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Publicação: 08/2011

Laboratórios Stiefel Brasil: repensando o modelo de


negócios

Lars Meyer Sanches


Paulo Roberto Dias1

Era uma manhã quente, no início de novembro de 2008, na congestionada megalópole de São
Paulo. Max Ferreira, diretor de Operações Comerciais e Logística da Stiefel Brasil, tinha acabado
de chegar de uma visita a um cliente e pensava na proposta que apresentaria para que Sandra
Stefano, presidente da empresa, levasse à reunião que aconteceria na matriz em três semanas.
Apesar de ser líder no mercado dermatológico, a empresa estava havia seis anos perdendo
participação de mercado. Nos relatórios do Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) da
empresa, havia inúmeras reclamações de consumidores que não encontravam os produtos nas
farmácias. Para piorar, três grandes clientes tinham vindo reclamar com ele dos problemas que
estavam enfrentando devido ao excesso de estoque de produtos da Stiefel e ameaçavam parar de
distribuí-los. Na reunião do Conselho de Administração da semana anterior, pouco depois de ele
comunicar as dificuldades que vinha encontrando para atingir o valor de faturamento do
orçamento, o diretor financeiro, Antônio Silva, alertou para os impactos no resultado financeiro
dos altos descontos oferecido aos clientes e do altíssimo nível de estoque que a própria Stiefel
mantinha em seu centro de distribuição. Antônio também anunciou um corte linear no

1 Este caso foi desenvolvido pelo professor Lars Meyer Sanches e Paulo Roberto Dias. O caso é somente para fins de

discussão em sala de aula: não se propõe julgar a eficácia ou a ineficácia gerencial, nem tampouco deve servir como
fonte de dados primários.

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19/02/1998.
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orçamento de todos os departamentos, que inviabilizaria a mudança da embalagem primária dos


produtos, há tanto tempo defendida pelo diretor de marketing, Carlos Pereira.

Max sabia que a empresa tinha tudo para aproveitar o grande crescimento que o mercado
dermatológico brasileiro sinalizava, mas, para isso, precisava parar de perder participação de
mercado. Os esforços da área de marketing dos últimos anos fizeram com que a empresa tivesse
excelentes produtos e fosse muito bem vista pelos dermatologistas, mas não adiantava ser líder
em prescrições, se os consumidores não encontravam o produto nas farmácias.

Mercado farma

O mercado farma mundial fechou o ano de 2007 com uma receita de US$ 712 bilhões e um
crescimento de 6,5% sobre o ano anterior. A expectativa para os anos seguinte era de um
crescimento anual superior a 5%. A estratégia de crescimento dessa indústria estava mudando.
Antes, as empresas buscavam lançar os chamados blockbusters: produtos inovadores, protegidos
por patentes e que representam uma grande parcela do faturamento das empresas. Os altíssimos
investimentos necessários, o longo prazo de lançamento (time-to-market), os altos riscos de a
pesquisa não gerar um produto revolucionário e o impacto do término da patente no resultado
da empresa fizeram com se mudassem as estratégias. As empresas ampliaram o leque de
lançamentos e, para isso, passaram a investir em diversas pesquisas com custos menores e a
comprar direitos de venda de produtos de outros laboratórios.

O crescimento do mercado passou a ser puxado pelos países emergentes, o chamado


pharmerging, um grupo de países entre os quais se destacam China, Brasil, México, Índia, Rússia,
Coreia do Sul e Turquia, onde o mercado tinha crescido mais de 16% em 2007. Esse mercado
representava 13% do mercado mundial, mas era o responsável por cerca de 23% do crescimento
total. O crescimento estava levando muitas empresas a dedicarem especial atenção a esse
mercado, gerando uma onda de investimentos e entrada de novos laboratórios que ficou
conhecida como pharmerging gold rush. O principal fator para esse forte crescimento da demanda
de produtos farmacêuticos era o aumento do poder aquisitivo da população. No Brasil, a
ascensão, iniciada após a estabilização da inflação, em 1994, e impulsionada durante o governo
Lula, a partir de 2002, de um grande contingente da população à chamada classe média permitiu
um aumento do acesso aos remédios, fazendo crescer o mercado farmacêutico (Anexos 1 e 2). Os
produtos farmacêuticos eram divididos em duas grandes categorias: os que só podiam ser
adquiridos por prescrição médica (RX) e os que ficavam disponíveis para a compra nas
prateleiras das farmácias (MIP), também conhecidos como OTC (over-the-counter). Além disso,
havia os medicamentos genéricos, que têm a mesma substância ativa dos outros produtos, mas
não têm marca.

