ação: a guerra”98.
Seguindo esta linha de definição da barbárie capitalista, que coincide com
as ações agressivas e belicistas do imperialismo, István Mészáros, por sua vez,
retomou esta contradição dicotômica para apontar o dilema de nossos tempos:
a existência da fase potencialmente mais mortífera do imperialismo, anunciando-
-a nos seguintes termos: “Se eu tivesse que modificar as palavras dramáticas de
Rosa Luxemburgo com relação aos novos perigos que nos esperam, acrescentaria
a ‘socialismo ou barbárie’ a frase ‘barbárie se tivermos sorte’ – no sentido de que o
extermínio da humanidade é um elemento inerente ao curso do desenvolvimento
destrutivo do capital”99.
Já apontamos, a partir da perspectiva desse livro, que a precariedade é uma
propriedade inerente ao sistema capitalista. Existe uma relação estreita entre
trabalho e barbárie que se manifesta atualmente de forma explícita na falta de
proteção jurídico-institucional dos direitos trabalhistas e sociais, situação cada
vez mais generalizada entre os vendedores e vendedoras de sua força de trabalho.
Diferentemente do passado, quando ao menos existiam leis, normas e regulamen-
tos trabalhistas que regiam e asseguravam esses direitos conquistados pelas lutas
operárias e proletárias durante o século XX, atualmente o homem e a mulher que
trabalham, fazem-no cada vez mais em condições de desproteção, precariedade,
insegurança e fadiga corporal e intelectual. Assim, impôs-se uma normatividade
do trabalho que restitui ao trabalhador condições similares às que prevaleciam
no século XIX, quando os patrões e o Estado eram praticamente todo-poderosos
para implementar e impor suas condições de exploração, de miséria e de trabalho
ao conjunto das categorias que conformavam o mundo do trabalho. Esta situação,
porém, não é conjuntural ou acidental, mas sistêmica e estrutural, e considera-
mos que se incrustaram dentro do metabolismo sociolaboral da reprodução do
capital e cuja superação necessariamente implica, ao mesmo tempo, a superação
desse sistema.

98 Rosa Luxemburgo, A crise da social-democracia (o folheto Junius). Disponível na internet: https://


www.marxists.org/portugues/luxemburgo/1915/junius/cap01.htm.
99 István Mészáros, Século XXI: socialismo ou barbárie?, op. cit., p.109, destaques do autor.

76
trabalho precário e barbárie social

TENSÃO E FRATURA SOCIAL NO CAPITALISMO NEOLIBERAL

Na ausência de uma organização poderosa e ativa da classe trabalhadora ca-


paz de mostrar resistência e combate aos processo de reestruturação, segmentação
e flexibilização do trabalho, impõe-se um ambiente de tensão sociolaboral que,
bifurcado no intricado sistema econômico-jurídico-institucional e psíquico-emo-
cional, acaba neutralizando e bloqueando as tentativas de rebeldia dos trabalha-
dores para lutar por seus interesses e demandas de classe.
A atualização da precariedade do trabalho, através do processo de precari-
zação, produz um fenômeno adicional que definimos como tensão social, que é
o estado de uma comunidade, grupo ou indivíduo social exposto à ação de for-
ças opostas e agressivas, ou a uma situação hostil, latente, entre pessoas, grupos,
classes sociais, nações e raças. Logicamente, quando tal estado de tensão se in-
tensifica, surge o perigo, primeiro, da fratura social e, logo, do rompimento da
rede do tecido social que articulava o mundo do trabalho e seus diversos atores
participantes.
A tensão social é um conjunto de forças e relações sociais antagônicas que in-
teragem nos processos de trabalho, nos sindicatos, nas instituições e nos regimes
jurídico-políticos. Essas forças podem provocar tensão, mas também rupturas,
deformações e crises permanentes que abalam a ordem estabelecida, seja no senti-
do de reforçá-la, seja no sentido de transgredi-la e subvertê-la.
Destacamos que este fenômeno sociolaboral da atualidade é heterogêneo e
desigual. Heterogêneo porque em alguns lugares, países, regiões, regimes jurídi-
co-laborais, instituições e processos produtivos, ainda se mantêm relações tra-
balhistas que conservam, substancialmente, os direitos e prerrogativas dos traba-
lhadores dentro da integridade de um contrato trabalhista que articula categoria,
salário e função desempenhada, a exemplo do que ocorre naqueles países euro-
peus compreendidos no Estado de bem-estar e no fordismo – e que hoje passam
por uma crise profunda – enquanto em outros, como Espanha, Grécia e Portugal,
por exemplo, além dos países latino-americanos, isso não ocorre. Nessas regiões,
ao contrário, a desregulamentação, a flexibilidade, a informalidade, a precarieda-
de, a instabilidade no emprego e a perda de direitos sociais e trabalhistas ascen-
deram à condição de regime hegemônico no capitalismo neoliberal. Nas palavras
de Ulrich Beck “[...] nunca os trabalhadores (independentemente de suas aptidões
e de seu curriculum) foram tão vulneráveis como em nossos dias: trabalham de

77
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

forma individualizada, sem nenhum contrapeso coletivo e mais independente do


que nunca, pois trabalham em redes flexíveis cujo sentido e pautas são indecifrá-
veis para a maioria deles”100.

Diagrama nº. 3
Integridade e des-integridade do contrato de trabalho

Como vemos no esquema anterior, a heterogeneidade do contrato de trabalho,


mesmo atualmente, manifesta-se de duas formas: uma forma que mantém o velho
expediente fordista e uma a forma nova, que corresponde à neoliberal, flexível e
toyotista, possibilitando o sistema just in time caracterizado pela desarticulação
autonomização de tais componentes.
Em segundo lugar, o fenômeno sociolaboral contemporâneo também é de-
sigual, porque as duas situações mencionadas acima apresentam diferenças em
função das características do país, de seu grau de desenvolvimento econômico
e, principalmente, das lutas trabalhistas e sindicais pela manutenção de direitos
fundamentais. Em outras palavras: a intensidade e magnitude da heterogeneida-
de e a desigualdade dos processos de trabalho, sociolaborais e organizacionais,

100 Ulrich Beck, Un nuevo mundo feliz, op. cit., p. 96, tradução nossa. Em outro texto, este autor
chama de “sociedade de risco mundial” (weltrisikogesellschaft) à capacidade da sociedade pós-
-industrial para afrontar, na “segunda modernidade”, cinco processos inter-relacionados: a glo-
balização, a individualização, a revolução dos gêneros, o subemprego e os riscos globais como as
crises ecológicas e dos mercados financeiros. Ulrich Beck, La sociedad del riego mundial. En busca
de la seguridad perdida, Editorial Paidós, Barcelona, 2008.

78
trabalho precário e barbárie social

dependerão dos processos estruturais determinados pelo nível do desenvolvimen-


to da composição orgânica de capital e da incorporação de tecnologia; da estabili-
dade ou da crise do sistema econômico; das características do Estado e, finalmen-
te, do grau de coesão, organização e luta dos trabalhadores e das classes exploradas
da sociedade na defesa e melhora de suas condições de vida e de trabalho.
Estas características que diferenciam a heterogeneidade e a desigualdade das
relações sociais e trabalhistas por países e regiões possuem, porém, um ingredien-
te em comum: a tendência à precarização do trabalho conforme a crise econômica
surja e as empresas adotem o toyotismo e os métodos flexíveis de produção e or-
ganização do trabalho.
De fato, onde se introduziram reformas de corte neoliberal das relações traba-
lhistas nos últimos anos, a exemplo da Espanha,

“[...] a precariedade se converteu em atributo do mercado de trabalho espa-


nhol. As formas precárias de emprego deixaram de ser atípicas para con-
verter os trabalhos instáveis e de má qualidade em regra geral”101.

Segundo o Ministério de Emprego do Estado espanhol, desde a aprovação


da reforma trabalhista em fevereiro de 2012, o número de desempregados pas-
sou de 4.599.829 para 4.814.435, um aumento de 4,6%.102 Entre outros motivos
que promoveram a precariedade figura o fato de que as fontes de trabalho que se
criaram na Espanha são temporárias e de características precárias. Dessa forma,
por exemplo, neste país, entre 1985 e 1993, cerca de 73% dos novos contratos cria-
dos eram temporários103. Somente em março de 2014 se registraram um total de
1.216.637 contratos, cifra 25,4% superior em relação ao ano anterior, mas desse

101 Adoración Guamán Hernández y Héctor Illueca Ballester, El huracán neoliberal. Una reforma
laboral contra el trabajo, Editorial sequitur, Madrid, 2012. p. 91, tradução nossa.
102 “España tardará 16 años en volver al nivel de desempleo previo a la crisis”, Periodismo Interna-
cional Alternativo (PIA), 20 de abril de 2014, disponível na internet: http://www.noticiaspia.org/
espana-tardara-16-anos-en-volver-al-nivel-de-desempleo-previo-la-crisis/.
103 Guy Standing, O precariado: a nova classe perigosa, Autêntica, Belo Horizonte, 2013, p. 11.

79
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

total somente 9,3% (13.481) foram contratos fixos, enquanto os 90,7% restantes
foram temporários 104 .
Alguns autores têm insistido nessa ideia. Vasapollo, por exemplo, destaca
que uma das características do mundo atual no tema trabalhista é a conversão
do trabalho “atípico” em norma, mais do que em exceção105. Também para Castel
é um erro crasso considerar os empregos precários – contratos de trabalho por
atividade determinada, interinatos, part time, empregos subsidiados pelo Estado
– como “particulares ou atípicos”, e o autor agrega que, em geral, tanto o desem-
prego como a precarização devem ser considerados como fenômenos “inseridos
na dinâmica atual da modernização” 106.
Por sua vez, Ulrich Beck acredita que a “A desregulamentação e a flexibiliza-
ção do trabalho introduzem como normalidade algo que durante muito tempo foi
uma catástrofe superável no ocidente: a economia informal e o setor informal”107.
Este autor estabelece, como um dos princípios daquilo que define como a “se-
gunda modernidade”, que: “Também a sociedade do trabalho formal e do pleno
emprego, e com ela a rede construída em torno ao Estado assistencial, entra em
crise em face de um novo modo de produção e de cooperação ‘deslocalizadas’”108.
Desta forma, o trabalho precário e informal, de produtos da crise do capi-
talismo e dos mercados de trabalho, converteram-se em princípios jurídicos-
-institucionais dos regimes de trabalho e dos contratos individuais e coletivos
contemporâneos, congruentes, assim, com as políticas e interesses do capital e
de seus agentes representativos: os empresários e seus aparatos burocráticos e
administrativos. De fato, “É como se a segurança socioeconômica, tal e como a
Organização Internacional do Trabalho (OIT) define, tivesse se convertido no

104 “España tardará 16 años en volver al nivel de desempleo previo a la crisis”, Periodismo Interna-
cional Alternativo (PIA), 20 de abril de 2014, disponível na internet: http://www.noticiaspia.org/
espana-tardara-16-anos-en-volver-al-nivel-de-desempleo-previo-la-crisis/.
105 Ver: Luciano Vasapollo, O devir posfordista e o traballo atípico como elemento estratéxico, em: Mar-
tufi R y Vasapollo L, O mundo do traballo fronte á globalización capitalista, Galicia, CIGa., 2007.
106 Robert Castel, As metamorfoses… op. cit., p. 516.
107 Ulrich Beck, Un nuevo mundo feliz, op. cit. p. 135, tradução nossa.
108 Ulrich Beck, Un nuevo mundo feliz…2000, pp. 28-29, tradução nossa. Para o autor, a “segunda
modernidade”, que implica a “modernidade reflexiva”, define-se pela crise ambiental (umweltkri-
se), a crise do mundo do trabalho (arbeitswelt), retrocesso do trabalho remunerado, a individuali-
zação, a globalização e a revolução sexual (p. 25).

80
trabalho precário e barbárie social

privilégio de uma minoria social no começo do século XX e na maioria dos paí-


ses do mundo”109. Este autor menciona a Alemanha, o país mais desenvolvido da
União Europeia, onde,

“[...] a precarização do trabalho é, inclusive, uma meta política perseguida


ativamente através da Agenda 2010 e das leis ‘Hartz’: redução dos custos
sociais, dos salários, limitação da proteção sindical mediante mudanças
no direito de demissão, dos regulamentos trabalhistas e de cogestão [...]
O objetivo declarado é a diminuição dos custos trabalhistas: no mundo
da concorrência global, para que os lucros se incrementem, o trabalho de-
veria ser tão barato quanto as ofertas de descontos nos supermercados da
esquina”110.

Foi o governo social-democrata-verde de Gerhard Schröder que, em 14 de


março de 2003, apresentou a chamada Agenda 2010, também conhecida como Re-
forma Hartz, em alusão a Peter Hartz, diretor de recursos humanos da companhia
Volkswagen e presidente da comissão de especialistas responsáveis pelo pacote de
reformas, além de amigo pessoal de Schröder. Esta agenda é atualmente a ponta
de lança da política trabalhista do governo de Ângela Merkel.
A Agenda consta de quatro leis Hartz,

“A primeira (Hartz I) facilitou a criação de agências de serviços pessoais


nos escritórios de empregos, orientadas à gestão de empregos temporários
subvencionados para os desempregados. A segunda (Hartz II) fomentou o
emprego por conta própria de desempregados em companhias de uma só
pessoa ou Ich-AGs, assim como os já famosos minijobs ou mini-empregos,
com salários inferiores a 450 euros por mês e sem benefícios sociais. Além
do mais, os escritórios de emprego se transformaram em jobcenters para
um atendimento supostamente mais ágil aos seus clientes, tal como eufe-
misticamente passaram a ser denominados os desempregados no léxico dos
técnicos de emprego (Hartz III). Por último, o sistema de auxílio-desem-
prego sofreu uma importante reestruturação, reduzindo-se os benefícios

109 Altvater, op. cit., p. 262, tradução nossa.


110 Altvater, op. cit., p. 261, tradução nossa.

81
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

contributivos e vinculando o sistema de subsídio para desempregados de


longa duração com outros auxílios sociais não-contributivos para pessoas
sem renda (Hartz IV). Dessa forma, um desempregado perde seu direito ao
subsídio depois de um ano desempregado e só pode seguir recebendo auxí-
lio social caso viva em um lar sem patrimônio, sem poupança e sem renda.
Os desempregados alemães se encontram, dessa maneira, sem direitos,
obrigados a trabalhar por 1 euro por hora e humilhados por um controle
burocrático-pessoal. Adicionalmente, as leis da Agenda 2010 recortaram
os subsídios dos serviços públicos de saúde e aumentaram a participação
dos cidadãos no pagamento de medicamentos. A dualização do mercado de
trabalho tem, dessa forma, uma dualização correspondente do sistema de
saúde pública, com um novo setor de serviços médicos que atende em troca
do pagamento em dinheiro do cliente com suficiente poder aquisitivo”111.

Um dos efeitos nefastos destas reformas é a “dualização do mercado de traba-


lho”, que ampliou a “[…] brecha entre as formas típicas de emprego e um amplo
setor de mini-empregos e empregos subcontratados, que engloba a mais de oito
milhões de trabalhadores (vinte e cinco por cento dos assalariados alemães), com
muitas dificuldades de inserção no mercado de trabalho. Desde o ano 2000, a Ale-
manha destruiu mais de dois milhões de empregos estáveis e criou mais de quatro
milhões de empregos precários de baixa qualidade. Este é o verdadeiro sentido da
conversão do trabalho típico em atípico”112.
Na Itália, as reformas trabalhistas implementadas pelo governo, com a Lei
848 de fevereiro de 2003, introduziram integralmente o “trabalho atípico” e des-
montaram pelo menos três características fundamentais do trabalho que preva-
lecia antes das reformas, o “trabalho típico” ou padrão: a) o horário estipulado
era de tempo integral, b) reconhecia-se o direito de estabelecimento do tempo
e do lugar para a promoção dos postos de trabalho dos trabalhadores emprega-
dos, assim como para o início da atividade independente ou autônoma dos tra-
balhadores e, por último, c) estabelecia-se uma grande diversidade de posições e

111 Holm-Detlev Köhler, “El milagro Alemán: mito y realidad de la Agenda 2010”, La Vanguar-
dia.com, 11 de maio de 2014, disponível na internet: http://www.lavanguardia.com/econo-
mia/20130317/54369368696/mito-y-realidad-de-la-agenda-2010.html, tradução nossa.
112 Ibid.

82
trabalho precário e barbárie social

papéis entre quem trabalhava como empregado e quem o fazia como trabalhador
independente113.
Entre outras consequências dessas reformas que se implementaram na Euro-
pa, além do aumento do desemprego, foi o estímulo que deram ao desenvolvimen-
to da informalidade. Assim, institui-se o setor informal, nas palavras de um autor,
como um “para-choques da globalização”, que cumpre quatro funções:

a) Garantir a subsistência dos lares urbanos;


b) Contribuir a solucionar a crise dos mercados de trabalho;
c) Reproduzir-se nas pequenas empresas, informais e precárias, que supe-
rexploram seus trabalhadores;
d) Ser um depósito profundo e exacerbado de força de trabalho barata que
nutre as necessidades de trabalho das empresas transnacionais114.

Agregamos, ainda, que estimula o aumento da exploração e intensifica a com-


petição entre os trabalhadores, a qual, entre outros efeitos, provoca a caída dos
salários, a precariedade do emprego e o aumento do desemprego.
A sociologia do trabalho e as ciências sociais encarregadas de seu estudo de-
vem adentrar nas causas profundas que desencadearam estes fenômenos provoca-
dos pela reestruturação do capital e pela desregulamentação trabalhista no mun-
do do trabalho ao longo das décadas de oitenta e noventa do século passado. Isso
porque uma grande quantidade de autores se esmeram em ocultar e/ou deformar
essa realidade. Na maior parte dos estudos, sobretudo estudos governamentais e
privados, somente se glorifica a superfície dos problemas humanos do trabalho e
a partir daí, infelizmente, inferem-se resultados e, o que é pior, estratégias de ação
inúteis o inaplicáveis. Não existem “fórmulas mágicas” que expliquem o surgimen-
to e a constituição do trabalho precário e da informalidade através, por exemplo,

113 Luciano Vasapollo, “O trabalho atípico e a precariedade”, em: Ricardo Antunes, Riqueza e Mi-
séria…op. cit., p. 49. A ênfase nos “trabalhadores autônomos” se deve ao fato de que cerca de
25% dos empregos na Itália e na Espanha correspondem a trabalho deste tipo, enquanto que na
Europa a média flutua em torno de 15%. A última reforma trabalhista, aprovada em junho de
2012, consagra o trabalho temporário, aumenta a idade de aposentadoria e facilita a demissão dos
trabalhadores, favorecendo, assim, os patrões.
114 Altvater, p. 263 y ss.

83
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

de inovações tecnológicas ou organizacionais, como sustenta o enfoque caracte-


rístico das correntes teóricas do evolucionismo sociológico. Em tudo há matizes,
e detrás delas figuram relações humanas e sociais de produção concretas que in-
teragem como pano de fundo de tais processos, inclusive sobredeterminando-os.
O toyotismo e a automação flexível adequam o trabalho aos mercados e às
necessidades das empresas (just in time) e generalizam a precarização em um con-
texto de debilidade sindical ou de nula organização dos trabalhadores. Assim, o
trabalho precário, a realidade generalizada que vai incorporando cada vez mais a
amplos setores das classes trabalhadoras do mundo todo introduz, em primeira
instância, um estado de tensão nos sujeitos que veem seus direitos trabalhistas e
sociais perdidos e se enfrentam, ao mesmo tempo, à crua realidade de escassez e
da competição por postos de trabalho de qualquer tipo, além, obviamente, de se
enfrentarem a um futuro incerto e cheio de interrogantes que cria problemas de
saúde mental tais como o “[…] nervosismo e a ansiedade, a depressão e o medo,
o sofrimento, [problemas com] a sociabilidade e as relações de amizade”115, sem
mencionar o incremento dos acidentes de trabalho. Podendo permanecer neste
estado por semanas, meses, ou ainda anos inteiros, esses trabalhadores e traba-
lhadoras acabam conseguindo, caso tenham sorte, um quase-emprego insufi-
ciente e precário que lhes proporciona uma renda exígua para satisfazer apenas
parcialmente suas necessidades e as de sua família. E isso caso tenham sorte! Do
contrário, depois de certo tempo desistem de seguir procurando emprego, ques-
tão que favorece a estatística oficial, pois a desistência aparece como se a taxa
de desemprego aberto houvesse diminuído em função da redução da chamada
“taxa de participação laboral”. O alcoolismo, o consumo de drogas, a angústia e o
estado permanente de estresse – pedra angular sobre a qual se edifica a moderna
organização informática do trabalho – acompanham o intervalo de desemprego
e se estendem mesmo quando se encontra um emprego temporário. Se isso afeta
a um indivíduo, o mesmo ocorre de forma massiva com centenas de milhares de
pessoas que estão presas às mesmas situações de precariedade e circunstâncias
adversas similares. O coletivo de trabalhadores, então, experimenta um fenômeno
generalizado de tensão social que, ou se reverte para a luta, ou fica à mercê de uma

115 Amable, Benach y González, “La precariedad y su repercusión sobre la salud: conceptos y resulta-
dos preliminares de un estudio multimétodos”, em: Revista Archivos de Prevención, vol. 4, 2001,
p. 169, tradução nossa.

84
trabalho precário e barbárie social

possível fratura social – podendo estender-se à família, ao casal, ao círculo de ami-


gos e ao próprio indivíduo ao se sentir frustrado – o que definitivamente significa
sua desintegração e conversão ao individualismo acrítico, que é o pior inimigo das
lutas sociais em geral e da luta dos trabalhadores em particular. Dessa situação
ao suicídio há somente um passo, como “fórmula” de “saída” da crise objetiva e
individual. O resultado de todas estas mudança tem sido, entre outros, o aumento
das doenças e da morte no trabalho. Como indica a AFL-CIO em um Informe:

“[...] em 2009, de acordo com dados preliminares do Escritório de Estatísti-


cas Laborais, 4.300 trabalhadores morreram no local de trabalho, uma mé-
dia de 12 trabalhadores por dia, e se estima que 50.000 morreram devido
a doenças do trabalho. Relatam-se mais de 4,1 milhões de lesões e doenças
relacionadas com o trabalho, mas este número subestima o problema. A
cifra real de lesões no trabalho é duas ou três vezes maior – em torno de 8 a
12 milhões de lesões e doenças do trabalho a cada ano” 116.

Por outro lado, a onda de suicídio na France Telecom, que contava com 100.000
empregados naquele país, ressurge tragicamente: entre 2008 e 2010 se registraram
mais de sessenta suicídios, dos quais 27 estão ligados ao trabalho, de acordo com
a plataforma sindical Observatório do Estresse e da Mobilidade Laboral Forçada117.
Um Informe da Organização Internacional do Trabalho (OIT), por sua vez,
revela que em torno de 6 mil e 300 pessoas morrem a cada dia no mundo devido
a acidente ou doenças do trabalho. Ao ano, são 2 milhões e 300 mil mortes. Além
do mais, 270 milhões de trabalhadores padecem de lesões e 160 milhões adquirem
doenças vinculadas ao trabalho como, por exemplo, a LER (Lesão por Esforço
Repetitivo), que é uma doença que se produz em função dos esforços repetitivos
dentro de uma jornada de trabalho excessiva de 14 ou 15 horas por dia – algo fre-
quente nos dias de hoje – como pouco ou nulo descanso para o trabalhador. Outro
fenômeno colateral que afeta o trabalhador é o estresse devido ao trabalho – o que

116 AFL-CIO, Informe 2011, “Dead on the job”, cit. Por: Norberto Emmerich, “Ajuste, desregulaci-
ón, privatizaciones, despidos y cierres en Estados Unidos”, em: http://www.rebelion.org/noticia.
php?id=129447, 31de maio de 2011, tradução nossa.
117 Andrés Pérez, “La crisis de suicidios en France Telecom se reabre trágicamente”. Disponível na
internet: http://www.rebelion.org/noticia.php?id=127314, 28 de abril de 2011.

85
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

os sociólogos denominam bornout (síndrome de esgotamento ou fadiga laboral


crônica) – e que produz, pelo menos, três transtornos: esgotamento emocional
e físico, baixa produtividade no trabalho e despersonalização do trabalhador 118.
Dentro do trabalho alienado e tenso se produz o que alguns denominam a
“captura da subjetividade” pelo capital, que acrescenta ao panorama discutido aci-
ma as doenças do trabalho com “ênfase nos transtornos mentais”, fato que explica
a fabulosa expansão dos negócios farmacêuticos – e das empresas transnacionais
– que lucram com a saúde e a desgraça humana, particularmente mediante a ven-
da massiva de antibióticos e antidepressivos119.
Se as contradições de classe entre o trabalho e o capital não conseguem res-
tituir, para o primeiro, um “certo” equilíbrio dentro das conjunturas adversas,
como resultado da negociação e da luta entre ambos, adentra-se então a um um-
bral que pode provocar fratura social: uma situação de desemprego e informalida-
de massivos caracterizada pela ausência de direitos ou subsídios e, consequente-
mente, de segurança na sociedade.
Este fenômeno, que implica uma aguda regressão social derivada da reestrutu-
ração do capital e de suas crises sistêmicas, traduz-se, no mundo do trabalho, na
constituição de um regime sustentado no sociometabolismo da barbárie120 – tema
deste livro – que acarreta uma redução inerente dos direitos trabalhistas e uma con-
sequente degradação das condições de vida não somente do ser (homem ou mulher)
que trabalha, mas também da população em geral. Como afirma Gorz, “A cultura
do cotidiano – com toda a ambiguidade confusa que esta criação antinômica possui
– é uma cultura da violência ou, em sua forma extrema, uma cultura da barbárie
tematizada, pensada, sublimada, exacerbada, negando-se com sua própria afir-
mação nos punks, ou exibindo uma antiestética protofascista da insensibilidade,
da crueldade e da fealdade nos skins”121.

118 Para este tema, ver: Richard Sennett, La corrosión del carácter. Las consecuencias personales del
trabajo en el nuevo capitalismo, 10ª ed., Barcelona, Anagrama, 2009.
119 Giovanni Alves, Trabalho e neodesenvolvimentismo, op. cit., p. 99.
120 Feliz expressão de Giovanni Alves: “Crise estrutural do capital, trabalho imaterial e modelo de
concorrência-notas dialéticas”, em: Vários, Trabalho educação, contradições do capitalismo global,
Editora Praxis, Maringá, Paraná, 2006, p. 51.
121 André Gorz, Metamorfósis del trabajo. Búsqueda del sentido, Editorial Sistema, Madrid, 1995, p.
118, tradução nossa. Skins (pele) se refere a um drama britânico sobre temas como a violência,

86
trabalho precário e barbárie social

A fratura social significa um processo impiedoso e perigoso de fragmentação


da classe trabalhadora, de seus sindicatos, de seus âmbitos e símbolos sociocul-
turais articulados na família, na vida cotidiana, nas formas de pensamento e nas
ideologias, assim com na dimensão política da reprodutividade social cotidiana.
Quando falamos de fragmentação nos referimos a:

“[...] uma confusão sobre a questão da diferença e da mesmidade (ou uni-


dade), mas a percepção clara destas categorias é necessária em cada fase
da vida. Estar confuso sobre o que é diferente e o que não é, significa estar
confuso sobre tudo. Por isso não é acidental que nossa forma fragmentária
de pensar esteja nos levando a um conjunto amplo de crises: social, po-
lítica, econômica, ecológica, psicológica, etc., tanto no indivíduo quanto
na sociedade considerada como um todo. Esta forma de pensar implica o
desenvolvimento interminável de um conflito caótico e insensato, no qual
tende-se a perder as energias de todos em movimentos antagônicos ou em
mal-entendidos”122.

A fragmentação social é um fenômeno necessário e vital do capitalismo em


geral e das ideologias dominantes em particular (positivismo, evolucionismo, fun-
cionalismo sociológico), utilizada para edificar a organização científica e tecnoló-
gica do trabalho – e de seus processos produtivos – em função de sujeitos que se
ajustem a seus interesses e condições e, ao mesmo tempo, sejam incapazes de apre-
sentar resistência ao sistema porque permanecem fragmentados e isolados. É, em
síntese, a essência do sociometabolismo do capital na época do neoliberalismo, da
flexibilidade, do trabalho precário e da informalidade, anulando primeiramente o
coletivo e, depois, o indivíduo, visando isolá-lo de seus semelhantes e submergi-lo
em um vazio psicotraumático que é consagrado pela ideologia dominante atra-
vés dos meios de comunicação e de seus intelectuais orgânicos que lhe servem de
suporte. Como demonstra Ludovico Silva, estes meios são verdadeiros produto-
res de ideologia (mais-valia ideológica), reforçadores dos reflexos psíquicos que

o alcoolismo, o uso de drogas, a homossexualidade, a psicose, entre outros, que se exibiram na


televisão britânica entre 2007 e 2013.
122 David Bohm, la totalidad y el orden implicado, Barcelona, 1988, Editorial Kairós, pp. 39-40, tra-
dução nossa.

87
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

estimulam a aceitação incondicional à ordem estabelecida pelo indivíduo, sem


questionamento, como uma ordem normal e eterna123.
Assim, a fragmentação e a organização toyotista caminham de mãos dadas, na
medida em que, e promovidas pelas políticas neoliberais, conseguem fragmentar
a classe trabalhadora, desregulamentando, reduzindo ou anulando seus direitos
sociais e trabalhistas em um contexto de aprofundamento do regime de superex-
ploração da força de trabalho que atualmente, a propósito, está se generalizando
no sistema econômico, social e produtivo do capitalismo avançado124.
Na qualidade de fenômenos humanos, a fragmentação e a fratura social se
notam também nas ideias e nas ciências sociais que apresentam visões fetichis-
tas, nebulosas e parciais da realidade social – ainda que se auto-definam como
objetivas e holísticas –, com a finalidade de gerar uma visão “imutável” da or-
dem existente, tão imutável ao ponto de ser impossível sua superação. Essas visões
induzem, ao mesmo tempo, o conformismo social125 nas próprias entranhas da
subjetividade do trabalhador, que se pode interpretar, de acordo com o Roitman,
como “[...] um tipo de comportamento cujo traço mais característico é a adoção de
condutas inibitórias da consciência no processo de construção da realidade. Apa-
rece como um rechaço a qualquer tipo de atitude que implique o enfrentamento
ou contradição com o poder legalmente constituído”126.
Este conformismo é uma perspectiva ideológica da relação entre globaliza-
ção, desenvolvimento tecnológico e mundo do trabalho que o sistema constrói
e difunde todos os dias ex-ante – e projeta ex-post –, como advertimos em outra
oportunidade:

“A revolução tecnológica, científica e informática também teria influencia-


do, principalmente através da difusão massiva dos meios de comunicação,

123 Ludovico Silva, A mais-valia ideológica, Insular - IELA, Coleção Pátria Grande, Florianópolis,
2013, p. 176 y ss.
124 Desenvolvo este tema em meu livro: Los rumbos…op. cit.
125 Ver: Marcos Roitman, El pensamiento sistémico, los orígenes del social-conformismo, Siglo XXI,
México, 2010 (3ª reimp.).
126 Roitman, op. cit., p.1. Por exemplo, quando uma pessoa diz a outra esta frase que se ouve diaria-
mente: “Não alimente ilusões e não seja idealista, não é possível mudar o sistema, os que pensam
assim estão completamente equivocados.”

88
trabalho precário e barbárie social

a criar uma ilusão de óptica unidimensional nos indivíduos e nas grandes


massas sociais de que as contradições globais do sistema (guerras, luta de
classes, alienação, pobreza, dependência e neocolonialismo) teriam sido
definitivamente superadas e que só faltaria ‘integrar’ mais o capitalismo
através da globalização para que este seja capaz de satisfazer as exigências
e as necessidades crescentes de uma sociedade cada vez mais saqueada pelo
sistema”127.

Esta ilusão se deriva de uma premissa teórica que supõe, em termos abstra-
tos, que o desenvolvimento científico-técnico e sua aplicação aos processos de
trabalho e à organização do trabalho contribuiriam a reverter a tensão social, a
precarização e a fragmentação do mundo do trabalho, visando assim afiançar a
superação dos elementos negativos da reestruturação. Da criação desta imagem
de um “mundo feliz” à la Aldous Huxley estão encarregados os departamentos de
relações humanas das grandes companhias corporativas que a difundem massiva-
mente em seus meios de comunicação.
É preciso esclarecer que a pretendida autonomia da ciência e da técnica não
tem outro objetivo que o de garantir a reprodução capitalista, motivo pelo qual
limita, mas não substitui, o trabalho assalariado na produção de valor e de mais-
-valia. Ao invés, é possível advertir que a tecnologia implicada nos processos pro-
dutivos, assim como a adoção de novas formas de organização do trabalho base-
adas no neofordismo, no neotaylorismo, na reengenharia e no toyotismo (todas
elas chamadas “tecnologias leves”), em geral, reforçaram seis âmbitos da reestru-
turação do trabalho: a propriedade privada, a quebra da solidariedade de classe,
a despolitização, a cultura, a compra-venda da força de trabalho e a ciência e a
tecnologia, ao mesmo tempo que ampliaram seu raio de ação na economia e na
sociedade, ameaçando seriamente as populações trabalhadoras de todo o planeta.
No plano ideológico, a luta das ideias e a tomada de consciência anticorpo-
rativa por parte das classes trabalhadoras de todos os países e continentes são
fundamentais para a compreensão crítica, identitária e consciente da realidade
social, política e laboral, visando descobrir e estimular as potencialidades críticas
de sua transformação em todos os planos da existência humana. A organização

127 Adrián Sotelo V., América Latina, de crisis y paradigmas: la teoría de la dependencia en siglo XXI,
coedición Plaza y Valdés-FCPyS, México, 2005, p. 15, tradução nossa.

89
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

independente dos trabalhadores também se vê obstaculizada pelos aparatos ideo-


lógicos – dissuasivos ou repressivos – manipulados pelo Estado e pelas empresas
de comunicação privadas. Neste sentido, a ideologia tem duas vertentes: uma que
se pode considerar negativa, porque distorce a realidade de acordo com a cor e
com os interesses com que se veja: “este é o melhor dos mundos possíveis”, “o siste-
ma capitalista pode resolver todos os problemas dos trabalhadores”, “a integração
das nações é positiva porque possibilita o trânsito livre dos indivíduos para além
de suas fronteiras”, “todo mundo tem acesso à internet e pode tornar-se cidadão
universal”. Ou como crê Rifkin em seu livro A Era do acesso:

“[...] as noções de acesso e de redes estão começando a redefinir a dinâmica


social de forma tão potente como as ideias de propriedade e de mercado
fizeram nos inícios da era moderna [...] Access é agora uma das palavras
mais utilizadas na vida social. Quando as pessoas ouvem a palavra acesso
é provável que pensem em aberturas a uma totalidade de novos mundos de
possibilidades e oportunidades. O acesso se converteu na etiqueta ou sím-
bolo geral para a realização e o progresso pessoal de maneira tão poderosa
quanto a ideia de democracia foi para as gerações passadas”128.

A outra vertente ideológica pode ser positiva quando induz à reflexão e à análi-
se sobre o tempo de trabalho mas, principalmente, quando postula que são os seus
sujeitos concretos os que podem, potencial e realmente, transformar as sociedades
existentes e o sistema capitalista que lhes serve de sustentação. Os trabalhadores e
trabalhadoras recuperam, deste modo, seu potencial criativo para converter-se em
sujeito histórico de transformação do modo de produção e da sociedade. Assim,
nos dizeres de Vasapollo, “O trabalho, longe de perder sua potência, se apresenta
com toda sua carga explosiva, colocando em jogo dinâmicas de recomposição de
classe”129 a partir de onde deve surgir, nós agregamos, o novo sujeito histórico de
transformação e superação da formação social capitalista.
Esta visão realista da sociedade e do mundo do trabalho se contrapõe às figu-
ras midiáticas a às imagens preciosistas que os meios de comunicação privados e

128 Jeremy Rifkin, La era del acceso, la revolución de la nueva economía, Barcelona, 2000, onde a
“clave” do “acesso” é o comércio eletrônico e a internet.
129 Vasapollo, Novos…, op. cit., p. 75.

90
trabalho precário e barbárie social

oficiais promovem e que não encontram sustentação na realidade social de nossos


países e sociedades, assim como nas macro e microtendências que se projetam
no horizonte do mundo do trabalho: a redução do quadro de trabalhadores das
empresas, a substituição de trabalhadores pela automação, redução dos salários e
dos direitos, incremento nas taxas de rotação de trabalhadores, aumento da pro-
dutividade com intensificação da exploração do trabalho, inflação de preços e de
custos das mercadorias de consumo popular.
A sociedade capitalista está marcada pela razão instrumental que implica
“[…] destruição, precarização, eliminação de postos de trabalho e desemprego
estrutural”130, a qual rege a organização do trabalho e a lógica da produção de va-
lor, de mais-valia e de lucros. Isto quer dizer que recursos tais como a reengenha-
ria de processos131 que reduz postos de trabalho132, ou como o toyotismo133, como
formas dominantes de organização e exploração do trabalho que vão abrangendo
cada vez mais às distintas organizações do trabalho, não poderiam funcionar ade-
quadamente sobre os antigos padrões de acumulação e de reprodução do capital
sustentados no keynesianismo e no fordismo. Foi preciso reestruturá-los – assim
como suas instituições jurídico-políticas e ideológico administrativas – para que
a organização do trabalho que florescia pudesse se converter em hegemônica na
criação de valor e na valorização do capital de acordo com as novas exigências do
jogo empresarial estratégico assentado na produção do trabalho excedente como
princípio da desmedida do valor.
Sustentada em critérios de rentabilidade e racionalização do capital para obter
altas taxas de lucro, esta lógica instrumental provoca efetivamente a subordinação

130 Nise Jinkings, Trabalho e resistência na ‘ fonte misteriosa’’. Os bancários no mundo da eletrônica e
do dinheiro, Editora da UNICAMP, São Paulo, 2005, p. 12.
131 Para este tema, ver: Michael Hammer y James Champy. Reingeniería, Editorial Norma, México,
1994. A reengenharia (Business Process Reeingeniering) é o ajuste constante das empresas à re-
alidade mutável do capitalismo, em que se parte do zero com o objetivo de revisar e reprojetar
radicalmente os processos, conseguindo assim melhorias radicais de rendimentos em áreas como
custos, qualidade, serviço e repidez. Na maior parte dos casos implica demissão massiva de tra-
balhadores. Podemos, portanto, associar, no que toca aos efeitos sobre o mundo do trabalho, a
reengenharia com a precarização, enquanto mecanismo de atualização da precariedade.
132 Richard Sennett, La corrosión del carácter, op. cit., p. 50.
133 Ver: Thomas Gounet, Fordismo e toyotismo na civilização do automóvel, Boitempo, São Paulo,
1999.

91
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

real da força de trabalho ao capital, e suas características vão se estendendo e se


homogeneizando na produção e no mundo do trabalho, inclusive nos países de-
pendentes de América Latina134. Isso ocorre independentemente das formas (dis-
persas) concretas que assuma a fragmentação da força de trabalho e, em geral, a
fragmentação do trabalho assalariado como característica derivada das políticas
neoliberais de flexibilização laboral que favorecem as contratações de curta du-
ração (temporal, estacional, part time), o pagamento fragmentado por hora tra-
balhada, a ampliação das causas legais para o término do contrato de trabalho
por parte das empresas e a redução das indenizações por demissão justificada
ou injustificada135. Essas são todas demandas históricas da patronal de todos os
países capitalistas do mundo para fortalecer seu domínio real, e não mais somente
formal, sobre o trabalho com o objetivo de afiançar e fazer mais eficientes seus
sistemas de organização e exploração.
As reformas do Estado (ajuste estrutural, privatização, abertura externa) par-
tem da desregulamentação, passam pela fragmentação, precarização, e culminam
na constituição do estado de tensão psicossocial como uma ferramenta podero-
sa que debilita as capacidades e vontades organizativas dos trabalhadores porque
combina as condições objetivas (crises econômicas, desemprego, salários baixos,
altas taxas de exploração e competição) com as subjetivas (falta de consciência de
classe entre os trabalhadores, desilusão no trabalho, angústia frente ao umbral do
desemprego, da pobreza e da derrota).
O trabalhador isolado, tenso e convertido em um sujeito individualizado com
sentimento de impotência, enfrenta-se aos poderosos e incansáveis aparatos su-
bliminares da sociedade burguesa (meios de comunicação, de repressão, carcerá-
rios, hospitais psiquiátricos, sistemas judiciais) que condicionam e modificam sua
conduta (por exemplo, de uma posição ativa e combativa a uma posição passiva
e de aceitação incondicional da ordem existente), envolvem-no e determinam sua
identidade (alienação), convertem-no em um ser estranho frente a seu próprio

134 Ver: Ricardo Antunes, Riqueza e miseria do trabalho no Brasil (vol. I, 2006) y (vol. II, 2013), Boi-
tempo, São Paulo.
135 Al respecto consúltese el artículo de Néstor de Buen, “ El principio de la inestabilidad en el em-
pleo”, en La jornada on line, 30 de março de 2014, disponível na internet: http://www.jornada.
unam.mx/2014/03/30/opinion/020a2pol.

92
trabalho precário e barbárie social

trabalho e aos produtos de seu trabalho, isolando-o, logo após, do coletivo dos
trabalhadores e da própria sociedade.
Como afirma Marx:

“Com a valorização do mundo das coisas (Sachenwelt) aumenta em propor-


ção direta a desvalorização do mundo dos homens. O trabalho não produz
somente mercadorias; ele produz a si mesmo e ao trabalhador como um
mercadoria, e isto na medida em que produz, de fato, mercadorias em geral.
[...] Este fato nada mais exprime, senão: o objeto (Gegenstand) que o traba-
lho produz, o seu produto, se lhe defronta como um ser estranho, como um
poder independente do produtor. O produto do trabalho é o trabalho que
se fixou num objeto, fez-se coisa (sachlich), é a objetivação (Vergegenstän-
dlichung) do trabalho. A efetivação (Verwirrklichung) do trabalho é a sua
objetivação. Esta efetivação do trabalho aparece ao estado nacional-eco-
nômico como desefetivação (Entwirklichung) do trabalhador, a objetivação
como perda do objeto e servidão ao objeto, a apropriação como estranha-
mento (Entfremdung), como alienação (Entäusserung)”136.

O resultado final, afirma Castells, é uma contradição flagrante entre o eu e as


“redes globais de intercâmbios instrumentais”, resultando em uma ruptura peri-
gosa dos canais de comunicação. Em suas palavras:

“Nesta condição de esquizofrenia estrutural entre função e significado, as


pautas de comunicação social se submetem cada vez mais a uma tensão
maior. E quando a comunicação se rompe, quando deixa de existir, sequer
em forma de comunicação conflitiva (como seria o caso das lutas sociais ou
da oposição política), os grupos sociais e os indivíduos se afastam uns dos
outros e veem o outro como um estranho, e finalmente como uma ameaça.
Neste processo, a fragmentação social se estende, pois as identidades se
tornam mais específicas e aumenta a dificuldade de compartilhá-las”137.

136 Karl Marx, Manuscritos econômico-filosóficos, Boitempo, São Paulo, 2010, p. 80. Destaques do
autor.
137 Manuel Castells, La era…op. cit., pp. 29-30, tradução nossa.

93
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

A extensão e aprofundamento da alienação, da fragmentação social e do esta-


do de tensão que a flexibilidade laboral138, organizacional e os novos paradigmas
da organização social do processo de trabalho – como o toyotismo – introduzem,
recriam um umbral que pode provocar tanto um estado de fratura quando de rup-
tura dos vasos comunicantes entre os coletivos de trabalhadores (os quais podem,
condições distintas, alcançar uma alta coesão de classe) e dos próprios instrumen-
tos de luta como o sindicato, a greve, a manifestação política e, principalmente,
a constituição da classe trabalhadora como vanguarda da transformação social
radical.
Este último ponto é o que interessa estrategicamente ao capitalismo em sua
fase atual neoliberal e informática: utilizar todos seus instrumentos e os aparatos
do Estado a seu favor (incluindo a força da repressão de massas) a favor da frag-
mentação e do estado de tensão social com o intuito de impedir que a classe traba-
lhadora e os trabalhadores se recomponham em sujeitos históricos de transforma-
ção da sociedade e do modo de produção capitalista. O que o capitalismo deseja é
que, a partir de um conformismo social deificado, os trabalhadores reneguem a
necessidade histórica de realizar a revolução social.
De alguma maneira, durante a década de oitenta se alcançou esse objetivo
estratégico: neutralizar e, em situações extremas, derrotar o movimento social dos
trabalhadores praticamente em todo o mundo com a ajuda do Estado imperialista
encabeçado por Reagan nos Estados Unidos e pela Dama de Ferro na Inglaterra139.
Este fato histórico, social e político foi a base da crise do Estado de bem-estar

138 Castel considera que flexibilidade “não se reduz à necessidade de se ajustar mecanicamente a
uma tarefa pontual. Mas exige que o operador esteja imediatamente disponível para adaptar-se às
flutuações da demanda”, Robert Castel, As metamorfoses..., op. cit., p. 517.
139 Em 1984, o governo britânico encabeçado por Margaret Thatcher, em ação combinada como o
Partido Trabalhista, reprimiu os mineiros do carvão que realizavam uma greve de mais de um
ano pela defesa de seus empregos; a primeira-ministra os tachou de “inimigos internos” e o resul-
tado desta ação repressiva, que marcou o início do neoliberalismo, foi a redução da força de traba-
lho de 150 mil a 10 mil empregados. Cf. István Mészáros, “Desemprego e precarização, um grande
desafio para a esquerda”, em Ricardo Antunes (organizador), Riqueza e Miséria do trabalho no
Brasil, Boitempo Editorial, São Paulo, 2006, p. 43. Também é interessante o caso do Brasil, onde
o efeito das privatizações se sentiu “Imediatamente depois que os novos proprietários privados
(estadunidenses) assumiram as empresas estatais da telecomunicações privatizadas pelo governo
FHC em julho de 2008 [...] implementaram uma vigorosa onda de demissões voluntárias ou não,
aposentadorias forçadas, contratos flexíveis e relações individualizadas com o trabalhadores, com

94
trabalho precário e barbárie social

para sua posterior desestruturação na década dos noventa do século passado e


reconversão em Estado neoliberal hegemônico, para o qual coadjuvaram a desin-
tegração da URSS e a imposição do Consenso de Washington, entre outros fatos
históricos transcendentes.
A partir de então estes fatos foram elevados à condição de “efeito demonstra-
ção” ideológico para provar que a luta de classes havia “acabado”, em particular
a luta da classe trabalhadora, e que esse sujeito histórico estava fragmentado e
defasado para impulsionar essa tarefa. Em seu lugar, a intelectualidade orgânica
do sistema dominante proclamou aos chamados (novos) “movimentos e sujeitos
sociais”140 como os únicos atores protagonistas da transformação social, entre os
quais apareciam os grupos de mulheres, as ONGs, os movimentos altermundistas
(antiglobalização) ou anti-sistêmicos, os camponeses, os indígenas, os estudantes,
entre outros, mas todos eles isolados, em função dos golpes – inclusive físicos – so-
fridos pelo movimentos dos trabalhadores e pelo movimento sindical no curso da
década de oitenta com a reestruturação do capital, apoiada na informática e nos
meios de comunicação, que introduziu e reforçou o neoliberalismo e as economias
flexíveis de mercado baseadas no sistema just in time.
Em outras palavras, como defende Manuel Mera, o “consenso keynesiano” –
que trouxe muitos benefícios para o capital ao promover e favorecer os privilégios
empresariais e frear e neutralizar tanto as lutas reivindicativas quanto aquelas
encaminhadas à conquista do socialismo – deu lugar ao “consenso neoliberal”,
dos dirigentes sindicais burocratizados, dos partidos políticos corporativizados,
do capital e do Estado empenhado em instituir, generalizar e flexibilizar as forças
do mercado.
O resultado foi desastroso para os trabalhadores, como afirma o diagnóstico
de Mera ao se referir a esta situação no Estado espanhol, mas bem se poderia
generalizá-lo ao conjunto europeu:

a finalidade de converter o sindicato em um ente supérfluo.” Sávio Cavalcante, Sindicalismo e


privatização das telecomunicações, Expressão Popular, São Paulo, 2009, pp. 190-191.
140 Para este, ver Irene Sánchez, “Sujetos sociales: historia, memoria y cotidianeidad”, em: Irene Sán-
chez y et. al., América Latina: los desatinos del pensamiento crítico, Editorial Siglo XXI, México,
2004, pp. 219-238.