A Stiefel

Fundada em 1847, na Alemanha, para produzir sabonetes medicinais, a empresa familiar


mudou-se para Nova York em 1910 e depois, em 1977, para o sul da Flórida, onde mantinha seu
escritório central. A empresa possuía fábricas nos Estados Unidos, no México, no Brasil, em

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Singapura, na Irlanda e no Paquistão (Anexo 3). Empregava mais de 3.000 funcionários e possuía
instalações próprias de pesquisa e desenvolvimento em diversas localidades. Em 2007, alcançou
um faturamento mundial de US$ 906 milhões, por meio de operações próprias em mais de 30
países nos cinco continentes e por agentes e distribuidores em outros 70. A Stiefel se especializou
no mercado de produtos dermatológicos tanto com prescrição como de prateleira, tendo como
carros-chefe produtos como Clindoxyl, para acne, Olux E, para dermatite, e Soriatane, para
psoríase. A empresa havia crescido de forma consistente nos últimos anos sob a liderança de
Charles Stiefel, um executivo apaixonado pelo negócio da família e com um perfil arrojado. A
liderança em um segmento de mercado altamente rentável, o forte reconhecimento da marca
junto aos dermatologistas e o esvaziamento do pipeline (falta de produtos prestes a serem
lançados) das grandes companhias do setor farmacêutico fizeram com que a família Stiefel
tivesse que resistir a várias tentativas de aquisição por laboratórios de maior porte.

No Brasil, a Stiefel começou suas operações em 1971, com uma fábrica na cidade de São Paulo,
responsável por uma linha de produtos chamada Ética, que exigiam prescrição médica (RX). Em
1995, criou a divisão de produtos Consumo, que podiam ser vendidos sem prescrição (MIP). Em
1999, inaugurou em Guarulhos (município da Região Metropolitana de São Paulo) uma moderna
fábrica, com capacidade de produção para suportar o crescimento das vendas nos 10 anos
seguintes (Anexo 4).

A política da Stiefel Brasil era manter um forte relacionamento com os dermatologistas,


começando no período da residência. A Stiefel apoiava as escolas por meio da compra de livros e
computadores e pelo patrocínio de congressos. A conquista da liderança do segmento
dermatológico brasileiro foi resultado de muitos anos na oferta de produtos inovadores de alta
qualidade, além da grande proximidade com os dermatologistas, responsáveis pela prescrição
inicial dos produtos. Até 2002, a Stiefel possuía cerca de 13% de participação no mercado em
valor (Anexo 5). Ao contrário de muitos segmentos da saúde, o mercado de produtos
dermatológicos não sofria com a intervenção governamental. Isso permitia que as empresas do
segmento obtivessem uma maior rentabilidade que os segmentos que tinham uma forte
intervenção governamental. Em outros segmentos, já na década de 1980 e retomado a partir de
1999, o governo regulava os preços de venda dos medicamentos para o consumidor final. Para
manter a liderança do mercado, a Stiefel concorria com outras empresas do segmento
dermatológico como a La Roche-Posay, a Galderma e a Mantecorp. Mas a entrada de grandes
concorrentes como Roche, Bayer Schering e Procter&Gamble também representava uma séria
ameaça para a liderança da Stiefel.

Marketing e inovação da Stiefel Brasil

A Stiefel tinha duas grandes linhas de produtos: Ética e Consumo (Anexo 6). Os produtos da
linha Ética eram receitados por dermatologistas, e, entre eles, se destacavam a linha de protetores
solares SunMax, a linha de ácido retinoico Vitanol e a marca Clindoxyl, para acne. Apesar de não
necessitar de prescrição médica, as vendas da linha de produtos de Consumo também eram
influenciadas por dermatologistas, e, entre estes produtos, se destacavam o protetor solar
Spectraban, o hidratante Hidrafil e a linha de produtos para tratamento da pele Clariderm. A Stiefel

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adotava o conceito de pacote de tratamento, isto é, oferecia uma linha de produtos


complementares que eram capazes de atender a todas as necessidades de um tratamento. Os
produtos da Stiefel eram vendidos nas farmácias com preços cerca de 15% acima da média do
mercado. Apesar de o percentual de investimentos em P&D sobre o faturamento ser similar ao
dos concorrentes, havia questionamentos internos sobre a capacidade de a empresa acompanhar
os concorrentes de maior porte no lançamento de produtos inovadores no ritmo demandado pelo
mercado. Havia também reclamações em relação à qualidade das embalagens, que
constantemente chegavam amassadas às prateleiras das farmácias. Nos últimos anos, as
devoluções de produtos representavam cerca de 1% das vendas, e os principais motivos das
devoluções eram avarias nas embalagens durante o transporte e a perda do prazo de validade.

Canais de distribuição

A disponibilidade do produto no ponto de venda era tão importante para a venda quanto a
indicação dos médicos. A primeira compra dos produtos da linha Consumo era influenciada
também por critérios subjetivos como, por exemplo, o reconhecimento da marca, o design da
embalagem e a existência de um espaço exclusivo para os produtos da marca na prateleira da
farmácia. Os balconistas das farmácias também eram importantes formadores de opinião.

Redes de farmácias

A Stiefel atendia diretamente as grandes redes de farmácias como Droga Raia, Drogasil e
Drogaria SP, entre muitas outras. Essas redes procuravam trabalhar com níveis de estoque baixos
(em média, 30 dias de consumo para o total dos produtos) e davam grande importância ao nível
de serviço prestado pelos laboratórios. Seus principais critérios de nível de serviço eram a
confiabilidade (entregar a quantidade pedida no prazo acordado) e o prazo de entrega. Ações no
ponto de venda como a disponibilização de pessoas para orientar os clientes (dermoconsultores),
embalagens promocionais, compra de espaços exclusivos, promoções de kits de produtos ou
anúncio dos produtos no encarte da farmácia também eram muito valorizadas. Apesar de os
produtos da Stiefel representarem uma pequena parcela do faturamento das farmácias, as redes
se beneficiavam da atração que eles geravam em um público de alto poder aquisitivo que
comprava outros produtos por impulso. A receita de um dermatologista continha, em média,
quatro produtos, com um valor de cerca de R$ 300,00. Mas, como a decisão de compra dos
consumidores brasileiros era muito influenciada pelo preço, essas redes precisavam ter preços
competitivos. Para isso, exerciam grande pressão sobre os laboratórios e não tinham nenhum
problema em comprar dos distribuidores, se estes oferecessem uma condição comercial mais
vantajosa. Era comum os compradores das redes fazerem “leilões” nos últimos dias do mês, para
decidir de quem iriam comprar. Quanto aos produtos da Stiefel, os distribuidores chegavam, em
situações atípicas, a vender para as redes com 18% de desconto, enquanto a Stiefel vendia com
8% de desconto. Essa prática permitia com que as redes de farmácias aumentassem
significativamente suas margens.

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Distribuidores

Em função do grande número de farmácias no território brasileiro (mais de 60.000), a Stiefel


vendia cerca de 75% do seu volume por meio de um grupo de distribuidores, responsáveis por
revender os produtos para as inúmeras farmácias independentes espalhadas por todo o território
nacional. Os distribuidores trabalhavam com um mark-up médio de 5%, contra o mark-up médio
de 30% das redes. Como uma mesma farmácia era visitada por diferentes distribuidores, um
critério fundamental para a venda era o preço. E, como a grande maioria das farmácias mantinha
baixos níveis de estoque, era esperado que os distribuidores fossem capazes de repor os produtos
rapidamente, o que os obrigava a manter um estoque mínimo de todos os produtos. Para
conseguir ter preços de revenda competitivos, os distribuidores usavam parte do orçamento
mensal de compra para especular. Assim como as redes de farmácias, os distribuidores
esperavam os últimos dias do mês e davam o argumento de que estavam superestocados (o que
nem sempre era verdade para todos os produtos) para conseguir mais descontos dos
laboratórios. Quando conseguiam um bom preço, os distribuidores compravam grandes
quantidades de produtos, o que lhes permitia ficar vários meses sem fazer novas compras. Além
dos descontos, os distribuidores conseguiam estender seu prazo de pagamento.