95
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

“Em todos os casos, a negociação bipartite ou tripartite (sindicatos, patro-


nal e governo) foi exclusiva das direções sindicais e das grandes centrais de
âmbito estatal como as Comissões Operárias e a União Geral dos Traba-
lhadores (UGT), poucas vezes debatida na base e quase nunca sustentada
na mobilização. Foram, e são, negociações feitas passivamente, que não dão
protagonismo à classe trabalhadora e que, portanto, não geram nenhuma
avanço da consciência de classe. Tudo fica nas mãos do príncipe salvador,
que nestes casos são os dirigentes sindicais, e da boa vontade. O acordo, na
prática, além de ter efeitos negativos para os interesses dos assalariados a
longo prazo, foi gerando uma atitude passiva nos trabalhadores e trabalha-
doras, diminuindo a militância e esgotando a capacidade de resposta das
organizações sindicais.”141

Como uma derivação da crise e da reestruturação do capital, a classe traba-


lhadora foi fragmentada e desarticulada dos núcleos reivindicativos de suas orga-
nizações de classe. A fratura e a tensão social desempenharam seu papel e intro-
duziram o isolacionismo, o individualismo acrítico e o sentimento de derrota nas
fileiras trabalhadoras, fenômeno que se expressou em uma forte caída das taxas de
sindicalização em todo o mundo142 praticamente até a atualidade. Se calcula, por
exemplo, que a taxa média de filiação sindical nos 27 países membros da União
Europeia era de 23% em 2009.143

141 Mera, op. cit, tradução nossa.


142 De acordo com o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEE-
SE) de São Paulo, entre 1970 e 1990 a taxa de sindicalização se reduziu de 23% a 17% nos Estados
Unidos, de 42 a 40% no Reino Unido, de 22% a 10% na França e de 37% a 28% no Japão. Citado
por Marini, “Proceso y tendencias…”, op. cit., p. 56.
143 José Manuel Marañón, “Afiliación y representación sindical”, disponível na internet: http://www.
eldiariomontanes.es/v/20101029/opinion/articulos/afiliacion-representacion-sindical-20101029.
html, 29 de outubro de 2010.

96
trabalho precário e barbárie social

Quadro nº 2
Evolução dos trabalhadores sindicalizados e cobertos
por contrato sindical (%)
Variação
percentual
na cobertura
de contratos
sindicais
1980 2000 Variação (%) (1980-2000)
País
Reino Unido 51 31 -39 -57
Japão 31 22 -29 -40
Estados Unidos 22 13 -41 -46
Alemanha 35 25 -29 -15
Francia 18 10 -44 13
Suécia 80 79 -1 13
Austrália 48 25 -48 0
Itália 50 35 -30 0
OCDE 32 21 -33 -22

Fonte: Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (OCDE), Employment Outlook, Paris, 2004.

Na medida em que esta situação se concretizou nas fileiras sindicais da classe


trabalhadora, o Estado alcançou hegemonia (consenso) com ajuda dos meios de
comunicação e eletrônicos, assim como a participação ativa como executor da
privatização do sistema econômico e social (acumulação de capital mediante a
espoliação) e da promoção das forças do mercado como supostas promotoras de
desenvolvimento da sociedade e da economia em geral.
Como afirma Isabel Rauber, quando constata a racionalização e absorção dos
valores humanos pelo sistema, em que noções como “[...] o justo, o bom, o neces-
sário (socialmente) perdem sentido frente à noções de concorrência, eficiência,
custos e resultados que, por sua vez, reciclam-se e revalorizam-se cotidianamente
no mercado através da concorrência”144.
O resultado da derrota dos trabalhadores foi uma mudança diametral nas
relações sociais de produção completamente favorável à economia capitalista

144 Isabel Rauber, Actores sociais, loitas reivindicativas e política popular, Confederación Intersindical
Galega y Promócions Culturais Galegas, S.A., Colección Ter Razóns, Vigo, Galiza, España, marzo
de 2003, 1ª edición, p. 9.

97
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

mundial cimentada no predomínio de classes, relações sociais e forças políticas


dominantes, representativas do capital fictício e de suas instituições (Bolsas de
Valores, bancos privados, fundos de pensão e de investimento, bônus e “fundos
abutres”, assim como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional) que
liderarão o capitalismo neoliberal do século XXI.
Uma das consequências imediatas e perduráveis deste processo foi a diminuição
do ritmo de crescimento econômico internacional, com graves efeitos na contração
das taxas de investimento e na geração de empregos produtivos, fato responsável
pelo aumento do desemprego e pela diminuição dos salários. A caída das taxas de
emprego e o aumento do desemprego durante as décadas dos anos oitenta e noventa
do século passado (ver quadro nº 1) são um pistão de pressão adicional para rees-
truturar e desregulamentar o mundo do trabalho e projetá-lo, assim, ao século XXI.

CONCLUSÃO

Frente a este panorama de crise, fragmentação e reestruturação, as iniciativas


do capital – privatização, ajustes estruturais, diminuição de custos e reformas tra-
balhistas, demissões massivas de trabalhadores, reorientação dos investimentos a
setores competitivos e de alta rentabilidade – avançaram no sentido de aprofun-
dar e incentivar por todas as partes a fragmentação, a fratura social e a extensão
monumental do trabalho precário e informal de nossos dias. Se isso não tivesse
ocorrido, dificilmente se poderia imaginar que o capital tivesse conseguido resol-
ver a crise profunda do Estado de bem-estar e reestruturar o capitalismo a partir
de mediados da década dos setenta do século passado. Isso devido a que os pro-
cessos não são mecânicos, ao contrário, envolvem as condições estruturais que
ocorrem nos processos de trabalho sob os imperativos das gerências das empresas,
mas também as condições da luta de classes que, em particular, os trabalhadores
colocam ou não em marcha através de seus sindicatos e de outros instrumentos de
luta como os comitês de fábrica ou, ainda, os partidos políticos.
Para atualizar a precariedade através da precarização, o relevante é partir da
premissa de debilitar intensamente os trabalhadores, aliená-los, fragmentá-los e
submetê-los finalmente aos imperativos da organização do trabalho que as gran-
des empresas transnacionais de alcance global comandam e regulam.

98
CAPÍTULO 6
A CONDIÇÃO DE PRECARIEDADE
DO TRABALHO ASSALARIADO NO
SÉCULO XXI

INTRODUÇÃO

Podemos afirmar que a questão social de nossos dias se refere à condição de


precariedade como o atributo indispensável das relações sociais de produção e de
trabalho para o século XXI. A fratura social e a fragmentação aprofundaram a
precariedade do trabalho ao grau de convertê-la em pedra angular das políticas
neoliberais do Estado e do grande capital. É possível afirmar que elas são o requi-
sito indispensável para que opere um novo modo de controle e de organização da
força de trabalho, capaz de ressarcir as caídas e dificuldades da taxa de lucro e os
problemas derivados da desmedida do tempo de trabalho, mediante uma recom-
posição da produção de valor e de mais-valia. Obviamente, isto afetas as políticas
de emprego, salário, qualificação, compra-venda e uso da força de trabalho na
produção e as codifica na legislação trabalhista correspondente.

PRECARIZAÇÃO E PRECARIEDADE

Deve-se situar o tema da precariedade laboral dentro da concepção do traba-


lho assalariado e alienado que Marx tratou em distintos momentos de sua obra. É
nos Manuscritos onde encontramos uma definição geral que se desenvolverá em
outros escritos fundamentais do autor, como nos Grundrisse e no Capital.

“O trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza produz,


quanto mais a sua produção aumenta em poder e em extensão. O traba-

99
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

lhador se torna uma mercadoria tão mais barata quanto mais mercadorias
cria. Com a valorização do mundo das coisas (Sachenwelt) aumenta em
proporção direta a desvalorização do mundo dos homens (Menschenwelt).
O trabalho não produz somente mercadorias; ele produz a si mesmo e ao
trabalhador como um mercadoria; e isto na medida em que produz, de fato,
mercadorias em geral”145.

Como vemos, no capitalismo opera em progressão geométrica um distancia-


mento entre riqueza e pobreza, progressão esta em que o trabalhador acumula
saldos negativos de crescimento econômico e o capital acumula saldos positivos
expressados no crescimento de sua riqueza, na acumulação de capital e na obten-
ção de altos lucros, assim como na expansão de seus negócios.
Neste contexto histórico, econômico e sociolaboral, é necessário distinguir os
conceitos de precariedade e precarização do trabalho 146. O primeiro é uma con-
dição inerente do trabalho assalariado no capitalismo, enquanto o segundo cor-
responde à reposição e atualização do primeiro e o cristaliza em leis, instituições,
normas e regulamentos trabalhistas, efetuando-se geralmente após um período
de crise e mediante reestruturações dos processos de produção e de organização
do trabalho. Por esse motivo consideramos que a precariedade deve se compre-
ender previamente como um “uma construção conceitual que deve se colocar em
prática mediante diversas variáveis próprias de uma situação laboral instável e de
desamparo.”147 São justamente estes dois últimos adjetivos os que conformam o
coração da precariedade e operam como antagônicos ao que se define no direito
trabalhista como seguridade, certeza e defesa para os trabalhadores frente a in-
certeza do desconhecido, e não para o patrão, que “sabe tudo” mas conserva em
segredo o que sabe para utilizar nos julgamentos contra o trabalhador.

145 Marx, Manuscritos, op. cit., p. 80.


146 Giovanni Alves, Dimensões da reestruturação produtiva. Ensaios de sociologia do trabalho, São
Paulo, Editora Praxis, 2007, p. 113 y ss.
147 Marcelo Amable y Joan Benach, “ La precariedad laboral ¿un nuevo problema de salud pública?,
em: Gaceta Sanitaria: Organo oficial de la Sociedad Española de Salud Pública y Administración
Sanitaria,  ISSN  0213-9111, vol. 14, no. 6, 2000, p. 419, tradução nossa. Disponível na internet:
http://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=3092167.

100
A condição de precariedade do trabalho assalariado no século xxi

Feitas as precisões sobre os conceitos, a emergência da precarização do traba-


lho no contexto da mundialização do capital se associa com as novas tendências
econômicas que “[...] expressam as contradições das recentes transformações pro-
dutivas a nível internacional”148. Esta condição de precariedade obedece à ruptura
da “aliança” da “sociedade do mercado” com o Estado de bem-estar, assim como
ao abandono por parte deste último de suas funções assistenciais em matéria de
ocupação e seguridade social. A novidade da nossa época de capitalismo neolibe-
ral, sua novidade radical, afirma István Mézáros, consiste em que

“[...] o sistema do capital já não está em posição de conceder seja o que for
ao trabalho, em contraste com as conquistas reformistas do passado. A de-
sanimadora acomodação e mesmo a capitulação total de alguns dos antigos
partidos da classe trabalhadora às exigências dos interesse do grande negócio
– na Grã-Bretanha e em vários países europeus, mas não somente na Europa
– consistem não apenas na manutenção da autoritária legislação antitraba-
lhista das últimas décadas, mas também na concessão de cargos importan-
tes, nos governos do ‘New Labour’, da ‘Esquerda Democrática’ italiana e em
outras partes, a proeminentes representantes do capital corporativo”149.

A derrota dos trabalhadores que se expressou, entre outros fenômenos, no en-


fraquecimento de suas organizações de classe, como o sindicato, ou na fragmen-
tação e na fratura social que afetaram e afetam a coesão da classe trabalhadora, é
a premissa necessária para que a precarização do trabalho possa operar enquanto
adequação ao funcionamento do capitalismo em sua fase neoliberal em matéria
de organização do trabalho, de acumulação e valorização do capital e de incre-
mento da taxa de lucro. Desta maneira, a precariedade se originou por meio da
combinação entre o esgotamento e crise do velho paradigma fordista-keynesiano
de produção em massa e as lutas de classe e de resistência da classe trabalhadora
contra as desastrosas consequências da bancarrota do Estado de bem-estar sobre
suas costas. Entre outras dimensões, esse fenômeno reforçou o núcleo duro da

148 Dídimo Castillo, Fernández, Los nuevos trabajadores precarios, México, Porrúa-UAEM, 2009, p.
39, tradução nossa.
149 István Mészáros, “Desemprego e precarização”, em: Antunes (organizador), Riqueza e miséria…,
op. cit., pp. 41-42.

101
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

precariedade do trabalho através de um perda crescente de direitos sociais e traba-


lhistas que terminou atingindo o conjunto da sociedade. Por isso, a precariedade
assume uma dimensão social e universal que afeta todas as categorias, sem distin-
ção de qualificações e níveis salariais. E qual é o “sujeito”, neste cenário? Seja como
for, é o proletariado, e não uma suposta “nova classe” social denominada “preca-
riado”, nem mesmo um “sujeito social abstrato”, como se argumentará a seguir.
A precarização do trabalho consiste na desconexão do trabalho do direito a
ter direitos “[...] e, principalmente, direito ao que é produzido e produzível sem
trabalho, ou cada vez com menos trabalho. Trata-se de ter clareza de que nem o
direito a uma renda, nem à cidadania plena, nem ao desenvolvimento e à identida-
de de todos podem estar centrados na ocupação de um emprego e depender dele.
Nem, consequentemente, a tarefa de transformar a sociedade”150. Na verdade, em
nossa sociedade ocorre o contrário: a renda, a cidadania e a identidade dependem
cada vez mais, e mais intensamente, do emprego e das condições de valorização e
de reprodução do capital sob o imperativo que a condição de precariedade impõe,
condição esta imanente do trabalho assalariado e das múltiplas relações que o
conformam, e que são impostas pela formação social capitalista.
Desde nossa perspectiva, e em função de nossa definição do conceito, consi-
deramos que esta condição de precariedade é o elemento substancial da análise,
enquanto conceitos de uso corriqueiro, acadêmico e oficial tais como “informa-
lidade”, “vulnerabilidade” e “trabalho decente” são apenas adjetivos que podem
variar ou ser facilmente substituídos por outros, se assim convier às definições e
aos ajustes estatísticos. Por isso, nestas seções tentaremos compreender e separar
cada um destes conceitos para, depois, apresentar nossa crítica a respeito.

O TRABALHO DECENTE

A origem do conceito de “trabalho decente” remonta à 87ª Reunião da Con-


ferência Internacional do Trabalho, celebrada em Genebra, Suíça, em junho
de 1999, onde se afirmou que “[...] a finalidade primordial da OIT é promover

150 André Gorz, Miserias del presente, riqueza de lo posible, Editorial Paidós, Buenos Aires, 2003, p.
64, tradução nossa.

102
A condição de precariedade do trabalho assalariado no século xxi

oportunidades para que homens e mulheres possam conseguir um trabalho de-


cente e produtivo em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade
humana”151. Da mesma maneira, o conceito de trabalho decente se define como o
“[...] reconhecimento de que o trabalho é fonte de dignidade pessoal, estabilidade
familiar, paz na comunidade, democracias que atuam em benefício de todos, e
crescimento econômico, que aumenta as oportunidades de trabalho produtivo e
de desenvolvimento das empresas”152. A partir dessas definições se poderia extrair
a conclusão de que o trabalho decente é a antípoda do trabalho precário, o qual se
propaga como mofo por todo o sistema.
A OIT caracteriza como “emprego vulnerável”,

“[...] a soma de trabalhadores por conta própria e trabalhadores familia-


res não-remunerados. Este indicador proporciona indícios valiosos das
tendências na qualidade geral do emprego, uma vez que uma proporção
elevada de trabalhadores em situação de vulnerabilidade laboral indica que
os acordos de trabalho informal são frequentes, razão pela qual os traba-
lhadores em geral carecem de proteção social adequada e de acesso aos
mecanismos de diálogo social. A vulnerabilidade laboral também se carac-
teriza geralmente por salários baixos e condições precárias de trabalho, o
que pode eliminar os direitos fundamentais dos trabalhadores” 153.

A “informalidade” alude:

151 Disponível na internet: http://www.ilo.org/public/spanish/standards/relm/ilc/ilc87/rep-i.htm.


em: OIT, El Programa de Trabajo Decente, s/f., http://www.ilo.org/global/about-the-ilo/decent-
-work-agenda/lang--es/index.htm, tradução nossa. Para uma análise do trabalho decente, ver:
Esthela Gutiérrez Garza y Elizabeth Gálvez Santillán, “El trabajo decente como política pública:
una alternativa frente a la precarización laboral”, em: Esthela Gutiérrez Garza, Adrián Sotelo y
Dídimo Castillo, Capital, trabajo y nueva organización obrera, Miguel Ángel Porrúa-UANL, Mé-
xico, 2012, pp. 105-136.
152 Em OIT, El Programa de Trabajo Decente, s/f., http://www.ilo.org/global/about-the-ilo/decent-
-work-agenda/lang--es/index.htm, tradução nossa.
153 OIT, Tendencias mundiales del empleo 2012. Prevenir una crisis mayor del empleo, Ginebra, 2012,
pp. 45-46, tradução nossa. Disponível na internet: http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---
dgreports/---dcomm/---publ/documents/publication/wcms_168095.pdf.

103
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

“[...] ao conjunto de atividades econômicas desenvolvidas pelos trabalhado-


res e unidades econômicas que, tanto na legislação quanto na prática, estão
insuficientemente ou não estão em absoluto contempladas pelos sistemas
formais. As atividades dessas pessoas e empresas não estão regulamentadas
pela lei, o que significa que se realiza à margem dela; ou não estão contem-
pladas na prática, ou seja, ainda que estas pessoas operem dentro do âmbito
da lei, esta não se aplica ou não se cumpre; ou a própria lei não estimula seu
cumprimento por ser inadequada, complicada ou impor custos excessivos.
Os trabalhos da OIT devem levar em conta as dificuldades conceituais que
se derivam dessa grande diversidade”154.

No quadro abaixo fazemos uma síntese das semelhanças e diferenças entre os
três conceitos.
Esquema nº 1
Trabalho decente, emprego vulnerável e informalidade
Trabalho decente (ética)
• Fonte de dignidade pessoal.
• Estabilidade familiar.
• Paz na comunidade.
• Democracia.
• Crescimento econômico: aumenta oportunidades de trabalho produtivo e desenvolvimen-
to empresarial.
Emprego vulnerável (condições de trabalho)
• Trabalhadores por conta própria e trabalhadores familiares não-remunerados.
• Trabalho informal.
• Carência de proteção social e de acesso aos mecanismos de diálogo e entendimento social.
• Salários baixos e condições de trabalho precárias.
Informalidade (legislação e/ou exclusão do mercado de trabalho)
• Atividades não reconhecidas pelos sistemas formais.
• Atividades de pessoas e empresas não integradas em lei.
• Atividades que operam dentro do âmbito da lei, mas esta não se aplica ou não se cumpre.
• A própria lei não fomenta seu cumprimento por ser inadequada, complicada ou por impor
custos excessivos.
• Existe a lei, mas empresas e autoridades a violam sistematicamente.

154 OIT, Conclusiones sobre el trabajo decente en la economía informal, párrafo 3, Ginebra, 2002, tra-
dução nossa. Disponível na internet: http://www.ilo.org/public/spanish/standards/relm/ilc/ilc90/
pdf/pr-25res.pdf.

104
A condição de precariedade do trabalho assalariado no século xxi

O trabalho decente se remete a uma questão ético-moral imersa em boas in-


tenções, já que no capitalismo esse conceito é mais um estado de espírito, um
ideal a alcançar, uma espécie de Topus Uranus platônico, do que uma realidade
efetivamente alcançável sem alterar as categorias básicas do sistema, sobretudo a
precariedade. A informalidade obedece à existência de relações trabalhistas e em-
presas que atuam fora da legalidade fiscal do Estado e dos mercados de trabalho
formais, enquanto a vulnerabilidade se refere às condições de uso, compra e venda
da força de trabalho nos mercados de trabalho.

EMPREGO VULNERÁVEL E PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO

Do ponto de vista da economia mundial e do comportamento de suas taxas


de crescimento econômico podemos observar dois períodos: o primeiro, anterior
à crise estrutural e financeira de 2008-2010, cujo epicentro foram os Estados Uni-
dos, e outro, posterior à crise deste primeiro período, com centro na União Eu-
ropeia. A partir de 2012, percebe-se uma tendência inversa a que havia ocorrido
no primeiro período: neste, houve uma recuperação importante das economias
“emergentes” e um declínio dos países capitalistas avançados. Agora, ao contrá-
rio, parece que estes acusam recuperações moderadas frente a uma desacelera-
ção mais ou menos importante nas economias subdesenvolvidas e dependentes,
juntamente com desacelerações importantes de China, Índia e de outros países
“emergentes” membros dos BRICS, como o Brasil.
Este comportamento foi similar ao observado nos mercados de trabalho. De
fato, diversas fontes coincidem com que a partir de finais de 2012 começa a evi-
denciar-se uma perda de dinamismo da tendência positiva de crescimento dos
mercados de trabalho na América Latina e Caribe ocorrido no período anterior,
ocasionando, a partir de então, um aumento da informalidade. Assim, a OIT155
afirma que a porcentagem de emprego informal na América Latina e Caribe che-
gou a 47,7% em 2012, proporção similar a que se registrou um ano antes, mas
considera que, frente aos problemas crescentes de desaceleração econômica, é pro-
vável que a informalidade comece a aumentar em toda a região.

155 OIT, Panorama Laboral 2013, p. 62.

105
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

Esta situação é diversa de acordo com a situação de cada região e de cada país,
mas a tendência que parece se constituir é estrutural e provoca uma séria de in-
tervenções por parte dos governos e do capital privado nacional e internacional156.
Cabe assinalar que a caída moderada do nível de desemprego nos três primeiros
semestres de 2013 foi principalmente resultado de uma diminuição interanual na
oferta de mão-de-obra, antes que de um crescimento da ocupação neste período,
já que a taxa média de ocupação, entre janeiro e setembro de 2013, manteve-se em
nível igual ao registrado no mesmo período de 2012157.
Enquanto isso, consideramos que frente a estas tendências se observa que, em
termos absolutos, o emprego vulnerável aumentou, mesmo que com uma lenta e
leve diminuição de sua taxa relativa. De fato, de acordo com seus próprios resulta-
dos, a OIT conclui que, apesar de que se tenha registrado uma diminuição da taxa
mundial de emprego vulnerável, caindo de 52,8% em 2000 para 49,1% em 2011, a
vulnerabilidade no emprego aumentou em termos absolutos, ao passar de 1 bilhão
e 379,7 milhões de trabalhadores no ano 200 para 1 bilhão e 600 milhões em 2011
– um incremento de 136 milhões de trabalhadores –, como se pode observar no
quadro seguinte:

156 OIT, Panorama Laboral, 2013, p. 26. Intervenções que, na maioria dos casos, atuam somente sobre
os efeitos, mas não sobre as causas do desemprego, da informalidade e da precariedade.
157 Panorama Laboral, 2013, p. 27.

106
A condição de precariedade do trabalho assalariado no século xxi

Quadro nº 3
Emprego vulnerável por setor, no mundo e por região (milhões). Ambos sexos.