Para se aproveitar da existência de impostos cujas alíquotas eram definidas pelos governos
estaduais, como o ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de
Serviços), os distribuidores mantinham depósitos em diferentes estados. O local em que os
distribuidores receberiam os produtos dos laboratórios variava conforme a existência de
benefícios fiscais. Enquanto o valor médio do ICMS para o setor era de 18% sobre o preço dos
produtos, dependendo do estado, os distribuidores poderiam ter um crédito, que seria recebido
mais tarde, de 8% a 12% do preço dos produtos. Apesar de a maior parte do consumo estar
localizado em estados da região Sudeste, como São Paulo (SP), o faturamento dos laboratórios era
muito alto em estados como Goiás (GO) e Espírito Santo (ES), que davam fortes incentivos fiscais
(Anexo 7). Esses artifícios tributários, já descontados os custos logísticos adicionais, rendiam
benefícios de cerca de 4% do valor dos produtos.

Nos últimos anos, houve um acirramento da competição entre os grandes distribuidores, na


busca pela liderança do mercado. Eles chegavam a vender os medicamentos com margem
negativa, para aumentar sua participação de mercado. Era comum o distribuidor oferecer
condições comerciais melhores que os próprios laboratórios, na venda para grandes redes de
farmácias. Além disso, os vendedores dos distribuidores eram incentivados a colocar os produtos
em qualquer ponto de venda que conseguissem. Não era difícil encontrar produtos
dermatológicos em pequenos mercados (mercadinhos). Além desses dois canais de distribuição, a
Stiefel também vendia diretamente para clientes institucionais como cooperativas médicas e
órgãos públicos. No entanto, esse canal representava pouco mais de 2% do volume total de
vendas da empresa.

A visão que os cerca de 300 clientes tinham da Stiefel era que se tratava de uma excelente
empresa, com produtos muito bons, mas que estava enfrentando dificuldades para entregar os
produtos pedidos dentro do prazo acordado e vinha sofrendo com a entrada de novos

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concorrentes, que eram capazes de lançar um maior número de produtos e estavam mais
preocupados em influenciar os consumidores no ponto de venda. Numa conversa com uma
médica, Max ouviu-a comparar a Stiefel a atores como Antônio Fagundes e Fernanda
Montenegro, que eram um sucesso de público, eram previsíveis, não erravam as falas, mas que já
estavam perto de se aposentar. A La Roche-Posay foi comparada com Reynaldo Gianechini e
Gisele Bündchen: muito mais novos, promissores e sexy. A La Roche-Posay vinha, desde 2000,
investindo fortemente em criar embalagens diferenciadas, obter posições de destaque nas
prateleiras dos pontos de venda mais relevantes e treinamento dos balconistas. A empresa
fechava acordos com algumas farmácias para manter um espaço exclusivo nas prateleiras e
colocava material promocional dentro dos estabelecimentos. Isso lhe garantia uma maior
participação de vendas diretas para as farmácias do que a da Stiefel.