2000 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Mundo 1.515,9 1.379,7 1.484,2 1.499,4 1.509,4 1.493,9 1.493,2 1.505,6


Economias desen-
volvidas e União 48,2 47,4 47,0 47,0 46,2 45,5 46,3 46,1
Europeia
Europa Central e
Sudeste europeu 37,8 34,9 34,0 32,7 32,7 32,6 33,7 33,8
(fora da UE) e CEI
Ásia Oriental 431,5 440,1 443,6 442,5 423,6 414,0 407,4 402,9
Sudeste Asiático e
158,0 165,3 167,9 171,2 174,2 175,0 181,4 182,7
Pacífico
Ásia Meridional 414,3 471,5 477,4 480,9 477,5 476,3 480,5 486,5
América Latina e
74,5 79,6 79,1 79,5 80,1 82,2 83,1 84,6
Caribe
Oriente Médio 13,9 16,7 17,0 17,2 17,0 17,7 18,2 18,5
África do Norte 19,8 23,1 22,8 23,8 24,1 24,3 23,8 23,8
África Subsaariana 181,6 205,6 210,7 214,7 218,5 225,5 231,2 236,9

Fonte: OIT, Tendências mundiais do emprego 2012. Prevenir uma crise maior do emprego, Genebra, 2012, Qua-
dro A-13, p. 107, disponível em Internet: http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---dcomm/--
-publ/documents/publication/wcms_168095.pdf.

As conclusões deste organismo internacional são eloquentes. Duas são as ten-


dências que se consideram “desconcertantes”: a) em primeiro lugar, e com a lin-
guagem eufemística amplamente utilizada pelos organismos internacionais para
camuflar a realidade, reconhece que, frente a um crescimento débil do capitalis-
mo nas economias avançadas, o “pequeno crescimento” obtido se deve a um au-
mento da produtividade do trabalho, e não à criação de empregos: essencialmente,
a produção aumenta porque as empresas puderam alcançar a mesma produção
ou mesmo aumentá-la sem que o emprego aumente, exigindo mais da força de
trabalho existente (por exemplo, via extensão das jornadas de trabalho), método
que resultou no aumento do desemprego e na diminuição do crescimento salarial,
impactando, em consequência, negativamente no consumo e nos investimentos. É
óbvio que este “pequeno” aumento da produtividade se alcançou, nos países de ca-
pitalismo avançado, à custa de um aumento inusitado da intensidade (mais-valia

107
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

relativa) unido com a extensão da jornada de trabalho e com a superexploração


da força de trabalho.
Em segundo lugar, a OIT constata que a produtividade nos países “em de-
senvolvimento” – incluindo a América Latina – está abaixo do “[...] necessário
para alcançar uma convergência com as economias desenvolvidas e propiciar
aumentos generalizados na qualidade do emprego e a redução da pobreza e da
vulnerabilidade”158, como se este caminho pudesse, per se, resolver os graves pro-
blemas estruturais que o capitalismo dependente e subdesenvolvido padece.
O diretor do escritório da OIT no México, Thomas Wissing, advertiu que,
dos 3 bilhões de trabalhadores que existem no mundo, 2 bilhões – dois terços do
total – não contam com um “emprego decente” porque carecem de direitos e de
proteção social159.
De acordo com o Global employment trends 2013. Recovering from a second
jobs dip da OIT, em 2012 havia nos países em desenvolvimento 1,49 bilhões de tra-
balhadores com empregos vulneráveis (56% de todos os trabalhadores do mundo
em desenvolvimento), o que representava um aumento de mais de 9 milhões em
relação ao ano anterior.160 Além do mais, neste mesmo documento e no quadro
citado na nota 159, pode-se comprovar que o emprego vulnerável mundial au-
mentou em 2012 e esta tendência se mantém na projeção que o organismo faz até
o ano de 2017. Em algumas regiões, como nas economias avançadas e na União
Europeia, registra-se uma pequena diminuição do emprego vulnerável no perí-
odo, em torno de um ponto percentual, enquanto em outras, como na América
Latina e Caribe, há um aumento de 5,7 pontos percentuais, o que significa que
milhões de pessoas poderão conseguir somente empregos vulneráveis, precários e
temporários. Contudo, em termos de emprego global, a OIT revela que 4 milhões
de pessoas se somaram ao desemprego em 2013 e que, desde 2008, existem 30,6

158 OIT, Tendencias mundiales del empleo 2012, op. cit., p. 48.
159 La jornada on-line, “Dos terceras partes de los trabajadores del mundo, sin empleo decente: OIT”,
disponível na internet: http://www.jornada.unam.mx/2013/10/08/sociedad/035n2soc, 08 de outu-
bro de 2013.
160 ILO, Global Employment Trends 2013. Recovering from a second jobs dip, Disponível na internet:
http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---dcomm/---publ/documents/publication/
wcms_202326.pdf, p. 39. Ver Anexo 1, Cuadro A13, p. 143.

108
A condição de precariedade do trabalho assalariado no século xxi

milhões de trabalhadores a mais sem emprego 161. Como os governos que se colo-
caram a serviço da precariedade, da informalidade e da expulsão de trabalhadores
para favorecer os interesses do grande capital resolverão os novos problemas que
se acumulem no futuro imediato?

O CHAMADO SETOR INFORMAL

Uma proporção crescente da humanidade trabalhadora está imersa no setor


informal da economia capitalista mundial. Dessa forma, enquanto mais de 40%
dos trabalhadores em dois terços dos países “emergentes e em desenvolvimento”
estão empregados na economia informal162 em 2013, esta condição alcança 130
milhões de pessoas e 47,7% da população ocupada não-agrícola163 da América La-
tina, estando o México situado acima desta média, como uma taxa de 60% de sua
PEA em situação informal.
Desagregando os dados para 13 países latino-americanos, adverte-se que o
emprego informal alcança 31% do total (47,7%) em 2012; 11,7% representa em-
prego informal dentro do próprio setor formal e 5,1% são serviços domésticos, de
acordo com o gráfico nº 1. Através da análise desse gráfico, pode-se apreciar uma
leve caída da informalidade entre 2009 e 2012, passando de 50% a 47,7%, uma di-
minuição de 2,3 pontos percentuais que não resolve os problemas de fundo, nem
no curto e nem no longo prazo.

161 “Hay en el mundo 199.8 millones de desempleados, revela informe de la OIT”, http://www.jorna-
da.unam.mx/2014/05/28/economia/026n1eco, 28 de maio de 2014.
162 Confederación Sindical Internacional, 2013: “Países en situación de riesgo Violaciones de los dere-
chos sindicales”¸ p. 6. Disponível na internet: http://www.ituc-csi.org/IMG/pdf/survey_ra_2013_
es_final.pdf.
163 OIT, Panorama Laboral 2013, p. 13 e 15.

109
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

Gráfico nº 1
América Latina (13 países): componentes do emprego informal não-agrícola (%)

Fonte: OIT, Panorama Laboral 2013, América Latina y el Caribe, Ginebra, p. 63, disponível na internet: http://
www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/documents/publication/wcms_232760.pdf.

Muitos governos têm se proposto a “combater” a informalidade mediante


programas ad hoc patrocinados por organismos internacionais como o Banco
Mundial e a própria OIT. Pode-se mencionar, por exemplo, o Programa para a
formalização do emprego no México (2013), o Regime Simples no Brasil (2006), o
Plano Nacional de Regularização do Trabalho na Argentina (2004) e o programa
Colômbia Trabalha Formal (2010) 164 . Os resultados, em geral, têm sido pobres e
pouco efetivos para cumprir com a difícil tarefa da “transição” à formalidade, tal
como a OIT expressa: “[...] são poucos os que desenvolveram um enfoque global e
integrado para frear e expansão da informalidade. As respostas de política tendem
a ser ainda pontuais, descoordenadas, ad hoc ou limitadas a certas categorias de

164 OIT, Panorama Laboral 2013, p. 62.

110
A condição de precariedade do trabalho assalariado no século xxi

trabalhadores”165. A pergunta que devemos fazer é: para que transitar da informa-


lidade à formalidade?
Segundo os organismos oficiais, são necessários sete instrumentos para uma
estratégia integral de transição à formalidade.

• Crescimento e emprego de qualidade;


• Normas do direito fundamental em matéria trabalhista e social;
• Representação do diálogo social;
• Igualdade de gênero, raça, idade e deficiências;
• Iniciativa empresarial, competências profissionais, financiamento e
gestão;
• Ampliação da proteção social;
• Desenvolvimento local e regional.

Os hipotéticos “efeitos positivos” do reestabelecimento da formalidade se ava-


liam, nesses instrumentos, mediante quatro indicadores: pobreza, desigualdade,
produtividade e democracia 166 .Oficialmente, afirma-se que existe uma correla-
ção positiva entre informalidade e desigualdade, a partir da qual se conclui que
quanto maior a formalidade, menor a pobreza e menor a desigualdade, porque as
condições de trabalho e os salários melhoram, portanto este seria o objetivo dos
governos e dos organismos internacionais interessados na matéria ao estimular a
formalidade e o trabalho decente. E a mesma coisa ocorre, supostamente, com a
correlação entre produtividade-formalidade e entre democracia-formalidade: am-
bas melhoram seus indicadores, a primeira de maneira direta e a segunda através
da melhoria da governabilidade 167 .
A ótica das pessoas que elaboram os informes da OIT descansa em uma pers-
pectiva teórica funcionalista. Por esta razão, em geral consideram o chamado se-
tor informal não como uma condição inerente à acumulação capitalista – a qual
gera desemprego aberto, subemprego, pobreza, miséria e marginalidade social,

165 OIT, Panorama Laboral 2013, p. 65.


166 OIT, Panorama Laboral 2013, p. 65.
167 OIT, Panorama Laboral 2013, p. 65-66.

111
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

além de baixos salários –, mas como parte da “anomia social” e da “disfunção das
economias” 168 que podem ser “corrigidas”.
A análise da estratégia da OIT lhes permite concluir que:

“Estes resultados preliminares, caso confirmados e verificados [...] permi-


tem deduzi que a transição à formalidade, em especial sobre a base de gera-
ção de maiores oportunidades de emprego na economia formal, é uma fer-
ramenta poderosa para a luta contra a pobreza e a desigualdade na região
[...] O caminho à formalidade traz consigo benefícios tangíveis em áreas
como a pobreza, a desigualdade, a produtividade e o apoio à democracia.
Também permite benefícios palpáveis nas rendas da maioria dos traba-
lhadores, o quais seriam favorecidos neste caminho, ao facilitar que suas
aptidões e qualificações possam se desdobrar de maneira mais eficiente no
mercado de trabalho [...] Por estas razões, facilitar o caminho à formalida-
de se converteu no principal desafio da região para os próximos anos”169.

É evidente que o diagnóstico anterior sobre a formalidade-informalidade é


meramente descritivo, e não analítico, o que o impede de entrar na essência do
fenômeno que, obviamente, não está desconectado dos processos de acumulação
de capital e dos ciclos de desemprego-emprego; pelo contrário, é uma variante
dependente daqueles e das políticas públicas do Estado que incidem relativamente
no aumento ou diminuição do desemprego e da informalidade, mas não os elimi-
nam totalmente porque são parte da natureza do capitalismo.

168 OIT, Panorama Laboral 2013, p. 66. O conceito de “anomia” vem da sociologia clássica e foi for-
mulado primeiramente por Emile Durkheim em obras como A divisão social do trabalho e O
suicídio: refere-se a uma situação de “desvio das normas sociais”, uma patologia que é preciso
“corrigir” para estabelecer o “estado normal”. Standing entende por anomia “[...] um sentimento
de passividade nascido do desespero. Ele é certamente intensificado pela perspectiva de empregos
simples e desprovidos de carreira. A anomia surge de uma indiferença associada com a derrota
constante”, O precariado..., op. cit. p. 45.
169 OIT, Panorama Laboral 2013, p. 67.

112
A condição de precariedade do trabalho assalariado no século xxi

CONCLUSÃO

Da análise realizada acima aparecem algumas questões que se devem discutir.


Em primeiro lugar, as definições tradicionais concebem o setor informal como
um ente autônomo que pode tratado a margem da economia, de seus ciclos de
capital e dos processos e dinâmicas da acumulação. Pelo contrário, afirmamos
que as taxas de emprego e desemprego, incluindo do setor informal, dependem da
dinâmica desses fatores.
Em segundo lugar, parece-nos, no mínimo, ingênuo fechar-se em um círculo
estreito dentro do qual se comparam supostos benefícios do setor formal e as insu-
ficiências e perversidades da informalidade. Ficou claro, a esse respeito, que a con-
dição de precariedade na época contemporânea é uma das problemáticas centrais
dentro da questão social para o mundo do trabalho em geral e para os trabalha-
dores em particular: todos se veem afetados. Por este motivo é que é ilusório e ab-
surdo supor que o motor produtor de precariedade, insegurança e informalidade
– o capitalismo – seja, ao mesmo tempo, o “antídoto” para curar estes fenômenos
estruturais e necessários para a vigência e a reprodução do capital.
Em outras palavras, o capital social global, imerso nas contradições de seu
próprio sistema econômico, social e político e nas determinações histórico-estru-
turais da desmedida do valor, não tem outra alternativa para manter e reproduzir
suas coordenadas e seus parâmetros essenciais que reforçar a condição de precarie-
dade como componente nuclear das relações sociais de produção e de exploração
na sociedade capitalista. É verdade que em certas conjunturas, e tal como se ob-
serva no gráfico nº 1, podem ocorrer reduções modestas nas taxas de informali-
dade e mesmo de precariedade, mas esse fato não se traduz em uma tendência de
longo prazo, estrutural, que possa subverter a ordem da crise e impulsionar uma
nova etapa de crescimento econômico e social com projeções e efeitos positivos
para os trabalhadores.

113
CAPÍTULO 7
O PRECARIADO: UMA NUEVA CLASE
SOCIAL? E O QUE OCORREU COM O
PROLETARIADO?

INTRODUÇÃO

A precarização está avançando a passos agigantados por todo o mundo, afe-


tando uma infinidade de categorias profissionais sem distinção de gênero, instru-
ção, raça, nacionalidade, credo, cultura e idioma; é uma marca de nossos tempos
de tal magnitude que muitos autores, ao se referirem a este fenômeno, caracte-
rizaram como precariado ou precariato social os movimentos das classes traba-
lhadoras da Europa e dos Estados Unidos, no contexto das políticas neoliberais,
da mundialização do capital e da deterioração das condições gerais de vida e de
trabalho.
Em função disso, cremos necessário realizar uma breve revisão do conceito
clássico de classe social, enfatizando as semelhanças e diferenças entre os concei-
tos de classe trabalhadora e proletariado. Uma vez realizada esta tarefa, retomare-
mos nossa discussão sobre a novidade do “precariado” como “nova classe” social
ou como uma característica distintiva do proletariado e, em geral, do mundo do
trabalho, que abarca todas suas frações, inclusive aquelas que ainda não perten-
cem propriamente a ele, como pode ser o caso de alguns segmentos das classes
médias assalariadas.

AS CLASSES SOCIAIS NO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

No capitalismo histórico, desde o século XVI até a atualidade, as três classes


sociais principais da sociedade burguesa se derivam das três fontes econômicas

115
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

fundamentais: o salário (trabalhadores assalariados), o lucro (capitalistas) e a ren-


da da terra (proprietários de terras) 170 que, além do mais, constituem a base de
suas respectivas “identidades de classe”: “São três grandes grupos sociais, cujos
componentes, os indivíduos que os formam, vivem respectivamente de salário,
lucro e renda fundiária, da valorização de sua força de trabalho, de seu capital e
de sua propriedade fundiária”171. E são estas fontes materiais que definem tanto
as classes sociais fundamentais (burguesia e proletariado) como as principais (bur-
guesia, proletariado, proprietários de terras), e de onde se desprendem outros tan-
tos componentes sociais tais como as frações de classe, grupos, estamentos, castas,
classes médias, camponeses, indígenas, os quais se derivam sempre das categorias
fundamentais da reprodução material do modo de produção.
Marx caracteriza desta fora a existência de uma classe social: “Milhões de
famílias existindo sob as mesmas condições econômicas que separam seu modo
de vida, os interesses e sua cultura do modo de vida, dos interesses e da cultura
das demais classes, contrapondo-se a elas como inimigas, formam uma classe”172,
o que, obviamente, não significa que tenham automaticamente consciência de
classe sobre sua situação estrutural e seu lugar dentro da estrutura hierárquica
de classes.
Lênin define as classes sociais como:

“[...] grandes grupos de pessoas que se diferenciam entre si pelo seu lu-
gar num sistema de produção social historicamente determinado, pela sua
relação (as mais das vezes fixada e formulada nas leis) com os meios de
produção, pelo seu papel na organização social do trabalho e, consequen-
temente, pelo modo de obtenção e pelas dimensões da parte da riqueza
social de que dispõem. As classes são grupos de pessoas, um dos quais pode

170 Nos Manuscritos econômico-filosóficos, Boitempo, São Paulo, 2010, Marx trata esta temática das
bases econômicas e sociomateriais das três classes principais da sociedade burguesa dadas pelos
salário, lucro e renda da terra, pp. 23-77.
171 Karl Marx, O capital: crítica da economia política, Livro terceiro, Volume III, Tomo II, Nova Cul-
tural, São Paulo, 1985-1985, p. 317.
172 Karl Marx, O 18 Brumário de Luis Bonaparte, Boitempo, São Paulo, 2011, p. 143.

116
O precariado: uma nueva clase social? E o que ocorreu com o proletariado?

apropriar-se do trabalho do outro graças ao fato de ocupar um lugar dife-


rente num regime determinado de economia social”173.

Esquema nº 2
Definição das classes sociais

• Lugar ocupado no sistema de produção social;


• Relações sociais de produção-propriedade ou não-propriedade dos meios de
produção;
• Papel desempenhado pelos indivíduos na divisão internacional do trabalho;
• Participação (montante) na riqueza social e na renda nacional;
• Capacidade político-institucional e poder econômico para se apropriar – e
explorar – o trabalho alheio e acumular capital.

Para não induzir a equívocos, é necessário enfatizar que este primeiro nível
genético-estrutural de definição das classes sociais deve contemplar os constituin-
tes sociais, jurídico-políticos e a formação da consciência ideológica que intervêm
na conformação e na estruturação das sociedades de classe. Não existe, portanto,
uma relação mecânica e imediata entre situação estrutural de classe e consciência
– social e política – de classe, porque esta se vê influenciada e mediada pela ideo-
logia dominante e pelas instituições de persuasão – e de manipulação! – do poder
político, como os meios de comunicação, a igreja e a escola, em uma palavra: pelas
indústrias ideológicas. 174
Por esta razão, Agustín Cueva indica a necessidade de formular uma definição
ampla de classe social. Afirma o autor: “O marxismo sustenta que o problema das

173 V.I. Lenin, Una gran iniciativa, OE, Editorial Progreso, Moscú, 1971, p. 504, tradução nossa.
174 Expressão de Ludovico Silva que, depois de Adorno e Horkheimer – os primeiros em falar de
indústria cultural para denominar os meios de comunicação, em especial a televisão – , define
as indústrias ideológicas como: [...] produtora de ideologia no sentido estrito, destinada a formar
ideologicamente as massas, a dotá-las de ‘imagens’, valores, ídolos, fetiches, crenças, representa-
ções etc., que tendem a preservar o capitalismo”. Ludovico Silva, op. cit., p. 179. Nesta indústria
não se fazem somente negócios para ganhar dinheiro, mas, fundamentalmente, para produzir
mais-valia ideológica: “[...] um excedente de energia mental do qual o capitalismo se apropria.” (p.
182). Para as massas e para o ser humano, o consumo do valor de uso desta mais-valia ideológica
consiste na alienação, na obediência, na submissão e na escravidão, enquanto homem e euquanto
força de trabalho, ao capital e ao capitalismo através da alienação inconsciente ao sistema.

117
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

classes sociais não pode ser estudado senão a partir de um teoria geral da socie-
dade e da história”175. De fato, como bem afirma esse autor, coincidindo, além do
mais, com Gramsci, as classes sociais, enquanto agregados humanos vinculados
por interesses materiais, sociais, culturais e espirituais comuns, não podem ser
compreendidas à margem da estrutura histórico-social e do modo de produção,
mas somente dentro do conjunto de determinações e instituições da sociedade da
qual formam parte – como o Estado, a Igreja e o Exército – e que lhes imprime sua
dinâmica. De tal maneira que uma classe social como os indígenas, por exemplo,
ainda que sejam parte do proletariado em sentido amplo, em situações histórico-
-sociais concretas determinadas podem manter posições progressistas dentro da
luta de classes ou, ao contrário, aparecer aliada com as posições retrógradas e
conservadoras das classes superiores da oligarquia e da burguesia. Mas, em ge-
ral, deve-se distinguir a classe – enquanto conceito teórico – de suas expressões
empíricas, as quais se podem observar na cotidianidade e na dinâmica dos movi-
mentos sociais. Desta forma, por exemplo, as insurreições do trabalho que a im-
prensa internacional registra diariamente põe sobre a mesa a interrogante: quem
são os insurrectos? A resposta é: milhares de trabalhadores manuais, intelectuais,
técnicos e administrativos; camponeses sem-terra, trabalhadores agrícolas, estu-
dantes, filhos de trabalhadores, proletários das cidades e do campo, professores
de educação primária e secundária. Categorias vinculadas tanto à indústria e à
agricultura quanto aos setores mais “invisíveis”, como os trabalhadores das te-
lecomunicações, dos serviços e das indústrias do “conhecimento e do software”.
Mas, em muitas ocasiões, os bastiões da classe trabalhadora industrial (tradicional
e moderna) não aparecem no cenário das lutas ou, ao menos, nas primeiras filas
das batalhas antiestatais e contra o capital, e esta “ausência” tem nutrido as teorias
dos “novos movimentos e sujeitos sociais” que, supostamente, teriam “substituído
o proletariado” e a classe trabalhadora como sujeitos históricos da transformação
social, ao menos no sentido em que Marx havia afirmado. Além disso, muitas
vezes esses movimentos não se expressam autenticamente como movimentos de
classe, mas como mera representação profissional ou sociológica – tal como ocor-
re com movimentos estudantis, indígenas e camponeses – sem a consciência – de

175 Agustín Cueva, La teoría marxista. Categorías de base y problemas actuales, Editorial Planeta, Quito,
1987, p. 8, tradução nossa.

118
O precariado: uma nueva clase social? E o que ocorreu com o proletariado?

pertencimento – de classe. Aqui, é oportuna a concepção de Lukács sobre a rela-


ção entre produção material e consciência de classe.
Em primeiro lugar, o autor nos diz que consciência de classe é:

“[...] a reação racional adequada, que deve ser adjudicada a uma situação tí-
pica determinada no processo de produção. Esta consciência não é, portanto,
nem a soma, nem a média do que cada um dos indivíduos que formam a
classe pensam, sentem etc. E, no entanto, a ação historicamente decisiva da
classe como totalidade é determinada, em última análise, por essa consciên-
cia e não pelo pensamento do indivíduo; essa ação só pode ser conhecida a
partir dessa consciência”176.

Em segundo lugar, o autor afirma que:

“A burguesia e o proletariado são as únicas classes puras da sociedade, isto


é, são as únicas cuja existência e evolução baseiam-se exclusivamente no de-
senvolvimento do processo moderno de produção. Além disso, somente suas
condições de existência permitem imaginar um plano para a organização de
toda a sociedade. O caráter incerto ou estéril da atitude das outras classes
(pequena burguesia, campesinato) justifica-se pelo fato de sua existência
não ser fundada exclusivamente sobre sua situação no processo de produ-
ção capitalista, mas estar indissoluvelmente ligada a vestígios da sociedade
dividida em estamentos. Elas não procuram, portanto, promover a evolução
capitalista ou superar a si mesmas, mas, em geral, reverter essa situação ou,
pelo menos, impedi-la de chegar ao seu pleno florescimento. Seu interesse de
classe orienta-se somente em função de sintomas da evolução, e não da pró-
pria evolução, somente em função das manifestações parciais da sociedade, e
não da construção da sociedade como um todo”177.

Por isso consideramos sumamente útil esta observação de Mézaros, de que os


movimentos sociais “[...] podem ser derrotados e marginalizados um a um, porque
não podem alegar estar representando uma alternativa coerente e abrangente à

176 Georg Lukács, História e consciência de classe, Martins Fontes, São Paulo, 2003, p. 142.
177 Georg Lukács, História e consciência de classe, op. cit., pp. 156-157.