Diretoria comercial e de logística

A área comercial era gerenciada por Max Ferreira, um jovem administrador nascido no
interior de São Paulo, Diretor de Operações Comerciais e Logística. Desde os 15 anos, Max tinha
assumido seu interesse pela área comercial. Começou como vendedor de automóveis e teve uma
carreira ascendente num grande laboratório farmacêutico. Durante os anos no ramo
farmacêutico, Max tinha construído uma sólida reputação junto a muitos distribuidores e redes
de farmácias. Recentemente, havia se graduado com honras em programa de MBA Executivo em
São Paulo. Max tinha em sua estrutura um recém-contratado Gerente Nacional de Vendas, Pedro
Marcondes, que gerenciava quatro gerentes regionais de contas, responsáveis pela venda dos
produtos. Do outro lado, existia uma estrutura de Gerentes Distritais que gerenciava os cerca de
80 representantes espalhados por todo o país (Anexo 14). Os representantes eram responsáveis
pela promoção dos produtos junto a dermatologistas e clientes (distribuidores e redes de
farmácias). Muitos dos representantes já trabalhavam na empresa havia décadas. Havia uma
tradição de promover os representantes com mais tempo de casa para os cargos de gerentes de
contas ou distritais, e isso fazia com que os representantes da Stiefel, assim como a maioria dos
funcionários, tivessem um grande orgulho de trabalhar na empresa e um alto grau de
compromisso. Os Gerentes de Contas tinham um salário fixo baixo e uma agressiva política de
remuneração variável, atrelada a alcançar a metas mensais de valor de vendas, e, apesar de se
queixarem de uma constante falta de produtos, normalmente alcançavam as metas de
faturamento. Uma das formas encontradas para atingi-las era ampliar a carteira de clientes,
oferecer descontos adicionais ou estender o prazo de pagamento. Alguns também se valiam de
argumentos emocionais: “Me ajude, compre mais um pouco este mês; se não alcançar minha
meta, terei problemas na empresa”. Eles deviam preencher uma planilha com a previsão de
vendas dos meses seguintes de todos os 90 SKUs da empresa e reclamavam muito da dificuldade
de prever uma venda que flutuava tanto (Anexo 8). A previsão dos Gerentes de Contas era
consolidada pela área de Operações e utilizada para definir a quantidade de produtos que seria
fabricada.

Além dos gerentes responsáveis pela área Comercial, Max respondia também pela área de
Logística. Como responsável por essa área, contratara um jovem executivo chamado Roberto

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Guimarães, que estava concluindo seu MBA Executivo no Insper. Os desafios enfrentados por
Roberto eram enormes.

Os clientes da Stiefel eram todos atendidos a partir do centro de distribuição da fábrica de


Guarulhos, mas, em função dos benefícios fiscais, muitos clientes queriam receber os produtos
em seu centro de distribuição, e sua localização em estados distantes de São Paulo resultava num
longo tempo de viagem (Anexo 7). Considerando-se o tempo para processar (dois dias) e separar
(três dias) o pedido, dependendo do tempo de viagem acordado no Service Level Agreement (SLA),
não era incomum que os clientes esperassem mais de dez dias para receber seu pedido. Quase
50% dos pedidos mensais eram processados nos últimos cinco dias do mês (Anexo 9), gerando
uma sobrecarga de trabalho para a equipe de Logística, com pagamento de remuneração extra.
Além desses custos adicionais, a falta de capacidade de movimentação e de transportes piorava
ainda mais os tempos de entrega e dificultava que a empresa seguisse os procedimentos
recomendados pela área gestão de riscos, responsável por reduzir a incidência de roubos durante
o transporte.2

A pressão para reduzir os custos da distribuição também era enorme. O aumento do número
de pequenos clientes aumentava o número de pedidos fracionados, o que aumentava a
necessidade de pessoas na área de picking,3 resultando num aumento do custo de folha de
pagamento. O volume de horas extras vinha crescendo a uma taxa de 10% ao ano. A opção de
usar uma caixa de embarque padronizada com uma grande quantidade de embalagens
primárias, tomada pela área de Manufatura, se, por um lado, trazia ganhos, por outro, fazia com
que muitos produtos tivessem um espaço livre na caixa, o que diminuía sua resistência ao
empilhamento e aumentava o número de avarias, principalmente durante as longas viagens nas
esburacadas estradas fora do estado de São Paulo (Anexo 10). Além disso, aumentava a
necessidade de piece-picking (abrir as caixas e separar unidades individuais de produtos). Para
piorar a situação, Roberto sofria com os custos do alto nível de estoque do centro de distribuição
(Anexo 11).

Havia muitos produtos com estoque suficiente para atender as vendas dos dois anos
seguintes, o que, além de demandar uma área maior de armazenagem, gerava constantes perdas
de produto por deterioração, uma vez que o prazo médio de validade era de 24 meses, e a grande
maioria dos clientes não aceitava produtos com menos de um ano de shelf-life. Ao mesmo tempo,
pressionado por seus colegas na área comercial, Roberto solicitava constantes mudanças na
programação da fábrica, para minimizar a falta de produtos. Ele monitorava também a acurácia
da previsão (Anexo 12) e as constantes discrepâncias entre a previsão informada pelos Gerentes
Regionais de Contas e o volume produzido pela fábrica. O aumento dos preços de frete cobrado

2No Brasil, a incidência de roubos de carga de produtos de alto valor agregado era muito grande, o que obrigava as
empresas, além de pagarem seguro para a carga, a adotar medidas especiais como limitar a quantidade de produtos
em cada veículo, a utilizar escolta armada e a fazer movimentações somente durante o dia. Segundo dados da
Associação Nacional do Transporte de Carga e Logística (NTC), em 2007, foram roubados R$ 735 milhões em
mercadorias durante o transporte no Brasil, ou o equivante a 0,3% do PIB nacional.
3Chama-se picking a atividade de separar os produtos pedidos pelos clientes, que normalmente demanda um grande
número de funcionários.

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pelas transportadoras no final do mês e as constantes devoluções, vindas de clientes, de produtos


vencidos ou por problemas nos pedidos também eram um sério problema. No mês de abril, a
questão das devoluções era ainda mais grave. Roberto se queixava muito da falta de dados
confiáveis para tomada de decisão e da inexistência de processos formais em diversas áreas da
empresa.

Manufatura

João Sanches, Diretor Industrial, era um experiente farmacêutico, responsável por toda a área
de produção. João reclamava dos sérios efeitos dos constantes erros da previsão de vendas feitas
pela área Comercial em sua operação: “A minha fábrica não é suficientemente flexível para
mudar o produto em linha a qualquer momento! Você deveria dizer ao pessoal de Marketing que
parem de aumentar o número de produtos que tenho que produzir. Nós temos as restrições de
lote de produção impostas pela Anvisa,4 temos um longo tempo de reação e temos que garantir
uma máxima eficiência operacional da fábrica, para compensar a baixa taxa de ocupação das
linhas”. Os fornecedores nacionais também sofriam com as constantes mudanças nos pedidos de
compra e muitas vezes não conseguiam atender a tempo as solicitações da Stiefel, gerando
paradas de linha e reprogramações de última hora. O problema era ainda maior para os insumos
internacionais, que demoravam meses para chegar e sofriam com os constantes atrasos da
liberação dos lotes pela Anvisa nos aeroportos. Para minimizar os efeitos das flutuações da
previsão em sua área e baixar o nível de estoque, João ordenara que seu pessoal de PCP fizesse
outra estimativa de vendas e a usasse para planejar a produção e a compra de insumos. Além
disso, para garantir mais eficiência das linhas, João dava preferência à produção de grandes lotes,
o que lhe permitia ter menos horas paradas para set-up.

Finanças

A área de Finanças recebia dos executivos globais a meta de faturamento esperado para o ano
seguinte e era responsável pelo cálculo do orçamento das despesas da operação e pela construção
do demonstrativo gerencial de resultados (Anexo 13). A área de Finanças também respondia pela
formação do preço dos produtos e desmembrava o faturamento esperado para servir como base
para o estabelecimento das cotas dos Gerentes Regionais de Contas. Esses números eram
validados com os executivos responsáveis pela gestão da Stiefel América Latina e, ao longo do
ano, se algum outro país não tivesse bons resultados, alterados para garantir o cumprimento das
metas regionais (o Brasil representava 70% do faturamento da América Latina). Os gestores de
Finanças sofriam com a falta de dados da empresa para controlar a operação e constantemente
alertavam a área de vendas para que reduzissem o prazo médio de contas a receber, que tinha
chegado a 180 dias. Além disso, cabia-lhes reportar à matriz os motivos de a companhia não ter
atingido as metas em determinado mês.

4 A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é o órgão governamental responsável pela regulação do setor.
Para que um produto seja vendido, a Anvisa exige informações detalhadas sobre o processo de produção, que inclui a
fórmula utilizada, o detalhamento do processo produtivo e o tamanho do lote de produção. A mudança de qualquer
um desses dados exige uma autorização do órgão, que pode demorar anos para ser concedida.