119
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

ordem dada como modo de controle sociometabólico e sistema de reprodução


social”178. Só o trabalho e a luta de classes são capazes de proporcionar um marco
estratégico global que integre a todos os movimentos anticapitalistas e emancipató-
rios dentro de um projeto alternativo e de superação do capitalismo.
Que os camponeses, os indígenas ou os professores, juntamente com outros
setores das classes trabalhadoras – como os eletricistas, motoristas ou mineiros,
para não mencionar outros setores de trabalhadores rurais que tem protagonizado
verdadeiras campanhas de luta pela defesa de seus interesses – não sejam quem
imediatamente protagonizem as lutas e as resistências, não significa que os atu-
ais protagonistas não sejam movimentos proletários e não estejam entrelaçados de
alguma maneira com o mundo do trabalho e seus protagonistas essenciais: os tra-
balhadores industriais. Da mesma forma, em outras conjunturas de intensa luta po-
lítica e social, mineiros, estivadores ou trabalhadores da indústria automobilística
se destacam nas mobilizações, nas greves e nas ocupações de fabricas e instalações,
assim como nos bloqueios de estradas, como mecanismos de pressão contra o capi-
tal e contra o Estado por melhorias de seus salários, condições de vida e de trabalho
na Europa Ocidental e na América Latina179. Podemos afirmar a mesma coisa sobre
as lutas do trabalhadores contra o aumento da intensidade e da jornada de trabalho
que as patronais europeias e de outros continentes tentam impor.
Certamente, nas condições atuais, um projeto de transformação social não
pode ser obra exclusiva do proletariado industrial – que tende a diminuir rela-
tivamente no mundo atual devido às mutações operadas tanto nas estruturas de
acumulação e reprodução do capital quanto nas próprias classes sociais –, mas de
todas as classes exploradas da sociedade burguesa e neoliberal de nossos dias, po-
rém, com a classe trabalhadora industrial (tradicional e moderna) como o núcleo
central, em aliança com os diversos movimentos sociais e populares com o quais
se possa avançar.
É importante, pelo menos, deixar assentando o que é a classe trabalhadora
para entender sua situação na sociedade contemporânea. Da leitura do Capital de
Marx se desprende que o sujeito assalariado que: a) vende sua força de trabalho

178 István Mészáros, Para além do capital, op. cit, p. 96.


179 Para este tema, ver: Alberto Bonnet y Adrián Piva (Compiladores), Argentina en pedazos. Luchas
sociales y conflictos interburgueses en la crisis de convertibilidad, Peña Lillo y Ediciones Continen-
te, Buenos Aires, 2009.

120
O precariado: uma nueva clase social? E o que ocorreu com o proletariado?

(manual e cognoscitiva) e é explorado pelo capital; b) transforma a natureza; c)


produz meios de produção e de consumo, e d) cria a mais-valia que aumenta a
acumulação de capital, pertence definitivamente à classe trabalhadora. Da mes-
ma forma, no Manifesto Comunista essa mesma classe trabalhadora industrial é o
núcleo duro do proletariado – no sentido amplo que Marx e Engels lhe atribuem
esta categoria neste texto –, este último formado pelos desprendimentos e paupe-
rizações de todas as classes da sociedade burguesa. Denomina-se, nesta obra, o
proletariado como “classe explorada e oprimida”: “[...] o proletariado é recrutado
em todas as classes da população”180.
Para outros autores, o proletariado é sinônimo de classe dos trabalhadores as-
salariados, classe social dos vendedores da força de trabalho181 “[...] que compõem
a totalidade viva do trabalho, objeto de exploração/espoliação/expropriação do
capital, insere-se em múltiplas atividades da produção, circulação e consumo de
mercadorias, inclusive da administração pública”182.
Antunes utiliza “proletariado”, “classe trabalhadora” e “classe-que-vive-do-
-trabalho” como sinônimos, como se pode apreciar no trecho seguinte:

“[...] o proletariado ou a classe trabalhadora hoje, ou o que eu denominei


classe-que-vive-do-trabalho compreende a totalidade dos assalariados, ho-
mens e mulheres que vivem da venda da sua força de trabalho e que são
despossuídos dos meios de produção. Essa definição marxiana e marxista
me parece inteiramente pertinente, como de resto o conjunto essencial da
formulação de Marx, para se pensar a classe trabalhadora hoje”183.

180 Marx y Engels, Manifesto Comunista, op. cit., p. 47.


181 Giovanni, Alves, Dimensões da reestruturação produtiva, op. cit., p. 97.
182 Ibid., p. 98.
183 Ricardo Antunes, Ricardo Antunes, Os sentidos do trabalho, 2ª ed.,Boitempo, São Paulo, 2000, p.
190. Destaques do autor.

121
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

MUDANÇAS NA ESTRUTURA DE CLASSES AO INFLUXO DA


REESTRUCTURAÇÃO PRODUTIVA

De forma alguma se pode sustentar que as classes sociais não tenham experi-
mentado mudanças em diversos planos: econômico, social, político e ideológico.
Seria uma negação insustentável, além de inverossímil. As mudanças produzidas
nas relações sociais de produção e na produtividade do trabalho, devido às rees-
truturações constantes operadas no mundo do trabalho nas últimas três décadas,
não deixaram intactas as classes sociais que constituem e reproduzem a sociedade
burguesa. Ao mesmo tempo, essa sociedade não se extingue com a ação das trans-
formações que produzem o surgimento de novos processo de acumulação e de
reprodução do capital, os quais continuam dependentes da lei do valor-trabalho e
de suas categorias essenciais: exploração, mais-valia, taxa de lucro (média e extra-
ordinária), propriedade privada dos meios de produção e de consumo, reprodução
ampliada e crises estruturais e sistêmicas provocadas, essencialmente, pelos pro-
blemas relativos à produção de valor e mais-valia derivados da crise do trabalho
abstrato e da desmedida do valor.
Consideramos que as classes sociais – qualquer que seja sua definição –184 se
diversificaram e se complexificaram em função dos processos de reprodução do
capital que trouxe consigo, ao lado da grande indústria, novos processos de tra-
balho e formas de organização do mesmo que alteraram perfis e comportamen-
tos de classes e frações de classe, qualificação do trabalho, escalas e hierarquias
salariais, categorias e funções desempenhadas. Também no plano estrutural das

184 Dentro do marxismo podemos citar as seguintes obras que contêm elementos para construir uma
teoria contemporânea das classes sociais. De Marx: Carta a Weyde­meyer, O Capital, Cap. III; O
Dezoito de Brumário de Luís Bonaparte, A Guerra Civil na Francia, A luta de classes na França,
O Manifesto do Partido Comunista, A miséria da filosofia; de Engels, As guerras camponesas na
Alemanha; de Lenin, Uma grande iniciativa, O desenvolvimento do capitalismo na Rússia, Impe-
rialismo: fase superior do capitalismo, ¿Quem são os amigos do povo?, O Estado e a revolução, O
programa agrário socialdemocracia russa, O partido operário e o campesinato. Os trabalhos de
Poulantzas são fundamentais tanto na sistematização das obras clássicas como no aporte de novos
elementos: Poder político e classes sociais, Martins Fontes, São Paulo, 1977, e As classes sociais no
capitalismo hoje, Zahar, Rio de Janeiro, 1975. Do ponto de vista funcionalista, são importantes as
seguin­tes obras: Stanislav Ossowsky, Estructura de clase y conciencia social, Península, Barcelona,
1969, y Georges Gurvitch, El concepto de cla­ses sociales desde Marx a nuestros días, Nueva Visión,
Buenos Aires. 1973.

122
O precariado: uma nueva clase social? E o que ocorreu com o proletariado?

classes dominantes, em função dos problemas da valorização do capital e jun-


tamente com a contração das taxas médias de crescimento do capitalismo con-
temporâneo, surgiram novas classes e frações de classe hegemonizadas pelo que
Marx denomina capital fictício, que atualmente se expressa predominantemente
na hegemonia das empresas transnacionais, dos empresários financeiros e dos or-
ganismos supranacionais como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mun-
dial, representantes simbióticos dos interesses parasitários das classes dominantes
mais retardatárias da sociedade capitalista mundial.
Simultaneamente à diminuição relativa do contingente de trabalhadores in-
dustriais relacionados diretamente com a transformação material da natureza e da
produção de mais-valia, surgiram novo contingentes da classe trabalhadora que
operam nos serviços e no chamado “setor do conhecimento” – na verdade ainda
restrito em escala mundial, por mais que existam autores que o situem como hege-
mônico nos sistemas produtivos – onde se agrupam técnicos, engenheiros, pessoal
qualificado e semi-qualificado que, em conjunto, configuram o infoproletariado:
um setor de trabalhadores precários, polivalentes e flexíveis, diretamente ligado
às atividades produtivas e mercantis da informação185.
Estas denominações conceituais refletem as mudanças operadas no último
meio século, tanto na estrutura de classes do capitalismo mundial, quanto na

185 Ver: Ricardo Antunes y Ruy Braga, Infoproletários. Degradação real do trabalho virtual, Boitem-
po, São Paulo, 2009. Existem evidências que nos ramos do “setor de conhecimento”, como os call
centers, onde trabalham milhares de pessoas em todo o mundo, bastam umas poucas semanas de
treinamento para “habilitar” o trabalhador e dotá-lo de “competências laborais”. Dessa forma,
por exemplo, “Observamos em campo que o tempo de treinamento proporcionado pelas empre-
sas para a maioria das teleatividades nunca vai além de poucas semanas. Na realidade, após um
treinamento básico, o teleoperador não proficiente é colocado na Posição de Atendimento (PA),
necessitando ficar o tempo todo atento – “carrapateando”, conforme o jargão do setor – aos pro-
cedimentos utilizados pelos colegas mais experientes para alcançar suas metas de vendas ou de
número de atendimentos. Pudemos registrar por meio de entrevistas que esse tipo de situação
acrescenta uma importante carga de estresse nos primeiros meses de trabalho do teleoperador,
até que ele se sinta habituado ao produto. Exatamente porque a indústria de call center não neces-
sita uma força de trabalho com qualificação especial, as empresas bebeficiam-se de um regime de
relações de trabalho apoiado em elevadas taxas de rotatividade da força de trabalho. Aliás, o ciclo
ao qual o trabalhador está submetido é bastante conhecido pelas empresas em geral: em geral, são
necessários dois a três meses de experiência para se tornar proficiente no produto”, Ruy Braga, A
política do precariado: do populismo à hegemonía lulista, Boitempo, São Paulo, 2012, pp. 193-194,
destaques do autor.

123
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

estrutura particular da classe trabalhadora e, em geral, das classes exploradas e


oprimidas da sociedade: o proletariado ampliado pela incursão a suas fileiras de
extensos setores da população oprimida e explorada pelo capital e pelo Estado.
Cabe agora a seguinte pergunta: existe uma nova classe social que se denomi-
ne “precariado”?

PRECARIADO OU PROLETARIADO?

Via de regra, a maioria dos empregos criados atualmente no mundo todo,


incluindo os países avançados, são de natureza temporária e precária, com sa-
lários baixos e condições de trabalho desastrosas para os trabalhadores que os
ocupam, como advertimos anteriormente. Empregos desse tipo são a regra, não a
exceção. Esta é a chave mágica que o capitalismo finalmente encontrou: romper
a dicotomia entre desemprego e emprego, gerando assim um “círculo virtuoso” –
obviamente, em benefício do patrão – que consiste em passar da atividade laboral
à inatividade, logo do emprego temporário à inatividade novamente, e assim su-
cessivamente até a doença ou a morte186.

O ADVENTO DO “PRECARIADO”

A dura realidade social e laboral do mundo no trabalho na última década do


século XX provocou uma onda de caracterizações para entender o que ocorria
nas estruturas de classe e, em particular, na estrutura do proletariado e da classe
trabalhadora. Neste contexto, a figura do “precariado” assume um destaque entre
as categorias mais utilizadas para projetar estas mudanças e mutações. De fato,

“Desde finais dos anos noventa, o grupo dos Precari Nati – nascidos pre-
cários – elabora um discurso militante sobre il precariato. Em dezembro
de 2006, a Fundação Friedrich Ebert utilizou o termo Prekariat em seu
estudo Gesellschaft im Reformprozess (sociedade em processo de reforma).

186 Marcelo Amable y Joan Benach, op. cit., p. 419, tradução nossa.

124
O precariado: uma nueva clase social? E o que ocorreu com o proletariado?

No âmbito acadêmico, o sociólogo Robert Caste estudou o fenômeno do


précariat no livro Les Métamorphoses de la question sociale: une chroni-
que du saraliat (Fayard, París, 1995) e em obras posteriores. As referências
abundam nestes últimos anos em alemão, espanhol, francês, inglês, italia-
no e português, tanto na impresa em geral quanto nos meios acadêmicos e
profissionais”187 .

Autores liberais, como Bauman, por exemplo, reconhecem os estragos causa-


dos pela precarização do trabalho em escala universal. O autor afirma que:

“O título de um artigo apresentado em 1997 por um dos analistas mais


incisivos de nosso tempo, Pierre Bourdieu, é “Le précarité est aujourd’hui
partout”. O título diz tudo: precariedade, instabilidade, vulnerabilidade, é
a característica mais difundida das condições de vida contemporâneas (e
também a que se sente mais dolorosamente). Os teóricos franceses falam
de précarité, os alemães, de Unsicherheit e Risikogesellschaft, os italianos de
incerteza e os ingleses, de insecurity – mas todos têm em mente o mesmo
aspecto da condição humana, experimentada de várias formas e sob nomes
diferentes por todo o globo, mas sentida como especialmente enervante e
deprimente na parte altamente desenvolvida e próspera do planeta – por
ser um fato novo e sem precedentes. O fenômenos que todos esses conceitos
tentam captar e articular é a experiência combinada de falta de garantias
(de posição, títulos e sobrevivência), da incerteza (em relação à sua conti-
nuação e estabilidade futura) e de insegurança (do corpo, do eu e de suas
expressões: posses vizinhança, comunidade)”188.

Pierre Bordieu assevera taxativamente que, logo após a caída do Estado de


bem-estar e do “emprego estável”, transita-se ao “estabelecimento de um estado e

187 Miguel Vidal, Cabos Sueltos, em: http://ec.europa.eu/translation/bulletins/puntoycoma/124/


pyc1242_es.htm.
188 Zygmunt Bauman, Modernidad líquida, Zahar, Rio de Janeiro, 2014, p. 201.

125
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

generalizado e permanente de insegurança que tende a obrigar os trabalhadores à


submissão, à aceitação da exploração”189.
Bauman reconhece que a precariedade do trabalho é a marca distintiva da
condição humana e define todo o resto: em particular, a sobrevivência, a que está
vinculada ao trabalho e ao emprego. Agregamos de passagem que esta condição da
precariedade social, na terminologia e concepção do autor, corresponde ao que ele
denomina modernidade líquida, em oposição ao que presumivelmente havia exis-
tido na fase anterior: a modernidade sólida, correspondente à era das máquinas
pesadas, do harware e da “racionalidade instrumental” (em sentido weberiano).
Para Richard Sennett190, o “capitalismo flexível” corrói o caráter e é fonte de
angústias, incertezas e instabilidade constante que estampam suas marcas na so-
ciedade e no mundo do trabalho de maneira permanente.
Em seu livro Misérias do presente..., Andre Gorz constrói uma concepção du-
alista sobre o mundo do trabalho:

“Assim, a mão de obra divide-se em duas grandes categorias: um núcleo


central composto por assalariados permanentes e em tempo integral, ca-
pazes de polivalência profissional e de mobilidade; e, em torno deste nú-
cleo, uma massa considerável de trabalhadores periféricos, entre os quais
uma grande proporção de trabalhadores precários e intermitentes como
horários e salários variáveis. A estes assalariados periféricos acrescenta-se
ainda uma proporção cada vez maior de ‘externos’, isto é, de prestadores de
serviços supostamente ‘autônomos’ pagos por tempo determinado ou por
tarefa, cuja carga de trabalho varia segundo as necessidades do momento.
Estes trabalhadores ‘independentes’ não estão cobertos pelos direitos do
trabalho, não têm proteção social e estão expostos a todas as circunstâncias
conjunturais e comerciais das quais as empresas estão agora liberadas”191.

189 Pierre Bourdieu, “Actualmente la precariedad está en todas partes”, em: Bourdieu, Contrafuegos.
Reflexiones para servir a la resistencia contra la invasión neoliberal, Anagrama, Barcelona, 1999,
tradução nossa.
190 Sennett, op. cit.
191 Gorz, Miserias del presente, p. 59, tradução nossa.

126
O precariado: uma nueva clase social? E o que ocorreu com o proletariado?

Porém, posteriormente em um subtítulo “Somos todos precários” 192, o autor


aceita que a precarização é um fenômeno universal que atinge todas as categorias
profissionais e sociolaborais. E novamente insiste que somente um sujeito é capaz
de iniciar a tarefa da conquista da emancipação social através da autonomia: são
“os heróis obscuros da precariedade”193.
Desde 1971, o marxista húngaro István Mézáros detectou o problema do de-
semprego estrutural e da precarização do trabalho, ao afirmar que as consequên-
cias destes fenômenos afetam todas as categorias de trabalhadores qualificados
e não-qualificados: “[...] à totalidade da força de trabalho da sociedade”194, e não
somente uma parcela da mesma, e, assim, chega-se à uma fase histórica do desen-
volvimento capitalista em que sua marca registrada é o desemprego estrutural.
Da mesma maneira, um Manifesto assinado em 1998 por intelectuais italianos
reconhecidos denunciava que:

“[...] o trabalho sem garantias e mal pago está se alastrando como uma man-
cha de óleo, ao passo que mesmo o trabalho mais estável está sofrendo uma
pressão em direção à intensificação sem precedentes à plena disponibili-
dade para uma submissão aos mais diversificados horários de trabalho”195.

Diferentes conceitos, a partir de várias perspectivas e enfoques teóricos, re-


fletem estas mudanças e preocupações derivadas das modificações nas estruturas
de classes da sociedade contemporânea como um produto da reestruturação do
capitalismo e da necessidade imperativa de incrementar suas taxas de lucro: the
symbolic analyst de Reich, o infoproletariado de Antunes, o cybertariat de Úrsula
Huws, o precariat de Guy Standing ou a condição de proletariedade de Alves, entre

192 Gorz, Miserias del presente, p. 64.


193 Gorz, Miserias del presente, p. 72.
194 István Mészáros, The necesity of social control, Londres, Merlin Press, 1971, p. 54.
195 Entre as intelectuais que assinaram o Manifiesto figura, entre outros, Rossana Rossanda, Mario
Agostinelli, Pierpaolo Barreta y Carla Casalini, cit. por István Mészáros, “Desemprego e precari-
zação, um grande desafio para a esquerda”, em: Ricardo Antunes (organizador), Riqueza e Miséria
do trabalho no Brasil, Boitempo Editorial, São Paulo, 2006, p. 37.

127
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

outros196. Afirmando a centralidade do trabalho e captando as tendências contem-


porâneas na Europa, Luciano Vasapollo vê o passo do fordismo ao pós-fordismo
como a conversão daquilo que ele chama “trabalho atípico” em “trabalho típico”,
o qual se propaga em atividades como a agricultura, turismo, telecomunicações,
transportes, entre outras. Assim, “Do ponto de vista dos trabalhadores, a informa-
tização, além de provocar desemprego estrutural, desqualificou o trabalho exis-
tente, covertendo em ‘típico’ o trabalho atípico altamente precário”197, e esta será
umas das características essenciais que diferenciará as relações sociais e trabalhis-
tas do século XX das que prevalecem hoje em dia no século XXI.
Por sua vez, captando as mudanças introduzidas pelas revolução informática,
Dal Rasso enuncia o surgimento da “classe dos trabalhadores imateriais inten-
sificados”, enfatizando a intensificação do trabalho como categoria introduzida
pela organização do trabalho no mundo e por seu métodos produtivos, como o
toyotismo198.
Esta realidade originou uma discussão ainda maior sobre a constituição ou
não de uma nova classe trabalhadora junto à antiga classe, denominada como o
neologismo de origem italiano: precariato social – que também é um hiperôni-
mo – que luta pela recuperação de seus direitos perdidos e pela conquista de suas
demandas na Europa, Estados Unidos e Japão199, completamente diferenciado do
proletariado.

196 Ver: Robert B. Reich, The worf of nations, Preparing Ourselves for 21st Century Capitalism. Al-
fred A. Knopf, 1992; Ricardo Antunes y Ruy Braga. Infoproletários. Degradação real do trabalho
virtual, Boitempo Editorial, São Paulo, 2009; Úrsula Huws. “A construção de um cibertariado?
Trabalho virtual num mundo real”, em: Ricardo Antunes and Ruy Braga, Infoproletários...op. cit.,
37-58; Guy Standing, The precariat. The new dangerous class. Bloomsbury Academic, London,
2011 e Giovanni Alves, A condição de proletariedade, Editora Praxis, Londrina, 2009, Giovanni
Alves, Trabalho e Neodesenvolvimentismo. Choque de capitalismo e nova degradação do trabalho
no Brasil, Praxis, Bauru, São Paulo, 2014.
197 Luciano Vasapollo, “O devir posfordista e o traballo atípico como elemento estratéxico”, citado
em: Rita Martufi y Luciano Vasapollo, O mundo do traballo fronte á globalización capitalista,
CIGa, Galiza, España, 2007, p. 77.
198 Sadi Dal Rosso, Mais trabalho. A intensifição do trabalho na sociedade contemporânea, Boitempo,
São Paulo, 2008.
199 Uma expressão recente deste fenômeno social é a luta de grupos juvenis e de trabalhadores sindi-
calizados nos Estados Unidos contra as políticas neoliberais do governo, mediante o movimento
denominado Occupy Wall Street (Ocupa Wall Street), cujo lema é: “Que se escute a voz dos 99% do

128
O precariado: uma nueva clase social? E o que ocorreu com o proletariado?

O FIM DO PROLETARIADO DE GORZ E A IRRUPÇÃO DA NÃO-CLASSE


DOS NEOPROLETÁRIOS PÓS-INDUSTRIAIS

Gorz constrói sua concepção com base em uma interpretação de vários tre-
chos da obra de Marx, particularmente dos Grundrisse, que versam sobre a dialé-
tica entre o tempo de trabalho e o tempo livre, e que nós sintetizamos na categoria
desmedida do valor. Desde seus primeiros escritos, Gorz é crítico à concepção de
Marx sobre o trabalho e seu sujeito histórico: o proletariado que, como se sabe,
Gorz nega desde seus primeiros escritos para afirmar a preponderância de outros
sujeitos e outros contextos que estão fora dos circuitos de produção e reprodução
do capital.
Efetivamente, Gorz desenvolve sua concepção sobre a não-classe (non-classe)
dos (neo)proletários pós-industriais no capítulo III de seu livro Adeus ao proleta-
riado, e a contrapõe ao conceito de classe que Marx e Engels identificaram encar-
nada no proletariado revolucionário.

Esquema nº 3
Proletariado e não-classe dos neoproletários

país e não do 1% que continua enriquecendo!”. Palavras de ordem que, efetivamente, expressam
o sentimento popular das maiorias deserdadas e expropriadas pelo capitalismo concentrador e
depredador.

129
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

Proletariado de Marx Não-classe dos neoproletários pós-indus-


triais de Gorz
• Tomada revolucionária do poder do
Estado capitalista; • Não-sociedade: abolição da sociedade
de classes;
• Ser-de-classe e negação de seu ser;
• Produzida pela crise do capitalismo;
• Minoria alienada pelo sistema com
• Dissolução das relações capitalistas;
empregos integrais e bem remunera-
dos; • Maioria constituída por trabalhadores
expulsos da produção: desempregados,
• Trabalhador coletivo produtivo; inativos, trabalhadores precários;
• Força material transformadora da na- • Subjetividade liberada;
tureza e da sociedade: missão histórica. • Não-trabalhador provisoriamente em-
pregado em tarefas indiferentes;
• Não-força; desprovido de importância
social objetiva; excluído da sociedade;
• Concepção fragmentária e sem visão
histórica transformadora;
• Ato fundador da liberdade porque en-
carna o anti-produtivismo, o rechaço
da ética da acumulação e a dissolução
de todas as classes sociais.