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O desafio do turn-around

No início de 2007, Sandra Stefano foi contratada para presidir a Stiefel Brasil e liderar um
processo de turn-around que capacitasse a empresa a parar de perder market-share, como tinha
ocorrido nos últimos seis anos, e aproveitar a oportunidade de crescimento do mercado
brasileiro. Apesar de ser jovem, Sandra tinha trabalhado 20 anos em um grande laboratório,
reconhecido no segmento pela alta qualidade de seus executivos. Sandra era conhecida como
uma executiva direta, voltada para obter resultados e era capaz de tomar decisões difíceis. Ela
parecia a pessoa certa para o desafio. Após alguns meses, Sandra começou a alterar o
organograma da empresa (Anexo 14): levou para lá Max Ferreira, com quem havia trabalhado
anteriormente. Numa conversa, no primeiro dia de Max, Sandra disse: “Dou-lhe carta branca
para fazer as mudanças que achar necessárias para pararmos de perder market-share, mas é
fundamental que se cumpra a meta deste ano fiscal (que se encerra em março de 2009)”.

Para entender melhor a situação, Max resolveu visitar alguns clientes. Um dos maiores clientes
ficou espantado ao ver o Diretor Comercial da Stiefel: “O que está fazendo aqui? Você quer
vender alguma coisa? Estou com 120 dias de estoque dos seus produtos e ainda não recebi o
pagamento dos R$ 200 mil das despesas que tive para incinerar aquela pilha de produtos
vencidos que tinha de vocês!”. Quando perguntou ao Gerente de Contas que o acompanhava
pelo fato de os clientes estarem com muito estoque (Anexo 15), Max ouviu que isso ajudava nas
vendas no longo prazo, pois gerava a “pressão de prateleira”: os distribuidores empurrariam o
estoque para as farmácias e, assim, as vendas aumentariam. Voltando ao escritório, Max pensava
em como resolver o problema da Stiefel de perda de participação de mercado: “Como posso
aumentar as vendas, se meus clientes estão superestocados e os níveis de desconto para os
distribuidores, que deveriam ser, no máximo, de 12%, já estão muitas vezes em torno de 15% do
preço? Sem falar no prazo de pagamento... E, ainda mais, atingir a meta de faturamento... Vou
chamar Roberto e Pedro para me ajudarem a montar uma proposta para Sandra”.

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Anexos

Anexo 1 – Evolução do mercado farmacêutico brasileiro (US$ bilhões)

US$ 10.8B US$ 12.2B US$ 13.4B

Fonte: IMS Saúde.

Anexo 2 – Participação das classes sociais – Brasil

classe A: acima de 30 salários-mínimos


classe B: entre 15 e 30 sm
classe C: entre 6 e 15 sm.
classe D: entre 2 e 6 sm
classe E: até 2 sm
salário-mínimo em 2007 = R$ 380,00 ou US$ 182.00

Fonte: IMS Saúde.

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Anexo 3 – Localização das instalações da Stiefel em 2008

HEADQUARTERS

Operações Comerciais

Fábricas

R&D

Escritório e outros

Fonte: Laboratórios Stiefel.

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Anexo 4 – Histórico da Stiefel no Brasil

1971 – Início das


operação no bairro de 1995 – Inauguração do
Santo Amaro 2007 – Início do turn-over da
novo escritório na Vila 1996 – Início do projeto
(São Paulo) equipe de executivos
Olímpia (São Paulo) de nova fábrica

1995 – Introdução da 1999 – Inauguração da


divisão de produtos de nova fábrica em
consumo Guarulhos

Fonte: Laboratórios Stiefel.

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Anexo 5 – Market-share no segmento dermatológico – Brasil

Market-share
Competidores
MAT_11/2005 MAT_11/2006 MAT_11/2007

TOTAL 100,00% 100,00% 100,00%


STIEFEL 10,00% 9,80% 8,80%
MANTECORP I Q FARM 6,40% 6,50% 6,70%
GALDERMA 7,70% 7,00% 6,20%
LA ROCHE POSAY 4,00% 5,00% 5,90%
MEDLEY 4,00% 4,60% 5,30%
BAYER SCHERING PH 5,60% 5,20% 4,60%
EUROFARMA 4,00% 4,40% 4,60%
PROCTER&GAMBLE 4,40% 4,60% 4,50%
ROCHE 3,90% 4,20% 4,30%
EMS PHARMA 2,90% 3,70% 4,10%

Fonte: IMS Saúde.