Quando Gorz afirma que seu “neoproletariado”, uma espécie de “anti-clas-


se”, não substitui o proletariado de Marx: “Quando falo da ‘não-classe’ dos ‘não-
-trabalhadores’ como sujeito (potencial) da abolição do trabalho, não pretendo
substituir a classe operária de Marx por uma outra classe investida do mesmo tipo
de ‘missão’ histórica e social.)”200, não faz outra coisa senão cair em contradição,
pois mais adiante de fato a substitui: “Diferentemente do proletário de Marx, o
neoproletário não se define mais por ‘seu’ trabalho e não pode ser definido por
sua posição no interior do processo social de produção”.201 Como se define, então,
qual é o seu espaço de definição? A respeito, afirma: “o neoproletário é antes um
não-trabalhador provisoriamente empregado em uma tarefa indiferente”202.

200 Adiós, op. cit., p.17.


201 Adeus, op. cit., p. 78
202 Adeus, op. cit., p. 78.

130
O precariado: uma nueva clase social? E o que ocorreu com o proletariado?

Em sua obra Metamorfoses do trabalho, publicada em 1991, Gorz retoma suas


concepções e afirma que a história “[...] desuniu, assim, o que a visão de Marx
havia unido” – refere-se aqui à relação entre o conhecimento e a natureza, que
resultaria no desenvolvimento total das capacidades humanas graças à redução do
tempo de trabalho que, de fato, ocorre dia a dia – e conclui que

“Não existe ‘sujeito social’ cultural e politicamente capaz de impor um re-


distribuição do trabalho de tal forma que todos pudessem ganhar a vida
trabalhando, mas trabalhando cada vez menos e recebendo, em forma de
remunerações crescentes, sua parte da riqueza socialmente produzida”203.

Esta redistribuição do tempo de trabalho na sociedade é responsável por dar


um sentido à vida e à redução do volume do tempo de trabalho, impedir a desinte-
gração social mediante o combate à fragmentação, à precarização do trabalho e de
reintegrar os empregos integrais e qualificados ao maior número de pessoas com
vistas a dignificá-las. Mas, como e quem realizará esta tarefa redistributiva? Em
primeiro lugar, irá operar fora do tempo de trabalho do sistema: “O tempo da vida
já não deve ser administrado em função do tempo; é o trabalho que deve encon-
trar seu lugar, subordinado, em um projeto de vida”204. E quem levará a cabo esta
tarefa? Obviamente não o proletariado que, de acordo com o autor, foi fragmen-
tado e aprisionado nas frias cloacas da sociedade heterônoma que corresponde ao
sistema, e não ao mundo da vida (autonomia). A resposta é que será o indivíduo
ou a soma de indivíduos que conseguiram a “liberação do trabalho” sem superar a
“heteronomia” da sociedade, mas em convivência com esta, uma vez que:

“Em uma sociedade complexa, a heteronomia não pode suprimir-se com-


pletamente em benefício da autonomia. Mas no interior da esfera da hete-
ronomia, as tarefas, sem necessariamente deixarem de ser especializadas e
funcionais, podem ser requalificadas, recompostas, diversificadas, de for-
ma que ofereçam uma maior autonomia no seio da heteronomia, em par-
ticular (mas não somente) em função da autogestão do tempo de trabalho.
Não se pode imaginar, portanto, uma oposição taxativa entre atividades

203 André Gorz, Metamorfosis del trabajo, op. cit., p. 124, tradução nossa.
204 André Gorz Metamorfosis del trabajo, op. cit., p. 125, tradução nossa.

131
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

autônomas e trabalho heterônoma, entre esfera da liberdade e esfera da ne-


cessidade. Esta última repercute sobre a primeira mas sem nunca poder
acabar com ela”205.

Esquema nº 4
Sociedade Dual

Autonomia (mundo da vida) Heteronomia (sistema)

Liberdade Necessidade
Produção autônoma Modo de produção capitalista
Trabalho autônomo não assalariado Trabalho assalariado
Pequenas oficinas Divisão do trabalho despersonalizante e
especializado

A partir desta óptica dualista da sociedade capitalista, Gorz critica Marx e a


seu sujeito histórico-social, o proletariado, afirmando que, supostamente, Marx
supunha que o desenvolvimento das forças produtivas conduziria, por si só, me-
canicamente, à revolução e à transformação do modo de produção capitalista em
outro modo de produção conduzido pelo sujeito social, o proletariado. Mas como,
segundo Gorz, este sujeito foi fragmentado-assimilado pelo sistema e porque “[...]
o desenvolvimento das forças produtivas não produz por si mesmo nem esta li-
beração, nem seu sujeito social e histórico”206, esta missão corresponde, em todo
caso, não ao “indivíduo plenamente desenvolvido” que é o “proletariado indus-
trial”, mas à “Vontade política capaz de realizar esses fins [e que] não se sustenta
em nenhuma base social preexistente e não se apoiar em nenhum interesse de
classe, em nenhuma tradição ou norma em vigor, passada ou presente. Esta von-
tade política e a aspiração ética que a alimenta e não podem apoiar-se senão em si

205 André Gorz, Las metamorfosis…op. cit., pp. 125-126, tradução nossa, destaques do autor.
206 André Gorz, Las metamorfosis…op. cit., p. 129, tradução nossa. Obviamente, em parte alguma das
obras de Marx se encontra semelhante afirmação mecanicista.

132
O precariado: uma nueva clase social? E o que ocorreu com o proletariado?

mesmas; sua existência supõe e deverá mostrar a autonomia da ética e a autono-


mia do político”207.
Assim, não é casual que Gorz contraponha ao Manifesto Comunista de Marx
e Engels o Manifesto “por uma nova esquerda europeia” do alemão Peter Glotz,
manifesto representativo da ideologia protocapitalista da socialdemocracia alemã
e que, a rigor, pondera a positividade da “civilização eletrônica” como libertadora
do ser humano e do trabalhador “[...] sem o sangrento preâmbulo da alternância
da revolução e da contrarrevolução, que permite que o ódio se arraigue e exige que
a tensão se perpetue”208.
O objetivo anterior, para Gorz, não se poderia conseguir a partir da existência
de uma base social homogênea como a classe trabalhadora e o proletariado, pois
estes estão em “descenso” 209 enquanto forças motrizes da história; mas mediante
uma “ação política” das “maiorias” ou da “reunião de grupos dispersos”, citando
a Glotz; mediante um “coalizão” dos “fortes” (por exemplo, os membros das elites
do trabalho) com os fracos, cujo projeto ético-político está completamente fora da
esfera econômico-produtiva, visto que “Os portadores desta exigência não estão
engendrados pela produção socialmente necessária, nem pelas atividades periféri-
cas necessárias à produção material”210, pois esta se opõe ao desenvolvimento livre
do indivíduo.
Em síntese,

“A funcionalização e a tecnificação do trabalho fizeram a unidade do tra-


balho e da vida voar pelos ares. O trabalho, desde antes do agravamento da
atual crise, já tinha deixado de assegurar uma integração social suficiente.
A diminuição progressiva do volume de trabalho socialmente necessário
intensificou esta evolução e agravou a desintegração da sociedade. Seja em
forma de desemprego, de marginalização e de precarização, ou de uma re-
dução generalizadas do tempo de trabalho, a crise da sociedade fundada
nele (em sentido econômico) obriga o indivíduos a buscar em outra parte
que não seja o trabalho suas fontes de identidade e de pertencimento so-

207 André Gorz, Las metamorfosis…op. cit., p. 130, tradução nossa.


208 Cit., por André Gorz, Las metamorfosis…op. cit., p. 130, tradução nossa.
209 Gorz, Las metamorfosis…op. cit., p. 131
210 Gorz, Las metamorfosis…op. cit., p. p. 132, tradução nossa.

133
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

cial, de possiblidades de desenvolvimento pessoal, de atividades repletas


de sentido e por meio das quais possam ganhar a estima dos outros e deles
próprios”211.

Do trecho mencionado acima se desprende que a sociedade é “dual” (ver es-


quema 3), pois se compõe de dois segmentos: a dimensão da autonomia, à qual
corresponde o mundo da vida, o não-trabalho, o tempo livre, dimensão ético-
-moral e cultural do indivíduo e a da cidadania; e a dimensão da heteronomia,
que corresponde ao sistema (capitalista), à produção de mercadorias e serviços, ao
tempo de trabalho socialmente necessário e à conversão da força de trabalho em
mercadoria.
A conclusão do autor é eloquente: o proletariado já não é mais o sujeito histó-
rico-social da transformação do modo de produção capitalista; este sistema já não
pode ser transformado nem destruído, mas apenas, em seus interstícios, os “indi-
víduos” podem, no máximo, conquistar certos espaços de autonomia para gozar
de uma liberdade que o próprio sistema e o desenvolvimento das forças produtivas
que acarreta a desmedida do valor lhes concede; no máximo, a redução sistemática
do tempo de trabalho socialmente necessário para a produção e reprodução das
mercadorias e da força de trabalho, e sua capitalização a favor do tempo livre e da
autonomia do indivíduo.

A QUESTÃO SOCIAL DE CASTEL

A questão social foi uma expressão lançada a finais do século XIX aludia às
“disfunções” da sociedade industrial nascente. As transformações radicais da so-
ciedade industrial trouxeram consigo mudanças nos modos de vida dos países
ocidentais. Robert Castel identifica a década de 1830 como a data em que se come-
çou a falar da questão social como tal. Esta era entendida como:

“[...] uma aporia fundamental sobre a qual uma sociedade experimenta o


enigma de sua coesão e tenta conjurar o risco de sua fratura. É um desafio

211 Gorz, Las metamorfosis…op. cit., pp.134-135, tradução nossa.

134
O precariado: uma nueva clase social? E o que ocorreu com o proletariado?

que interroga, põe em questão a capacidade de uma sociedade (o que, em


termos políticos, se chama uma nação) para existir como um conjunto li-
gado por relações de interdependência”212.

Esta noção de questão social se refere a um mundo onde as condições de inser-


ção laboral da população são acentuadamente precárias e, nestas circunstâncias,
o mais provável é que sua capacidade para construir certa subjetividade e certas
estratégias de ação se encontrem extremamente limitadas.
Pierre Bourdieu vislumbra um nova questão social que surge como conse-
quência inevitável da derrubada da condição salarial, onde a perda do trabalho
como eixo integrador dos indivíduos traz ao mesmo tempo sua exclusão social.
Esta ruptura da centralidade do trabalho enquanto estruturador de nossa forma-
ção social gera uma “sociedade da incerteza” que questiona a ideia moderna do
“progresso” como “promessa de bem-estar”, onde nada estava fora da vontade hu-
mana. A partir de então se inicia um período de transição a uma reconfiguração
inevitável das relações de produção 213.
Apoiado na tese da escola da regulação, Castel distingue três formas domi-
nantes das relações de trabalho na sociedade industrial: a condição proletária, a
condição operária e a condição de salarial214 . Dessas três, a última é a que garan-
te a coesão da questão social no seio da sociedade industrial. A condição precá-
ria do mundo do trabalho é a nova decodificadora da relação salarial e coloca
em tensão e perigo a coesão da sociedade industrial avançada, já que esta nova
condição constitui-se em uma categoria universal, pois permeia o conjunto dos
trabalhadores e trabalhadoras de todas as categorias profissionais e salariais na
atualidade. Esta hipótese é sustentada por Castel quando afirma que “O processo
de precarização percorre algumas das áreas de emprego estabilizadas há muito
tempo. Novo crescimento dessa vulnerabilidade de massa que, como se viu, havia
sido lentamente afastada”215. O autor compara, assim, o pauperismo vigente na
primeira industrialização do século XIX, a instauração da relação salarial de

212 Robert Castel, As metamorfoses da questão social. Uma crônica do salário, Editora Vozes, Petró-
polis, RJ, 2013, p. 30.
213 Pierre Bourdieu, La miseria del mundo, Editorial AKAL, Madrid, 1999, p.
214 Castel, As metamorfoses…, op. cit., p. 415.
215 Castel, As metamorfoses..., op. cit., p. 526.

135
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

tipo fordista entre a Segunda Guerra Mundial e a primeira parte da década de


setenta do século passado no mundo industrial moderno, com a precariedade
social do trabalho resultante da crise da relação salarial, do fordismo, da glo-
balização do capitalismo e dos novos paradigmas do trabalho, a exemplo do
toyotismo e da automação flexível.

Esquema nº 5
A Questão Social de Castel

Século XIX Século XX


Estado de Bem-estar Estado neoliberal
Pauperismo (1950-1975) (década de 1980 em diante)
Pobreza
Relação salarial Precariedade do trabalho
Centralidade do Trabalho Perda da centralidade do
trabalho

Os aspectos essenciais das teses deste autor se fundamentam nos capítulo 7


e 8 deste livro, sob os títulos “A sociedade salarial” e “A nova questão social” res-
pectivamente, onde assume que a concepção de Marx sobre o papel do trabalho
como criador de valor se tornou “obsoleta”, pois corresponde às primeiras etapas
da industrialização, ao calor do desenvolvimento da divisão do trabalho 216 . Aqui,
o autor assume a crítica de Hannah Arendt sobre a suposta confusão de Marx
entre “trabalho” e “obra”, que também prevaleceram, segundo ela, em Smith e
em Locke 217.
À raiz destas afirmações, Castel se questiona: “Poderá ela conservar a cen-
tralidade que, simultaneamente, lhe emprestam os que exaltam seu papel

216 Castel, As metamorfoses..., op. cit., p. 458.


217 Castel, As metamorfoses..., op. cit., p. 458. Castel não esclarece qual a diferença entre obra e tra-
balho. Sobre isso, Hanna Arendt afirma, “Os bens de consumo são para a vida, os objetos de uso
são para o Mundo”, La condición humana, Editorial Paidós, Barcelona, 1993, p. 108, “[...] é uma
atividade que corresponde aos processos biológicos do corpo”, ibid., p, 21. No fundo, a autora
compreende a obra em torno da vida e dos valores de uso, enquanto o trabalho estaria circunscrito
ao sistema e à fabricação dos valores de troca. Nada de novo sob sol.

136
O precariado: uma nueva clase social? E o que ocorreu com o proletariado?

revolucionário e os que a percebem como uma ameaça para a ordem social? 218
Obviamente, a resposta é negativa. Ao contrário, cita Michele Crozier, quem
afirma que a “era do proletariado terminou” 219. Mais adiante, o autor esboça
uma de suas teses centrais:

“A transformação decisiva que amadureceu ao longo dos anos 50 e 60 não é,


pois, nem a homogeneização completa da sociedade, nem o deslocamento
da alternativa revolucionária sobre um novo operador, a “nova classe ope-
rária”. O que se deu foi, sobretudo, a dissolução dessa alternativa revolu-
cionária e a redistribuição da conflitualidade social conforme um modelo
diferente daquele da sociedade de classes: a sociedade salarial”220.

Entre os argumentos que o autor menciona sobre a “dissolução da alternati-


va revolucionária” figura a suposta debilidade da classe trabalhadora interessada
nas mudanças, assim como o fator desta ser sempre minoria na sociedade, além
de outros fenômenos como sua integração à sociedade de consumo e, em alguns
casos, às classes médias.
Além disso, devido ao surgimento de uma série de categorias do trabalho na
sociedade que não são alienadas nem pertencem à dimensão do trabalho assala-
riado, o autor defende que a concepção secular do trabalho assalariado se dilui e
evapora nos anos 50 e 60 do século XX, restringindo, assim, fortemente o papel da
classe trabalhadora. Tal fato foi supostamente provocado por um aburguesamento
dos assalariados, fato que marcou o caminho para tal dissolução221. A conclusão
anterior desemboca na conformação de um modelo de sociedade que já não está
centrado no conflito entre proletários e burgueses, entre trabalho e capital, mas
em uma “nova sociedade” – oposta e diferenciada da sociedade constituída em
classes sociais: uma sociedade que não é homogênea nem pacífica, mas onde seus
antagonismos assumem a forma de luta pelos postos de trabalho e pelas subdi-
visões dentro desses, mais do que pela luta de classes; e onde “[...] a condição de

218 Castel, As metamorfoses..., op. cit., p. 459.


219 Castel, As metamorfoses..., op. cit., p. 459.
220 Castel, As metamorfoses..., op. cit., p. 463.
221 Castel, op. cit., p. 465.

137
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

assalariado se torna modelo privilegiado de identificação”222. É isto que o autor


concebe como “condição de assalariado”, entendida como uma sociedade que “[...]
não é somente um modo de retribuição do salário, mas a condição a partir da qual
os indivíduos estão distribuídos no espaço social”223, e são classificados de acordo
com sua situação de emprego nessa sociedade, e já não tanto por sua relação com
a propriedade ou não-propriedade dos meios de produção, tal e como o marxismo
formula.
O autor esclarece que esta sociedade salarial – e não mais de classes sociais – é
ao mesmo tempo um modo de gestão política que associa ou vincula a proprieda-
de privada e a propriedade social, o desenvolvimento econômico e a conquista de
direitos sociais, o mercado e o Estado, os quais, juntos, constituem o conceito de
Estado Social224 ou de bem-estar, como é conhecido usualmente.
Talvez o núcleo duro da tese de Castel repouse na relação íntima que esta-
belece entre Estado e relação salarial. De fato, afirma “[...] a sociedade salarial
é também uma sociedade em cujo cerne se instalou o Estado Social”225. e cuja
intervenção caminhou em três direções: proteção social generalizada, condução
econômica e manutenção do “equilíbrio social” e, por último, busca permanente
de um “compromisso e negociação” entre os distintos indivíduos envolvidos no
processo de crescimento, visando harmonizar contratualmente os “interesses di-
vergentes dos empregadores e dos assalariados”226.
Evidentemente, com a crise da relação salarial e o advento da condição pre-
cária do mundo do trabalho como nova problemática da questão social, coloca-
-se também em xeque o próprio núcleo do Estado Social com seus componentes
de proteção social, de condução econômica e de equilíbrios sociais (hegemonia).
A partir deste momento, parafraseando Gramsci, entram a ação os mecanismos
repressivos do Estado (coerção) de forma cada vez mais frequente. Deve-se supor,
portanto, que em função da deslocamento que ocorre com a centralidade do mun-
do do trabalho, devido a que este supostamente não é mais o cimento da formação

222 Castel, op. cit., p. 466.


223 Castel, op. cit., p. 478.
224 Castel, op. cit., pp. 478-479.
225 Castel, op. cit., pp. 480.
226 Castel, op. cit., p. 489.

138
O precariado: uma nueva clase social? E o que ocorreu com o proletariado?

social capitalista, e seu sujeito histórico não está mais encarnado na classe traba-
lhadora e no proletariado, a partir da perspectiva de Castel o que resta, em uma
espécie de tautologia política, é a intervenção do Estado que o autor expõe nos
seguintes termos:

“O poder público é a única instância capaz de construir pontes entre os


dois polos do individualismo e impor um mínimo de coesão à socieda-
de. [...] O recursos é um Estado estrategista que estenda amplamente suas
intervenções para acompanhar esse processo de individualização, desar-
mar seus pontos de tensão, evitar suas rupturas e reconciliar os que caíram
aquém da linha de flutuação. Um Estado até mesmo protetor porque, numa
sociedade hiperdiversificada e corroída pelo individualismo negativo, não
há coesão social sem proteção social. [...] Realmente, quando o navio faz
água, cada um tem que despejar a água pelo vertedouro. Mas, em meio às
incertezas que hoje são muito numerosas, pelo menos uma coisa é clara:
ninguém pode substituir o Estado em sua função fundamental que é co-
mandar a manobra e evitar o naufrágio”227.

Em nossa opinião, esta importante obra do sociólogo francês enfatiza uma re-
alidade generalizada atualmente: a questão da condição de precariedade do mun-
do do trabalho que se está estendendo como mofo por todas as sociedades do
planeta. Na ausência de uma análise fundada na parte fundamental do sistema ca-
pitalista, isto é, a produção de valor e de mais-valia mediante a exploração da força
de trabalho do trabalhador coletivo, o autor mantém uma lacuna – que, diga-se
de passagem, está presente em todas as teorias sociológicas do fim do trabalho –
que nos conduz a um círculo vicioso: crise da relação salarial, crise do Estado de
bem-estar, perda da centralidade do trabalho e, tudo isso, ocasionando uma crise
profunda do sistema capitalista global. Propõe-se que para “resolver” esta crise é
novamente urgente a intervenção do Estado – obviamente, mesmo que não men-
cionado pelo autor –, do mesmo Estado capitalista responsável, juntamente com o

227 Castel, op. cit., pp. 610-611. Destaques do autor. É evidente que aqui o autor nos apresenta uma
visão idílica do Estado, obviando sua natureza capitalista e de classe, assim como suas funções
substanciais entre as que predominam a manutenção do sistema de dominação em seu conjunto,
e não somente “comandar a manobra e evitar o naufrágio”.

139
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

capital, pela crise do sistema. Da mesma maneira com o que ocorre com as demais
correntes econômicas e sociais de corte keynesiano, como as vertentes desenvol-
vimentistas e neodesenvolvimentistas das ciências sociais, omite-se a explicação
importante e essencial sobre a origem dos recursos do Estado necessários para
levar a cabo suas tarefas substanciais, consistentes em auxiliar a reprodução do ca-
pital em seu conjunto, assim como para custear suas funções de caráter social em
matéria de segurança, educação, alimentação e, principalmente, da continuidade
da questão social que, de acordo com o próprio autor, descansa atualmente na
crise profunda da relação salarial, na condição de precariedade do trabalho e em
fortes tendências e forças desencadeadoras da ruptura da coesão das sociedades
contemporâneas.

A TESE DE GUY STANDING: O PRECARIADO É UMA NOVA CLASSE


SOCIAL?

Sem dúvida, foi Guy Standing, em seu livro The precariat: the new dange-
rous class quem formulou as principais tendências da precarização do trabalho e a
constituição de uma – suposta – “nova” classe social denominada precariado que,
é claro, diferencia-se estrutural e socialmente da categoria tradicional de proleta-
riado definida por Marx, como vimos anteriormente. São várias as versões deste
livro. Uma delas, em português, publicada pela editoria Autêntica, tem o título
mais fiel ao da edição original em inglês: O precariado. A nova classe perigosa. Ou-
tra edição, espanhola, pela editora Pasado y Presente, leva o título: El precariado.
Una nueva clase social. As diversas edições publicadas atestam a relevância deste
livro que, ainda que trate de um tema da maior importância, isto é, a tendência
crescente e universal de extensão da precarização do trabalho, carece de uma dis-
cussão profunda sobre suas causas e de argumento convincentes que expliquem
– e justifiquem – o nascimento de uma nova classe social que, além do mais, o
autor atribui o adjetivo de “perigosa”, devido a sua propensão de assumir traços
fascistas e conservadores.
De acordo com autor, a flexibilidade do mercado de trabalho, responsável
pela transferência dos riscos e inseguranças aos trabalhadores, é a causa prin-
cipal do surgimento de um “precariado global”. Porém, Standing não se detém

140
O precariado: uma nueva clase social? E o que ocorreu com o proletariado?

para explicar, antecipadamente, as causas da flexibilidade do trabalho. Da mesma


maneira, esta suposta nova classe, constituída por milhões de pessoas, é “perigo-
sa” devido a sua inclinação para alimentar “[...]vozes desagradáveis e a usar seus
votos e seu dinheiro para dar a essas vozes uma plataforma política de crescente
influência”. O autor chega, inclusive, a sugerir que esta classe tem sido um suporte
propício para a agenda neoliberal, a qual “criou um monstro político incipiente”,
razão pela qual é necessário “ agir antes que o monstro ganhe vida”228.
O autor menciona que entre os “heróis intelectuais” – assim os chama – do
precariado figuram personagens como Pierre Bourdieu, Michel Foucault, Haber-
mas, Hardt e Negri, com o pano de fundo representado pelas ideias de Hannah
Arendt e também com certa influência dos movimentos estudantis de 1968 inspi-
rados na Escola de Frankfurt, em Herbert Marcuse – particularmente com seu li-
vro O homem unidimensional – e no Outono Quente italiano de 1969. É importan-
te mencionar estes antecedentes históricos e teórico-ideológicos porque assim se
explicitam as “fontes” de onde provêm a ideia do precariado e de sua constituição
em “sujeito” autônomo frente às demais classes sociais na sociedade capitalista,
incluindo ao próprio proletariado em seu significado marxista.
Ao que parece, é o Dia do Trabalho (Euro May Day) – quando milhares de
pessoas de diferentes nomenclaturas (grupos e coletivos feministas, ambienta-
listas, imigrantes), em sua maioria na Europa Ocidental, mobilizam-se contra a
precariedade do trabalho – o arquétipo que serve ao autor para configurar a ideia
de precariado, setor caracterizado por viver com o temor e a insegurança que as
políticas neoliberais geraram nos últimos tempos. Porém, os protestos não são
somente contra a “precariedade”, mas também contra as condições de trabalho
e de exploração, contra os salários baixos e por direitos sociais. Standing afirma
de forma limitada que o movimento do “precariado” despertou a consciência e a
indignação durante a primeira década de 2000:

“Foi uma liberação da mente, a consciência de um sentimento comum de


insegurança. Mas nenhuma ‘revolução’ surge do simples entendimento.
Ainda não havia uma raiva eficaz – isso porque nenhuma agenda políti-
ca ou estratégia havia sido forjada. A falta de uma resposta programática
foi revelada pela busca de símbolos, pelo caráter dialético dos debates in-

228 Guy Standing, O precariado: a nova classe perigosa, Autêntica, Belo Horizonte, 2013, p. 15.

141
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

ternos e pelas tensões dentro do precariado que ainda estão lá e não vão
embora. Os líderes dos manifestantes do EuroMayDay fizeram o possível
para literalmente encobrir rachaduras, como acontecia em seus cartazes e
imagens visuais. Alguns enfatizaram uma unidade de interesses entre os
migrantes e outros grupos (migrante e precarie foi uma mensagem estam-
pada num cartaz do EuroMayDay de Milão em 2008) e entre os jovens e os
idosos – uma simpática justaposição no cartaz do EuroMayDay de Berlim
em 2006”229.

Obviamente, o autor ignora, ou omite, o conjunto das lutas trabalhistas tra-


vadas pelo proletariado, precarizado ou não, desde o século XIX e durante o de-
correr do século XX, sob os símbolos da indignação, da consciência, da rebeldia,
e em consonância com suas demandas e interesses de classe que os levaram a
conquistar o que se conhece atualmente como o Dia do Trabalho, quando, em
cada primeiro de maio, a classe se expressa nas ruas e se rebela contra o sistema
capitalista, contra a exploração e a miséria.
A tese central de Standing consiste em sustentar que “o precariado não fazia
parte da ‘classe trabalhadora’ do proletariado”230 devido a que tanto a classe traba-
lhadora como o proletariado gozam de empregos duráveis e estáveis, com jornadas
de trabalho definidas e fixas, sindicalizados, mantêm convênios de trabalho co-
letivos de acordo com as características de seus postos de trabalho e suas relações
com o capital estão perfeitamente definidas 231. Da mesma maneira, é necessário
esclarecer que para este autor os precários também se diferenciam dos chamados
informais, assim como da classe média e, evidentemente, da classe trabalhadora:
“Não se trata da ‘classe média oprimida’ ou de uma ‘classe baixa’, tampouco da
‘classe trabalhadora mais baixa’. Ela tem um fardo distintivo de insegurança e
terá, igualmente, um conjunto diferente de reivindicações”232.
O autor utiliza, para seus propósitos sociológicos, uma estratificação social
fragmentada de corte weberiano com a finalidade de esclarecer a concepção e

229 Guy Standing, O precariado…op. cit., p.17.


230 Ibid., p. 22. Esta tese é confirmada pelo autor em um livro posterior: Guy Standing, Precariado.
Una carta de derechos, Editorial Capitán Swing Libros, S.L., Salamanca, España, 2014.
231 Idem.
232 Guy Standing, O precariado…op. cit., p. 12.

142
O precariado: uma nueva clase social? E o que ocorreu com o proletariado?

localização do precariado no sistema social, como uma nova classe social diferen-
ciada dentro da estrutura de classes da sociedade capitalista.
Standing escolhe dois métodos para definir o que entende por precariado. O
primeiro alude à construção de um “tipo ideal”, como se nota a seguir:

Esquema nº 6
Esquema de estratificação social de Standing

Na cúspide desta pirâmide de estratificação social aparece a “elite”, constitu-


ída pelos cidadãos ricos com influência nos governos e nas empresas transnacio-
nais. Seguem na escala os “altos diretivos”: gestores das grandes empresas, agên-
cias governamentais e funcionários que gestionam a administração pública. Mais
abaixo figuram os “proficians”, uma combinação de trabalhadores, profissionais
e técnicos que contam com habilidades bem cotadas no mercado, possuem re-
munerações elevadas e muitos são assessores ou trabalhadores por conta própria.
Em seguida aparecem os “trabalhadores manuais” que, de acordo com o autor,
são a essência da classe trabalhadora, porém cada vez mais diminuem sua pre-
sença nos âmbitos das empresas e dos sindicatos. Segue, em ordem de descenso, o
“precariado” propriamente dito – também chamado “nova classe perigosa”, “novo

143
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

grupo social” –, e abaixo dele estão os “desempregados” e o “lumpenproletaria-


do”, integrado por pessoas “socialmente desajustados” que vivem da escória da
sociedade233.
Este método de definição do precariado inclui sete indicadores cuja ausência,
ou insuficiência, o definem:

A) Garantia de mercado de trabalho;


B) Garantia de vínculo empregatício;
C) Segurança no emprego;
D) Segurança no trabalho;
E) Segurança de reprodução de habilidade;
F) Segurança de renda;
G) Garantia de representação.

O autor salienta que se inclina por este último método de definição do preca-
riado e inclui as seguintes figuras em suas fileiras:

Esquema nº 7
Figuras relevantes do precariado

• Ocupados temporários
• Empregados parciais (part time)
• Contratistas dependentes ou independentes
• Trabalhadores dos call centers
• Bolsistas

Como vemos, trata-se de indivíduos e grupos (homens e mulheres, jovens e


adultos, de várias raças) que correspondem às distintas frações das classes proletá-
rias no contexto da estrutura das classes principais e fundamentais da sociedade.
Dificilmente, portanto, podem conformar em seu conjunto um suposto “precaria-
do” à margem e por cima de tal estrutura.

233 Standing, O precariado, op. cit., p. 25.

144
O precariado: uma nueva clase social? E o que ocorreu com o proletariado?

O segundo método que o autor nos indica consiste em determinar o preca-


riado enquanto processo em que as pessoas se precarizam sob condições determi-
nadas. Fenômeno este que, evidentemente, ocorre por todos os lados e é cada vez
mais frequente, revelando-se no fato de que as pessoas vão perdendo capacidades,
prestígios e direitos frente à voracidade da precariedade e da globalização: “Ser
precarizado é ser sujeito a pressões e experiências que levam a uma existência
precária, de viver no presente, sem uma identidade segura ou um senso de desen-
volvimento alcançado por meio do trabalho e do estilo de vida”234.
O autor corretamente esclarece que, ao ser a fração precária cerca de 25% da
população, a condição de precariedade não é somente o emprego inseguro, limi-
tado em sua duração e com proteção trabalhista insuficiente, mas que implica,
na maioria dos casos, não poder realizar uma carreira profissional, não possuir
um sentido de identidade ocupacional e ver seu direitos sociais e trabalhistas se
reduzirem sistematicamente, ao contrário do que ocorria como o proletariado in-
dustrial, que gozava dessas prerrogativas235.
O autor situa a flexibilidade do trabalho como a causa fundamental da la-
boral, destacando três formas flexíveis: a numérica, a funcional e a salarial 236 . A
primeira se expressa no incremento do emprego temporário e de tempo parcial,
na subcontratação e deslocalização e em contratos por “zero horas”, os quais não
especificam quantas horas se trabalhará nem quanto o trabalhador receberá. Este
tipo de flexibilidade aumenta a insegurança no emprego.
A flexibilidade funcional consiste, de acordo com o autor, em “[...] possibilitar
que as empresas mudem a divisão do trabalho rapidamente, sem custo, e troquem
trabalhadores entre tarefas, posições e locais de trabalho”237, garantindo, por este
meio, altas taxas de rotação no trabalho. Diferentemente da primeira forma de
flexibilidade, este fenômeno incide diretamente, e agudiza, a insegurança no em-
prego. Por último, está a flexibilidade salarial, que opera cada vez mais em escala
mundial e consiste na diminuição constante das rendas globais dos trabalhadores
assalariado que, por esta via patronal, vão se precarizando monumentalmente.

234 Standing, O precariado, op. cit., p. 37.


235 Standing, O precariado, op. cit., p. 51.
236 Standing, O precariado, op. cit., p. 57.
237 Standing, O precariado, op. cit., p. 65.

145
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

Esta forma de flexibilidade do trabalho é a verdadeira responsável pela preca-


riedade laboral e formação do precariado que, justamente por afetar os distintos
componentes da classe trabalhadora, afirma-se, constitui-se em uma classe social
estrutural, social e politicamente diferenciada tanto da classe trabalhadora tradi-
cional como do outrora proletariado.
Esta é uma maneira de ver a flexibilidade como um fator externo à constitui-
ção do precariado e da própria categoria de precariedade, isto é, como um fenô-
meno concomitante à crise do Estado social surgido depois da Segunda Guerra
Mundial e não como uma categoria consubstancial, inerente e sobredeterminante
do trabalho assalariado do capitalismo de todas as épocas.

A TESE DE G. ALVES SOBRE O PRECARIADO ENQUANTO FRAÇÃO DE


CLASSE DO PROLETARIADO

Giovanni Alves238 propõe que é necessário diferenciar o precariado, enquanto


camada social, do proletariado, ainda que aceite que aquele é parte deste. O autor
lança um crítica a quem não faz esta distinção fundamental:

“Deste modo, a redução do ‘precariado’ à proletariado precarizado, não nos


oferece nenhuma contribuição heurística para o desvelamento das novas
morfologias sociais do proletariado e as novas formas de ser da condição
de proletariedade (por exemplo, proletariado precarizado, tanto pode ser
o assalariado médio altamente escolarizado, empregado de telemarketing;
quanto o peão de baixa escolaridade subcontratado pobre da construção
civil. Enfim, oculta-se as múltiplas determinações da condição de proleta-
riedade, desconsiderando a importância da dialética entre objetividade e
subjetividade na produção do movimento social da classe”239.

238 Giovanni Alves, Trabalho e neodesenvolvimentismo, op. cit., especialmente capítulo 9, “O que é o
precariado?”, pp. 189-197.
239 Giovanni Alves, Trabalho e neodesenvolvimentismo, op. cit., p. 212.

146
O precariado: uma nueva clase social? E o que ocorreu com o proletariado?

Alves dirige sua crítica às teses do proletariado precarizado de Ruy Braga, mas
antes é preciso reconhecer que é justa crítica deste último a Standing e a Castel,
de que a precariedade não é uma condição externa, mas interna à própria relação
salarial. O problema parece radicar em considerar a precariedade tanto como ca-
tegoria quanto como sujeito social e em não distinguir ambos elementos. Assim,
Alves afirma que os proletários precarizados são a fração mais subordinada e ex-
plorada da classe trabalhadora, em particular do proletariado urbano e dos traba-
lhadores agrícolas. O precariado se diferencia, dessa forma, de outro setor: o dos
“proficians”, os grupos, dentro da classe trabalhadora, mais qualificados, melhor
remunerados e com uma estabilidade maior no emprego.
Aqui podemos ver esta ambiguidade entre precariedade como categoria e pre-
cariedade como sujeito social:

“Temos total ciência de que, mesmo retificado e ressignificado pela teoria


marxista das classes e da população excedente, ao utilizarmos o conceito
sociológico de precariado a fim de caracterizar a fração do proletariado
precarizado em condições sociais capitalistas periféricas, estamos nos ex-
pondo à crítica dogmática daqueles que não veem sentido em chamar as
coisas por seu verdadeiro nome. Eles preferem simplesmente seguir asso-
ciando essa parcela da população trabalhadora ao proletariado, evitando,
assim, o laborioso esforço de estabelecer segundo critérios científicos a
justa mediação entre a parte e o todo. Em consequência, desresponsabili-
zam-se de investigar a natureza contraditória das relações sociais, especial-
mente políticas, vinculadas à estrutura social, que constituem o precariado
como um realidade transnacional, preferindo adjudicar uma imutável es-
sência à classe operária”240.

A crítica à nova classe do precariado de Standing, e do proletariado precariza-


do de Braga, leva Alves a concluir que:

“[...] procuramos salientar o ‘precariado’ como sendo, não uma nova clas-
se social, nem o ‘proletariado precarizado’, mas sim uma nova camada da
classe social do proletariado com demarcações categoriais bastante precisas

240 Ruy Braga, A política do precariado, op. cit., p. 29.

147
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

no plano sociológico: precariado é a camada média do proletariado urbano


precarizado, constituída por jovens-adultos altamente escolarizados com
inserção precárias nas relações de trabalho e vida social”241.

E esclarece que é redundante falar de “precariado jovem”, já que para ele “[...]
o precariado constitui, em si, uma camada social especificamente jovem”242 que
não é uma nova classe social, como defende Guy Standing, nem um “proletaria-
do precarizado”, como postula Ruy Braga, mas uma “[...] nova camada da classe
social do proletariado com demarcações categoriais bastante precisas no plano
sociológico”243. Alves reconhece que se trata efetivamente de um “proletariado
precarizado”, mas esclarece que “[...] é preciso qualificá-lo como um proletariado
jovem e altamente escolarizado, frustrado em suas expectativas de ascensão pro-
fissional e sonhos, anseios e expectativas de consumo”244.
Em função disso, é fundamental incorporar variáveis sociológicas tais como
idade (geracionais) e educação (níveis de escolaridade), de tal modo que este “[...]
recorte sociológico do precariado (juventude, nova precariedade salarial/precari-
zação existencial e nível educacional superior) torna-se deveras crucial para apre-
endermos as contradições radicais da ordem sociometabólica do capital no século
XXI”245.
Desta forma, ao ter como vetor de delimitação a categoria de juventude, para
este autor, por exemplo, fazem parte da camada social do precariado os jovens
empregados como trabalhadores escolarizados em setores como os serviços e o
comércio que estão

241 Alves, Trabalho e neodesenvolvimentismo, op. cit., p., 191. Destaques do autor.
242 Alves, Trabalho e desenvolvimento, op. cit., p., p. 213.
243 Alves, Trabalho e desenvolvimento, op. cit., p., 191. Vale a pena observar que em um texto anterior
o autora considerava a classe proletária constituída por tre camadas: 1) o proletariado estável, 2)
o proletariado precário e, 3) o proletariado de “classe média”. Como se observa, aqui não se inclui
o o elemento ou a categoria social da juventude como característica definitória do precariado; ao
que parece, o autor converteu o “proletariado de classe média” em seu precariado, constituído por
jovens-adultos. Ver: Giovanni Alves, Dimensões da reestruturação produtiva. Ensaios de sociolo-
gia do trabalho, 2ª ed., Editora Praxis, Londrina, 2007, p. 263.
244 Alves, Trabalho e desenvolvimento, op. cit., p., 192. Destaques do autor.
245 Alves, Trabalho e desenvolvimento, op. cit., p., 192.

148
O precariado: uma nueva clase social? E o que ocorreu com o proletariado?

“[...] precarizados em suas condições de vida e de trabalho, frustrados em


suas expectativas profissionais; ou ainda, os jovens-adultos recém gradu-
ados desempregados ou inseridos em relações de emprego precário; ou
mesmo estudantes de nível superior (estudantes universitários são traba-
lhadores assalariados em formação e muitos deles, estudam e trabalham
em condições de precariedade laboral”246.

Segundo o Alves, este núcleo ou camada social foi o protagonista central das
jornadas de protestos contra o aumento dos preços do transporte público em ju-
nho de 2013, em parte estimulado e tendo como pano de fundo as condições de
precariedade existentes no Brasil. Sob a condução, em um princípio, do Movimen-
to Passe Livre (MPL), os protestos de junho, entre outras coisas, puseram abaixo o
mito de que o Brasil era um país predominantemente de “classe média”247.
Alves faz um exercício sugestivo para delimitar os conceitos de camada, fra-
ção de classe e categoria social que formam parte do conceito de classe social e que
resumimos a seguir:
As camadas sociais se definem pelo nível de escolaridade, pelos grupos de
idade/geração, pela cor/etnia, pelo gênero e pela categoria salarial/renda.
As categorias sociais se conformam pelos jovens, mulheres, negros e estudan-
tes, entre outros.
As frações de classe correspondem a âmbitos como o rural e o urbano; os em-
pregados e o desempregados; os trabalhadores da indústria, da agricultura, do
comércio e dos serviços, assim como a categorias como bancários, metalúrgicos
e telefonistas.
Para este autor, o “[...] nível de concreção heurístico das camadas sociais no
interior das classes, é o nível mais efetivo em termos de concreção sociológica”248,
porque permite “cortes” mais densos dentro das estruturas de classe e de estra-
tificação social. Deste modo, pode-se alcançar um nível muito alto e preciso de

246 Alves, Trabalho e desenvolvimento, op. cit., p., 192. Destaques do autor.
247 Uma análise sobre estas jornadas está em: Ricardo Antunes y Ruy Braga, “Los días que conmovie-
ron a Brasil. Las rebeliones de junio-julio de 2013”, Revista Herramienta no. 53, Buenos Aires, julio
de 2013, pp. 9-21. Para una discussão a respeito das “classes médias” no Brasil, ver: cf. Marcio Po-
chman, O mito da grande classe média. Capitalismo e estrutura social, Boitempo, São Paulo, 2014.
248 Alves, Trabalho e desenvolvimento, op. cit., p. 214. Destaques do autor.

149
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

concreção para captar as especificidades das classes sociais (proletariado, burgue-


sia, pequena burguesia, campesinato) em termos de frações de classe, camadas e,
inclusive, categorias sociais.
Parece-nos interessante recordar a classificação de Poulantzas a respeito do
tema das classes sociais e das camadas, categorias e frações de classe, com a fina-
lidade de esclarecer o tema da precariedade, da precarização e do precariado. Este
autor propõe que a teoria marxista das classes sociais faz a distinção entre frações
e camadas de classe, conjugando a dimensão econômica e as relações políticas e
ideológicas, às quais agrega as categorias sociais, em um esquema formal muito
parecido ao de Alves que acabamos de mostrar. Entre estas, segundo Poulant-
zas, figuram, por exemplo, a burocracia política e os intelectuais, a primeira em
função dos aparatos de Estado e os segundos em função das relações ideológicas,
considerando que “Estas diferenciações, em relação às quais é sempre indispensá-
vel a referência às relações políticas e ideológicas, têm grande importância, uma
vez que es estas frações, camadas e categorias podem, frequentemente, de acor-
do com as culturas concretas, assumir um papel de forças sociais relativamente
autônomas”249. Em seguida, o autor esclarece que não se trata de grupos sociais
externos, ou que operem a margem ou sobre as classes sociais, como postulam
as teorias funcionalistas, mas que “As frações são frações de classe: a burguesia
comercial, por exemplo, é uma fração da burguesia; igualmente, a aristocracia
operária é uma camada da classe operária. A próprias categorias sociais tem
um pertencimento de classe: seus agentes procedem geralmente de várias classes
sociais”250. Este último é o caso dos intelectuais que, nas sociedades burguesas,
desempenham um papel central na reprodução das relações de exploração e de
domínio por parte das classes dominantes e do capital em geral, especialmente
através dos meios de comunicação, da escola e das universidades, as quais operam
como centros de criação e difusão das ideologias hegemônicas como o funciona-
lismo, o estruturalismo e o neoliberalismo.
Tanto as classes dominantes (burguesia, proprietários de terra) quanto as ex-
ploradas (classe trabalhadora, proletariado, campesinato, indígenas) possuem em

249 Nicos Poulantzas, Las clases sociales en el capitalismo actual, Editorial siglo XXI, México, 3ª edi-
ción, 1978, p. 23, tradução nossa.
250 Nicos Poulantzas, Las clases sociales en el capitalismo actual, op. cit., p.23. Destaques do autor,
tradução nossa.

150
O precariado: uma nueva clase social? E o que ocorreu com o proletariado?

seu interior essa classificação elementar que se manifesta, em um nível concreto,


em contradições, alianças e lutas entre classes e frações de classe. A esse elemento
alude Poulantzas ao mencionar o caráter “autônomo” destas forças sociais que,
inclusive, cristaliza-se em alianças de classe dentro do bloco de poder em circuns-
tâncias historicamente determinadas.
Estas particularidades e classificações nos ajudam a esclarecer o papel e a(s)
diferença(s) entre proletariado, classe operária e classe trabalhadora, para então
discutir o tema da precariedade e delimitá-lo em seus alcances histórico-estrutu-
rais e político-sociais, com a finalidade de concluir se existe ou não um “precaria-
do” enquanto sujeito social, seja como classe ou não.
Na literatura, geralmente as palavras proletariado, classe operária e classe
trabalhadora se utilizam como sinônimos. Mas, como indicamos anteriormen-
te, ocorre que em alguns documentos como o Manifesto Comunista se nota uma
diferença no sentido em que a classe trabalhadora se circunscreve como tal no
âmbito do trabalho assalariado na indústria. Enquanto o proletariado é uma cate-
goria mais ampla que abrange, além dos trabalhadores, outros segmentos e classes
da sociedade que se recrutam através do processo de proletarização inerente à
concentração e centralização do capital. Em síntese, então, para os propósitos de
nossa investigação, poderíamos afirmar o seguinte: a classe trabalhadora é parte
do proletariado, mas nem todo proletário ou grupo proletário é parte da classe
trabalhadora. Isto posto, consideramos que a categoria de precarização do traba-
lho se circunscreve limitadamente ao âmbito do trabalho manual e intelectual, o
qual é assalariado através de um emprego, seja qual for qualquer modalidade, e
que é explorado pelo capital para obter mais-valia, seja esta absoluta ou relativa e,
desta forma, auxiliar o processo de reprodução ampliada do sistema capitalista.
Porque não é somente a precariedade o fenômeno que opera a partir da década
de 2000 em praticamente todo o mundo, mas também o fenômeno cada vez mais
estendido – e combinado – de superexploração da força de trabalho, no sentido
em que Marini define este conceito: um processo que consiste em expropriar parte
do fundo de consumo da classe trabalhadora – extraído, evidentemente, do valor
socialmente necessário de sua força de trabalho – para convertê-lo em fonte adi-
cional da acumulação de capital.