Anexo 6 – Foto de produtos da Stiefel Brasil

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Anexo 7 – Percentual de Vendas por Estado Stiefel Brasil

By state

SB
Cut off 13h

Big Benn
Sb Cut off 16th Pague Menos Nazaria
Cut off 13th Imifarma Cut off 16th Athos
Cut off 16th
Cut off 16th

Nazaria Athos
Cut off 16th
Cut off 16th

Athos
Centro America Santa Cruz
Cut off 18th
Cut off 18th Farmed
Ita
Estado %NetRev Km SLA Profarma
Dimed
Panarello
GO 21% 926 3-5 Drogacenter
Servimed Cut off 18th

SP 17% 35 1-2 Profarma


Ita
Araújo Sudestefarma
ES 16% 882 3-5
Cut off 20th
Centro America Cut off 13th
CE 8% 3.126 5-6
Cut off 18th
MG 7% 587 3-4 Cut off 20th

RJ 6% 429 2-3 Drog. São Paulo


ANB Onofre
DF 5% 1.015 3-4 Cut off 20th

PR 5% 2.933 2-4
ANB
BA 3% 1.962 3-6

PA 3% 2.933 5-6
Cut off 18th

PE 3% 2.660 4-6
6 Presentation Title | Date

% NetRev: Percentual de vendas líquidas.


KM: Distância da fábrica em quilômetros.
SLA: Service Level Agreement. Acordo de Nível de Serviço.

Fonte: Laboratórios Stiefel.

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Anexo 8 – Vendas mensais – Sell-in X Sell-out da Stiefel Brasil

1.400.000

1.200.000

1.000.000

800.000
Sell in

Sell out
600.000

400.000

200.000

Fonte: IMS Saúde.

Anexo 9 – Percentual das vendas ao longo do mês Stiefel Brasil (Nov. 2006 x 2007)

Fonte: Laboratórios Stiefel

15
OP-P0001

Anexo 10 – Condição das rodovias no Brasil

Rodovia privatizada no estado de São Paulo

Rodovia pública na região Nordeste

Rodovia pública na região Centro-Oeste

16
OP-P0001

Anexo 11 – Estoque e faturamento líquido mensal da Stiefel Brasil

Faturamento Estoque
3.000.000 10.000.000
9.000.000
2.500.000
8.000.000
7.000.000
2.000.000
6.000.000
1.500.000 5.000.000
4.000.000
1.000.000
3.000.000
2.000.000
500.000
1.000.000
-
Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
06 06 06 06 06 06 06 06 06 07 07 07 07 07 07 07 07 07 07 07 07

Estoque de produtos acabados (US$) Faturamento L (US$)

Fonte: Laboratórios Stiefel.

Anexo 12 – Acurácia da previsão da Stiefel Brasil

% de SKU com erros de previsão entre -20% e +20%

Todos os produtos

Fonte: Laboratórios Stiefel.

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OP-P0001

Anexo 13 – Demonstrativo de resultado típico de empresas do setor

Preço líquido de venda 100

Custos diretos 30
Custos de produção 10
Matéria-prima e embalagem 15
Logística 5

Margem bruta 70

Despesas indiretas e impostos 50

Margem líquida 20

obs.: Esses dados não correspondem exatamente aos dados da Stiefel.

Anexo 14 – Organograma Stiefel Brasil 2008

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OP-P0001

Anexo 15 – Estoque médio de produtos da Stiefel Brasil nos canais de distribuição

% de SKU com erros de previsão entre -20% e +20%

100

90
88 86

75 78 78
72
71
67 71
60 62
61 59

45 Benchmark

30
Jan 07 Feb 07 Mar 07 Apr 07 May 07 Jun 07 Jul 07 Aug 07 Sep 07 Oct 07 Nov 07 Dec 07

Fonte: Laboratórios Stiefel.

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