151
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

A JUVENTUDE: O SEGMENTO MAIS PRECARIZADO DO


PROLETARIADO

Não há dúvidas de que a categoria social da população mais afetada a nível


mundial pela crise e pela precariedade laboral, salarial e existencial é a juventude.
E, por isso, em nenhum instante duvidamos que isto ocorre devido às circunstân-
cia e condições que Alves e outros estudiosos da precarização do trabalho apon-
tam. Este era o objetivo, por exemplo, do governo francês, através de seu primeiro
ministro Dominique de Villepin, de impor à sociedade a precariedade do trabalho
nas relações trabalhistas quando, em 16 de janeiro de 2006, anunciou a entrada
em vigor do Contrato de Primeiro Emprego (Contrat Première Embauche – CPE)
para jovens menores de 26 anos, que estipulava que os empregados poderiam ser
despedidos sem justificação por parte do patrão durante os dois primeiros anos
de teste. Logicamente, esta medida desatou um conflito e uma luta social – so-
mente comparáveis às jornadas de protestos de finais de 1995, que obrigaram o
conservador Alain Juppé a retirar a reforma da previdência – que concluiu com a
mobilização e luta de milhões de trabalhadores, estudantes e cidadãos franceses
quando, no dia 10 de abril de 2006, o presidente Chirac se viu obrigado a anunciar
que a CPE seria substituída por um mecanismo favorável à inserção profissional
dos jovens. Os sindicatos franceses, no primeiro de maio de 2006, denunciaram
a existência – e exigiram a anulação – do chamado Contrato de Novo Emprego
(CNE), o qual facilitava a demissão indiscriminada de trabalhadores e emprega-
dos de qualquer idade durante os dois primeiros anos em empresas de menos de
20 empregados. O CNE é considerado a ponta do iceberg da precariedade do tra-
balho na França, em um país que nesse momento tinha em torno de 2 milhões
e 288 mil pessoas desempregada, cifra equivalente a 9,5% da população econo-
micamente ativa. Em março de 2013 se implementou a primeira grande reforma
trabalhista dos últimos 30 anos na França, que estipula medidas de flexibilização
do mercado de trabalho permitindo às empresas negociar a diminuição tanto do
tempo de trabalho como dos salários 251.
Não é casual, portanto, que atualmente o panorama seja pior para a juventu-
de, como ressalta o seguinte diagnóstico da OIT:

251 Para mais detalhes, ver: http://www.20minutos.es/noticia/1750393/0/francia/reforma-laboral/


empleo/#xtor=AD-15&xts=467263

152
O precariado: uma nueva clase social? E o que ocorreu com o proletariado?

“Em 2011, 74,8 milhões de jovens de idade entre 15 e 24 anos estavam de-
sempregados, 4 milhões a mais que em 2007. A taxa de desemprego juvenil
mundial, de 12,7 por cento, mantém-se situada um ponto percentual acima
do nível anterior à crise. Em escala mundial, os jovens têm quase três vezes
mais probabilidades de estar desempregados do que os adultos. Além disso,
estima-se que 6,4 milhões de jovens perderam a esperança de encontrar
trabalho e abandonaram completamente o mercado de trabalho. Inclusive
aqueles que possuem um emprego têm cada vez mais probabilidades de
trabalhar em tempo parcial, geralmente com um contrato temporário. Nos
países em desenvolvimento, a proporção de jovens entre os trabalhadores
pobres é excessiva. Visto que não há previsão de que se altere a proporção
de jovens desempregados em 2012, e visto que a proporção de jovens que
abandonam completamente o mercado de trabalho continua aumentando,
existem poucas esperanças de uma melhoria substancial do panorama la-
boral dos jovens e curto prazo na situação atual”.252

Na França, segundo o Eurostat, em março de 2014 o desemprego alcançava


10,4% da população, porcentagem equivalente a 3 milhões e 56 mil pessoas. Na
Zona do Euro como um todo, que cobre um total de 18 países, a taxa de desem-
prego era, em cifras dessazonalizadas, de 11,8% no mesmo período, enquanto os
28 países da União Europeia acusavam uma taxa de 10,5%. No total, a Eurostat
calcula que se encontravam desempregado neste período 25 milhões e 699 mil
homens e mulheres, com taxas que se duplicavam para os jovens, em relação aos
adultos253.

252 OIT, Tendencias mundiales del empleo 2012, Prevenir una crisis mayor del empleo, disponível na
internet: http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---dcomm/---publ/documents/
publication/wcms_168095.pdf), pp. 9-10.
253 Eurostat Newsrelease Euroindicators, “Euro area unemployment rate at 11.8%”, 7 de mayo de 2014,
disponível em: http://epp.eurostat.ec.europa.eu/cache/ITY_PUBLIC/3-02052014-AP/EN/3-
02052014-AP-EN.PDF.

153
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

Quadro nº 4
Europa: taxas dessazonalizadas de desemprego em porcentagem e em milhares de pessoas
Março de 2014

% Número de pessoas
EA18 11.8 18.913
EU28 10.5 25.699
Alemanha 5.1 2.191
Irlanda 11.8 257
Grécia 26,5* 1.311***
Espanha 25,3 5.777
França 10,4 3.056
Itália 12,0 3.248
Portugal 15,2 807
Reino Unido 6,8** 2.201**
Estados Unidos 6,7 10.444
* Janeiro de 2014 **Janeiro de 2014 ***Janeiro de 2013

Fonte: Eurostat Newsrelease Euroindicators, “Euro area unemployment rate at 11.8%”, 7 de mayo de 2014, dis-
ponível em: http://epp.eurostat.ec.europa.eu/cache/ITY_PUBLIC/3-02052014-AP/EN/3-02052014-AP-EN.
PDF

E o mesmo ocorreu recentemente na Europa, particularmente depois da crise


de 2008-2010, em países como Portugal, Espanha, Itália e Grécia, onde se acusam
o níveis mais altos de desemprego geral da classe trabalhadora do pós-guerra, com
ênfase particular na juventude trabalhadora que, em países como Espanha, exibe
taxas de desemprego superiores a 50% e taxas de precariedade laboral próximas
aos índices latino-americanos de países como México, Brasil e Peru.

154
O precariado: uma nueva clase social? E o que ocorreu com o proletariado?

Quadro nº 5
Europa: taxas dessazonalizadas de desemprego juvenil (menores de 25 anos)
em porcentagem e em milhares de pessoas
Março de 2014

% Número de pessoas
EA18 23,7 3.426
EU28 22,8 5.340
Alemanha 7,8 341
Irlanda 25,9 54
Grécia 56,8* 167***
Espanha 53,9 873
França 23,4 656
Itália 42,7 683
Portugal 35,4 135
Reino Unido 18,9** 850**

* Janeiro de 2014 **Janeiro de 2014 ***Janeiro de 2013

Fonte: Eurostat Newsrelease Euroindicators, “Euro area unemployment rate at 11.8%”, 7 de mayo de 2014,
disponible en: http://epp.eurostat.ec.europa.eu/cache/ITY_PUBLIC/3-02052014-AP/EN/3-02052014-AP-EN.
PDF

Em 2013, registraram-se na América Latina 108 milhões de jovens (homens


e mulheres), entre 15 e 24 anos de idade, cuja inserção nos mercados de trabalho,
de acordo com a OIT, é majoritariamente precária, a taxas em torno de 60%, e
onde 55,6% trabalha no setor informal com “baixos salários, instabilidade laboral,
vulnerabilidade e violação dos direitos laborais”.254 De acordo com este mesmo
organismo, a taxa de desemprego dos jovens entre 15 e 24 anos, para 18 países
latino-americanos, é entre 2 e 4,3 vezes maior que a taxa dos adultos com mais de
25 anos, e esta situação é mais grave no caso das mulheres. 255

254 OIT, Trabajo decente y juventud en América Latina. Políticas para la acción, Informe, Lima, 2013,
em: http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/documents/publication/
wcms_235577.pdf, p. 90.
255 OIT, Trabajo decente y juventud en América Latina. Políticas para la acción, Informe, Lima, 2013,
em: http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/documents/publication/
wcms_235577.pdf, p. 26.

155
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

No Brasil de acordo com o DIEESE, em 2009, “[...] ano de crise econômica, a


PED estimou que 1.267 mil jovens estavam desempregados, representando 27,5%
dos jovens economicamente ativos e 42,6% do total de desempregados nas regi-
ões metropolitanas estudadas. A incidência do desemprego entre os jovens era
aproximadamente 2,7 vezes maior do que na população como um todo. As taxas
de desemprego mais elevadas foram registradas em Recife, Salvador e no Distrito
Federal, regiões onde também o desemprego total era maior”256. Obviamente, tal
como ocorre de maneira generalizada, o desemprego afeta mais as mulheres, em
uma proporção 1,5 maior que o homens, de acordo a este mesmo organismo.
Em 2014, no México, de acordo com o INEGI, do total da população, 26,3%, ou
31,4 são jovens entre 15 e 29 anos, e a taxa de desemprego de esta faixa etária chega
a 9,8%, enquanto a taxa correspondente à faixa etária entre 20 e 24 anos é de 9,2%257.

256 DIEESE, A Situação do trabalho no Brasil na primeira década dos anos 2000, Departamento In-
tersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), São Paulo, 2012, p. 253. Conside-
ram-se os jovens compreendidos entre 16 e 24 anos de idade. Para uma análise histórica da desi-
gualdade no Brasil relacionada com o mundo do trabalho, ver: Adalberto Cardoso, A construção
da sociedade do trabalho no Brasil. Uma investigação sobre a persistencia secular das desigualda-
des, FVG-FAPERJ, RJ, 2010.
257 INEGI, “Estadísticas a propósito del Día Internacional de la Juventud (12 de agosto)”, Datos Na-
cionales, Aguascalientes, México, 8 de agosto de 2014, p.1. Disponível na internet: http://www.
inegi.org.mx/inegi/contenidos/espanol/prensa/Contenidos/estadisticas/2014/juventud0.pdf.

156
O precariado: uma nueva clase social? E o que ocorreu com o proletariado?

Quadro nº5
México: Tasa de desocupação da população de 15 anos em diante, por faixas etárias, 2014

Fonte: INEGI-STPS. Encuesta Nacional de Ocupación y Empleo, 2014. Primer trimestre. Consulta interactiva
de datos

Não é casual que a Encuesta mencione que os temas que mais preocupam a
juventude são a insegurança e o desemprego, pois ela se defronta atualmente com
o umbral do desemprego real, dos salários raquíticos e do extenso setor da eco-
nomia informal que vai devorando paulatinamente o empregos formais, situação
estimulada – e, em parte, explicada –, em grande medida, pela alta corrupção das
autoridades dos três níveis de governo que se enriquecem à custa destas práticas
generalizadas e, inclusive, institucionalizadas.
Tampouco é melhor o aspectos das rendas do trabalho, os quais se caracteri-
zam por sua precariedade, de acordo com o próprio INEGI:

“A vulnerabilidade da população que trabalha de maneira informal se


manifesta de muitas maneiras, uma delas é a renda que recebem por seu
trabalho: a proporção de jovens que trabalham de maneira informal e que
recebem até um salario mínimo é de 17,7%; um de cada três (32,2%) recebe
entre um e dois salários mínimos; enquanto um em cada seis (17,1%) não

157
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

recebem nenhuma remuneração. Em suma, estas três categorias represen-


tam 67% da população jovem que trabalha de maneira informal”258.

Em relação aos níveis de escolaridade, a situação é extremamente grave e cau-


sa sérios obstáculos para a “inserção formal” dos jovens aos mercados mexicanos
de trabalho precarizados.

Quadro nº 6
Distribuição percentual da população jovem por grupo de idade de acordo
com grau de escolaridade
2014
Sem
Faixas instrução e Primária Primária Média Educação
etárias Total pré-escolar incompleta completa Secundariaa Superiorb Superiorc

Total 100,0 1,2 2,8 8,4 37,7 32,0 17,9

15-19 100,0 0,9 2,3 6,5 50,5 37,5 2,3


20-24 100,0 1,1 2,4 8,1 29,4 31,8 27,2
25-29 100,0 1,8 4,0 11,3 30,8 25,0 27,1

a
Considera estudos técnicos ou comerciais com primária terminada, secundária incompleta e
completa.
b
Considera estudos técnicos ou comerciais com secundária terminada, normal básica, preparató-
ria incompleta e completa.
c
Considera aos que tem estudos profissionais e de pós-graduação.

Fonte: INEGI-STPS. Encuesta Nacional de Ocupación y Empleo, 2014. Primer trimestre. Consulta interactiva
de datos.

No México, a educação é obrigatório por mandato constitucional nos níveis


de pré-escolar, primária, secundária e média superior. Se consideramos a popu-
lação jovem com idade entre 15 e 29 anos as cifras são alarmantes: em média, as
pessoas sem instrução nem educação pré-escolar chegam a 2,3%; 6% não comple-
tou a primária; 37% possui educação secundária; 31,2% possui educação média

258 INEGI, Estadísticas a propósito del Día Internacional de la Juventud, op. cit., p. 5, tradução nossa.

158
O precariado: uma nueva clase social? E o que ocorreu com o proletariado?

superior, mas a estatística não indica em que proporção este nível é completado
pelos jovens e, por último, somente 18,8% da população juvenil possuem estudos
profissionais e pós-graduação (educação superior) e, ainda assim, sem o dado de
quem obteve, e em que proporção, o título correspondente, seja a nível de gradua-
ção, de mestrado ou doutorado.
Somada às altas taxas de desemprego aberto ou disfarçado que padece a ju-
ventude, destaca-se também a deterioração do número de filiados ou inscritos a
algum serviço de saúde pública. De acordo com o INEGI, no universo da popu-
lação entre 15 e 29 anos de idade, 36,7% dos homens e 28,7% das mulheres não
estão filiados ou inscritos aos serviços de saúde. Além do mais, o Instituto indica
que em torno de 70% não frequenta a escola, e em torno de 52% da população
jovem não trabalha, concluindo, então que: “Unindo as três condições, observa-
-se que 9,3 % da população jovem, durante 2012, declarou que não tem proteção
de saúde, não frequenta a escola e não trabalho, situam a coloca em uma grande
desvantagem social”259

Quadro nº 7
México: Porcentagem de jovens entre 15 e 29 anos, por características selecionadas e sexo. 2012.
Características selecionadas Total Homens Mulheres
População sem proteção de saúde, que não traba- 9,3 6,4 12,0
lha e não frequenta a escola
População sem proteção de saúde 32,7 36,7 28,7
População que não frequenta a escola 68,8 68,1 69,5
População que não trabalha 51,5 37,2 65,5

Nota: Proteção em saúde se refere à afiliação ou inscrição a serviços médicos.

Fonte: INSP (2012). Encuesta Nacional de Salud y Nutrición 2012. Base de datos. Procesó INEGI.

Como se vê, é evidente que os setores da juventude trabalhadora que se inse-


rem nos mercados de trabalho estão muito mais expostos à precariedade laboral,
salarial e existência – principalmente no primeiro emprego – que outros setores
de camadas adultas que ainda mantêm alguns direitos e condições de trabalho

259 op., cit, p. 8

159
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

com níveis menores de precariedade e insegurança no trabalho, mas mesmo es-


tes últimos os vão perdendo, conforme a reestruturação e as reformas neoliberais
avançam, fato que vai homogeneizando paulatinamente os diversos níveis de pre-
cariedade do trabalho existentes no mundo.

CONCLUSÃO

Neste capítulo analisamos as obras e as teses de três autores que têm em co-
mum o tema do precariado como um sujeito social que se constitui ao influxo
da crise do capitalismo e do processo expansivo da globalização. Apesar das di-
versas filiações teóricas, políticas e metodológicas de tais autores, consideramos
que, ainda que cada um dos argumentos empíricos respaldem a existência de um
processo ampliado de precarização do trabalho e, em particular, das categorias
dos trabalhadores industriais, que são seu núcleo central, restringir o conceito
de precariado, seja como uma (nova) classe social (Standing), seja como um de-
terminante do assalariado ou relação salarial (Castel), ou, finalmente, como uma
camada ou fração do proletariado circunscrita à juventude (Alves), por um lado
trata as outras camadas, setores ou frações como se não estivessem expostas a
um processo amplamente universal que é a precarização do trabalho enquanto
processo imanente de atualização das relações sociais de exploração e de precarie-
dade. Por outro lado, segmenta a classe trabalhadora e o proletariado em sentido
amplo em dois subsetores: um setor precário e outra não precário, quando a reali-
dade histórica e empírica do capitalismo é de que vivemos um processo que afeta
cada vez mais os setores outrora denominados “aristocracia operária” – geralmen-
te encarnada nos dirigentes corporativos aliados aos círculos dominantes do capi-
tal e do Estado –, assim como setores completos de trabalhadores e trabalhadoras
cujas condições de trabalho, de salários e de bem-estar social correspondiam ao
paradigma keynesiano-fordista que floresceu no mundo capitalista e se expandiu
depois da Segunda Guerra Mundial no século passado.
Por último, consideramos que as novas condições de produção, acumulação
de capital e da organização do trabalho repousam, como afirmamos a princípio,
na temporalidade, flexibilidade e desregulamentação do trabalho sob a hipóte-
se de que, diferentemente do passado – do período posterior à Segunda Guerra

160
O precariado: uma nueva clase social? E o que ocorreu com o proletariado?

Mundial até a década de oitenta do século XX – a característica peculiar dos seres


humanos que trabalham (os assalariados e as assalariadas) está irremediavelmente
dimensionada e imersa em relações de trabalho e de produção monumentalmente
precarizadas, em um contexto de alta informalidade que ataca e vulnera os prin-
cípios humanos e sociais do direito ao trabalho: direitos sociais e remunerações
fixas suscetíveis a melhorias, seguridade social cimentada em aposentadorias e
pensões capazes de garantir a tranquilidade e a segurança física e psíquica dos
trabalhadores e suas famílias, uma vez que estes terminem sua vida na produção e
passem a engrossar as fileiras dos que finalizaram sua relação de trabalho.
Em síntese, a precarização não engendrou uma nova classe social ou uma fra-
ção de classe dentro do proletariado mas, como processo, conformou-se como
elemento chave da questão social que atravessa, no decorrer do século XXI, o con-
junto da classe social do proletariado e que, inclusive, tende a penetrar seus tentá-
culos lacerantes e de barbárie social em outras classes sociais não proletarizadas,
como as classes médias.

161
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo de nossa pesquisa discutimos a tese da desmedida do valor enquan-


to processo significante, e significativo, das profundas contradições do capitalis-
mo como modo de produção. Em particular, destacamos a redução sistemática
do tempo de trabalho socialmente necessário para a produção e reprodução das
mercadorias em geral e da força de trabalho em especial. Desdobramos, também,
nossa categoria de desmedida do valor para, de acordo com Marx, mostrar como
o capital constrói sua estratégica de acumulação e valorização por meio de um
incremento monumental do trabalho excedente não-remunerado, constituído,
justamente, pelas magnitudes absoluta e relativa da mais-valia, e onde coloca,
dosifica e potencializa seus recursos monetários, financeiros, tecnológicos, hu-
manos, produtivos e cognoscitivos. Todo o esforço do capital se concentra para
alcançar este objetivo supremo, sem o qual o sistema perde sua racionalidade e
sua funcionalidade.
A consequência deste processo consiste em uma forte caída, no longo prazo,
da taxa de lucro do capital, motivo pelo qual este recorre a vários mecanismos
para contrapor-se àquela diminuição, através da precarização e o aumento da
exploração do trabalho. Resultados que consegue por meio da flexibilização, da
derrota dos trabalhadores e de suas organizações de defesa de seus interesses de
classe, da reforma do Estado em matéria trabalhista e de direito do trabalho, assim
como mediante a apropriação da subjetividade no próprio processo de trabalho e
de produção para transladá-la e cristalizá-la no âmbito da mais-valia.
Também destacamos a diferença entre precarização e precariedade, concluin-
do que esta dialética não se resolve na constituição de um sujeito social precário,
mas em todo um processo estrutural, social, político, e ideológico que incide no

163
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

conjunto do proletariado e, particularmente, na classe trabalhadora, independen-


temente de ainda hoje existam categorias “intocadas” pelos efeitos lacerantes da
precarização. Por esta razão, então, que um ângulo do problema está em descartar
completamente que a categoria de precariedade seja uma externalidade para o su-
jeito social: pelo contrário, e como deixamos sentado ao longo de nossa pesquisa,
a precariedade é uma categoria inerente ao trabalho assalariado e aos sujeitos que
a ele vão se submetendo no decorrer de seu desenvolvimento.
Uma vez destacada a importância indiscutível do segmento jovem-trabalha-
dor como o mais afetado pela precarização do trabalho, como seu núcleo duro, em
relação a outras categorias e camadas da classe trabalhadora em âmbito global,
devemos seguir utilizando os conceitos de precariedade e precariado? E em que
sentido?260
Em relação ao primeiro conceito não temos dúvidas, claro que devemos con-
tinuar utilizando-o, e ao longo do trabalho o amalgamamos com os conceitos de
trabalho e de classe operária ou trabalhadora. Desta fora, podemos afirmar que
o sujeito social geral, o trabalho assalariado e a classe trabalhadora (ou trabalha-
dora em geral), encontram-se imersos em processos crescentes de precarização que
atingem todas as categorias, qualificações, rendas, idades e origens étnicos, e não
somente os jovens das distintas camadas das classes sociais.
Contrariamente aos que veem precariedade operando somente em certos seg-
mentos do mundo do trabalho, em especial nos mais desamparados, sem direitos
nem contratos estáveis, muitos autores sustentam que a precarização é cada vez
mais uma dimensão global do mundo do trabalho que atinge por igual, embora de
maneira diferenciada, todas as categorias profissionais e laborais, independente-
mente das remunerações e das características dos contratos coletivo e individuais
de trabalho. Desta forma, por exemplo, afirma-se que:

“[..] O processo de precarização afeta, na atualidade, segmentos do empre-


go que haviam adquirido estabilidade, reestabelecendo uma vulnerabili-

260 Chamamos a atenção para o conceito utilizado por Renan Araújo, op. cit., ao longo de sua pesqui-
sa sobre o jovem-adulto flexível como um “segmento” dos metalúrgicos, sem enquadrá-lo exclu-
sivamente no marco conceitual do “precariado”, mesmo este estudo revelando a alta precarização
do trabalho que o caracteriza como “jovem adulto flexível filho da reestruturação produtiva da
década de noventa do século passado”, p. 110. Destaques nossos.

164
Considerações finais

dade de massa que havia sido superada no período hegemonizado pelas


políticas de bem-estar social e caracterizando um dinâmica em que a pre-
carização deixa de ser marginal e passa a constituir-se no ‘coração’ dessa
fase de desenvolvimento capitalista nos países centrais e no mundo”261.

Da mesma maneira, na seguinte definição de precariedade pode-se apreciar


que o autor a considera de como um processo que permeia, tendencialmente, o
mundo do trabalho de forma universal:

“A precariedade é um processo geral, um processo que condiciona a exis-


tência de toda a força de trabalho pós-fordista. O processo de precariedade
do trabalho, esta experiência de incerteza comum no trabalho vivo pós-
-fordista, estabeleceu-se seguindo etapas, mudanças, caminhos cruciais.
As primeiras entre todas as etapas foram as intervenções legislativas que
fizeram desmoronar, pouco a pouco, todo o edifício de garantias conquis-
tadas pelo trabalhador pós-fordista e introduziram de fato a possibilidade
de utilizar a força de trabalho em um regime flexível”262.

Por isso, pensamos que não é correto falar de precariado como “sujeito so-
cial”, seja como camada, fração, categoria, como parte ou não do proletariado;
seja como “nova” classe diferenciada da classe trabalhadora, do proletariado, da
juventude ou dos adultos. Para nós, o correto, mesmo correndo o risco de que
nos acusem de essencialistas e dogmáticos, é falar de precarização como proces-
so histórico-social de atualização e reestruturação da precariedade do trabalho
na era do capitalismo neoliberal e depredador, que vai atingindo e cobrindo a
maioria das categorias socioprofissionais da classe trabalhadora e do proletariado
independentemente da idade, sexo, etnia, origem racial, cultural ou da categoria
profissional. É claro – como bem indica a análise de Alves – que este fenômeno

261 Graça Druck, “A precarização social do trabalho no Brasil”, em: Ricardo Antunes, Riqueza e Po-
breza do trabalho no Brasil, vol. II, Boitempo, São Paulo, 2013, p. 56.
262 A. Tiddi, Precarios, caminos de vida entre trabajo y no trabajo, Derive Approdi, Roma, 2002, cit.
em: Joaquín Arriola y Luciano Vasapollo, Flexibles y precarios. La opresión del trabajo en el
nuevo capitalismo europeo, Editorial El Viejo Topo, Madrid, 2003, p. 164, tradução nossa. Neste
livro, Arriola y Vasapollo consideram que a nova organização capitalista do trabalho está carac-
terizada pela precariedade, flexibilidade e desregulamentação, p. 146. Destaques do autor.

165
PRECARIADO OU PROLETARIADO?

não é homogêneo, mas desigual, heterogêneo e contraditório, motivo pelo qual


efetivamente pode-se comprovar a existência de setores e categorias de trabalho,
se quisermos, mais precárias e outras menos precárias, porém todas envolvidas
no turbilhão da nova normatividade jurídico-funcional do capitalismo global ci-
mentado na flexibilidade, na precariedade e na superexploração do trabalho que,
em grande medida, como vimos anteriormente, derivam da crise capitalista e dos
efeitos perniciosos e de longo alcance da desmedida do valor, com todas as conse-
quências que indicamos para o mundo do trabalho em particular e para as socie-
dades capitalistas em geral.

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Sobre o livro
Formato 15,5 x 23 cm
Tipologia Minion Pro (texto)
Raleway (títulos)
Papel Pólen 80g/m2 (miolo)
Supremo 250g/m2 (capa)
Projeto Gráfico Canal 6 Editora
www.canal6.com.br
Capa e Diagramação Erika Woelke

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